INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário

I- A sustação da execução nos termos do artigo 871º do Código de Processo Civil traduz-se numa suspensão da instância executiva que finda quando cessar a circunstância a que a lei atribui efeito suspensivo (artigos 276.º/1, alínea d) e 284.º/1, alínea d) do C.P.C.).
II- A venda do bem penhorado na execução que levou à sustação daquela em que a penhora foi posterior consubstancia circunstância extintiva, não obstando à verificação desta não ter sido ainda completada a liquidação na execução uma vez comprovado pelo exequente que o seu crédito não é passível de ficar integralmente ressarcido pela venda efectuada.
III- Deverá, então, o Tribunal, onde a execução foi sustada, uma vez finda a sustação da execução, aguardar o decurso do prazo de um ano para declarar a interrupção da instância conforme resulta do disposto no artigo 285º em conjugação com o artigo 283.º/2 ambos do C.P.C., não devendo, sem decorrer o assinalado prazo de um ano, declarar interrompida a instância.

(SC)

Texto Integral

Acordam em conferência na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.  

I – RELATÓRIO

A Caixa Geral de Depósitos, SA instaurou, contra E.[…], Lda., L.[…] e M.[…] acção executiva para pagamento de quantia certa e processo ordinário, fundando-se em livrança no valor de Esc.12.490.302$00, e apresentando garantia hipotecária sobre imóveis da propriedade dos segundo e terceiro executados, na qualidade de avalistas daquele título de crédito.

Seguidos os trâmites legais e realizadas as diligências tendentes à concretização de bens penhoráveis, foi proferido despacho de sustação, de acordo com o estabelecido no artº871 do CPC (a fls.83 e datado de 11/12/2000), considerando a existência de penhora anterior sobre os mesmos bens.
 
No decurso do ano de 2003 foi proferida decisão que determinou que os autos aguardassem o prazo de interrupção da instância, o qual, por reclamação do exequente viria a ser rectificado, declarando-se então cessada a interrupção e mantendo a sustação da instância.

Após vicissitudes várias foram liquidadas as custas no âmbito do disposto no artº51 do CCJ ; o exequente pagou o respectivo valor e reclamou-o  no âmbito da outra execução.

Seguidamente e após oscilações sucessivas acerca da manutenção da suspensão da instância, foi proferida decisão datada de 27/2/06, onde se declarou interrompida a instância de acordo com o estabelecido no artº286 do CPC, por virtude de a suspensão determinada no âmbito do artº871 do CPC não poder manter-se eternamente.      

Inconformada a Exequente interpõe o presente recurso recebido como agravo com subida diferida e efeito suspensivo.

Do despacho que admitiu o recurso e lhe fixou o efeito reclamou a exequente da retenção, nos termos do artº688 do CPC e cuja  resultado se desconhece.  

Concluiu a agravante deste modo as alegações recursivas:
1- O despacho de 4/1/05 manteve a suspensão da acção executiva, suspensão total, conforme despacho de 24/6/03, que por sua vez manteve a suspensão da execução ao abrigo do artº871, nº1 do CPC.
2- Sendo total a suspensão e resultando do contido no despacho de 4/1/05 que não existe fundamento para declarar interrompida a instância executiva encontra-se esgotado o poder jurisdicional, a não ser que existam factos novos, o que não é o caso.
3- Não é um facto novo o contido na decisão recorrida acerca do processo não poder ficar parado eternamente, nem suspenso nos termos do artº871 do CPC.
4- Do contido nas conclusões resulta que a decisão recorrida violou o artº666 do CPC.
5- “Sendo total a suspensão da acção executiva para reclamação do crédito noutro processo, o exequente não tem o ónus do impulso processual, pelo que não pode ser declarada interrompida a instância ”Ac.RL de 9/7/03 (…)”.
6- Acresce que a presente execução é hipotecária, e que a exequente não desiste, nem pretende desistir da penhora ordenada nos autos e do direito que lhe confere, encontrando-se a outra execução pendente da realização da liquidação do julgado.
7- Durante o prazo de suspensão os prazos judiciais não correm.
8- A suspensão só cessa quando findar a circunstância.
9- Atento o que antecede, verifica-se que a decisão violou os artº276, nº1 al) d, 283,284,nº1 al) d, 666, 871, nº3 e nº4 do CPC.  

Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação do despacho que declarou interrompida a instância.

Não foram juntas contra-alegações.

O Sr. Juiz sustentou tabelarmente o despacho impugnado e mandou, desde logo, subir o recurso nos próprios autos de execução.  

Foi proferida decisão pelo Relator que manteve os termos do recebimento do recurso (1).

Cabe, porém, ora registar que, por virtude do Sr.Juiz a quo ter, a final, determinado a subida imediata do recurso após as alegações do recorrente (2), esvaziou-se este pomo de discórdia.

Pese embora reconhecendo que o Tribunal recorrido deveria ter explicitado no seu despacho de sustentação a alteração do modo de subida diferida para subida que se revelou imediata (3), criando situação passível de nulidade secundária, o certo é que, veio de encontro ao sustentado pela parte recorrente e, os recorridos, notificados silenciaram, não advindo, pois, prejuízo ou atropelo de direitos processuais dos litigantes.        

Ou seja, o recurso acabou por não ficar retido e foi remetido de imediato com as de alegações a este Tribunal da Relação, passando-se à sua apreciação imediata, sem necessidade de outros considerandos

Cumpridos os vistos, nada obsta, pois, ao conhecimento do mérito.

II – OS FACTOS

Ao que importa à decisão, apenas a referir o teor do despacho indicado no relatório e para cujo conteúdo se remete (artº713, nº6 do CPC), bem como a descrita tramitação da execução no concerne à sustação determinada nos termos do artº871 do CPC.

III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
 

Da bondade do recurso.

Por organização de raciocínio, convém partir da premissa consabida, segundo a qual, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando conhecer das questões nelas colocadas, à parte das que exijam apreciação oficiosa – artº684, nº3 e 690 do CPC.

A relativa simplicidade do objecto do dissídio permite afirmar liminarmente que assiste em parte razão ao agravante, conquanto se justifique explicitação da motivação tão parca é a contida no despacho sindicado.

Equacionemos então a questão a analisar na seguinte interrogativa:

Limitando-se o despacho recorrido a declarar que ocorre interrupção da instância por “demorada sustação “ da execução, bem andou o Sr. Juiz?
   
Vejamos.

   No caso espécie resulta dos autos que, em 4/1/2005 foi lavrado nos autos despacho determinando que os autos manter-se-iam sustados em conformidade com o estabelecido no art.º 871 do CPC (4), sendo certo que, o exequente foi dando notícia da tramitação da outra execução onde reclamou o crédito exequendo e custas, designadamente, solicitando a emissão de certidões para o efeito necessárias.

Após o que, em 27 de Fevereiro de 2006, o Sr.Juiz entendeu pôr cobro ao que designa de” eternização” da sustação da instância, declarando-a interrompida.    

O que diz a lei.

Dispõe o art. º 871, nº 1 do CPC que:
 
“Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, sustar-se-á quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina”.

Por seu turno, o nº 3 daquele normativo estabelece que o exequente pode desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e nomear outros em sua substituição.

Isto é, se o bem penhorado já estiver onerado com uma penhora anterior, sustada a execução com a penhora posterior, apresentam-se duas opções ao exequente:

 a) Reclama o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, dentro do prazo fixado no nº 2 do art.º 871; b) Desiste da penhora relativa ao bem apreendido no outro processo e nomeia outros bens em sua substituição.

Para além do mais, poderá sempre o exequente reclamar o crédito e, simultaneamente, nomear outros bens à penhora, se for previsível a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito no outro processo, face ao montante da quantia exequenda e dos créditos ali reclamados.

É consabido que, o regime instituído pelo art.º 871 do CPC visa evitar que o mesmo bem seja adjudicado ou vendido em mais que uma execução. A liquidação tem de ser única e há-de logicamente fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.

De outra sorte, dispõe o art.º 285 do CPC que a instância se interrompe, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou de algum incidente do qual dependa o seu andamento.

Convém, ainda, sublinhar as especialidades que o processo executivo encerra, (quer quanto à finalidade última, quer no que se prende com a tramitação), o que provocará uma adaptação na aplicação do disposto no artº285 do CPC.

Doutra banda, por força do disposto no art.º 291, nº1 do CPC, estando interrompida durante dois anos, considera-se a instância deserta, independentemente de decisão.


 Por último, nos termos do art.º 666, nº1 do CPC, após proferida a sentença, ou o despacho, está o juiz impedido de proceder a qualquer alteração não apenas da sua decisão, mas também dos respectivos fundamentos, com as excepções da rectificação de erro material, de aclaração ou reparação do agravo.


Agora, o fundo da causa.    
 

  Começando pela questão suscitada pelo recorrente sobre a violação do princípio estabelecido no artº666 do CPC, não tem sucesso a alegação do recorrente.


Com feito, o Sr. Juiz ao apreciar a situação dos autos de execução em 27/2/06 através do despacho impugnado, digamos assim, “não voltou atrás ” na questão da sustação da execução, o que fez, foi reponderar, reavaliar os pressupostos distintos aquando da prolação do despacho pretérito de 4/1/2005, no qual se decidiu por manter a sustação da execução.
 

  Não se verifica, efectivamente, aplicação deste princípio ao caso; o que a verificar-se suscitaria uma nulidade prevista no artº201 do CPC (5).

A situação não é de molde a concretizar erro processual, mas porventura, como adiante analisaremos, eventual erro de julgamento no despacho posto em crise (6).

Avaliando agora os restantes conclusões.

Importa prefigurar qual deverá ser a tramitação subsequente da execução que é sustada (sustação total) nos termos do art.º 871º, nº 1 do CPC.

Assim, se o exequente nomear novos bens à penhora (desistindo ou não da penhora do bem onerado com penhora anterior (7)), a execução prosseguirá. Caso o exequente informe que reclamou o seu crédito no outro processo, devem os autos ser remetidos à conta ao abrigo do disposto no art.º 51º, nº 2, al. a), com custas a cargo do executado. (8) 

Na hipótese de o exequente não tomar qualquer atitude, o processo deverá ser remetido à conta ao abrigo do disposto no art.º 51º, nº 2, al. b) do CCJ, suportando o exequente as custas da execução.

 Doravante, em ambas as últimas situações, o processo deverá continuar a aguardar o impulso processual do exequente durante os prazos, respectivamente de interrupção e deserção da instância, nos termos do artº285 e 291 do CPC.

É certo que o exequente já reclamou na outra execução o seu crédito que foi reconhecido e graduado.

 Até ao momento, na execução (9) que provocou a sustação da presente por penhora prioritária dos imóveis, o exequente reclamou o seu crédito e aguarda liquidação do julgado que prevê em quota inferior ao montante do seu crédito, pelo que  é legítimo o seu interesse em prosseguir esta execução para cobrança do remanescente.    

Donde, e tal como o exequente informa e requereu nos autos, pretende ainda usar esta execução para obter a satisfação do remanescente do seu crédito.

Com efeito, a todo o tempo o exequente pode fazer prosseguir a execução, ou informando que obteve a satisfação integral do seu crédito, e consequente e subsequentemente declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, ou, nomeando outros bens do executado. Se o exequente persistir em não movimentar o processo, a instância executiva acabará por ser extinta por deserção nos termos do art.º 918 do CPC.

E, de tal actuação não está impedido nos autos pelo despacho posto em crise ao dar por terminada a situação de sustação, o que significa que, por definição, que a todo momento o exequente tem a faculdade de impulsionar os autos.

Observe-se que, na realidade, a razão legal da sustação – impedir a venda simultânea do mesmo bem, exauriu-se com a efectivação da mesma nos outros autos de execução, não relevando, portanto, a circunstância de não estar ainda completada a liquidação do julgado.

Nesta ordem de raciocínio, salvo melhor opinião, cessou a causa que justificou a sustação/suspensão da instância em presença, de harmonia com o disposto no artº284, nº1, al) d do CPC, e nessa medida, é correcta a decisão no segmento que deu por finda a suspensão da instância.

Todavia, aqui chegados, é forçoso concluir que, o Sr.Juiz não devia declarar em simultâneo a instância interrompida, isto porque, só a partir da cessação da suspensão, começará a correr o prazo de um ano para o efeito da declaração de interrupção, conforme decorre cristalinamente do disposto no artº285 em conjugação com o disposto no artº283, nº2 do CPC.        


Procede, assim, nesse particular a alegação do agravante.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se, conceder provimento ao agravo, revogando parcialmente a decisão , na parte que declarou interrompida a instância, mantendo-a no que concerne a cessação da sustação da execução.
Não são devidas custas.


Lisboa, 17 de Outubro de 2006  

Isabel Salgado

Soares Curado

Roque Nogueira



_________________________________________
1.-Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil , 3ª, pag.71/72.

2.-Reclamando para o Presidente do Tribunal ad quem , a parte tem desde logo de motivar o recurso-artº688, nº2 e Castro Mendes in Recursos, AAFDL, 1980 pag.138.

3.-Tal-qualmente a regra geral dos recursos a que é fixado o efeito suspensivo.

4.-Considerando a data de autuação da execução é aplicável o CPC nas alterações introduzidas pela DL 329ª/95, de 12/12.

5.-Sem prejuízo, é óbvio da sua arguição em sede de recurso.

6.-Situação que determinaria reclamação e não recurso.

7.-Note-se que a alternativa de actuação verifica-se apenas entre reclamar no processo da penhora anterior e desistir na execução sustada desta penhora-cfr.Lopes Cardoso in Manual da Acção Executiva, 3ª, pag.494.

8.-Salvador da Costa in CCJudiciais, 7ª, pag.301.

9.-Processo 113ª/1996 – 2ª secção da 16ªVara Cível de Lisboa.