TÍTULO EXECUTIVO
JUROS DE MORA
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Sumário

1- A sentença proferida em acção declarativa constitutiva de divórcio que declarou o divórcio e condenou o Réu no pagamento à Autora de certa quantia pecuniária a título de indemnização por danos morais, ao abrigo do art.º 1792, do CCiv, é titulo executivo bastante para o pedido de juros de mora sobre aquela indemnização, juros de mora esses a contar deste o trânsito em julgado dessa decisão;
2- Os juros de mora em questão prescrevem no prazo de cinco anos em conformidade com o disposto no art.º 310, alínea d) do Cciv.

Texto Integral

Acordam os juízes na 2.ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE E EMBARGANTE:A. (representado em juízo pelo ilustre advogado J. com escritório em Lisboa conforme procuração junta aos autos de divórcio a que estes estão apensos a fls. 57)

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APELADA E EMBARGADA: B. (representada em juízo pelo ilustre advogado J. com escritório no Cacém - concelho de Sintra, distrito de Lisboa - conforme procuração junta aos autos de execução em apenso a fls. 11).
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Inconformada com o teor da sentença de 28/02/06 de fls. 54/60 destes autos de embargo por ele deduzidos à execução que lhe move B., sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos com extinção da execução quanto ao montante de €562,82 de juros vencidos na data da execução prosseguindo nos demais termos, dela apelou o executado/embargante onde conclui:
1. Pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi o embargante condenado a pagar uma indemnização por danos morais.
2. Tal acórdão não condenou o Apelante em quaisquer juros moratórios.
3. A embargante nunca recebeu da embargada, visando o pagamento da dívida exequenda a que foi condenado e, até à instauração da acção executiva qualquer interpelação.
4. Consequentemente, não são devidos juros moratórios.
5. E mesmo que o fossem, nos termos e ao abrigo do art.º 310 do CCiv sempre estariam prescritos os juros para além de cinco anos.
Conclui pedindo a procedência do recurso e consequente absolvição do recorrente do pagamento dos juros moratórios peticionados, ou, no mínimo, considerarem-se prescritos os juros para além de cinco anos.

Não houve contra-alegações.

Recebido o recurso, foram os autos aos vistos, mantendo-se os pressupostos de validade e de regularidade processual.

Questão a resolver: Saber se são devidos juros de mora sobre o montante indemnizatório de um milhão de escudos fixado na sentença de divórcio a título de danos morais a favor da exequente ou se eles não são devidos por o embargante nunca ter sido interpelado para os pagar; sendo devidos, se ocorre prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos com referência à data da petição executiva.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A Sentença recorrida dá como assentes os seguintes factos que o recorrente não impugna:
a) Nos autos de divórcio intentado pela aqui embargada contra o aqui embargante de que a execução é apenso foi proferida sentença aos 02/11/93 e não 2/11/2002 como por lapso é indicado (cfr. fls. 135/141 do apenso de divórcio) decretando o divórcio entre ambos com culpa exclusiva do ex-marido condenando este último “a pagar à Autora a título de danos não patrimoniais causados o montante de um milhão de escudos” nos termos do art.º 1792 do CCiv; decisão essa que foi confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 16/04/1996 (cfr. fls. 236/240 dos autos de divórcio apensos), acórdão esse transitado em julgado em 10/05/1996 conforme cota de fls. 242 desses autos;
b) A embargada instaurou em 04/05/2000 no Tribunal Judicial da Comarca de Sintra execução contra o embargante nos termos que constam do apenso B) para pagamento coercivo da indemnização fixada na sentença e juros que computou em PTE 810.360,00, com indicação de bem à penhora que foi ordenada por despacho de fls. 16 do apenso B de 30/05/2001 cumprida a fls. 17 quanto à quota da exequente, sendo o executado A. notificado em 20/10/2004 para no prazo de 10 dias deduzir embargos de executado ou oposição à penhora nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 926 do mesmo Código como se afere da certidão de 30 do Apenso.
c) A convite do juiz do Tribunal recorrido nos termos e para os efeitos do art.º 817, n.º 2 e 3, 508, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do CPC (cfr. fls. 19/20 destes autos) a exequente/embargada veio apresentar requerimento que deu entrada em juízo em 28/09/05 pelo qual refere erro de cálculo de juros de mora que contabilizou desde 13/11/93, data da notificação da sentença em 1.ª instância e 01/03/2000 no total (à data da execução) de PTE 697.425,00 (€3.466,72) sendo consequentemente reduzido o pedido executivo à data da sua entrada para PTE 1.697.425,00 explicitando a liquidação dos juros: à taxa de 15% desde 13/11/93 até 30/09/95, desde 01/10/95 até 17/04/99 à taxa de 10% e desde 18/04/99 até 01/03/2000 à taxa de 7% sobre o capital de €4.987,98 (cfr. fls. 25); a este novo requerimento o embargante/executado respondeu a fls. 28/29 destes autos mantendo a sua posição inicial dos embargos e que atendendo à prescrição do art.º 310 do CCiv o valor dos juros não poderia ultrapassar €1.302,74, caso se entenda que eles são devidos e apenas pelo período de 5 anos.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. A exequibilidade dos juros de mora peticionados na execução

Entendeu-se na sentença recorrida: “(…) quanto à inexistência de interpelação ao cumprimento não se vê que outra mais forte interpelação pretende o embargante, que foi notificado de que fora condenado pelo Tribunal a pagar tal montante que recorreu da decisão que tal mandou e foi notificado de que mesma fora confirmada tendo transitado em julgado.(…) O vencimento de juros moratórios decorre daquelas normas (804, n.º 1 e 806, n.º 1 do CCiv) sem necessidade de actividade jurisdicional. É aliás esse o regime agora expressamente consagrado no art.º 46, n.º 2 do CPC, na redacção introduzida pelo DL 38/03, de 08/03 mas que já decorria daquelas normas. (…)”

A sentença que constitui o título executivo data de 1993 mas foi dada à execução em 2000 e nessa sentença fixou-se a indemnização por danos não patrimoniais nos termos do art.º 1792 do CCiv em um milhão de escudos, não concedendo a totalidade do pedido nesse sentido feito pela Autora (que era de 3.000.000$00 ou PTE 3.000.000,00).

Na execução a exequente pede sobre aquele capital também juros de mora a contar da data em que o executado foi notificado da sentença de divórcio em 13/11/93, conforme requerimento de 28/09/05 já referido, e o executado defende que tais juros não são devidos por não constarem do título executivo que é a sentença.

O art.º 45 do CPC estatui que toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

Antes da actual alteração do art.º 46 do CPC (alteração aqui inaplicável por a execução datar de 2000 e alteração de 2003 e só aplicável aos processos com início em Setembro de 2003) e que resolveu em definitivo a questão dos juros de mora ainda que não constantes do título executivo entendia-se, quase generalizadamente, que não constando do título executivo, neste caso a sentença condenatória, a condenação no pagamento de juros, sendo estes peticionados na execução existe nessa parte falta de título (cfr. Ac do STJ de 09/11/95 in BMJ n.º 451-333 e jurisprudência aí citada designadamente os Acórdãos do STJ de 19/01/84 in BMJ n.º 333- 386 e ss., de 04/11/1997 in BMJ 471- 293 e ss, Ac do STA de 14/11/96 in BMJ 461/244, de 20/01/01 relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos disponível no sítio www.dgsi.pt ). E baseou-se esse entendimento na consideração de que os juros moratórios pedidos, a serem contados desde a citação, correspondem a uma indemnização para reparação de prejuízos decorrentes da mora do executado no pagamento de uma determinada prestação pecuniária sendo esse crédito autónomo o que resulta do art.º 561 do CCiv e também da lição de Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 151 Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 66. Na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores não ocorria grande divergência (no sentido contrário da exequibilidade dos juros moratórios sobre um capital indemnizatório por facto ilícito de natureza criminal confira-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 06/01/1988 in C.ªJ.ª, tomo 1, pág. 151) pelo que é manifestamente duvidoso que o n.º 2 do art.º 46 do CPC na redacção do DL 38/03 de 08/03 tenha natureza interpretativa quanto à questão.

Sobre a matéria do requisito de exequibilidade dos juros de mora posteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória (única questão que aqui nos ocupa pois não estão em causa os juros compulsórios do art.º 829-A n.º 4 do CCiv) concordamos com Abrantes Geraldes (1) quanto à exequibilidade de juros moratórios sobre o capital objecto de uma condenação transitada em julgado e que se sintetizam do seguinte modo:
a) Nenhuma razão existe para que os documentos particulares sejam título executivo bastante não só para a dívida de capital como para os juros moratórios não constantes expressamente do título (mas devidos pelo direito substantivo) e já assim não suceda com as sentenças condenatórias em montantes pecuniários;
b) Está hoje resolvida por acórdão uniformizador de jurisprudência de 09/05/02 na Revista ampliada 1508/01-1 do STJ (ainda que com votos de vencido) que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado nos termos do n.º 2 do art.º 566 do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.”- esta uniformização permitiu ultrapassar a questão até então muito debatida da possibilidade de cumular os juros de mora desde a citação do devedor com a actualização da dívida de valor, no sentido negativo quando o valor indemnizatório à cata da decisão contiver já a actualização do valor pela inflação.
c) A evolução da doutrina, designadamente da exequibilidade das chamadas sentenças de condenação implícita, (onde se contam as sentenças proferidas em acções constitutivas), que tem subjacente a ideia de que o texto formal da sentença não esgota a definição dos direitos por ela reconhecidos;
d) Para situações excepcionais em que contra o que resulta da sentença, se verifique a inexistência da mora, sempre ao executado cabe o recurso aos embargos ou oposição à execução, à semelhança das situações em que malgrado a inequívoca exequibilidade do título haja motivo de oponibilidade à execução.
e) a última reforma processual reflecte mais uma vez uma opção do legislador no sentido da atenuação da rigidez em sede de pressuposto processual específico da acção executiva: o título executivo;
f) não sendo função do processo executivo a definição de direitos estará abarcado pelo caso julgado formado pela sentença proferida na acção declarativa condenatória no pagamento de uma determinada quantia não só aquela condenação expressa como ainda outros efeitos que emergem de normas supletivamente aplicáveis e que possibilitam “titular” a obrigação de juros, como a presumida existência da mora e a data da constituição.

Ora sendo certo que o executado/embargante interpôs recurso da sentença que decretou o divórcio (sentença que condenou o embargante no pagamento da quantia indemnizatória), por se não ter conformado com o teor dessa sentença recurso esse que veio a ser recebido com efeito suspensivo(sublinhado nosso) e que era o próprio, pelo menos desde o trânsito em julgado dessa sentença que o executado sabe que deve pagar aquela quantia constante do título, pois tal constitui interpelação suficiente para o efeito.

Por conseguinte, bem andou a sentença em considerar serem devidos juros de mora que se devem contra neste caso desde o trânsito em julgado da decisão dada à execução.

2. A prescrição dos juros de mora

O embargante sustenta que se encontram prescritos os juros de mora calculados e vencidos há mais de cinco anos nos termos do art.º 310 alínea d) do CC.

A este propósito diz-se na sentença que o termo a quo da contagem dos juros se deve entender o trânsito em julgado do Acórdão da Relação e Lisboa que confirmou a sentença de 1.ª instância e tal trânsito ocorreu como acima se disse em 10/05/1996.

A prescrição a que se refere o art.º 310, alínea d) do CCiv (prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (…) não é uma prescrição presuntiva como a que vem prevista nos art.ºs 312 e ss. mas sim uma prescrição de curto prazo, uma prescrição extintiva destinada a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol.I, 4.ª edição, 1987, pág. 280 e Ac do STJ de 18/11/04 proferido no processo 04b3459 relatado pelo ilustre Juiz Conselheiro Araújo de Barros disponível no sítio www.dgsi.pt. )

A dívida de juros, tal como todas as prestações que constituem o correspectivo do gozo de coisas fungíveis, (o que ocorre também na mora, já que o decurso do tempo sem a disponibilização do capital beneficia o devedor e prejudica o credor), detém certa autonomia em relação à dívida de capital que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que cada uma dessas dívidas, com alguma independência entre si está sujeita também a prescrição própria. A dívida de juros renasce periodicamente no termo de cada período ou dia, pelo que quanto à dívida de juros correspondente à mora a prescrição se conta dia a dia, considerando-se prescritos os juros na medida em que sobre a respectiva obrigação vão decorrendo os cinco anos previstos no art.º 310, alínea d) do CCiv. Com a extinção da dívida de capital, designadamente pelo seu pagamento, cessa, a partir desse exacto momento, a renovação daquela obrigação autónoma de juros, mas também é a partir do exacto momento do nascimento da obrigação de pagamento do capital (e que acima se entendeu ser o momento do trânsito em julgado da sentença dada à execução) que se vencem e renovam as prestações correspondentes à dívida de juros de mora.

Tratando-se de prescrição extintiva, como se torna claro que se trata, também lhe são aplicáveis as disposições correspondentes à suspensão e à interrupção.

A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito (art.º 323, n.º 1 do CCiv); se a citação ou a notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias (art.º 323, n.º 2 do CCiv).

A execução foi intentada em 04/05/2000; sendo o termo a quo da prescrição o dia 10/05/96, a prescrição só ocorreria em 10/05/2001. Tendo a execução sido intentada em 04/05/2000 a exequente credora exerceu o seu direito um ano antes do termo ad quem daquele prazo de 5 anos.

É certo que a citação ou notificação judicial para a execução apenas ocorreu como dos factos provados decorre e do certificado nos autos em 20/10/04.

Mas não foi por facto imputável à exequente que a notificação judicial só ocorreu em 2004. Dos autos, designadamente de fls. 2, 24, 27, 30, decorre que o executado só veio a ser notificado na morada que a exequente indicou, 4 anos depois da propositura a execução por factos que à exequente são absolutamente alheios.

Por conseguinte, a interrupção da prescrição tem-se por ocorrida 5 dias após a propositura da acção, ou seja em 09/05/2000, muito tempo antes do decurso do prazo.

Sendo certo que a prescrição não ocorreu, o certo é que a contabilização dos juros de mora feita pela exequente no seu requerimento de 28/09/05 não é correcta pois contabiliza juros de mora desde 13/11/93 (data da notificação da sentença da 1.ª instância) e não, como se impunha e pelas considerações acima feitas, desde 10/05/96, ou seja desde o trânsito em julgado da sentença dada à execução.

IV – DECISÃO

Pelo exposto considera-se que os juros de mora são devidos e que são devidos sobre o montante do capital (um milhão de escudos ou o correspondente valor em euros), embora apenas desde 10/05/1996 (os contabilizados na petição executiva de que aqui se cura são-no até 1/03/00), não havendo prescrição, nessa medida improcedendo a apelação, procedendo todavia em parte pois os juros de mora sobre esse capital apenas são devidos desde 10/05/1996 e não desde 13/11/93 como a exequente pretende, nessa parte procedendo a apelação quanto ao montante dos juros de mora devidos, ainda que por diferente razão, juros de mora esses calculados às sucessivas taxas legais e que na execução deverão ser liquidados pelo exequente em conformidade, revogando-se em conformidade a decisão recorrida.
Custas na proporção de 4/5 para o embargante e 1/5 para a embargada.
Notifique.
Lxa. 19 /10 /06

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Américo Joaquim Marcelino



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1.-Estudo publicado na C.ªJ.ª Ac. STJ, Ano IX, t. I, 2001, págs. 55/62.