ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO FUTURO
CONTRIBUIÇÃO PARA A VIDA FAMILIAR
CÔMPUTO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - A contribuição para a vida familiar mesmo em espécie (trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos) tem de ser valorada.
O Autor deixou de beneficiar desse contributo na sua vida pessoal e familiar, o que se traduz, a nosso ver, necessariamente num dano futuro.
II - Para tratar das lides domésticas de um agregado familiar composto por quatro membros: dois adultos e duas crianças iremos tomar como padrão um ordenado que seria preciso pagar a uma terceira pessoa. Tendo em conta o valor do ordenado mínimo nacional mas para facilitar o cálculo das pequenas e inúmeras oscilações, fixa-se o mesmo no montante de €500,00.
Valorando o facto de que a vitima não exercia qualquer outra actividade ou profissão é lógico que a sua contribuição para os encargos da vida familiar era muito superior à do outro cônjuge, fixando-se esta sua comparticipação em 75%.

Texto Integral

Proc. nº 1524/10.7TBOAZ.P1
Comarca de Aveiro
St. Mª Feira - Inst. Central - 2ª Secção Cível - J2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
B…, residente na Rua…, nº …, em …, veio propor a presente acção em processo comum sob a forma ordinária, contra:
- C…, residente na Rua …, nº …, em São João da Madeira;
- D…, residente na Rua …, nº …, em São João da Madeira;
- Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Avenida …, em Lisboa;
- Companhia de Seguros E…, S.A., com sede no …, nº .., em Lisboa;
- F…, Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua …, nº….
- G… Seguros, S.A., com sede na Avenida …, nº …, em Lisboa, alegando, em síntese, que:
- No dia 19 de Agosto de 2007, pelas 15.00 horas, no IC … em …, …, ocorreu um acidente envolvendo quatro veículos, um conduzido pelo 1º R. e propriedade do 2º R. (..-...-NE), outro pelo A. (..-EA-..), outro por I…, segurado na 5ª R. (..-..-QG) e ainda outro conduzido por H…, segurado na 6ª R (..-..-MR);
- O acidente foi provocado pelo 1º R., que seguindo de forma desatenta, no sentido Sul-Norte, resolveu ultrapassar várias viaturas que seguiam à sua frente, entrando na hemi-faixa contrária no momento em que em sentido contrário seguia o veículo conduzido por I…, que para evitar o embate frontal guinou para a sua direita, acabando por se despistar e embater no veículo do A., que seguia no sentido Sul-Norte, sendo que este último ainda foi embatido pelo veículo que seguia atrás de si, conduzido por G…;
- Para a hipótese de se apurar responsabilidade na eclosão do acidente por parte dos condutores dos outros veículos envolvidos no acidente demanda as respectivas seguradoras;
- O A. sofreu lesões e dores que descreve, bem como viu o seu veículo praticamente destruído, pagando ainda € 10 diários, mais IVA, pelo seu parqueamento e ficou impossibilitado de o utilizar;
- Nem o proprietário nem o condutor do veículo tinham válido obrigatório contrato de responsabilidade civil automóvel, apesar de o 1ª R. ter defendido no âmbito de processo crime o contrário e que a mesma se achava transferida para a 4ªR;
Termina pedindo que:
Na hipótese de se provar que a culpa pela produção do acidente deverá ser imputada, total ou parcialmente, ao 1.º Réu, condutor do veículo ..-..-NE, e que tal veículo, à data, circulava sem seguro válido e eficaz, deverão os três primeiros Réus, C…, D… e F.G.A., ser condenados solidariamente, na medida da culpa apurada, a pagar ao Autor a quantia de 108.886,00 Euros bem como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente sofridos até à data da entrada da presente acção, bem como deverão ser os Réus condenados a pagar os danos patrimoniais e não patrimoniais que surjam após esta data, nomeadamente, todas as quantias devidas pelo depósito/parqueamento da viatura EA, pela privação do uso da mesma e ainda as quantias relativas ao imposto único de circulação;
Na eventualidade de se provar que a culpa pela produção do acidente deverá ser imputada, total ou parcialmente, ao 1.º Réu, condutor do veículo ..-..-NE, e de que tal veículo, à data, circulava com seguro válido e eficaz, deverá a 4.ª Ré, Companhia de Seguros E…, S.A., ser condenada, na medida da culpa apurada, a pagar ao Autor a quantia de 108.886,00 Euros como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente sofridos até à data da entrada da presente acção, bem como deverá a Ré ser condenada a pagar os danos patrimoniais e não patrimoniais que surjam após esta data, nomeadamente, todas as quantias devidas pelo depósito/parqueamento da viatura EA, pela privação do uso da mesma e ainda as quantias relativas ao imposto único de circulação;
Caso se prove que o acidente se deu por culpa, total ou parcial, do condutor do veículo ..-..-QG, deverá a 5.ª Ré, F…, S.A., ser condenada, na medida da culpa apurada, a pagar ao Autor a quantia de 108.886,00 Euros como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente sofridos até à data da entrada da presente acção, bem como deverá ser a Ré condenada a pagar os danos patrimoniais e não patrimoniais, que surjam após esta data e até à data em que for disponibilizada ao autor a indemnização, nomeadamente, todas as quantias devidas pelo depósito/parqueamento da viatura EA, pela privação do uso da mesma e ainda as quantias relativas ao imposto único de circulação;
Caso se venha a provar que o condutor do veículo ..-..-MG seja total ou parcialmente culpado na colisão com o veículo EA (segunda colisão), deverá a 6.ª Ré, G… Seguros, S.A., ser condenada, na medida da culpa apurada, a pagar ao autor todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sejam imputados, cuja quantificação e fixação dos mesmos se relega para execução de sentença;
Tudo com juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

A R. G… veio contestar dizendo, em resumo, que:
- Impugna os danos quanto à sua extensão e por desconhecimento;
- O acidente decorreu por exclusiva responsabilidade do 1º R., nos termos descritos na petição inicial;
- O seu segurado seguia a uma velocidade adequada, sendo apenas mais uma vítima do acidente, tendo-lhe sido completamente impossível evitar o “toque” no veículo que seguia à sua frente, sendo que tinha o seu sentido de marcha completamente cortado;
Termina pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova que se vier a produzir.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou e deduziu incidente de intervenção principal, dizendo, em sinopse, que:
- Impugna por desconhecimento todos os factos alegados na petição inicial, dizendo, contudo, que é exagerada a liquidação levada a cabo pelo A., sendo que a privação de uso do automóvel e o valor do seu aparcamento não são indemnizáveis;
- Existe contrato de seguro celebrado com a 4ª R. que abrangia à data do sinistro o veículo conduzido pela 1ª R., pelo que o FGA é parte ilegítima;
- Deduz o incidente de intervenção principal em relação I… (condutor e proprietário do QG), J… (passageiro do QG), Herdeiros de K…, falecida em consequência do sinistro, H… (condutor e proprietário do MG), L…, M…, N…N… e O… (passageiros do EA) pois todos eles tiveram prejuízos ou despesas em consequência do acidente em apreço, sendo que para além de uma regulação unitária e definitiva da relação controvertida poderá estar em risco o limite do capital seguro.
- Conclui pedindo que se julgue a invocada excepção procedente. Sem conceder defende que deve a presente acção ser julgada em conformidade com a prova que vier a produzir-se.
Mais requereu a admissão como intervenientes dos lesados:
i. I…, residente na Rua …, n.º…, …, Oliveira de Azeméis;
ii. J…, residente na Rua …, n.º…, …, Oliveira de Azeméis;
iii. Herdeiros de K…, com última residência conhecida na Rua …, n.º …, …, Oliveira de Azeméis;
iv. L…, residente na rua …, n.º ..., …, … Porto;
v. M…, residente na Rua …, …, Porto;
vi. P…, residente na Rua …, n.º …, …;
vii. M…, residente na Rua …, …, Porto;
viii. O…, residente na Rua …, …, Porto;
ix. Hospital de Q…, em …;
x. Instituto da Segurança Social, IP;
para, querendo, virem aos presentes autos deduzir o seu pedido, como associados do A., nos termos do artigo 325.º e seguintes do Código de Processo Civil.

A R. F1… – Sucursal em Portugal deduziu contestação, na qual disse, em suma, que:
- Adere à descrição do sinistro feita na petição inicial;
- Impugna basicamente os danos por desconhecimento.
Conclui pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
C… e D… contestaram conjuntamente, aduzindo, em síntese, que:
- No dia do sinistro existia certificado internacional de seguro automóvel válido da R. E…;
- O R. C… tentando verificar se podia efectuar uma ultrapassagem aproximou o veículo do eixo da via, sem invadir a hemi-faixa de rodagem contrária, sendo que em sentido contrário circulava o QG a mais de 150 km/hora, que passou por si sem que se tenha apercebido de qualquer acidente, não tendo por isso o R. em causa qualquer responsabilidade;
- A responsabilidade do acidente foi do condutor do QG, devido à velocidade e desatenção com que circulava;
- Grande parte dos danos do EA, e consequentemente do A., foram provocados pelo MR;
- Impugnam os danos por desconhecimento.
Concluem pedindo a absolvição dos pedidos contra si formulados.
A Companhia de Seguros E…, S.A. apresentou contestação na qual, em síntese, disse que:
- Impugna basicamente o acidente e os danos por desconhecimento, até porque apenas com a propositura da acção tomou conhecimento do acidente, sendo de todo o modo exagerados os valores peticionados;
- Na altura do sinistro o veículo em causa o contrato que vigorara estava anulado por iniciativa do segurado S….
O A. B… deduziu réplica, na qual, em suma, reafirmou o alegado na petição inicial.

Foi entretanto determinada a apensação aos presentes autos da acção sumária 1628/10.6TBOAZ, em que H…, residente, demandou o Fundo de Garantia Automóvel, C…, D… e F… – Companhia de Seguros, S.A., alegando, em suma, que:
- Nas circunstâncias já descritas, ocorreu um acidente, em que o responsável foi o C…, pois que iniciou uma manobra de ultrapassagem, colocando-se na via de trânsito afecta à circulação em sentido oposto, quando dessa direcção provinha o veículo conduzido o QG que, circulando a 90 km/hora, de forma a evitar o choque frontal guinou o volante para a direita, tendo entrado em despiste, tendo sido embatido pelo EA que circulava em sentido contrário, sendo que por sua vez o veículo do demandante, o MR, acabou por embater no EA que circulava à sua frente, apesar de ter desviado a sua trajectória para a berma direita atento o seu sentido de marcha;
- A responsabilidade do acidente é dos condutores do NE e do QG, pelo que a responsabilidade é dos três primeiros demandados, pois o NE circulava sem seguro e da quarta demandada para quem se achava transferida a responsabilidade civil pela circulação do QG;
- Sofreu danos que ascendem a 3.861,52, peticionando ainda € 9.000 a título de danos morais, onde inclui a privação de uso do veículo.
Conclui pedindo a condenação dos demandados a pagarem-lhe a importância de € 12.861,52, acrescida de juros de mora vincendo desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
- O Fundo de Garantia Automóvel contestou em moldes praticamente idênticos ao que havia feito nos autos principais, concluindo pela improcedência da acção.
- A F1…– Sucursal em Portugal contestou também em termos praticamente idênticos ao que havia efectuado na acção principal, concluindo pela improcedência da acção.

C… e T… contestaram também de forma praticamente idêntica ao que haviam feito nos autos principais, concluindo pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Foi admitido o chamamento de I…, J…, Herdeiros de K…, L…, M…, P…, N…, O…, Hospital de Q…, em … e Instituto da Segurança Social, IP.

Citados que foram os chamados, L…, por si e em representação do seu filho menor, M…, N… e O… vieram alegar, em suma, o seguinte:
- Aderem à forma como foi descrito o acidente pelo A. B…;
- Sofreram lesões e tiveram danos que descrevem.
Terminam pedindo a condenação dos RR. a pagarem €35.196 à L…, €35.181 ao M…, €31.110 ao N… e €30.650,45 à O…, tudo acrescido de juros desde a citação e até integral pagamento.

A R. G… apresentou contestação, mantendo a posição assumida na primitiva contestação, impugnou os danos por desconhecimento, considerando desproporcionados os valores peticionados a título de danos morais.
Remata pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova que vier a ser produzida em audiência de julgamento.

A E… contestou igualmente o pedido destes intervenientes, aduzindo, em suma, que:
- Decorreram mais de 3 anos desde o acidente, pelo que o direito alegado se mostra prescrito;
- Dá por reproduzida a primitiva contestação;
- Desconhece os alegados danos, sendo excessivos e desproporcionados os valores peticionados.
Termina pedindo a improcedência em relação a si e a sua absolvição do pedido.
O Fundo de Garantia Automóvel contestou, dizendo, em sinopse, que:
- Existe irregularidade de representação do menor, pois devia estar representado por ambos os pais;
-Reitera a primeira contestação, ignorando os danos e a extensão dos mesmos, sendo que é manifestamente exagerada a liquidação operada.
Termina pedindo a procedência da excepção invocada e a improcedência da acção quanto a si com a consequente absolvição do pedido.

O Centro Hospitalar U… veio apresentar articulado próprio contra os RR., aduzindo, em resumo, que:
-Prestou tratamentos aos sinistrados B…, P…, O… e N… no valor global de €424;
- O assistido B… era o condutor do EA, transportando os restantes assistidos como passageiros.
Termina pedindo a condenação da R. E… no pagamento da quantia de € 318, se se entender a sua responsabilidade nos termos do art. 9º do D.L. nº 218/99 e quem vier a apurar-se responsável ou co-responsável pelo acidente no pagamento da quantia de € 106, em qualquer dos casos com juros legais desde a citação. Caso se entenda não ser aplicável o normativo citado, quem vier a apurar-se responsável ou responsáveis pela produção do acidente na condenação no pagamento da quantia de €424, igualmente com juros legais até efectivo e integral pagamento.
O Fundo de Garantia Automóvel contestou, invocando a excepção de prescrição, por terem decorrido mais de 3 anos desde o acidente até à sua notificação, impugnando os demais factos por desconhecimento.
Termina pedindo que se julgue procedente a excepção com a sua absolvição do pedido, concluindo no mais como na contestação.

C… e D… contestaram impugnando toda a matéria, mantendo a versão apresentada na primeira contestação e terminando pedindo a sua absolvição do pedido contra si formulado.

A E… contestou, aduzindo, em suma, que o EA onde alegadamente seguiam os passageiros e condutor assistidos não tinha seguro de responsabilidade civil na contestante, pelo que é parte ilegítima. De todo o modo já decorreram mais de três anos desde a prestação dos cuidados médicos, pelo que se encontra prescrito o crédito reclamado. Quanto ao mais, impugna os factos nos termos da sua primeira contestação. Termina pugnando pela sua absolvição da instância, sendo que assim não se entender pela sua absolvição dos pedidos.

O Centro Hospitalar U… respondeu à excepção aduzida pelo Fundo de Garantia Automóvel, dizendo que não se verifica, pois a prescrição suspendeu-se desde 19/8/2010 por virtude da pendência de processo crime contra o R. C…, sendo que nesse âmbito não foi notificado para deduzir pedido de reembolso. Acresce que o prazo prescricional é outro que não o indicado pelo FGA, pois está em causa um crime de ofensa à integridade física.

O Centro Hospitalar U… desistiu do pedido em relação à R. E…, S.A., tendo esta sido absolvida do mesmo.

Foi determinada a apensação do processo ordinário 1850/11.8TBOAZ em que I… por si e na qualidade de representante dos seus filhos menores, J… e V… demandou o Fundo de Garantia Automóvel, C… e D…, alegando para tanto, em resumo, que:
- Nas circunstâncias já referidas ocorreu um acidente, em que o responsável foi o condutor do NE, que resolveu ultrapassar vários veículos que se encontravam à sua frente, invadindo a via de trânsito afecta à circulação em sentido oposto, sendo que nesse momento, seguia o A. no QG em sentido oposto, que ao avistar o NE, guinou o volante para a direita de forma a evitar o choque frontal, tendo entrado em despiste, invadido a hemi-faixa de rodagem contrária, tendo sido embatido na sua parte lateral direita pelo EA;
- Em consequência do acidente, K… sofreu lesões, que lhe provocaram a morte, não tendo porém morrido logo após o acidente, que ocorreu no dia seguinte, sendo o sofrimento que padeceu nesses momento indemnizável num valor que computa em € 30.000, a que acrescem € 70.000 pela privação do direito à vida e os danos morais próprios do A. I… e do A. J…, que seguiam no QG em 4.000 e 3.000 respectivamente, a que acrescem €40.000 para cada um dos AA. pelos danos morais pela perda da esposa e mãe, €200.000 pela perda da realização da lide doméstica por parte da falecida, €1.085 pelas despesas de funeral, €212 pelos episódios de urgência por parte do I… e do J…, e €7.000 pela perda do veículo.
Rematam pedindo a condenação nos referidos valores.

O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, na qual, em suma, reproduz, as contestações apresentadas no âmbito dos autos principais e do apenso “A”, impugnado ainda especificamente os danos por desconhecimento e entendendo ainda não ser indemnizável a perda da realização da lide doméstica e serem exagerados os valores reclamados.
Conclui pela improcedência da acção.

C… e D… apresentaram contestação, que é praticamente idêntica às anteriormente apresentadas.
Finalizam pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Citada como interveniente principal, veio P… apresentar articulado contra todos os RR., aderindo ao articulado apresentado pelo A. B… e dizendo, em suma, que:
- Na sequência do acidente sofreu lesões que discrimina, tendo peticionado a quantia de €25.000 a título de danos não patrimoniais, relegando para execução de sentença danos futuros, dizendo ainda que ficaram inutilizados uns óculos no valor de €450.
Conclui pedindo a condenação dos RR., solidariamente, na medida da culpa apurada, a pagar à interveniente a quantia de € 24.500, bem como montante que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e não patrimoniais futuros que vier a sofrer, incluindo os decorrentes da incapacidade que vier a ser fixada e de eventuais intervenções cirúrgicas e outros tratamentos, tudo com juros de mora desde a citação e até efectivo pagamento.

G… Seguros veio contestar, mantendo a sua versão, impugnado os danos alegados por desconhecimento e entendendo que não há necessidade de relegar o apuramento de danos futuros, pois deve haver perícia a determinar a sua existência. Termina pedindo que o pedido seja julgado de acordo com a prova que vier a ser produzida.

O Fundo de Garantia Automóvel veio também apresentar contestação, reiterando os termos da defesa por impugnação apresentada ao pedido formulado pelo A. B…, concluindo pela improcedência do pedido.

A Companhia de Seguros E…, S.A. veio apresentar contestação, dizendo, em suma, verificar-se a excepção de prescrição por terem decorrido mais de 3 anos, sendo que quanto ao mais dá por reproduzida a primeira contestação, terminando pugnando pela improcedência da acção.

P… veio apresentar réplica sendo que em relação à excepção de prescrição deduzida pela E…, S.A., disse, em suma que estando em causa um crime de ofensa à integridade física, o prazo prescricional é de cinco anos, pelo que deve ser julgada improcedente a excepção invocada.

Foi convocada a realização de audiência prévia, em que se proferiu despacho saneador, tendo-se verificado a regularidade e a validade da instância, seleccionou-se a matéria de facto assente e enunciaram-se os temas de prova sob a forma de matéria de facto controvertida.

Citado apenas depois da elaboração do despacho saneador, veio o Instituto de Segurança Social, I.P. deduzir pedido de reembolso contra C…, D…, Fundo de Garantia Automóvel, Companhia de Seguros E…, S.A.; Companhia de Seguros X…, S.A., F… – Companhia de Seguros, S.A. e G…, Seguros, S.A., alegando para tanto em suma, que:
- Quanto à forma como ocorreu o acidente, dá por reproduzidos os factos alegados pelo A.;
- Com base no falecimento de K…, pagou ao viúvo e filhos menores a importância global de €19.354,69, valor esse que peticiona dos RR., acrescida das pensões que forem pagas na pendência da acção e respectivos juros de mora desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
A G… deduziu oposição, dando por reproduzido o já descrito na sua primeira contestação e impugnou os valores alegadamente pagos por desconhecimento.
Concluiu pedindo que o pedido seja julgado de acordo com a prova que vier a ser produzida em sede de audiência de julgamento.

A E…, S.A. deduziu oposição, impugnando os pagamentos efectuados, invocando a excepção de prescrição, relativamente aos pagamentos feitos há mais de 3 anos e que os valores pagos aos AA., compensando a perda de ganho da falecida, sempre determinariam o abatimento dos valores a fixar a título de indemnização.
Conclui pedindo que se julgue improcedente o pedido de reembolso, com a sua absolvição do mesmo.

O Fundo de Garantia Automóvel deduziu oposição ao pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., porquanto, em suma, desconhece o pagamento e o pedido de reembolso por virtude do que tenha pago que de todo o modo não é exigível ao FGA por virtude do disposto no art. 51º do DL. 291/07, de 21/8.
Conclui pedindo que a excepção seja julgada procedente e que de todo o modo o pedido de reembolso seja julgado improcedente, determinando a sua absolvição do pedido.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento conforme consta das respectivas actas.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:” Em face de todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a acção proposta por B…, condenando- se os RR. C…, D… e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem-lhe a importância global de €62.041,00 (sessenta e dois mil e quarenta e um euros) - deduzida a franquia de €299,28 em relação ao FGA- e acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
Julga-se igualmente parcialmente procedente a pretensão deduzida por H…, condenando-se os mesmos RR. solidariamente a pagarem-lhe a importância de €3.861,56 (três mil oitocentos e sessenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) - deduzida a franquia de € 299,28 em relação ao FGA-, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
Julga-se totalmente improcedente o pedido deduzido por M…, absolvendo-se os RR. do pedido;
Julgam-se parcialmente procedentes os pedidos formulados por L…, N… e O…, condenando-se os mesmos RR. solidariamente a pagarem-lhe a cada um a importância de €500,00 (quinhentos euros), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento;
Julga-se totalmente procedente a pretensão deduzida pelo Centro Hospitalar U… , EPE, em relação aos mesmos RR., condenando-se estes a pagarem-lhe solidariamente a importância global de €424,00 (quatrocentos e vinte e quatro euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido de pagamento e até integral pagamento;
Julga-se parcialmente procedente a pretensão deduzida por I…, J… e V…, por si e enquanto herdeiros da Herança Ilíquida Indivisa aberta por óbito de K… em relação aos mesmos RR., condenando-se estes a pagarem solidariamente ao primeiro a importância de €28.106,00 (vinte e oito mil cento e seis euros) - deduzida a franquia de €299,28 em relação ao FGA- ao segundo a importância de €21.606,00 (vinte e um mil seiscentos e seis euros), à terceira a importância de €20.000,00 (vinte mil euros) e à Herança a importância de €86.090,90 (oitenta e seis mil e noventa euros e noventa cêntimos), tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
Julga-se igualmente parcialmente procedente a pretensão deduzida por P…, condenando-se os mesmos RR. solidariamente a pagarem-lhe a importância de €2.950,00 ( dois mil novecentos e cinquenta euros) - deduzida a franquia de €299,28 em relação ao FGA-, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido e até integral pagamento;
Julga-se totalmente procedente a pretensão deduzida pelo Instituto de Segurança Social, IP, em relação aos RR. C… e D…, condenando-se estes a pagarem-lhe solidariamente a importância de €23.413,42 (vinte e três mil quatrocentos e treze euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido de pagamento e das liquidações operadas a fls. 730 e 778, sobre as respectivas importâncias e até integral pagamento;
Julga-se totalmente improcedente a pretensão do Instituto de Segurança Social, IP contra o Fundo de Garantia Automóvel, absolvendo-se o mesmo do pedido.
Mais se absolvem os demais RR. de todos os pedidos contra si deduzidos.”

FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA) veio interpor recurso, concluindo:
1. Os critérios plasmados na PORTARIA n.º 377/2008, de 26 de Maio não podem deixar de se erigir em referente para o julgador, pois reduzem a incerteza e a subjectividade da decisão e asseguram um melhor tratamento igual entre todos os lesados.
2. Os critérios de tal instrumento normativo resultam de uma ponderação prudencial, médico-legal, económica e social e devem, por isso, ser considerados.
3. Havendo uma divergência substancial entre o resultado que se alcançaria pela aplicação da portaria e o resultado da decisão judicial, deve considerar-se que é possível o excesso da decisão judicial e deve a mesma ser sindicada a luz da concreta prova apurada nos autos.
4. A indemnização pelo dano da vida deve fixar-se em €55.000,00€, ao invés de €70.000,00 arbitrados na douta decisão recorrida.
5. A indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da falecida deve fixar-se em €2.200,00, em vez dos €15.000,00 atribuídos.
6. Não há qualquer dúvida, atenta a gravidade da situação em apreço, que os AA V… e J… devem ser indemnizados a título de danos não patrimoniais pela perda da mãe, contudo entendemos que a indemnização a arbitrar deve fixar-se no valor total de €32.00,00 (cabendo 16.000,00 a cada um dos herdeiros), ao invés dos €40.000,00 atribuídos.
7. Assim sendo, e repercutindo-se as diferentes parcelas da alteração do julgado recorrido na condenação global proferida no dispositivo da sentença, a mesma deverá ser alterada o sentido de que as importâncias globais a pagar pelo aqui recorrente sejam:
a) À Herança Ilíquida Indivisa por óbito de K…, a importância global de €56.093,10;
b) Ao A. J…, a importância de €16.000,00;
c) À Autora V…, a importância de €16.000,00;
d) Mantendo-se o demais decidido quanto a juros de mora;
8. Ao não julgar da forma assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 562.ºe 564.º, nº 2 todos do CC, tendo incorrido em erro de julgamento.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados.

I…, viúvo, por si e na qualidade de representante dos seus filhos menores, J… e V…, e ainda na qualidade herdeiros da herança ilíquida e indivisa por morte de K…, interpôs recurso, concluindo:
1. Na douta decisão do Tribunal a quo escreveu-se que: “Quanto à alegada perda do direito a alimentos, com assento no âmbito indemnizatório no art. 495º, nº 3 nada ficou assente no sentido da perda de quaisquer rendimentos, até porque a falecida não exercia qualquer actividade remunerada, dedicando-se à lide doméstica, vivendo naturalmente dos rendimentos angariados pelo A. I… ou quaisquer outros rendimentos, pelo que esta questão só se colocaria se fosse o cônjuge produtor de rendimentos a falecer. Assim sendo, sem necessidade de mais considerações, claudica esta pretensão.”.
2. Ora, não podemos concordar com o entendimento, e aplicação do direito, pelo do Tribunal Ad Quo.
3. Na verdade, face aos factos dados como provados mormente que à data do sinistro a falecida K… exercia funções de doméstica, realizando todas as tarefas domésticas, contribuindo, dessa forma com o seu trabalho para o agregado familiar, e, de forma decisiva, para a educação dos seus filhos e bem-estar dos mesmos.
4. A importante contribuição para o lar da inditosa K… não pode ser desprovida de valor económico antes deverá ser equitativamente valorizada numa importância não inferior a €403,00 (quatrocentos e três euros), ou seja, similar ao montante do salário mínimo em vigor no ano de 2007.
5. Por equitativa, justa e adequada aos danos patrimoniais sofridos pela perda do contributo da mulher e mãe para o lar familiar, afigura-se-nos ponderada e justa a fixação da quantia global de €200.000,00 aos aqui Recorrentes marido e filhos.
6. Importância monetária que considera a esperança média de vida no ano de 2007 para as mulheres, de 81,8 anos de idade.
7. Sucede ainda que, e atento aos factos dados como provados a indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da falecida deve fixar-se em 30.000€.
8. Acresce que, considerando os critérios e valores usualmente praticados pelos nossos Tribunais, no modesto entendimento dos aqui Recorrentes a compensação pelos autores a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda da mãe deveria ser fixada em 40.000€ para cada um, num total de 120.000€.
9. Ao não julgar da forma indicada, o Tribunal a Quo violou os artigos 462 e 464, do Código Civil, tendo incorrido em erro de julgamento.
De tudo o exposto resulta claro que deverá o presente recurso ser julgado procedente nos termos ora referidos.

FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA) apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se:
- a indemnização pelo dano da vida deve se alterada nos termos preconizados por cada um dos recorrentes;
- a compensação pelos autores, J… e V…, a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda da mãe, deve ser alterada nos termos preconizados por cada um dos dois recorrentes;
- a contribuição para a vida familiar de um cônjuge mesmo em espécie (trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos) deve ser valorada para efeitos de indemnização atribuída ao outro cônjuge de acordo com o pretendido pelo recorrente I….

II– Fundamentação de facto
O tribunal recorrido deu como provado os seguintes factos:
1 - No dia 19 de agosto de 2007, pelas 15h30m, no Itinerário Complementar n.º 2 (…), ao km 262,030, em …, concelho de …, distrito de Aveiro, ocorreu um embate entre diversos veículos;
2 - O veículo de marca Chevrolet …, com matrícula ..-EA-.. era, à data do sinistro, propriedade de B…;
3 - Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º .. - …….., válido e eficaz à data do sinistro, B… transferiu para a “E… (que incorporou a Y…)” os danos emergentes da circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-EA-.., conforme documento junto a fls. 339/340 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
4 - Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …/…….., válido e eficaz à data do sinistro, H… transferiu para a “G… Companhia de Seguros” os danos emergentes da circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-..-MG, conforme documento junto a fls. 43 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
5 – I… era casado, à data do sinistro, com a falecida K…, com quem havia casado sob o regime de comunhão de adquiridos em 22.08.1998;
6 – J… e V…, nascidos respectivamente em 19 de Março de 2000 e 23 de Março de 1998, encontram-se registados como filhos de I… e de K…;
7 - Na sequência do sinistro em causa nos autos correu termos pelo 1.º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis o processo n.º 319/07.0GBOAZ, no qual, em 29 de Abril de 2011, foi produzida sentença, já transitada em julgado, conforme documentos de fls. 67 a 96 do apenso “B” e 369 a 382 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
8 – K… nasceu a 28 de Janeiro de 1974;
9 – P… nasceu em 21 de agosto de 1997, e está registada como filha de B… e de Z…;
10 - Na data e cerca da hora em causa nos autos, mais concretamente alguns instantes antes, o R. C… circulou em sentido Norte/Sul, pelo local referido em “1”, conduzia a viatura com a matrícula ...-...-NE, propriedade do R. D…;
11 – D… nasceu em 5 de Junho de 1984 e encontra-se registado como filho de C… e de AB…;
12 - Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ………, válido e eficaz à data do sinistro, I… transferiu para a “F… Companhia de Seguros” os danos emergentes da circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-..-QG, conforme documento junto a fls. 76 do apenso “A” cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13 - Foram intervenientes no embate referido em “1” os seguintes veículos:
- Citröen …, de cor …, veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..- NE, conduzido pelo 1.º Réu C… e propriedade do 2.º Réu, D…, por ordem de quem tal veículo circulava;
- Hyundai, o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-QG, conduzido por I…, seu proprietário, segurado pela 5.ª Ré, F…, S.A.;
- Chevrolet … veículo ligeiro de passageiros, com matrícula ..-EA-.., conduzido por B…;
- Opel …, veículo ligeiro de passageiros, com matrícula ..-...-MG, conduzido por H…, seu proprietário, e segurado pela 6.ª Ré, G…, S.A.;
14 - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em “1”, o NE circulava no IC…, em …, no sentido Norte-Sul, entre o nó de acesso à cidade de … e o acesso à …;
15 - No mesmo sentido de circulação, seguiam umas atrás das outras, integradas numa fila de trânsito que fluía a uma velocidade compreendida entre os 60 e os 90 Km/hora, todas na rectaguarda do NE, as seguintes viaturas, que se elencam pelo respectivo grau de proximidade com este:
- Peugeot …, com a matrícula ..-..-XS, conduzido por AC…;
- O EA, conduzido por B…;
- O MG, conduzido por H…;
16 - À frente do NE, circulavam várias viaturas em fila;
17 - Alguns metros antes de uma passagem superior (vulgo “viaduto”) que cruza tal faixa de rodagem e que antecede o marco quilométrico n.º 262 adjacente à mesma, num local em que a via de trânsito se desenvolve numa lomba, o condutor do NE conduzido (o 1.º Réu) decidiu ultrapassar as viaturas que circulavam à sua frente;
18 - Deu, assim, início à manobra de ultrapassagem, invadindo, inevitavelmente, a via de trânsito afecta ao sentido oposto, colocando-se em posição paralela relativamente ao primeiro veículo automóvel que pretendia ultrapassar;
19 - Nesse preciso momento, na respectiva via de trânsito afecta ao sentido Sul/Norte (contrário ao sentido seguido pelo NE), circulava o QG a uma velocidade de cerca de 60-90 Km/hora;
20 - Que, ao avistar o NE a circular na sua via de trânsito, paralelamente à viatura que ultrapassava, o que o impedia de regressar à via destinada ao sentido Norte/Sul (logo em rota de colisão com o seu veiculo), guinou o volante do QG para a direita de forma a evitar o choque frontal com o NE, conseguindo, deste modo, obviar à colisão com este;
21 - Que, após já ter cruzado com o QG, acabou por “abortar” a manobra de ultrapassagem que tinha iniciado e voltou novamente à via afecta ao sentido de trânsito, prosseguindo a sua marcha;
22 - Em resultado da manobra de evasão descrita, o QG desceu à berma do lado direito, tendo o seu condutor girado o volante para a esquerda no sentido de corrigir a trajectória que havia imprimido à viatura e, assim, evitar que esta embatesse num talude em pedra que ladeava a faixa de rodagem;
23 - Entrando, de imediato, em derrapagem, deslizando em zig zag na diagonal relativamente à faixa de rodagem, ocupando a hemi-faixa de rodagem contrária (isto é, no sentido Norte/Sul);
24 - Nesse preciso momento, nessa hemi-faixa de rodagem (sentido Norte/Sul) circulava, entre outros, o EA, conduzido pelo Autor, a uma velocidade que variava entre os 70 e os 80 km/hora, que, ao avistar o veículo QG e ao aperceber-se que este se encontrava descontrolado, em despiste, e que ocupava a sua hemi-faixa de rodagem, logo em rota de colisão com o veículo que conduzia, tentou reduzir ao máximo a sua velocidade e encostar-se à berma de forma a tentar evitar a embate, ou pelo menos de forma a reduzir o seu impacto;
25 - Todavia, todos os esforços que o Autor B… imprimiu no EA não foram suficientes para evitar o choque com o QG, choque esse que aconteceu, integralmente, na hemi-faixa de rodagem onde circulava o EA, conduzido pelo Autor, no sentido Norte/Sul, ao km 262,030;
26 - Acto contínuo ao despiste do QG e consequente invasão da hemi-faixa de rodagem onde circulava o EA, ocorreu a colisão entre estes dois veículos, tendo o embate acontecido entre a parte lateral direita do veículo QG e parte da frente esquerda do EA;
27 - Por força do referido choque, o QG imobilizou-se com a parte frontal na via de trânsito afecta ao sentido Sul/Norte (apontada a nascente) e com a traseira na via de trânsito afecta ao sentido contrário Norte/Sul (virada para poente);
28 - Por sua vez, o EA imobilizou-se obliquamente, paralelamente ao QG, com a sua parte traseira a invadir a berma direita atento o seu sentido de trânsito Norte/Sul e a parte da frente na respectiva via de trânsito;
29 - Após o EA se encontrar completamente imobilizado, foi embatido por trás pelo MG, que seguia atrás do EA, no sentido Norte/Sul a uma velocidade que rondava os 70 ou 80 Km/hora;
30 - O condutor do MG ainda tentou desviar a sua trajectória para a sua berma direita a fim de evitar a colisão, mas acabou por embater com a sua parte frontal esquerda, na parte lateral esquerda traseira do EA e veio a parar numa posição perpendicular relativamente a este veículo;
31 - O local onde ocorreu o acidente configura uma recta em patamar, com piso betuminoso, com limite de velocidade permitida de 90Km/hora, permitindo aos condutores avistarem a faixa de rodagem, em toda a sua largura, numa extensão de pelo menos 50 metros;
32 - O trânsito processa-se em ambos os sentidos, por uma via de circulação em cada sentido, delimitadas no pavimento por linha longitudinal descontínua;
33 - A faixa de rodagem mede 7,20 metros de largura em toda a sua extensão, com bermas de ambos os lados, medindo cada 3,90 metros, também estas em aglomerado betuminoso, em bom estado e ladeadas por taludes em pedra;
34 - À data do sinistro, o pavimento estava asfaltado com piso betuminoso, regular e sem buracos;
35 - Na altura do sinistro, o tempo estava bom, não chovia e o piso encontrava-se seco e limpo;
36 - Em consequência ter sido embatido pelo veículo MG, o EA ficou com a mala danificada, com o pára-choques traseiro partido, com os farolins traseiros partidos, com o lastro da mala empenado, com as longarinas traseiras empenadas;
37 - O autor B…, após o sinistro, foi imediatamente transportado para o Hospital Q…, em virtude de ferimentos vários na face, nas mãos, e às fortes dores no tórax e na zona cervical, tendo aí recebido tratamento e regressando a casa sob medicação e com indicação de repouso absoluto e vigilância;
38 - Em consequência do sinistro, o autor teve um período de 12 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional;
39 - Durante esses 12 dias o Autor teve de tomar medicação para alívio das dores do tórax e da zona cervical e dos diversos ferimentos;
40 -À data do sinistro o A. era forte e saudável, sem qualquer limitação das suas capacidades intelectuais;
41 - O A. teve enorme desgaste psíquico com o acidente, o qual causou a morte a uma terceira pessoa que seguia no carro que embateu contra o seu;
42 - Nos primeiros meses foi difícil ultrapassar o choque e tentar esquecer o sucedido;
43 - O Autor nos primeiros meses após o acidente mal conseguia dormir;
44 -O Autor nos primeiros meses após o acidente tornou-se uma pessoa nervosa e preocupada;
45 - O Autor nos primeiros meses após acidente sofreu duma profunda tristeza por ter tido um acidente com as dimensões e consequências que teve e por ter morrido uma pessoa que viajava num dos veículos que colidiu com o seu;
46 - O A. nos primeiros meses viveu intensamente preocupado e sempre que entrava dentro de um veículo, fosse como condutor ou como acompanhante, ficava nervosíssimo, tenso e ansioso e sentia um mal-estar, ansiedade e desalento por causa do sinistro;
47 - Na sequência do sinistro, em 21 de Agosto de 2007, o EA foi transportado para a oficina reparadora “AD…, Lda.” com instalações na Rua …, n.º …, …. …;
48 - O EA ficou praticamente destruído, sem quaisquer condições de circular, encontrando-se imobilizado, naquela oficina, desde a referida data, pois o autor não tem garagem, nem nenhum outro local, onde possa guardar veículo acidentado;
49 - O depósito/parqueamento da viatura naquela oficina importa ao Autor um custo diário de 10,00 Euros;
50 - O Autor havia adquirido o EA em meados de Julho de 2007, para satisfazer as suas necessidades e as da sua família, tendo o mesmo sido matriculado em 10-07-2007 - data da primeira matrícula;
51 - O EA, à data do sinistro, era um veículo que se encontrava rigorosamente no estado de novo, tendo percorrido apenas cerca de 1500 KM;
52 - O EA, em consequência do embate, sofreu danos na dianteira, na traseira e nas laterais, danos tais que a reparação não é possível nem aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as condições de segurança do veículo e ainda porque o custo da reparação, mais o valor do salvado, é superior ao valor do veículo imediatamente antes do sinistro, factos de que o A. tomou conhecimento pelo menos em 13/9/007, com o documento junto a fls 26 vº;
53 - O valor de venda no mercado do EA, à data do sinistro, era de € 38.500,00;
54 – O salvado valia € 8 899,00;
55 - O Autor, porque necessitava de um veículo para se deslocar, logo após o sinistro, solicitou à Ré. F…, S.A., autorização para proceder ao aluguer, a título condicional, de uma viatura de substituição, junto de uma das empresas de aluguer de automóveis que tivesse protocolo com aquela companhia de seguros, sendo que, até à presente data, nem a referida companhia de seguros, nem qualquer outra entidade, autorizaram ou facultaram ao autor um carro de substituição;
56 - O valor cobrado pelas empresas de aluguer de viaturas relativamente a uma viatura igual ou com as mesmas características da do autor ronda os 180,00 Euros/dia;
57 - O Autor não tem possibilidades económicas que lhe permitam suportar o aluguer de uma viatura, seja da gama da sua seja duma gama inferior;
58 - O autor utilizava o veículo acidentado diariamente para ir para o seu trabalho, para levar à filha à escola e às actividades extra escolares, para fazer as compras normais do lar e para passear;
59 - Pelo facto de estar privado do uso do referido veículo teve de recorrer ao uso de transportes públicos, tem de efectuar percursos a pé, viu-se obrigado a pedir boleias de amigos e outras tantas vezes teve de pedir veículos emprestados;
60 - O facto de não poder dispor do seu veículo, faz com que o autor seja obrigado a levantar-se e a sair de casa mais cedo e a chegar, pela mesma razão, a casa mais tarde, ficando com menos tempo para descanso e para momentos de lazer;
61 - O autor, pelo facto de não ter a disponibilidade do veículo, teve muitas vezes de abdicar de passear com a família, aliás desde o acidente que o autor não faz um passeio de carro com a família, uma vez que não tem automóvel para tal;
62 - O autor, a título de imposto único de circulação do EA referente ao ano de 2007 liquidou a quantia de 250,00 Euros;
63 - No que respeita aos anos seguintes, 2008, 2009 e 2010, o autor não procedeu à liquidação do referido imposto, encontrando-se em dívida valor não inferior a € 750;
64 - Para a reparação dos danos apresentados pelo MG seria necessária a quantia de € 3 861,52;
65 -Valor esse que, por ser elevado face à situação económica do Autor H…, este ainda não pagou à oficina reparadora, pois, apesar de todos os esforços encetados pelo Autor, este não conseguiu recorrer a nenhuma instituição bancária que lhe aprovasse um crédito pessoal para o pagamento da reparação;
66 - Pelo facto de não ter liquidado tal quantia a oficina reparadora não permitiu ao Autor proceder ao levantamento do veículo em causa, razão pela qual se encontra privado do seu uso desde cerca 57 dias após a data do sinistro, pois a a reparadora cedeu-lhe neste período gratuitamente um veículo até à data em que liquidará o valor da reparação;
67- O Autor utilizava o MG diariamente para ir para o seu trabalho, para levar os filhos à escola, para fazer as normais compras do lar e para passear;
68 - Pelo facto de estar privado do uso do dito veículo teve de recorrer e ainda hoje tem de recorrer ao uso de transportes públicos, a boleias de amigos e, outras tantas vezes, pedir veículos emprestados, o que lhe causou e lhe causa transtornos;
69 - À data do sinistro, o NE, circulava na via pública sem que beneficiasse de seguro de responsabilidade civil válido e eficaz;
70 - Em consequência do sinistro, K… sofreu lesões graves e irreversíveis, tendo sido helitransportada para o Hospital Geral AE…;
71 - Aí chegada, foi assistida no serviço de urgência daquela unidade hospitalar, contudo face à gravidade e extensão das lesões apresentadas, a K… teve morte prematura;
72 - Porém, não morreu logo após o sinistro;
73 - Até à chegada dos Bombeiros, o seu estado agravava-se minuto após minuto;
74 - Quer no local do acidente, quer ao ser conduzida ao Hospital de Geral AE…, a K… mantinha-se em estado lastimoso, agonizou durante várias horas, num calvário de dor e sofrimento, que se prolongou até à sua morte que apenas ocorreu no dia 20 de Agosto de 2007, pelas 23 horas e 35 minutos;
75 - A K… pressentiu a chegada da morte entrando num período de amargura profunda;
76 - Sofrendo atrozes padecimentos resultantes, desde logo do extenso leque de lesões que apresentava;
77 - A K…, no momento do sinistro e nos instantes que o precederam, sofreu grande susto e abalo psicológico;
78 - E teve consciência de que, em consequência do embate, lhe poderiam advir lesões graves susceptíveis de lhe provocar a morte;
79 - Em consequência do choque e das lesões sofridas, a K… padeceu de dores intensas, sofreu amargura e angústia ao pressentir a morte, sentiu as suas forças esvaírem-se, esteve consciente de que a morte se aproximava e que não mais teria o convívio dos seus familiares;
80 - A K… era uma jovem forte e robusta, saudável – pois nunca havia sofrido de qualquer enfermidade – trabalhadora e jovial;
81 - Os autores constituíam com a falecida um casal e família harmoniosa e feliz, iam juntos para todo o lado;
82 - A K… levava uma vida alegre, era uma mulher digna e honesta, sendo o enlevo do seu marido e filho e tinha igualmente, a expectativa de educar e ver crescer os seus filhos menores, que tanto amava;
83 - A K… era uma esposa meiga e exemplar e uma mãe extremosa;
84 - À data do sinistro, a falecida K… exercia funções de doméstica, realizando todas as tarefas domésticas, contribuindo, dessa forma com o seu trabalho para o agregado familiar, e, de forma decisiva, para a educação dos seus filhos e bem-estar dos mesmos;
85 - O autor I… e o seu filho J… eram respectivamente condutor e tripulante do veículo acidentado e, na sequência do sinistro, foram transportados de ambulância para o Hospital Q…, em …, permanecendo, os dois, aí em tratamentos até ao início da noite;
86 - Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o A. I… e filho, vários hematomas contusões e cortes por todo o corpo dos mesmos;
87 - O I… e filho, após a alta hospitalar, estiveram, cerca de duas semanas em recuperação, necessitando de ajudas técnicas, lesões estas que importaram dores fortes para ambos, desconforto generalizado, impedindo-os de dormir adequadamente e realizar tarefas;
88 - As lesões de que o A. I… foi vítima, determinaram-lhe 15 dias de afectação da capacidade de trabalho profissional;
89 - Os dois viram a K…, no estado deplorável em que se encontrava logo após o acidente e marido e filho ficaram muito perturbados pelas lesões e atroz sofrimento da K…, apercebendo-se de imediato da gravidade dos seus ferimentos, que presenciavam impotentemente;
90 - Acompanharam todos os movimentos e comentários que se seguiram após o sinistro, de assistência médica, bombeiros e populares;
91 - A morte de K… provocou e provocará aos A. marido e AA. filhos profunda tristeza e pesar;
92 - O Autor I… viu diminuído o gosto de viver, ficou fortemente abalado e em grande sofrimento com a morte da esposa;
93 - O autor ficou com dois filhos menores a seu cargo exclusivo;
94 - Nos primeiros meses após a morte da esposa, o I… deixou de conviver socialmente, chorou, ficou sorumbático e depressivo;
95 - Tinha o autor I… a expectativa de uma vida de felicidade com a sua esposa por muitos anos;
96 - O A. I… tinha uma vida feliz, projectando sonhos e ambições conjuntas com a falecida K…;
97 -Os Autores tiveram assim, que recorrer a terceiros para realizar a limpeza da casa, bem como para tratar das vestes dos autores e ainda para a confecção da alimentação dos mesmos;
98 - E tiveram eles mesmos de realizar muitas das tarefas diárias;
99 - Os autores despenderam com a Agência funerária, que tratou do funeral da K… a quantia de € 1.085,45;
100 - Despenderam ainda com as publicações do óbito a quantia de € 5,45;
101 - Como consequência do presente sinistro, pagaram os autores I… e J… a quantia de € 106,00 cada, no Hospital Q… EPE, correspondente ao episódio de urgência;
102 - Em consequência do embate, o veículo de marca Hyundai, modelo … conduzido pelo A. I…, sofreu danos materiais avultados e, por isso, não foi viável tecnicamente a sua reparação;
103 - O veículo havia sido adquirido no estado de novo em Setembro de 2000, não tinha qualquer amolgadela e tinha apenas 70.000 KM;
104 -O veículo tem o valor, em novo, no montante de € 12.500;
105 - À data do sinistro tinha um valor comercial não inferior a € 7.000;
106 - A interveniente P…, após o sinistro, foi imediatamente transportada para o Hospital Q…, em virtude de ferimentos vários na face, maxilar, tendo aí sido submetida a vários exames, entre os quais, TC Maxilo Facial e TC Cranio Encefalico;
107 - Do TC Maxilo Facial efectuado à interveniente foi diagnosticado o seguinte:
“Sem evidentes traços de fractura do maciço facial.
Obliteração do seio maxilar esquerdo por componente tecidular, que se admite ser de natureza inflamatória, com extensão ao infundibulo maxilar homolateral.
Proeminente concha bulhosa turbinal média direita (pneumatizada) com associado desvio esquerdo do septo nasal, a que se associa uma atrofia compensatória do corneto médio esquerdo, observando-se discreto contacto mucoso do septo nasal com o corneto esquerdo, na sua vertente mais anterior.
Discreto contacto mucoso do septo nasal com o corneto médio direito.
Arcadas choanais permeáveis.”;
108 - Do TC Cranio Encefálico efectuado foi diagnosticado o seguinte:
“Sem colecções hemáticas pericerebrais ou pericerebelosas.
Sem evidência de focos de contusão parenquimatosos.
Sistema cistemo-ventricular e sulcos corticais permeáveis.
Ausência de desvios das estruturas da linha média.
Sem evidentes traços de fractura nas imagens obtidas da base e calote óssea craneanas.
Cavidades sinusais perinasais visualizadas e mastóides pneumatizadas.
TC charneira crânio-vertebral:
Está conservada a distância inter-atlanto-odontoideia para o grupo etário.
Não se observam aspectos de invaginação basilar.
Sem evidentes traços fracturários das vértebras visualizadas.
Está conservada a permeabilidade do espaço subaracnoideu envolvendo as estruturas neurais.
Sem aumento da espessura dos planos tecidulares pré-vertebrais.
No topograma de perfil está aparentemente conservado o alinhamento posterior dos corpos visualizados.”
109 - A interveniente teve alta, em 19/08/2007, pelas 20:22:06, tendo sido medicada para alívio das dores fortes que sentia, aconselhada a fazer bastante gelo (pois tinha a face completamente desfigurada devido ao inchaço), repouso absoluto e dieta à base de líquidos, atendendo ao facto de lhe ser impossível mastigar;
110 - No dia seguinte, a interveniente sentia dores bastantes fortes tendo-se dirigindo ao Centro de Saúde AF… para ser observada por um médico;
111 -A interveniente teve um período de cerca de quinze dias de repouso absoluto, sem possibilidade de comer sólidos;
112 - A interveniente, em consequência das lesões sofridas com acidente, foi acompanhada no referido Centro de Saúde, onde já teve pelo menos vinte e cinco consultas, nomeadamente de Pediatria, Estomatologia e Psicologia;
113 - A interveniente teve desgaste físico e psíquico com o sinistro, bem como com os tratamentos, consultas e exames a que foi sujeita;
114 - A interveniente, nos primeiros meses após o sinistro, pouco dormia, era uma criança triste, nervosa, ansiosa, desmoralizada, abatida, completamente em choque em virtude do desastre que sofreu;
115 - A interveniente teve acompanhamento psicológico, tendo realizado várias consultas no Centro de Saúde AF…;
116 - A interveniente teve problemas escolares, sendo que o seu aproveitamento escolar foi mau, tendo tido, nos primeiros meses após o sinistro, problemas acentuados de aprendizagem e de adaptação à escola;
117 - À data do sinistro, a interveniente era uma pessoa saudável, sem qualquer tipo de limitação física ou psíquica;
118 - Em consequência do sinistro em causa nos autos, uns óculos, no valor de 450,00€, usados pela interveniente aquando do mesmo ficaram completamente inutilizados, razão pela qual teve necessidade de proceder sua substituição, tendo gasto a mesma quantia;
119 - Como consequência directa e necessária do acidente dos autos, a L… ficou com hematomas nos membros inferiores;
120 - Por sua vez o N… ficou com a face queimada;
121 - A O… ficou com hematomas e manchas no braço esquerdo;
122 - Logo após o acidente, a L… e o M… foram transportados para o Serviço de Urgência do Hospital AG…, de …, onde foram submetidos a vários exames;
123 - O casal N… e O… foi transportado para o Serviço de Urgência do Hospital Q…, de …, onde foram submetidos a vários exames;
124 - A L… em consequência do acidente sofreu dores na perna, a O… dores no braço esquerdo e o N… durante algum tempo andou com uma dor no coração, pois que o mesmo já enfermava de problemas de coração;
125 - A L…, o M…, o N… e a O… sofreram desgosto com o acidente;
126 - Conforme tratamentos médicos devidamente discriminados nas facturas nºs:
- …….. de 05.12.2011 (doc.1) referente a B…;
- …….. de 05.12.2011 (doc.2) referente a P…;
- …….. de 05.12.2011 (doc.3) referente a O…;
- …….. de 05.12.2011 (doc.4) referente a N…;
o interveniente U… prestou àqueles sinistrados os serviços clínicos aí referidos nos dias e pelos preços constantes das mesmas juntas com o respectivo articulado;
127 - Tais tratamentos ministrados àqueles assistidos foram consequência directa e imediata do sinistro em causa nos autos;
128 - Quando ocorreu tal evento, o assistido B… conduzia o veículo matrícula ..-EA-.., transportando como passageiros os restantes assistidos supra identificados;
129 - O condutor do MG, que seguia atrás do EA, ao deparar-se com o embate entre o QG e o EA, travou e guinou para a sua direita para evitar o embate, não tendo conseguido evitar chocar com a traseira do EA, quando este já se encontrava imobilizado, não tendo existido qualquer contacto entre o MG e o QG;
130 - Atendendo às características do embate ocorrido e à sua extrema violência, o condutor do MG agiu com segurança e destreza, sendo-lhe completamente impossível evitar o “toque” com o EA, tendo em consideração que o QG e o EA “cortaram” completamente o sentido de marcha do MG, obstruindo a via, não permitindo qualquer manobra de evasão;
131 - Várias viaturas, entre as quais a do R., circulavam em sentido Norte/Sul, em fila, a uma velocidade de cerca de 70Km/hora, sendo certo que a velocidade permitida no local era de 90Km/hora;
132 - A fila em que o R. C… se integrava, circulava em sentido Norte/Sul, próxima do traço que delimita à direita a faixa de rodagem, atento esse sentido de marcha, a cerca de 20 ou 30 centímetros daquele;
133 - O local em causa nos autos apresenta inclinação descendente atento o sentido de marcha do QG, o qual circulava sozinho atento o seu sentido de marcha;
134 Antes ou depois da ida ao talude do QG não ficaram marcados no pavimento quaisquer rastos de travagem;
135 - O veículo com a matrícula ..-..-NE fora, de facto, objeto de contrato de seguro automóvel com a R. celebrado pela S…, SA, o qual vigorou desde 9/3/2004 até 3/3/2007, data em que foi anulado por iniciativa do segurado, razão pela qual foi emitido o respectivo certificado de tarifação;
136 - Trata-se de uma apólice de seguro de frota ou colectivo em que é atribuída uma numeração de lançamento para liquidação do prémio que a própria S… coloca nos certificados –……… – após o que, com a adesão do veículo e informação dos dados do mesmo, é incorporado na apólice de adesão – ……… – ao abrigo da qual passa a vigorar;
137 - O Réu C… apercebeu-se, imediatamente, do sinistro porque o condutor do XS, que seguia na retaguarda do NE, tendo presenciado a referida manobra que terá originado o sinistro, seguiu-o no sentido de o fazer parar e/ou memorizar a matrícula e, tendo mesmo chegado a colocar-se paralelamente ao veículo conduzido pelo Réu C…, lado a lado, e olhos nos olhos com este, gesticulou no sentido de o advertir de que tinha visto tudo o que se tinha passado;
138 - Apesar disso, o Réu C… fugiu do local, e, ao aperceber-se que estava a ser perseguido, depressa mudou de direcção no sentido da A… – Auto-estrada …, …/…;
139 - O NE iniciou a ultrapassagem já próximo da lomba, pelo que o condutor do QG, que circulava em sentido contrário àquele (do outro lado da mesma lomba), não o avistava aquando do início da manobra, e só quando atingiu o cume da lomba é que se deparou com o NE já a circular, por inteiro, na sua hemi-faixa de rodagem (do QG), de frente para si (QG), e a escassos metros de distância;
140 – Com base no falecimento, em 20 de agosto de 2007, da beneficiária n.º ……….., K… em consequência do sinistro em causa nos autos, e na sequência de pedido dirigido ao ISS por I…, por si e em representação dos seus filhos menores e da falecida – J… e V… -, o ISS, IP/CNP pagou-lhes, a título de subsídio por morte, os seguintes montantes:
a) A I…: €1.193,58;
b) A J…: €596,79;
c) A V…: €596,79;
E a título de pensões de sobrevivência:
d) A I…, no período de 2007-09 a 2012-08, €10.238,90;
e) A J…, no período de 2007-09 a 2012-08 e de
2012-10 a 2014-02, €3.419,74;
f) A V…, no período de 2007-09 a 2011-04, 2011-06,
2011-08 a 2012-08 e de 2012-10 a 2014-02, €3.308,89;
141 - O valor que o ISS, IP/CNP continuará a pagar, a título de pensões de sobrevivência a favor de V… e de J…, é de € 77,81 para cada um, com inclusão de um 13.º mês de pensão em Dezembro e de um 14.º mês em Julho de cada ano, sendo que até 24/11/2015, tinha sido pago aos AA. a importância global de €23.413,42, conforme documento junto a fls. 778, que aqui se dá por reproduzido.

III – Fundamentação de direito
Sustenta o recorrente FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL que os critérios plasmados na PORTARIA n.º 377/2008, de 26 de Maio devem ser um referente para o julgador pois reduzem a incerteza e a subjectividade da decisão e asseguram um melhor tratamento igual entre todos os lesados.
Assim, entende que a indemnização pelo dano da vida deve fixar-se em €55.000,00€, ao invés dos €70.000,00 arbitrados na recorrida.
A indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da falecida deve fixar-se em €2.200,00, em vez dos €15.000,00 atribuídos.
Os AA, V… e J…, devem ser indemnizados a título de danos não patrimoniais pela perda da mãe, mas a indemnização a arbitrar deve fixar-se no valor total de €32.00,00 (cabendo 16.000,00 a cada um dos herdeiros), ao invés dos €40.000,00 atribuídos.
Vejamos.
A Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. Regulamenta aspectos do actual regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que foi aprovado pelo Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto e entrou em vigor em 20 de Outubro de 2007 (artigo 95º). Trata-se de um procedimento que as seguradoras devem adoptar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal.
A jurisprudência tem defendido que estes critérios e valores não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, conforme decorre do n.º 2 do art.º 1.º da Portaria (“as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”) e do seu preâmbulo (“…importa frisar que o objetivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do nº 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.”;
O método fundamental utilizado pela jurisprudência para este tipo de situações é a comparação com outras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil.
No acórdão do STJ, de 21/01/2016, Proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, in www.dgsi.pt/ consignou-se: “Não poderá deixar de ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionaridade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.”
O artigo 496.º, n.º 1, do CC prescreve que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
Por sua vez, o n.º 3 deste normativo determina que o montante de indemnização seja fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, nos termos estatuídos no artigo 494.° do Código. Para tal efeito são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver.
Quando à a indemnização pelo dano da vida consignou-se na sentença que “Considerando que a K… tinha 33 anos de idade, a sua esperança normal de vida, o facto ser uma jovem feliz, saudável, jovial, alegre e o circunstancialismo do acidente e usando de um juízo de equidade, julga-se adequada a compensação de €70.000 pela perda da vida.”
Nem sempre foi pacífica a consideração do dano morte como dano não patrimonial autónomo. Com efeito, questionou-se se a perda da vida, em si mesma, é passível de reparação pecuniária, como dano não patrimonial autónomo transmitindo-se o respectivo direito aos herdeiros da vítima. Contudo, a orientação dominante na jurisprudência e na doutrina tem sido no sentido afirmativo (vide – Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 320).
A morte da vítima determina danos não patrimoniais que têm na sua origem o facto morte, constituindo-se na esfera jurídica dos familiares referidos no artigo 496.º/2 do Código Civil. De entre esses direitos não patrimoniais, conta-se a perda de vida da vítima.
A lei, no artigo 496.º, nº 2 do Código Civil, no que respeita ao dano morte ou dano de perda vida, atribuindo-o aos familiares, exclui-o do regime sucessório, pois, não fora tal atribuição ex lege, seria sempre de contar que a morte origina um dano - porventura o maior que cada um de nós pode sofrer - que é o da extinção da própria vida.
A perda do direito à vida encontra o seu referente na perda da personalidade e, por isso, ao atribuir-se uma indemnização por tal dano, compreende-se a relutância, o desagrado, o incómodo de fixar valores diferentes em função da vida de cada um quando a vida é tudo para cada um. E assim se tem decidido no sentido de arbitrar valor igual a título de indemnização pela perda do direito à vida.
Determinado este valor, já na sua fixação não se deve efectivamente atender ao elemento subjectivo da dor do familiar da vítima precisamente porque esse montante tem a ver com o valor/vida; uma vez fixado, ele integra-se com os demais danos não patrimoniais por forma a viabilizar um juízo em que a indemnização global tenha em atenção as circunstâncias do caso concreto.
Não é confundível o sofrimento de um progenitor que acompanha os momentos finais do seu filho, a dor e a angústia, o indescritível desespero de o ver perdido com a perda em si da vida.
O STJ tem vindo a fixar a indemnização pelo dano morte entre 60 mil e 80 mil euros (vide o Ac. do STJ de 20/02/2013, Proc. nº 269/09.5GBPNF.P1 in www.dgsi.pt que faz um elenco histórico exaustivo da fixação destes valores na jurisprudência).
Deste modo, não pode acolher-se a pretensão do recorrente e considera-se ajustado o montante encontrado na sentença.
Relativamente aos danos não patrimoniais próprios da falecida e aos danos não patrimoniais dos autores, V… e J…, pela perda da mãe verteu-se na sentença: “Quanto à compensação devida aos AA. pelo sofrimento físico-psíquico da sua esposa e mãe (danos morais próprios da falecida), temos que foi helitransportada para o Hospital Geral AE… e quer no local do acidente, quer ao ser conduzida ao Hospital, a K… mantinha-se em estado lastimoso, agonizou durante várias horas, num calvário de dor e sofrimento, que se prolongou até à sua morte que apenas ocorreu no dia 20 de Agosto de 2007, pelas 23 horas e 35 minutos. A K… pressentiu a chegada da morte entrando num período de amargura profunda, sofrendo atrozes padecimentos resultantes, desde logo do extenso leque de lesões que apresentava. A K…, no momento do sinistro e nos instantes que o precederam, sofreu grande susto e abalo psicológico e teve consciência de que, em consequência do embate, lhe poderiam advir lesões graves susceptíveis de lhe provocar a morte. Em consequência do choque e das lesões sofridas, a K… padeceu de dores intensas, sofreu amargura e angústia ao pressentir a morte, sentiu as suas forças esvaírem-se, esteve consciente de que a morte se aproximava e que não mais teria o convívio dos seus familiares.
Assim sendo e com estes elementos fácticos, a este título, julga-se justa e adequada a quantia de €15.000,00.
Temos ainda igualmente que se apurou que os AA. I… e J… viram a K…, no estado deplorável em que se encontrava logo após o acidente e marido e filho ficaram muito perturbados pelas lesões e atroz sofrimento da K…, apercebendo-se de imediato da gravidade dos seus ferimentos, que presenciavam impotentemente - Acompanharam todos os movimentos e comentários que se seguiram após o sinistro, de assistência médica, bombeiros e populares. A morte de K… provocou e provocará aos A. marido e AA. filhos profunda tristeza e pesar, sendo ainda que Autor I… viu diminuído o gosto de viver, ficou fortemente abalado e em grande sofrimento com a morte da esposa, ficando com dois filhos menores a seu cargo exclusivo.
Trata-se, assim, de danos não patrimoniais sofridos pelos AA., que, pela sua gravidade, objectivamente aferida, merecem a tutela do direito. Perante o sofrimento psíquico dos AA. e o restante circunstancialismo apurado, acima referido, em juízo de equidade, julga-se adequada a atribuição da compensação por danos não patrimoniais a este título no montante de €20.000,00 para cada um.”
Pretende agora o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA) que a indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da falecida se cifre em €2.200,00, em vez dos €15.000,00 atribuídos e que os AA, V… e J…, sejam indemnizados a título de danos não patrimoniais num valor total de €32.00,00 (cabendo 16.000,00 a cada um dos herdeiros), ao invés dos €40.000,00 atribuídos.
No seu recurso os Autores pretendem que a indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da falecida seja fixado em 30.000€ e que a compensação pelos autores a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda da mãe deveria ser fixada em 40.000€ para cada um, num total de 120.000€.
No caso, está provado que:
- Em consequência do sinistro, K… sofreu lesões graves e irreversíveis, tendo sido helitransportada para o Hospital Geral AE…; - Aí chegada, foi assistida no serviço de urgência daquela unidade hospitalar, contudo face à gravidade e extensão das lesões apresentadas, a K… teve morte prematura;
- Porém, não morreu logo após o sinistro;
- Até à chegada dos Bombeiros, o seu estado agravava-se minuto após minuto;
- Quer no local do acidente, quer ao ser conduzida ao Hospital de Geral AE…, a K… mantinha-se em estado lastimoso, agonizou durante várias horas, num calvário de dor e sofrimento, que se prolongou até à sua morte que apenas ocorreu no dia 20 de Agosto de 2007, pelas 23 horas e 35 minutos;
- A K… pressentiu a chegada da morte entrando num período de amargura profunda;
- Sofrendo atrozes padecimentos resultantes, desde logo do extenso leque de lesões que apresentava;
- A K…, no momento do sinistro e nos instantes que o precederam, sofreu grande susto e abalo psicológico;
- E teve consciência de que, em consequência do embate, lhe poderiam advir lesões graves susceptíveis de lhe provocar a morte;
- Em consequência do choque e das lesões sofridas, a K… padeceu de dores intensas, sofreu amargura e angústia ao pressentir a morte, sentiu as suas forças esvaírem-se, esteve consciente de que a morte se aproximava e que não mais teria o convívio dos seus familiares
O citado acórdão do STJ de 20/02/2013 é um valioso instrumento de estudo na medida em faz uma resenha da jurisprudência dos últimos 15 a 20 anos no que respeita a estes danos.
Nesse acórdão o caso era o de uma vítima que havia sofrido, designadamente lesões traumáticas crâneo-encefálicas e torácicas, que foram causa directa e necessária da sua morte, que ocorreu cerca de duas horas após o acidente, no Hospital AH…, no Porto, para onde a mesma foi transportada. A vítima ficou ferida e sofreu lesões graves, tendo ficado encarcerada e em agonia. Na sequência dos referidos ferimentos que lhe provocaram a morte, sofreu dores, angústia e sentiu a vida a aproximar-se do fim. Fixou-se o valor correspondente da compensação em €15.000,00.
No caso que nos ocupa a vítima esteve em agonia, sofrendo atrozes padecimentos resultantes, desde logo, do extenso leque de lesões que apresentava, sofreu amargura e angústia ao pressentir a morte, sentiu as suas forças esvaírem-se, esteve consciente de que a morte se aproximava e que não mais teria o convívio dos seus familiares. Tudo isto desde as 15h30m do dia 19 de Agosto de 2007 até às 23 horas e 35m do dia 20 de Agosto, portanto, cerca de 32 horas.
Tudo visto, considera-se adequada a indemnização de 20.000, tal como pretendem os Autores.
No que concerne aos Autores AA, V… e J…, há que apontar o que se observa no Acórdão do STJ em destaque:
”(…) Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o sofrimento moral decorrente da morte, o desgosto provocado pela morte do ente querido.
Os danos não patrimoniais por morte da vítima nascem por direito próprio na titularidade das pessoas designadas pela lei, os familiares a que se refere o artigo 496.º- acórdão do STJ, de 09-05-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 58.
Na atribuição da indemnização por danos não patrimoniais é suposta a existência de uma presunção de afectos, imperando o princípio da proximidade comunitária e afectiva ínsito neste tipo de indemnização – cfr. Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, volume III, p. 524, e acórdãos do STJ, de 16-03-99, revista n.º 22/99 - 2.ª e de 16-12-2010, processo n.º 231/09.1JAFAR.E1.S1-3.ª.
No caso a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável daquele ente querido.
A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano - neste sentido o acórdão do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230.
Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.
Como se refere no acórdão do STJ de 26-06-1991, BMJ n.º 408, p. 538, trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.
É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.
Na sua determinação “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” - Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, p. 13(…).”
Veja-se que o J… e a V…, nascidos respectivamente no dia 19 de Março de 2000 e 23 de Março de 1998, perderam a sua mãe com apenas 7 e 9 anos de idade.
O J… além de ser mais novo assistiu ao acidente, o que necessariamente potenciou a sua dor.
Assim, ponderando os montantes que a jurisprudência tem fixado nestes casos, conforme o dito acórdão do STJ e demais arestos nele citados, considera-se ajustada a indemnização de 30.000,00 Euros devida ao filho J… e de 25.000,00 Euros a devida à filha V….
Argumentam ainda os Autores, no seu recurso, que não concordam com a sentença ao decidir que quanto à perda do direito a alimentos, para efeitos do disposto no artigo 495º, nº 3, nada ficou assente no sentido da perda de quaisquer rendimentos pois a falecida não exercia qualquer actividade remunerada, dedicando-se à lide doméstica.
Defendem que, face aos factos dados como provados, mormente que à data do sinistro a falecida K… exercia funções de doméstica, realizando todas as tarefas domésticas, contribuindo, dessa forma com o seu trabalho para o agregado familiar, e, de forma decisiva, para a educação dos seus filhos e bem-estar dos mesmos e que a importante contribuição para o lar da inditosa K… não pode ser desprovida de valor económico, devendo ser equitativamente valorizada numa importância não inferior a €403,00 (quatrocentos e três euros), ou seja, similar ao montante do salário mínimo em vigor no ano de 2007.
Por equitativa, justa e adequada aos danos patrimoniais sofridos pela perda do contributo da mulher e mãe para o lar familiar consideram justa a fixação da quantia global de €200.000,00 aos aqui Recorrentes marido e filhos. Importância monetária que considera a esperança média de vida no ano de 2007 para as mulheres, de 81,8 anos de idade.
Atentemos.
Na sentença não se põe em causa a existência deste direito de indemnização pela perda do direito a alimentos, consagrado no artigo 495º, nº 3 do C. Civil. O que se opõe é não haver perda de quaisquer rendimentos por a falecida não exercer qualquer actividade remunerada, dedicando-se à lide doméstica.
Sabe-se que o nº 1 do artigo 1676º do C. Civil estabelece que o dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido por qualquer deles pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.
E é hoje pacífica a existência do crédito de compensação pela contribuição excessiva para os encargos da vida familiar por parte de um dos cônjuges.
Não há dúvida, pois, que essa contribuição para a vida familiar mesmo em espécie (trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos) tem de ser valorada.
E o Autor deixou de beneficiar desse contributo na sua vida pessoal e familiar, o que se traduz, a nosso ver, necessariamente num dano futuro.
O artigo 564º, n.º 2 do Código Civil consagra a ressarcibilidade dos danos futuros, determinando que, “na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”, através de liquidação em execução de sentença.
Assim, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros – danos emergentes ou lucros cessantes – desde que previsíveis, com segurança bastante, isto é, quando sejam razoavelmente prognosticáveis em quadro de antecipação do tempo em que irão ocorrer ou, por outras palavras, quando têm um grau mínimo de incerteza, que os deve equiparar, por previsíveis, aos danos certos, sendo, por isso, indemnizáveis.
O dano futuro previsível mais típico prende-se com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho e da perda ou diminuição da capacidade de ganho pelo que toda a doutrina e jurisprudência a este propósito nos será útil.
Sobretudo no apuramento do quantum desse contributo.
A propósito deste dano salienta-se o afirmado no Ac. do STJ de 07-06-2011, Proc. 160/2002.P1.S1, in www.dgsi.pt.
“(…) O cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. É por isso que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e, se mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o tribunal julgar segundo a equidade, em obediência ao critério enunciado no artigo 566º, n.º 3 do Código Civil.(…)”
Neste âmbito, Ronald Dworkin, professor e juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, autor de “Taking Rights Seriously (1977)”, ao rejeitar o positivismo jurídico e pragmatismo jurídico que se mostrava incapaz de entender a complexidade das decisões judiciais nos casos que denominava como “difíceis”, desenvolveu uma construção teórica baseada no princípio da integridade do Direito sendo que essa integridade pressupõe a equidade ou equanimidade, justiça e devido processo legal adjectivo.
A interpretação integrista justificava e explicava a tal complexidade das decisões judiciais mais precisamente aquilo que ele designou por casos difíceis e o “juiz Hercules”.
Dizia que a ponderação podia ser descrita como uma técnica de decisão própria dos casos difíceis (‘hardcases’) em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre premissa menor – factos – e produzindo como consequência a aplicação da norma ao caso concreto. A subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes.
Isto visto para explicar que nos encontramos na área algo movediça do juízo de ponderação.
Convém ainda fazer referência ao seguinte excerto do Ac. do STJ de 26-11-2015, Proc. 598/04.4TBCBT.G1.S1:”…Como tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência e doutrina autorizada, o direito a indemnização do titular do direito a alimentos conferido pelo n.º 3 do artigo 495º do CC não abarca quaisquer danos patrimoniais daquele titular, mas apenas o dano relativo à perda de alimentos. Nas palavras de Antunes Varela “o prejuízo a ter em conta é o que advém (para a pessoa carecida de alimentos) da falta da pessoa lesada”, sendo “por este prejuízo que a indemnização se mede”; daí concluindo que o lesante não possa “ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração) àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo)[20].
Tem-se, no entanto, discutido se tal obrigação se deve pautar pelos estritos parâmetros da obrigação alimentar, nomeadamente tendo em conta a necessidade do alimentando, ou se deve reconduzir-se aos princípios gerais do art.º 562.º do CC.
Nesta equação, afigura-se que a solução mais condizente com o preceituado no n.º 3 do art.º 495.º será a adotada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 11/07/2006[21], no sentido de considerar como critério não tanto a necessidade e medida estritas da prestação de alimentos a que se referem os artigos 2003.º, n.º 1, e 2004.º do CC, mas sim “a perda patrimonial, em termos previsíveis de danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou (…) poderia eventualmente prestar”, não fora a lesão sofrida, em termos de permitir aos beneficiários manter o nível de vida que aquele rendimento lhe proporcionaria. ..
Para se conseguir ter uma ideia do valor pecuniário que a falecida contribuía para os encargos da vida familiar teremos de traçar o caminho que segue.
Para tratar das lides domésticas de um agregado familiar composto por quatro membros: dois adultos e duas crianças iremos tomar como padrão um ordenado que seria preciso pagar a uma terceira pessoa. Tendo em conta o valor do ordenado mínimo nacional mas para facilitar o cálculo das pequenas e inúmeras oscilações, fixa-se o mesmo no montante de €500,00.
Valorando o facto de que a vitima não exercia qualquer outra actividade ou profissão é lógico que a sua contribuição para os encargos da vida familiar era muito superior à do outro cônjuge, fixando-se esta sua comparticipação em 75%. Cifrando-se, assim, em 375 euros. Deste montante desconta-se 40 euros que corresponde ao tempo que despende com os cuidados de si mesma. Ficam, pois, 335 euros.
A esperança média de vida em 2007 situava-se em 81,2 anos para as mulheres e de 75,5 (vide Pordata Fundação Manuel dos Santos http://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%C3%A7a+de+vida+%C3%A0+nascen%C3%A7a+total+e+por+sexo+(base+tri%C3%A9nio+a+partir+de+2001)-418).
Veja-se que na contabilização dos danos futuros na perda da capacidade de ganho a jurisprudência tem vindo a entender que o que deve entrar como factor é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa (vide Ac. desta Relação de 23-10-2014, Proc. nº148/12.9TBVLP.P1 in www.dgsi.pt).
I… nasceu em 11-6-1975, portanto, tinha 32 anos à data do acidente, o que significa que teria 43 anos pela frente em que poderia beneficiar do apoio de K….
Mas há que considerar dois períodos distintos. Um que decorrerá enquanto os filhos fazem o seu percurso de formação escolar e em que vivem na dependência dos pais e outro período que se inicia depois quando os filhos se tornam autónomos.
No primeiro dos referidos períodos toma por base o percurso escolar que estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de outubro actualizada.
A educação escolar desenvolve-se em três níveis: os ensinos básico, secundário e superior.
- 1.º ciclo (1.º ano ao 4.º ano); 2.º ciclo (5.º e 6.º ano); 3.º ciclo (7.º ao 9.º ano).
O ciclo seguinte, o ensino secundário - abrange os 10.º, 11.º e 12.º anos.
No ensino superior considera-se o grau de licenciado conferido pelas as instituições universitárias e politécnicas.
O ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado no ensino universitário tem 180 ou 240 créditos e uma duração normal compreendida entre seis e oito semestres curriculares de trabalho dos alunos
O ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado no ensino politécnico tem uma duração normal de seis semestres curriculares de trabalho dos alunos correspondentes a 180 créditos.
Todo este percurso se desenrola em 20 anos, pelo menos.
Ora, o J… com anos terá pela frente 14 anos de estudo e a V… de 9 terá 12 anos de estudo.
Assim, vai considerar-se que este 1º período tem a duração de 14 anos.
Num cálculo simples apura-se:
335 euros x 12 m = 4.020 euros por ano
4020 x 14 anos = 56.280 euros
Restantes 29 anos:
O agregado seria composto apenas pela vítima e o cônjuge pelo que o valor a considerar terá de baixar para os 300 euros:
300x12 = 3600 x 29= 104.400 euros
Total:
56.280 euros + 104.400 euros = 160.680 euros.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça com vista a promover uma maior aproximação das decisões e a fomentar a segurança tem vindo a fixar critérios de cálculo dos danos plasmados, por exemplo no Ac. de 25/6/2002, in CJ Ano X, II, 128):
1 - A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2 - No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3 - As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero caráter auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4 - Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que vale tanto no caso de incapacidade permanente total como parcial;
5 - Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor obtido, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
6- Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vitima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma
Salientando que, embora sendo vários os critérios que vêm sendo propostos para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, e nenhum deles se revelando infalível, devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, necessitando o seu uso de ser sempre temperado por um juízo de equidade, nos termos do nº 3 do artigo 566º.
Tendo em conta este juízo de equidade, ao valor estimativo acima referido irá Introduzir-se um desconto de cerca de 15% pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros e também e escapar aos riscos que o decorrer da vida comporta e considerar-se uma taxa de capitalização de 4% ao ano sobre o rendimento anual médio. Tudo visto e ponderado considera-se justo e adequado fixar o valor desta indemnização em 100.000, 00 euros.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação do Fundo de Garantia Automóvel e parcialmente procedente apelação dos Autores, fixando-se em 20.000,00 euros o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da falecida, os montantes de 30.000,00 euros e de 25.000,00, respectivamente pela indemnização dos danos não patrimoniais devida aos filhos da falecida, J… e V…, e em 100.000,00 a indemnização pelo dano futuro da perda do contributo da falecida para a vida pessoal e familiar atribuía ao cônjuge I…
Custas na totalidade pelo Fundo de Garantia Automóvel e custas na proporção do vencimento quanto aos autores ora Recorrentes nos respectivos recursos.

Porto, 25 de Outubro de 2016
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante (com declaração de voto em anexo)
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Sumário
I -A contribuição para a vida familiar mesmo em espécie (trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos) tem de ser valorada.
O Autor deixou de beneficiar desse contributo na sua vida pessoal e familiar, o que se traduz, a nosso ver, necessariamente num dano futuro.
II -Para tratar das lides domésticas de um agregado familiar composto por quatro membros: dois adultos e duas crianças iremos tomar como padrão um ordenado que seria preciso pagar a uma terceira pessoa. Tendo em conta o valor do ordenado mínimo nacional mas para facilitar o cálculo das pequenas e inúmeras oscilações, fixa-se o mesmo no montante de €500,00.
Valorando o facto de que a vitima não exercia qualquer outra actividade ou profissão é lógico que a sua contribuição para os encargos da vida familiar era muito superior à do outro cônjuge, fixando-se esta sua comparticipação em 75%.

Ana Lucinda Cabral
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DECRAÇÃO DE VOTO
Voto a decisão, mas divirjo no que respeita à idade limite do lesado para o cálculo dos danos futuros. Entendo que, atingida a idade da reforma, o lesado deixa de estar inserido no mercado de trabalho e, por via disso, não está sujeito aos esforços suplementares que justificam a compreensão.
Disporá da pensão de reforma que, como qualquer trabalhador, afectado ou não de qualquer lesão, permitirá desfrutar da sua velhice, sem fundamento, por isso, para prolongar a indemnização para além dos 66 anos, idade atualmente estabelecida para a reforma. Os eventuais danos verificados no domínio da vida pessoal e social serão compensados em sede de danos não patrimoniais.

2016 Outubro 25
Maria Cecília Agante