HABILITAÇÃO
Sumário

1 - Tendo o Réu falecido e encontrando-se provado que o óbito do Réu foi comunicado ao Autor, pode este, não obstante tal conhecimento, intentar a acção contra alguém que sabe ter falecido, há muito, com a certeza que a única reacção legal será, ao descobrir-se o facto, o da suspensão da instância para que se promova o incidente da habilitação.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1.
Banco, S. A., nos autos de habilitação de herdeiros em que é requerente e em que são requeridos M.M.F.B.M. e os demais Herdeiros Incertos de A.E.C.M., veio requerer, conhecidos que foram os demais herdeiros do de cujus, a intervenção provocada de F.A.B.M. e de C.S.B.M., para que os mesmos sejam reconhecidos nos autos apensos conjuntamente com a dita M.M., como únicos e universais herdeiros do falecido A.E.C.M..

C.S.B.M. deduziu oposição ao incidente de Habilitação de Herdeiros e de Intervenção Principal Provocada, alegando, em síntese, que, a acção principal a que estes autos estão apensos foi proposta em 9/11/2004, sendo que o malogrado A.E.M. faleceu em 10/09/2003, ou seja em data anterior à interposição da acção, como o Autor bem sabia, pelo que a acção teria de ser interposta ab initio contra a herança jacente do falecido A.M. ou contra os seus sucessores, caso se considerasse ter havido aceitação da herança, o que de todo o modo não dispensaria a necessária alegação e demonstração, que, aliás, nem sequer é feita pelo Autor no seu requerimento de habilitação ou no requerimento de intervenção principal provocada.

Assim sendo, deveria ser julgado improcedente o requerido incidente de habilitação e, consequentemente, apurando-se ser do conhecimento do Autor o falecimento do Réu à data da propositura da acção principal, haveria lugar à absolvição da instância na acção principal, por consabidamente ter sido accionada ab initio pessoa destituída de personalidade jurídica e consequentemente sem personalidade judiciária, o que constitui excepção dilatória nos termos do artigo 494º, c) e 495º CPC.

Acrescenta, por outro lado, que, conforme referido, foi requerida pelo Autor a habilitação de M.M.F.B. e demais herdeiros incertos do falecido Réu e, no seguimento da junção aos autos da cópia da escritura de habilitação de herdeiros, por parte da cabeça de casal da herança, foi requerida a intervenção principal provocada da ora contestante no âmbito do incidente da habilitação.

Tanto no requerimento de habilitação, como subsequentemente no requerimento de intervenção principal provocada, não são alegados ou demonstrados quaisquer factos donde se permita aferir a existência de aceitação da herança por parte da ora contestante, pelo que não poderia a mesma ser habilitada para substituir o de cujus nos presentes autos, porquanto tal qualidade pressupõe a aceitação da herança.

Com efeito, justifica, a escritura de habilitação de herdeiros limita-se a individualizar ou identificar os sucessíveis do falecido, pelo que, ainda que existindo esta, enquanto inexistir aceitação da herança por parte dos sucessíveis, impunha-se a habilitação da herança jacente.

Conclui, pedindo que seja julgada improcedente a requerida Habilitação e consequente Intervenção Principal Provocada no que se refere à contestante.

O Tribunal a quo, considerando ter havido aceitação tácita da herança por parte da contestante, face à habilitação notarial que foi junta, julgou habilitados a prosseguirem nos presentes autos de execução como sucessores de A.E.C.M. os requeridos M.M.F.B.M., C.S.B.M. e F.A.B.M..
Inconformada, recorreu a C.S., formulando as seguintes conclusões:
1ª – Uma vez levantada pela oponente a questão da (in)admissibilidade da dedução do incidente de habilitação nos presentes autos, impunha-se ao Exc. mo Juiz que sobre tal questão se pronunciasse, apreciando-a devidamente na respectiva decisão, em conformidade com o estatuído no artigo 660º, n.º 2 do CPC.
2ª – É nula por omissão de pronúncia (artigo 668º, n.º 1, alínea d) do CPC), a decisão sob censura, em que o julgado r se abstém de apreciar a questão da admissibilidade do incidente de habilitação, por falta dos necessários pressupostos essenciais, levantada pela oponente.
3ª - São pressupostos da admissibilidade do incidente de habilitação previsto no artigo 371º do Código de Processo Civil que o falecimento da parte tenha ocorrido na pendência da lide, nos termos do n.º 1 do art. 371° n.º 1 CPC, ou que à data da interposição da acção o autor desconhecesse o falecimento do réu, só tendo o mesmo sido constatado no decurso das diligências tendentes à citação nos termos do n.º 2 do artigo 371° CPC.
4ª - Apurando-se que, à data de interposição da acção principal, o autor tinha efectivo conhecimento do decesso do réu, teria a acção que ser intentada ou contra a herança jacente à qual a lei para o efeito concede personalidade judiciária ou, contra os sucessores, caso se considerasse ter havido aceitação da herança, o que não dispensaria a necessária alegação e demonstração pelo Autor.
5ª - Não tendo sido impugnado o documento particular junto pela Requerida aos autos e subscrito pelo Autor Banco SA, onde o mesmo reconhece lhe ter sido comunicado o óbito da parte em 18/09/2003, terão que se dar como provados os factos compreendidos em tal declaração, nos termos do disposto no art. 376° do Código Civil.
6ª - Tendo o Réu falecido em 10/09/2003, encontrando-se provado que em 18/09/2003 o óbito do réu lhe foi comunicado e tendo, não obstante tal conhecimento, o autor intentado acção contra o falecido em 9/11/2004, não haverá lugar a incidente de habilitação de herdeiros a que alude o artigo 371º do CPC, devendo por conseguinte ser absolvida da instância nos autos principais por consabidamente ter sido accionada ab initio pessoa destituída de personalidade jurídica e consequentemente sem personalidade judiciária, o que nos termos do disposto nos artigos 494º c) e 495º CPC constitui excepção dilatória.
7ª – Ainda que assim se não entendesse, sempre teria a requerida habilitação que improceder, porquanto, não tendo sido alegada ou demonstrada pelo Requerente a aceitação da herança por parte daqueles cuja intervenção principal foi requerida, não poderiam os mesmos ser habilitados para substituir o de cujus.
8ª - No requerimento de habilitação, não basta apenas alegar que o requerido seja herdeiro da parte falecida, sendo indispensável incluir factos susceptíveis de relevar que os requeridos são os únicos sucessores e que aceitaram a herança - tais factos integram a própria causa de pedir da habilitação.
9ª - Para os efeitos do disposto no artigo 371º CPC a expressão "sucessor" engloba os herdeiros que já tenham aceite a herança, uma vez que quanto a estes não existem dúvidas de que são eles quem sucede ao de cujus na relação substantiva litigiosa.
10ª - Da existência de escritura pública de habilitação de herdeiros não se pode inferir a aceitação tácita da herança da parte daqueles que nela figuram como herdeiros.
11ª - A escritura de habilitação limita-se a individualizar ou identificar os sucessíveis do falecido, mas não define qual a posição por estes assumida face à herança.
12ª - Por tal motivo não se pode igualmente retirar como fez o M. mo Juiz "a quo" que a falta de repúdio da herança, por acto formal, implica a sua aceitação.
13ª – Ao decidir em contrário, violou a douta decisão recorrida o disposto nos artigos 371º a 374º do Código de Processo Civil e 2046°, 2056° do Código Civil.

O Requerente contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.

O Exc. mo Juiz pronunciou-se quanto à alegada nulidade (omissão de pronúncia) e sustentou o despacho recorrido.

Cumpre apreciar:
2.
Para além dos factos que constam do relatório, interessam os seguintes:
1º – A acção principal a que estes autos estão apensos foi proposta em 9/11/2004.
2º - No dia 10/09/2003, faleceu A.E.C.M., no estado de casado com M.M.F.B.M. (fls. 29 da acção).
3º – Assim que o referido A.M. faleceu, a viúva e cabeça – de – casal da herança comunicou ao Autor o óbito de seu marido.
4º – Para tanto forneceu toda a documentação atinente ao falecimento, nomeadamente, certidão de óbito, cópia dos seus documentos de identificação e informação clínica do falecido.
5º - O Autor emitiu a declaração de fls. 62, comprovando ter recebido o assento de óbito, certificado de óbito, cópia do cartão de contribuinte e cópia do BI, no dia 18 de Setembro de 2003 e informação clínica do Hospital de Faro, no dia 16 de Outubro de 2003, os quais foram enviados à Companhia de Seguros O., a fim de ser regularizada a situação do contrato celebrado entre o referido e o Banco, S. A.
7º - A 17 de Março de 2005, o Requerente deduziu a habilitação de herdeiros de M.M.Florêncio Barros Moura e dos demais herdeiros incertos do falecido A.E.C. M..
8º - No dia 9 de Março de 2004, no Cartório Notarial de Olhão, a interessada C., F. A. e M. M. foram habilitados como únicos herdeiros do falecido A. (fls. 21 a 23).
3.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da agravante, colocam-se à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
a) – Omissão de pronúncia;
b) – Errada apreciação da prova;
c) – Incorrecta interpretação e aplicação do direito.
3.1.
Na oposição que apresentou ao incidente de habilitação de herdeiros deduzido pelo autor “Banco”, começou a agravante por invocar a título prévio a questão da inadmissibilidade do incidente de habilitação no caso sub judicio, porquanto, em seu entender, é pressuposto do incidente de habilitação previsto no artigo 371º do CPC que o decesso da parte relativamente à qual é requerida a habilitação dos sucessores, ocorra na pendência da lide.

E acrescenta que o n.º 2 do artigo 371º consagra uma única excepção à regra contida no n.º 1 e que se prende com o facto do autor, aquando da propositura da acção, desconhecer o falecimento do réu e tal decesso só se venha a constatar em resultado das diligências tendentes ao acto da citação.

Conclui, assim, a agravante que o incidente de habilitação não será admissível nos casos em que o autor, ao tempo da interposição da acção, tem já efectivo conhecimento do óbito da outra parte; caso em que teria que interpor a acção ab initio contra a herança jacente ou directamente contra os sucessores do falecido, nessa qualidade, caso se considerasse ter havido aceitação da herança.

Será assim?

Desde que o desenvolvimento da relação processual pressupõe a existência de sujeitos dessa relação, com interesse directo em demandar ou em contradizer, a falta de qualquer deles interrompe o movimento da instância ou extingue esta, conforme o respectivo direito foi transmitido a um sucessor da parte, ou era pessoal, e, portanto, intransmissível.

O incidente de habilitação é o processo estabelecido por lei para obter a modificação subjectiva da instância, que consiste na substituição de uma das partes na relação processual pelos seus sucessores.

Quando tem lugar o incidente?

O incidente de habilitação pode ser provocado, nomeadamente, pelo falecimento dum litigante, tendo, nesse caso, carácter obrigatório, como, in casu, acontece.

Neste caso, morta uma das partes, a instância suspende-se (artigo 276º, n.º 1, al. a e artigo 277º, n.º 1), e, para que possa prosseguir é forçoso que, mediante o incidente de habilitação, se ponha o sucessor no lugar do falecido (artigo 284º, al. a).

O n.º 1 do artigo 371º dá a entender que o incidente de habilitação aparece necessariamente quando na pendência duma causa morre alguma das partes.

No entanto, nem sempre é assim, o incidente pode ser provocado não pela morte na pendência da causa, mas pela morte anterior à proposição da acção.

Trata-se do caso em que a acção é intentada contra pessoa que já faleceu (artigo 371º, n.º 2). Junta a certidão negativa da citação, o autor é notificado desse facto e deve juntar aos autos a respectiva certidão do registo de óbito, se o facto for verdadeiro, para os efeitos do disposto nos artigos 276º e 277º, sob pena do processo ir à conta (artigo 51º, n.º 2, al. a) CCJ). Provada documentalmente a morte do réu, pode qualquer das pessoas com legitimidade para tal, nos termos do n.º 1, requerer a habilitação dos sucessores do falecido, quer o óbito tenha ocorrido depois de proposta a acção, quer tenha ocorrido antes, “sem necessidade de se alegar e provar que o facto não era do conhecimento do autor contemporaneamente à propositura da acção (1)”.

Aqui adoptou o legislador uma solução aberrante.

Por virtude dela, pode o autor demandar pessoa falecida, isto é, desprovida de personalidade jurídica e, portanto, também de personalidade judiciária. É claro que não poderá dizê-lo na petição inicial, que com tal menção seria necessariamente indeferida; mas a verdade é que pode accionar conscientemente alguém que sabe ter falecido há muito com a certeza de que a única reacção legal será, ao descobrir-se o facto, a da suspensão da instância para que se promova o incidente da habilitação. Não está bem. As razões de ordem prática que podem ter aconselhado a medida estão em flagrante oposição com os princípios básicos que regem a vida da instância (2). É uma transição incompreensível, que vem já do Código de 1939.

A este propósito escrevia Alberto dos Reis (3):
“Note-se que é absolutamente indiferente que o autor, ao apresentar em juízo a petição inicial, ignorasse o falecimento do réu ou tivesse conhecimento do facto. Por outras palavras, o autor, para ser admitido a deduzir o incidente, não tem de alegar e provar que desconhecia o facto da morte do réu e só foi informado dele pela certidão do oficial de diligências.

É natural que o autor, quando tenha conhecimento da morte do seu antagonista, dirija a acção, não contra ele, mas contra os seus sucessores, habilitando-os na petição inicial; é mesmo esse o seu interesse, porque foge às demoras e complicações do incidente de habilitação. Mas se tiver o capricho ou cometer a irreverência de demandar o falecido, nem por isso incorre em qualquer responsabilidade ou sanção; os habilitandos não podem opor-se ao incidente com o fundamento de que o autor, ao intentar a acção, já sabia que o réu estava morto”.

A este propósito, dever-se-á, porém, ter em conta que, não tendo o legislador a ousadia defendida por Rodrigues Bastos, impôs, não obstante, à parte o dever de tornar conhecido no processo o facto da morte do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprovativo (artigo 277º, n.º 2).

Segundo o actual regime, em princípio, são nulos todos os actos processuais praticados no processo após a data em que ocorreu o falecimento, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte falecida (artigo 277º, n.º 3) inviabilizado pela circunstância de ter deixado de existir uma das partes na causa, podendo, no entanto, essa nulidade ser suprida nos termos fixados no n.º 4.

É, por isso, lógico que, “se, ao tempo da propositura da acção, o autor conhecer que o sujeito da relação material controvertida é falecido, deve, naturalmente, propô-la contra os respectivos sucessores, em cuja petição também deve invocar os factos relativos à sucessão, o que se configura como habilitação legitimidade” (4), até para evitar demoras e complicações do incidente de habilitação.

In casu, é manifesto que o réu A. E. faleceu antes do autor haver proposto a acção também contra ele. É também certo que o Autor tinha conhecimento desse facto, por lhe ter sido comunicado pela viúva do de cujus. Torna-se, por isso, incompreensível a atitude do Autor.

Mas o certo é que, por capricho ou irreverência, nas palavras de Alberto dos Reis, o autor demandou o falecido. Nem por isso incorre em qualquer responsabilidade ou sanção, salvo o disposto no artigo 277º, n.º 3.

E, pior do que isso, tendo sido já habilitados notarialmente os herdeiros do de cujus, resolveu requerer a habilitação da viúva e dos demais herdeiros incertos do falecido A. E.C. M..

Litigância tão aberrante como esta não é felizmente muito fácil encontrar-se, mas, como dizia Rodrigues Bastos, não é sancionada com a inadmissibilidade do incidente de habilitação, pelo que improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.
3.2.
Insurge-se também a recorrente, quanto aos factos considerados provados e quanto ao teor da decisão propriamente dita, pois que, em seu entender, deveria ter sido demandada a herança jacente.

Tal como se verifica, foram acrescentados diversos factos, nos termos do artigo 712º CPC, pelo que, nesta parte, foi satisfeita a pretensão da Recorrente.

Quanto ao teor da decisão propriamente dita, é sabido que a habilitação pode apresentar-se sob três aspectos diferentes:
a) – Como incidente duma causa que corre em juízo;
b) – Como objecto próprio de uma acção;
c) – Como elemento ou requisito da legitimidade das partes.

Estamos, aqui, perante a habilitação incidental que se não confunde com a habilitação – legitimidade. É certo que esta se aproxima, sob o ponto de vista da função e alcance, da habilitação incidental, pois que o fim que visa – colocar o sucessor na posição jurídica do falecido ou do cedente – diz respeito a determinado processo. A diferença é somente esta: a habilitação incidental ocorre na pendência duma causa, ao passo que a habilitação – legitimidade apresenta-se no início duma acção ou duma execução, quando se alega que o autor ou o réu, o exequente ou executado, sucederam na posição jurídica que pertencia a outra pessoa.

O incidente de habilitação destina-se, pois, não a verificar a legitimidade para a causa principal, mas somente a determinar quem é que tem título ou qualidade para ocupar no processo a posição do falecido. Uma coisa é a legitimidade para a causa, outra a legitimidade para o incidente, ou melhor, a legitimidade como habilitando. Mas se o incidente ocorrer numa altura em que já está fixada a legitimidade do falecido, é claro que a legitimidade para suceder a este implica legitimidade para a causa.

Contra quem se deduz o incidente de habilitação?

A lei não designa expressamente as pessoas contra quem a habilitação deve ser deduzida. Mas é fácil preencher esta lacuna.

Da própria finalidade do incidente e do que se prescreve nos artigos 373º e 374º CPC depreende-se que, em princípio, o incidente é dirigido contra as pessoas que podem ter interesse em contestar; essas pessoas são naturalmente as partes sobrevivas e os sucessores do falecido, excepção feita, é claro, do requerente ou requerentes da habilitação.

E como se deduz e processa o incidente?

Há que distinguir três hipóteses:
a) – Os sucessores são certos e já estão habilitados;
b) – Os sucessores são certos e ainda não estão habilitados;
c) – Os sucessores são incertos.

Os termos do processo são diferentes para cada uma destas hipóteses.

Como os factos comprovam, o incidente de habilitação foi deduzido, quando a qualidade de herdeiro estava reconhecida em escritura de habilitação notarial.

Na verdade, no dia 9 de Março de 2004, no Cartório Notarial de Olhão, a interessada C., F. A. e M. M. foram habilitados como únicos herdeiros do falecido A., estando, por isso, reconhecida a qualidade de herdeiros, quando, no dia 17 de Março de 2005, o Requerente deduziu a habilitação de herdeiros contra M. M. F. B. M., considerando os demais herdeiros do falecido A. E.C. M. como incertos.

Assim, apesar dos herdeiros serem certos e já habilitados, foram considerados pelo Requerente como incertos.

Ora, declara o Código do Notariado que, aberta qualquer herança, e não havendo lugar a inventário orfanológico, a qualidade de herdeiro poderá demonstrar-se, para os fins indicados no mesmo artigo, por habilitação notarial.

Tratando-se de habilitação passiva, o requerente devia, pois, ter identificado as pessoas que queria habilitar e pedir que, ouvidos os interessados, fosse a habilitação julgada procedente.

Não o fez, intentando o incidente contra os herdeiros incertos do de cujus.

Por isso, junta que foi a escritura notarial de habilitação, veio requerer a intervenção provocada de F. A. B.M.e de C. S.B.M., filhos do falecido.

Notificados os requeridos, a C. M. deduziu oposição, defendendo que a habilitação de herdeiros devia ser proposta contra a herança jacente, já que “tanto no requerimento de habilitação, como subsequentemente no requerimento de intervenção principal provocada, não são alegados ou demonstrados factos donde se permita aferir a existência de aceitação da herança por parte da ora contestante.

Como vimos, quando os herdeiros são certos e estão habilitados, o requerente não tem de fazer outra prova além da que consta do documento – base. Quando os herdeiros são certos mas não estão ainda habilitados a situação é diferente. Os habilitandos ainda não estão habilitados noutro processo ou por outra forma. Vão habilitar-se ou ser habilitados agora. Os factos que serviram de fundamento à habilitação terão de ser provados pelo autor do incidente.

Não tem, pois, qualquer sentido defender, in casu, que a habilitação deveria ser deduzida contra a herança jacente.

De acordo com o artigo 2046º do Código Civil, a herança jacente é “a herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado”. Ou seja, nasce no momento da abertura da sucessão, aquando da morte do de cujus (artigo 2031º), e finda quer no momento em que é aceita pelos herdeiros quer no momento em que, por falta ou repúdio dos demais sucessíveis, é declarada vaga para o Estado.

Nem tão pouco defender que a requerida Cláudia não podia ser considerada herdeira, face à escritura da habilitação notarial junta.

Com efeito, a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor (artigo 2031º CC). E aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (artigo 2032º, n.º 1 CC).

Pelo facto de serem chamados à sucessão não se segue, necessariamente, que se lhes radique desde logo a qualidade de sucessores, pois é mister que a aceitem, retroagindo-se neste caso os efeitos da aceitação ao momento inicial da abertura O que vale dizer que a transmissão jurídica e a transmissão real da posse da herança se reportam a momentos que não coincidem, pois enquanto o primeiro corresponde à morte do seu autor o segundo tem início com a aceitação por parte do que lhe sucede.

Pela aceitação o sucessor manifesta a sua vontade no sentido de tornar seus os direitos e obrigações que foram transmitidas pela lei ou pelo testamento; pelo repúdio a vontade é manifestada em sentido contrário.

A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita. É havida como expressa quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com intenção de a adquirir (artigo 2056º CC). É tácita, quando o herdeiro pratica algum facto de que necessariamente se deduz a intenção de aceitar, ou de tal natureza, que ele não poderia praticá-lo senão na qualidade de herdeiro.

Há quem defenda que a habilitação, tomada isoladamente, pode não ser índice, só por si, seguro da aceitação tácita da herança; isto porque, tendo a aceitação tácita de traduzir-se por actos inequívocos, a habilitação significa apenas que o indivíduo é investido na qualidade de herdeiro, não definindo a sua posição relativamente à herança (5)”.

Mas não é menos certo que, tendo a cabeça – de – casal, através da escritura de habilitação, declarado quais os herdeiros do de cujus e não tendo a recorrente, (declarada habilitada na dita escritura), alegado, na contestação, ter repudiado a herança, parece-nos que outra conclusão se não pode retirar que a mesma aceitou a herança.

Tendo havido aceitação tácita da herança, tanto basta para se entender que a sua defesa improcede.
4.
Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela agravante.

Lisboa, 2 de Novembro de 2006.

Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel



___________________________
1.-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, 3ª edição, 142.

2.-Autor e obra citada, 143.

3.-Código de Processo Civil Anotado, I, 577-578.

4.-Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3ª edição, 228.

5.-Acórdão do STJ, de 8 de Julho de 1975, BMJ 249-502.