INCERTOS
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
Sumário

1- o A só deve dirigir o procedimento judicial contra incertos quando não tenha possibilidade de os identificar.
2- Só pode dizer-se que não tem essa possibilidade quando previamente desenvolveu diligências idóneas à pesquisa da sua identificação.
3- Não lhe basta dizer que ignora se o falecido deixou descendentes ou se deixou ascendentes vivos.
O poder/dever de suprimento previsto no art 265 nº 2 do CPC refere-se a pressupostos processuais susceptíveis de sanação, não integrando tal poder/dever a identificação dos sucessores de parte falecida, que a parte rotulou de incertas.

Texto Integral

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
No decurso da execução que o recorrente intentou contra …e outro, veio aquele a falecer, pelo que o exequente providenciou pela habilitação dos seus herdeiros.
Dirigiu o pertinente requerimento contra o co-executado, a viúva do falecido e demais herdeiros incertos deste, a serem representados pelo MP.
A sra juíza «a quo» julgou verificada a excepção de ilegitimidade passiva no que aos ditos incertos dizia respeito, absolvendo, por isso, os requeridos da instância.
Não se conformando, o exequente recorreu desta decisão, tendo alegado e concluído, assim:
1. O A, ora recorrente, na habilitação de herdeiros que requereu nos autos, não se limitou a solicitar a citação dos herdeiros incertos do falecido António não requerendo qualquer diligência nem invocando sequer dificuldades na obtenção de informações com vista a essa identificação.
2. Efectivamente o A, ora requerente, na habilitação de herdeiros que requereu, afirmou expressamente que ignorava se o dito António havia deixado quaisquer outros herdeiros, para além da recorrida Ana, bem como a respectiva identificação, o que, evidentemente demonstra a sua dificuldade na identificação dos eventuais herdeiros do dito António.
3. O pressuposto – errado - de que partiu o Snr. Juiz "a quó", no despacho recorrido, vai ao arrepio da realidade, ao arrepio da lei, ao arrepio de factos públicos e notórios e à manifesta impossibilidade legal de obter das autoridades fiscais, únicas entidades que poderiam prestar quaisquer indicações acerca de quem são os eventuais herdeiros do falecido, tais informações, isto caso tenha sido instaurado processo de imposto sucessório por óbito do dito António.
4. As certidões de assento de óbito, nos termos da lei artigo 201 ° do Código do Registo Civil – e como é publico e notório, não constam quem são herdeiros do falecido. Constam apenas os elementos referidos no artigo 201 do Código do Registo Civil.
5. A certidão de nascimento do dito António indica-nos os ascendentes do falecido, pois, mas não os descendentes, sendo que provavelmente, atento a idade com que o dito António faleceu, os seus pais já não se encontram vivos.
6. Aliás, quem deveria fazer tais diligências, caso assim o entendesse, seria o Tribunal e não o ora recorrente, pois que como explicitado foi já o A, ora recorrente, não tinha "maneira" de conseguir apurar tais elementos.
7. Aliás, ainda, como resulta do já referido despacho proferido aos 13 de Dezembro de 2005 os requeridos não colaboraram com o Tribunal, ou seja, não prestaram as informações solicitadas, o que levou a que fosse ordenada a citação edital dos herdeiros incertos do falecido António.
8. Assim, não é pelo facto de o A, ora recorrente, não ter esclarecido as diligências que teria tomado que a habilitação deve ser julgada improcedente, inexistindo qualquer ilegitimidade dos mesmos, sendo que caso o Tribunal entendesse, como o refere na sentença recorrida que havia a possibilidade de os ascendentes do falecido António se encontrarem vivos, deveria ter tentado esclarecer se tal corresponde à realidade ou não e, então, agir de conformidade, julgar verificada a excepção de ilegitimidade dos requeridos, absolvendo-os da instância, sem mais, é que não.
9. O despacho recorrido, violou expressamente o disposto no artigo 375°, n°s 1 e 2 do Código de Processo Civil, donde impor-se a sua revogação e a sua substituição por acórdão que julgue, pura e simplesmente, procedente a habilitação, ou caso assim se entenda, ordene que o Tribunal efectue as diligências que considere necessárias,

Questões
Atento as conclusões das alegações do recurso, que nos termos da lei (arts 690 e 684 nº 3 do CPC) delimitam o seu objecto, há que apreciar e decidir se o sr juiz «a quo» violou, com o despacho de fls 40 a 42, o art 375 nºs 1 e 2 do CPC.

Os Factos pertinentes
1- No decurso da execução que o recorrente intentou contra …e outro, veio aquele a falecer, pelo que o exequente providenciou pela habilitação dos seus herdeiros.
2- Dirigiu o pertinente requerimento contra o co-executado, a viúva do falecido e demais herdeiros incertos deste, a serem representados pelo MP.
3- A sra juíza «a quo» julgou verificada a excepção de ilegitimidade passiva no que aos ditos incertos dizia respeito, absolvendo, por isso, os requeridos da instância.

O Direito
O art 375 nº 1 do CPC dispõe que os sucessores incertos da parte falecida são citados por éditos.
Incertas, neste sentido, são as pessoas de que se ignora a existência ou a sua identificação mínima (art 251 nº 1 do CPC).
Quando a acção seja proposta contra incertos, por não ter o autor possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer, são aqueles representados pelo Ministério Público (art 16 nº 1 do CPC).
Nos termos deste normativo o A só deve usar desta faculdade quando não tenha tido possibilidade de identificar os RR/requeridos. E só pode dizer-se que não tem possibilidade quando previamente desenvolveu diligências idóneas à pesquisa da dita identificação.
Não basta dizer-se que se ignora se o falecido deixou descendentes ou se deixou ascendentes vivos.
A lei impõe à parte, no caso ao A/requerente, que procure, previamente à propositura da acção/providência, averiguar da identidade das pessoas contra quem deduz pedido de resolução de conflito.
É que o processo civil continua a ser um processo de partes, a quem cabe a iniciativa da acção e da defesa (art 3 nº 1 do CPC) e a alegação dos factos que a cada uma das partes interessam (art 264 nº 1 do CPC).
O princípio da cooperação (art 266 do CPC) não é fundamento bastante para que o Tribunal se substitua à parte na indicação de quem deve ser chamado a defender-se. Apenas justifica que o Tribunal remova os obstáculos à obtenção de informação ou documento que a parte não conseguiu obter por si. Mas isso só com prévio pedido do A/requerente e depois de ela justificar dificuldades sérias em aceder a eles (art 266 nº 4 do CPC).
Ora a recorrente limitou-se a alegar que ignorava. Tal ignorância significa tão só que não se conhece, não que se fez algo em ordem ultrapassar o estado de desconhecimento. Que não fez qualquer diligência nesse sentido, resulta até patente da própria alegação da recorrente.
Na decisão recorrida constam mesmo indicações óbvias de diligências mínimas que à recorrente cabia levar a efeito. Nomeadamente saber se havia ascendentes vivos do falecido e se a pessoa que assinou o aviso de recepção era herdeiro do falecido.
Alegar o desconhecimento e logo depois implicar o MP no esforço e função de representação dos requeridos desconhecidos traduz-se numa postura processual com evidente défice de cooperação da própria parte que assim procede.
O que a recorrente imputa a ónus do Tribunal é tarefa que manifestamente se insere no seu dever de iniciativa.
O caso não cabe na previsão do art 265 nº 2 do CPC.
O poder/dever de suprimento que aí se prevê refere-se a pressupostos processuais susceptíveis de sanação. Não o é a identificação de pessoas que a parte rotulou de incertas. Impor ao Tribunal que fosse à procura da identificação dos sucessores certos de parte falecida implicava logo ele assumir a iniciativa de, passando pela interpretação e aplicação da lei, apurar das pessoas a quem interessava deduzir oposição ao pedido formulado. Já não se estava no âmbito do exercício regular do poder de direcção do processo e da realização do princípio do inquisitório. Tinha-se invadido e violado o princípio do dispositivo e da iniciativa.
No sentido e com a interpretação defendidos pelo Tribunal «a quo», os Acs do STJ referidos na decisão agravada Com o mesmo entendimento, nomeadamente que à parte cabe o ónus de desenvolver diligências em ordem a identificar os RR/requeridos o Ac da RC de 25.9.1990 in BMJ 339, 593. .

Tendo em conta todo o exposto acorda-se em, julgando improcedente o recurso, manter inalterada a douta decisão agravada.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 16.11.2006