Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRAORDENAÇÃO
PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
NATUREZA DO PRAZO
Sumário
O prazo estabelecido no n.º 3 do art. 59.º do RGCC não tem natureza judicial.
Texto Integral
Processo nº 10407/16.6T8PRT.P1 (Contraordenação) Comarca do Porto - Instância Local – Secção Criminal – J3
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório:
Por decisão de 15/03/2016, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica condenou a arguida B…, SA (melhor identificada nos autos), na coima unitária de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 4º, n.º 1 e 14º nº 2 do Dec. Lei n.º 25/2011, de 14/2 e uma contra ordenação prevista e punida pelo artigo 10º nº 2 e 14º nº 2 do mesmo diploma legal.
De tal de decisão administrativa, a sociedade arguida interpôs recurso para o tribunal judicial de 1ª instância, o qual, por despacho de 20/05/2016, foi rejeitado por intempestivo.
Inconformada com tal decisão, recorreu a sociedade arguida para este Tribunal da Relação, terminando a sua peça recursória com as seguintes conclusões: (transcrição)
«A. A Arguida foi notificada da decisão administrativa em 25 de Março de 2016 e o seu mandatário em 29 de Março de 2016, razão pela qual o prazo para a impugnação judicial daquela decisão apenas começou a sua contagem em 30 de Março de 2016. B. O prazo de impugnação judicial era de 20 dias úteis acrescidos de 3 dias, pelo que apenas em 3 de Maio de 2016 terminava o prazo para impugnar a decisão proferida pela ASAE. C. Tendo a Impugnação judicial dado entrada a 28.04.2016, entrou dentro do prazo previsto e concedido. D. De facto, aquela Autoridade fez acrescentar o prazo de três dias ao prazo de impugnação, sendo que, em hipótese alguma, o prazo poderia começar a contar antes da data da notificação ao mandatário da Recorrente. E. A Arguida é alheia ao facto da ASAE fazer acrescer de 3 dias, o prazo para impugnação, sendo que a jurisprudência é pacífica a este propósito, não havendo qualquer dúvida que os referidos três dias a mais têm, efetivamente, que ser contabilizados. F. Nem se diga que estas regras só serão válidas para prazos judiciais, e que in casu não é essa a situação, porque é. G. É que mesmo assim, se partirmos do início do prazo no dia 30.03.2016 e contarmos 20 dias úteis acrescidos de três dias, o final do prazo corresponderia ao dia 29.04.2016. H. Tendo a impugnação dado entrada a 28.04.2016, há que concluir que entrou dentro do prazo. I. Por outro lado, ao contrário do que se refere na douta sentença “a quo”, o prazo a que vimos aludindo não tem a natureza de substantivo, antes sim de adjetivo. J. Pelo que, ainda que a ASAE não tivesse conferido um prazo adicional de três dias para a impugnação - como, de resto, fez, apenas se considerando o contrário por mera cautela de patrocínio - a impugnação teria sido apresentada em tempo. K. É que sendo um prazo adjetivo, a apresentação no primeiro dia útil após o último dia de prazo, implica o pagamento duma multa e não a extemporaneidade do ato.
Senão vejamos, L. Se a Arguida e o seu mandatário foram notificados em 29 de Março de 2016 da decisão administrativa e dispunham de 20 dias úteis para impugnar a mesma, o prazo para o efeito terminaria em 27 de Abril de 2016. M. No dia 28 de Abril de 2016, sendo o primeiro dia após o término do prazo, é ainda possível praticar o acto em causa, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 139.º do CPC aplicável ex vi art.º 41. º do RGCO. N. O prazo em causa, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, tem natureza processual e não substantiva, razão pela qual é possível praticar o acto no primeiro dia com multa. O. E, não tendo a Arguida liquidado atempadamente a multa devida pela prática do acto deveria a mesma ter sido notificada para o fazer, desta feita, acrescida de 25% do valor da mesma».
Recebido o recurso, o Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta pugnando pela improcedência do mesmo.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, sublinha a natureza administrativa do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e pronuncia-se pela manutenção da decisão em recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo a recorrente apresentado resposta, na qual reiterou a posição vertida nas suas conclusões.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. II-Fundamentação:
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
Em processo de contraordenação, o regime de recurso interposto para o Tribunal da Relação de decisões proferidas em primeira instância, deve observar as regras específicas referidas nos artigos 73º a 75º do DL 433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14/9 e pela Lei n.º 109/2001, de 24/12 (Regime Geral das Contraordenações), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art.º 74º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art.º 41.º, n.º 1, do RGCO.
O Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o n.º 1 do artigo 75.º do RGCO, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).
*
No caso vertente, a questão suscitada é se o recurso foi interposto no prazo legal ou, caso assim não seja considerado, se é aplicável o disposto no art.º139º, nº 5 do Código Processo Civil;
Cumpre decidir.
A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição) «Da tempestividade da interposição do recurso:
Dispõe o art. 59º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10, que “O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”
Nos termos do art. 60º do referido diploma legal o prazo para a interposição do recurso suspende-se aos Sábados, Domingos e Feriados e terminando em dia que não for possível a apresentação do recurso o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil.
O referido prazo de 20 dias é um prazo substantivo e não judicial pelo que lhe é aplicável o disposto no art. 279º do C.C. e não as regras previstas no Código de Processo Civil.
O presente recurso contra-ordenacional deu entrada, através de carta registada, nos serviços da ASAE no dia 02-5-2016, sendo o registo da carta de 28-4-2016. Para todos os efeitos a data da entrada é considerada a data do registo – cfr. fls. 58 onde consta o carimbo de entrada e fls. 75 -, sendo que o recorrente foi notificado da decisão administrativa, através de notificação pessoal com carta registada com aviso de recepção em 22-3-2016 – cfr. fls. 49.
O prazo para interposição do presente recurso teve então o seu terminus no dia 20-4-2016.
Temos assim como certo que o requerimento em causa deu entrada no dia 28-4-2016 e, como tal, é extemporâneo.
Assim sendo, e por todo o exposto, rejeito o recurso interposto pela sociedade arguida B…, SA por ter sido interposto fora do prazo – art. 60º e 63º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27-10.
Custas pela arguida-recorrente sociedade, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – art. 8º, n.º 9 do RCP e 93º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 433/82, de 27-10.
Notifique.
Após trânsito, cumpra-se o disposto no art. 70º, n.º 4 do citado Dec. Lei n.º 433/82, de 27-10.»
Sustenta a recorrente que o recurso foi apresentado tempestivamente, ou seja, dentro do prazo concedido através da notificação da entidade administrativa.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
Nos termos do art.º 59.º“1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial; 2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor; 3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”
Ainda, nos termos do disposto no artigo 47º do RGCO “A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista. – nº 1; notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado. – nº 2; No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho. – nº 3; Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.” – nº 4.
Da conjugação dos preceitos referidos decorre que, quando o arguido estiver representado por mandatário ou defensor, terá a autoridade administrativa de comunicar a decisão quer ao arguido, quer ao seu defensor ou mandatário mediante notificação.
Revertendo ao caso em análise.
A autoridade administrativa procedeu à notificação da decisão, quer diretamente à sociedade arguida através de carta registada com aviso de receção, quer através do seu ilustre mandatário, mediante carta registada, sendo o registo do correio de ambas datado de 21/03/2016.
Na nota de notificação remetida à sociedade arguida e ao seu ilustre mandatário consta, para além do mais, o seguinte segmento: “Mais fica notificado de que esta decisão é susceptível de impugnação judicial por recurso, que será feito por escrito e apresentado na sede desta Divisão, no prazo de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação, devendo constar de alegações sumárias e conclusões.”
A sociedade arguida rececionou a notificação no dia 22/03/2016.
Em 29/03/2016 procederam os CTT à entrega da carta ao ilustre mandatário da arguida.
A recorrente defende que o prazo para a impugnação só deverá iniciar a sua contagem em 30/3/2016, já que a notificação ao seu mandatário ocorreu em 29/3/2016. Acrescenta que ao prazo de vinte dias úteis deverão acrescer três dias, por tal prazo lhe ter sido concedido pela autoridade administrativa.
Concordamos com o primeiro argumento deduzido, ou seja, o prazo de vinte dias úteis inicia-se em 30/3/2016.
É que, apesar ter sido remetida ao ilustre mandatário da arguida carta registada nos CTT em 21/3/2015 e, como tal, presumir-se a sua notificação no terceiro dia útil posterior ao registo ou ao primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil - n 1º do artigo 113º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL nº 4/2015, de 7/1 -, como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, o ilustre mandatário ilidiu tal presunção, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 113º citado “ A presunção prevista no número anterior só pode ser ilidida pelo notificando quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a Administração ou o tribunal, a requerimento do interessado, solicitar aos correios informação sobre a data efetiva da receção.”, juntando aos autos documento proveniente dos CTT, do qual se extrai ter a sua notificação ocorrido em 29/3/2016.
Não procede, porém, a interpretação que a recorrente pretende extrair da notificação da entidade administrativa, no que respeita à contagem do prazo.
Com efeito, o prazo referido pela entidade administrativa “de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação” mais não é do que o prazo a que se reportam os artigos 59º e 60º do RGCO – e cuja contagem se inicia nos termos da presunção contida no nº 1 do artigo. 113º do Código de Procedimento Administrativo supra mencionado.
O registo dos CTT ocorreu em 21/3/2016, pelo que nos termos da notificação efetuada, o início para a contagem do prazo de 20 dias, iniciar-se-ia no dia 28/3/2016, já que o dia 25/3 (terceiro dia após o registo dos CTT) corresponde a dia feriado e os dois dias subsequentes a sábado e domingo.
Não se iniciou a contagem do prazo nesses termos, pois, como ficou demonstrado, o ilustre mandatário da recorrente apenas foi notificado em 29/3/2016.
Contado o prazo de 20 dias úteis de que dispunha para impugnar judicialmente a decisão administrativa, com início no dia 30/3/2016, o dies ad quem terminou em 27/3/2016 (que não coincidiu com dia feriado ou sábado ou domingo).
Assim, e sendo pacífico que a sociedade arguida interpôs recurso em 28/4/2016, o recurso não foi interposto dentro do prazo legalmente estabelecido.
Assevera a recorrente que, de todo o modo, sempre seria de admitir o recurso, mediante o pagamento da multa a que se reporta o artigo 139º do Código de Processo Civil. Para tanto invoca a natureza judicial do prazo a que se reporta o artigo 59º do RGCO.
A este propósito consideramos relevante tecer breves considerações.
O processo de contraordenação comporta fases distintas que se caracterizam pela sua diferente natureza; a primeira, a que faz referência o artigo 54º do RGCO, é da competência da autoridade administrativa e destina-se à investigação e instrução, finda a qual arquiva o processo ou, determinada a existência de uma contraordenação, aplicará uma coima (nº 2 do artigoº 54º citado).
O coimado, reagindo à decisão administrativa interporá o competente recurso junto dessa autoridade, a qual poderá revogar a decisão de aplicação da coima (artigo 62º, nº 2 do RGCO) ou enviará os autos, não ao tribunal competente, mas ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este ato como acusação (nº 1 do referido artigo 62º). Note-se, porém, que o Ministério Público exercerá, nesta altura, o seu controlo sobre a legalidade da decisão administrativa.
Findo este controlo, se o Ministério Público fizer os autos presentes ao juiz, com esse ato, inicia-se então a fase judicial do processo de contraordenação.
Do que vem sendo exposto, se constata que a impugnação judicial de uma decisão administrativa que aplica coima em sede de processo de contraordenação integra a fase administrativa do processo e não, a fase judicial. Assim, o prazo para a interposição do recurso reveste natureza administrativa, não podendo ser considerado, como pretende a recorrente, tratar-se de um prazo judicial. Com efeito, só pode ser considerado como prazo judicial o que se destina à prática de um ato no âmbito de um processo judicial, ou seja, de uma ação que já se encontre em juízo.
Acresce que o STJ uniformizou jurisprudência no sentido de que “não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração do Dec. Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro” (Acórdão de uniformização de jurisprudência nº2/94, de 10 Março 94 (DR Iª Série de 7 Maio 94).
O STJ, no A. de 3/11/2010 processo 103/10.3YLSB.L1-A.S1 disponível em www.dgsi.pt, perfilhou o entendimento que o acórdão uniformizador se mantém em pleno vigor quando dispõe que o prazo previsto no nº3, do art.59º, do RGCO não é um prazo judicial, não sendo aplicável ao mesmo as regras do processo civil nem do processo penal.
Por ilustrativo das questões em análise, permitimo-nos transcrever parcialmente, o respetivo sumário: “IV - Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59.º, n.º 3, do RGCO não era um prazo judicial, o AUJ 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no n.º 3 do art. 144.º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104.º, n.º 1, e 107.º, n.º 5, do CPP. V - O DL 244/95 veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais. Quer dizer: o DL 244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72.º, n.º 1, al. b), do CPA, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais. VI - Ou seja: o DL 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59.º, n.º 3, num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa. VII - Com a reforma introduzida no CPC pelo DL 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144.º, n.º 1), regra que é aplicável ao processo penal, por força do n.º 1 do art. 104.º do CPP. Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias. VIII - É certo que o DL 244/95 em alguma medida contradiz o AUJ 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou. Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107.º, n.ºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei 59/98, de 25-08). IX - Tendo a decisão recorrida “infringido” o AUJ 2/94 com fundamento em caducidade do mesmo, e não em desactualização da jurisprudência fixada, duvidoso será que tenha de haver pronúncia sobre essa matéria. Porém, na medida em que da letra do n.º 3 do art. 446.º do CPP pode resultar o entendimento de que tal pronúncia é obrigatória, e também porque os recorridos fazem esse pedido subsidiariamente, aliás em conexão com a invocação de inconstitucionalidade da doutrina do AUJ 2/94, por violação dos arts. 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 10, da CRP, dir-se-á o que segue sobre essa questão. X - O direito de defesa em processo contra-ordenacional, que inclui o direito de audiência e o direito de recurso da condenação administrativa para um tribunal, está suficientemente salvaguardado nos arts. 59.º e ss. do RGCO, em cumprimento do disposto no n.º 10 do art. 32.º da CRP. A aproximação do direito contra-ordenacional ao direito penal, que é real, não impõe uma coincidência dos regimes processuais de ambos os ilícitos, dada a diferente natureza dos interesses em causa. É, pois, materialmente justificável uma diversa expressão dos direitos dos arguidos, naturalmente mais intensa no processo penal. XI - Não se mostra, pois, ultrapassada nem contrária à CRP a doutrina do AUJ 2/94. Concluindo: este Acórdão não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no n.º 3 do art. 59.º do RGCO não é um prazo judicial, daí derivando nomeadamente a inaplicabilidade àquele prazo da regra do n.º 6 do art. 107.º do CPP.”.
O entendimento vertido neste douto Aresto tem vindo a ser perfilhado, v.g. Ac. RL de 30/5/2011, proc. nº 301/09.2TFLSB.L1-5 e Ac. RE de 6/1/2015, proc. nº 10/14.0T8LAG.E1, disponíveis em www.dgsi.pt
No mesmo sentido da natureza não judicial do prazo pronuncia-se a doutrina - “O prazo delimitado no presente normativo não é um prazo judicial pois que se reporta a um momento em que não existe uma fase judicial. Aliás, tal fase pode nem sequer iniciar-se caso a entidade administrativa revogue a decisão até ao momento em que deveria enviar o processo para tribunal. Não sendo um prazo judicial são inaplicáveis as regras do Código de Processo Civil, nomeadamente artigos 144º e 145º” (atuais art.ºs. 139º e 140, do CPC) - comentários efetuados ao art. 60º, do RGCO, por António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, p. 164.
Devendo tal prazo ser considerado de natureza administrativa, não lhe são aplicáveis, como bem concluiu o despacho recorrido, as regras privativas dos prazos judiciais, designadamente, no que respeita à possibilidade de prática extemporânea do ato mediante o pagamento de multa processual. - neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 08/11/05, CJ, 2005, Tomo V, pág. 129.
Em síntese: Aquando da interposição do recurso da decisão administrativa em 28/04/2017, já o respetivo prazo se encontrava ultrapassado pois terminara em 27/04/2016, pelo que teria aquele, embora pelas razões ora expendidas, de ser rejeitado ao abrigo do disposto no artigo 63º nº1 do RGCO, não merecendo, neste particular, nenhuma censura o tribunal a quo. Assim sendo, improcede o presente recurso.
*
III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente que se fixam em 3 UCs
Porto, 26 de Outubro de 2016
Maria Ermelinda Carneiro
Raul Esteves