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ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
USO PARA FIM DIVERSO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário
I - Não se verifica o fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto no art. 64º/1, alínea b) do RAU – usar o arrendatário o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daquele ou daqueles a que se destina – quando o arrendatário ali exerce uma actividade que embora diversa da prevista no contrato, é com ela conexa, e aquela continua a ser exercida no local; II – Para efeitos de caducidade da acção de resolução do contrato de arrendamento, o fundamento da alínea b), do nº 1, art. 64º, tem a natureza de facto continuado ou duradouro; III – Age com abuso de direito o senhorio que, conhecendo há 25 anos o facto de o inquilino destinar o prédio arrendado a fim diferente do previsto no contrato, sem nunca se ter oposto, intenta ao fim daqueles anos acção de despejo fundada no uso do prédio arrendado para fim diverso daquele a que segundo o contrato se destina. (F.L)
Texto Integral
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Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
Espaço Lapa – Sociedade de Imobiliário Lda, que veio a ser substituída por Pólo …Lda, intentou acção declarativa com processo sumário contra F. divorciado, residente …em Lisboa, pedindo: Que se declare resolvido o contrato de arrendamento relativo ao 3º andar, letra B, do prédio sito na Rua Dona Estefânia, nº 177, Lisboa; Que se condene o Réu a despejar o locado, entregando-o à Autora livre de pessoas e bens.
Alegou para tanto ser proprietária do identificado prédio, que se encontra arrendado ao Réu desde 1977 para o comércio de publicidade e promoção de vendas, tendo aquele passado a utilizar o locado para fim diverso – “tirar fotografias” - o que consubstancia o fundamento de resolução do contrato previsto na alínea b), nº1 do art. 64º do RAU.
Citado, o Réu contestou alegando, em resumo, que a actividade de fotografia que exerce no local arrendado ocorre desde o início do contrato, o que sempre foi do conhecimento da Autora, que nunca a tal se opôs, sendo certo que a fotografia que exerce, essencialmente de artistas, cabe na actividade de publicidade, um dos fins do contrato. Ademais, a acção foi intentada muito para além do prazo que o art. 65º do RAU fixa para ser intentada a acção de resolução.
Assim, e procedendo as excepções peremptórias invocadas, deve a acção ser julgada improcedente e ele absolvido do pedido.
A Autora replicou, rebatendo o alegado na contestação.
Na audiência preliminar tentou-se sem êxito a conciliação das partes.
Julgou-se válida a instância e condensou-se a matéria de facto, com organização da base instrutória.
Realizado o julgamento e dirimida a matéria de facto, sem censura, foi proferida sentença que julgou a acção procedente.
Irresignado, o Réu apelou tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª. O pedido de resolução do contrato e consequente despejo, assentou na violação da utilização do locado para fim ou ramo diverso daquele a que se destina.
2ª. O que não corresponde à verdade.
3ª. A actividade de fotografia é conexa ou acessória da actividade de publicidade e promoção de vendas.
4ª. As actividades de fotografia e de publicidade não poderão ser apreciadas, somente através da literalidade do seu significado em termos de definição de dicionário.
5ª. Donde resulta que o Réu não deu ao locado uma utilização que viole os termos no disposto no art. 64º/1, b) do RAU.
6ª. O pedido de resolução do contrato deu entrada no tribunal cerca de 23 anos após o Réu ter permanecido no locado a desenvolver a sua actividade ligada à fotografia.
7ª. Resulta provado dos autos que foi com conhecimento do senhorio que durante todos estes anos foi exercida no locado a mesma actividade, sem que, por qualquer forma, fossem tomadas medidas destinadas a impedi-la.
8ª. Nunca manifestando qualquer oposição.
9ª. Beneficiando a A. do exercício dessa actividade através do percebimento das respectivas rendas.
10ª. Com o seu comportamento criou no Réu a legítima convicção de aceitação da actividade exercida no locado.
11ª. Estamos perante uma clara aceitação por parte da Autora, aliás outro entendimento não se podendo retirar do seu comportamento omisso ao longo de tão grande período de tempo – cerca de 25 anos – sendo o mesmo incompreensível se não for considerado como tácita anuência à actividade desenvolvida no locado.
O Mmº juiz a quo ao não ter absolvido o Réu do pedido com fundamento na caducidade do direito do A. violou o correcto entendimento do disposto no art. 493º/3 do CPCivil.
Sem conceder,
Mesmo que se não perfilhe o entendimento da caducidade do direito, sempre se dirá que o exercício do direito de resolução do arrendamento por parte da Autora se reconduz à figura do abuso de direito nos termos do art. 334º do Cód. Civil.
(…).
A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos arts. 64º/1 b) do RAU, 493º/2 do CPC e 334º do Cód. Civil.
Contra alegou o Autor pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
///
Fundamentação.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora é dona do prédio sito na Rua … Lisboa, descrito sob o nº … da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, registada na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana sob o nº 1.649.
2. Por escritura pública de 05.12.75, no 17º Cartório Notarial de Lisboa, Angelina da Conceição Tavares Castanheira tomou de arrendamento o 3º andar, letra B, com entrada pelo nº 177, do aludido prédio.
3. O objecto desse arrendamento é escritório da inquilina para o exercício de comércio e indústria de publicidade e promoção de vendas.
4. Por escritura notarial de 18.03.77, do 12º Cartório Notarial de Lisboa, a Angelina trespassou o dito estabelecimento de publicidade e promoção de vendas a “C3 – Centro de Cooperação Comercial e promoção de Vendas Lda”.
5. A inquilina “C3…Lda” instalou no locado um estabelecimento comercial de vendas do cabaz de Natal.
6. Por escritura notarial outorgada no dia 19.09.1977, a “C3…Lda” trespassou o estabelecimento de comércio e indústria de publicidade e promoção de vendas ao ora Réu – cfr. documento de fls. 15.
7. A renda do locado é de esc. 5.000$00.
8. O Réu utiliza o locado para tirar fotografias.
9. …o que faz apenas durante a noite.
10. Desde a data mencionada em 6), o Réu exerce a actividade de fotógrafo.
11. A actividade mencionada na alínea anterior sempre foi do conhecimento do senhorio.
12. O Réu tem uma pequena placa identificadora com o nome e a indicação de fotógrafo na entrada principal.
13. Desde 1977, ou seja, desde há cerca de 25 anos que, quer o senhorio quer toda a vizinhança, conhecia e conhece a actividade do ora Réu, nunca tendo havido qualquer problema.
14. As fotografias tiradas pelo Réu são essencialmente de artistas, dos mais variados ramos, e são usadas como cartazes publicitários e outras formas de promoção à actividade dos mesmos.
O direito.
Visto as conclusões do Recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
- Se ocorre o fundamento da resolução do contrato de arrendamento por motivo de uso do prédio arrendado para ramo de negócio diverso daquela a que se destina;
- Se se verifica a caducidade do direito de pedir a resolução;
- Se há abuso de direito no pedido formulado pela Autora.
Quanto à primeira das questões enunciadas:
Nos termos do art. 64º, nº 1 alínea b) do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15.10, adiante designado por RAU, “o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário usar ou consentir que outrem use o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daquele ou daqueles a que destina.
Este fundamento de resolução radica numa violação contratual por parte do inquilino.
Assim é em face do que dispõe o art. 1027º do Cód. Civil onde se prescreve que ao locatário só é lícito aplicar a coisa locada, a quaisquer fins lícitos dentro da função normal da coisa, “…se do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa locada se destina”.
É que a finalidade do arrendamento é determinada em regra por uma cláusula contratual. Por isso, entre as obrigações do locatário está a de não aplicar a coisa a fim diverso daquele a que ela se destina (cfr. o art. 1038º do Cód. Civil).
O caso dos autos.
Por contrato intitulado de trespasse, celebrado por escritura pública de 19 de Setembro de 1977, o então arrendatário transmitiu ao ora Réu um “escritório para o exercício de comércio e indústria de publicidade e promoção de vendas”, instalado no 3º andar, porta B, com entrada pelo nº 177, da Rua Dona Estefânia, em Lisboa, no qual funcionava um estabelecimento comercial de vendas do cabaz de Natal.
Sucede que o novo inquilino, o aqui Réu Francisco, passou logo a utilizar o local para o exercício da sua actividade profissional – fotografia - essencialmente de artistas dos mais variados ramos.
A sentença, que é de justiça reconhecer estar bem elaborada, concluiu que se verifica o fundamento de resolução invocado.
Deste entendimento discorda o Apelante sustentando que a actividade de fotografia que exerce no locado é conexa ou acessória das actividades de publicidade e de promoção de vendas, não se verificando, pois, a causa de resolução invocada.
Que dizer?
O negócio pelo qual o escritório foi transmitido para o Réu não consubstancia, em rigor, um “trespasse”. Este, como se sabe, não existe quando ao locado for dado um fim diferente daquele que o estabelecimento prosseguia – art. 118º, nº 2 al. a) do Cód. Civil, lei então em vigor e actual art. 115º do RAU – visto que essa figura pressupõe a transmissão definitiva para outrem, juntamente com o gozo do prédio, de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.
Tendo o Réu passado a exercer a actividade de fotografia num espaço que constituía um estabelecimento comercial de venda de cabaz de Natal, é manifesto a inexistência de um trespasse.
Assim, e como decidido na sentença, “celebrado um negócio de trespasse, sem que se mantenha a actividade exercida no estabelecimento, poderá o senhorio obter a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na alínea b) do art. 46º do RAU” (cfr. Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 1966, pag. 505, e Ac. da Relação de Coimbra de 30.05.89, CJ ano XIV, tomo 3, pag. 76).
Centra o Apelante a sua discordância com a sentença dizendo que entre a actividade que prossegue e o ramo ou fim a que se destina o arrendado, existe uma relação, sendo a fotografia uma actividade conexa ou acessória da publicidade.
Vejamos.
Os comentadores mais autorizados e a jurisprudência maioritária interpretam a alínea b) do nº1 do art. 64º do RAU em termos de admitir que no locado se pratiquem outras actividades que não apenas as previstas no contrato, por assim o impor a frequente complexidade da vida económica. Mas para tanto é necessário:
- Que no arrendado se continue a exercer a actividade prevista no contrato;
- Que a actividade adicional não cause ao prédio maior desgaste do que o previsto com a realização do arrendamento; não diminua a segurança dos utentes do prédio e das suas estruturas, aumentando o risco considerado pelos contraentes; não desvalorize o valor do imóvel em maior grau do que o expressamente consentido;
- Seja de presumir que, à luz da razoabilidade e da boa fé, o locador podia e devia contar com o exercício adicional de uma outra actividade. Será assim lícita, não só a prática de uma actividade que se mostre indispensável ou conveniente para que no locado se possa exercer, em boas condições, o ramo de negócio literalmente permitido, mas também aquelas que, segundo os usos comuns, acompanham a modalidade de comércio ou indústria autorizada
Neste sentido Pais de Sousa, in Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 6ª edição, pag. 199, Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 1995, pag. 281, Vasco Lobo Xavier, RLJ, ano 116º, pag. 117 e sgs. e os acórdãos do STJ de 16.12.99 e de 21.03.2000, publicados nos BMJ 492, pag.429 e 495, pag.292.
Mas assim logo se vê que a pretensão do Apelante não pode lograr êxito.
Consistindo a publicidade, como bem se escreveu na sentença, essencialmente, num conjunto de operações de comunicação e difusão de uma mensagem, de um conteúdo, junto dos seus destinatários, é inequívoco que uma tal actividade não ocorre no locado. E o mesmo se diga quanto a promoção de vendas.
Ali apenas se faz fotografia e se a publicidade, por vezes, recorre à fotografia, esta não se confunde com aquela. Mesmo o facto de as fotografias que o Réu tira serem usadas em cartazes publicitários de artistas, a actividade daquele confina-se à fotografia, sem que no locado se desenvolva qualquer outra actividade que possa qualificar-se como publicidade ou promoção de vendas.
Diz o Recorrente que “a actividade de fotografia é conexa ou acessória da actividade de publicidade e promoção de vendas”. Isto só relevaria se com a fotografia (actividade acessória ou conexa) coexistisse a actividade principal o que, como vimos, não acontece.
Improcede em consequência este primeiro fundamento do recurso.
A questão da caducidade do direito do Autor.
Dispõe a este título o art. 65º do RAU:
“1. A acção de resolução deve ser proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.
2. O prazo de caducidade previsto no número anterior, quando se trate de facto continuado ou duradouro, conta-se a partir da data em que o facto tiver cessado.”
A resposta à questão colocada depende da qualificação que se der ao facto que serve de fundamento à pretensão do Apelado: instantâneo ou continuado.
Ensina o Prof. Pereira Coelho, Arrendamento, 1988:
“A violação deve qualificar-se como instantânea quando a conduta violadora for uma só, realizada ou executada em dado momento temporal, embora os seus efeitos permaneçam ou se protraiam no tempo (alíneas d) e f) do art. 1093º do CC, hoje correspondentes às alíneas d) e f) do art.64º); só deverá ter-se como continuada quando o processo de violação do contrato se mantenha em aberto, alimentado pela conduta persistente do locatário (alíneas b), c), e), g), h) e i)). No primeiro caso o senhorio já dispõe de todos os elementos para tomar uma decisão; só no segundo se justifica que a lei lhe dê a possibilidade de decidir, em face das circunstâncias e enquanto a conduta violadora se mantiver, sobre a resolução ou não do contrato.”
Também Antunes Varela, Cód. Civil anotado, vol. II, 4ª, edição, pag.616, entende que o facto que integra a causa de resolução do contrato por parte do senhorio, previsto na al. b), nº 1 do art. 64º do RAU, constitui facto duradouro.
E o Acórdão desta Relação de 06.05.99, CJ, 1999, III, pag. 91, decidiu:
“A mudança de ramo do comércio exercido no arrendado é facto duradouro, pelo que o prazo de caducidade do respectivo direito só inicia a sua contagem após o termo daquela alteração.”
Sendo pois de qualificar como continuado o facto que serve de fundamento ao pedido de resolução, só ocorreria a caducidade do direito se a violação contratual tivesse cessado há mais de um ano. Como não é o caso, impõe-se concluir pela não verificação da caducidade.
Temos assim que a fracção arrendada foi usada, desde o início do arrendamento, para fim ou ramo de negócio diverso do contratualmente estabelecido.
Significa isto que a acção deve proceder, por verificado o fundamento invocado para a resolução do contrato?
Sustenta o Apelante que a pretensão da Autora constituiu um caso nítido de abuso de direito, visto ter permitido que a situação se prolongasse por cerca de 23 anos sem que alguma vez tenha manifestado qualquer oposição à actividade desenvolvida no locado, pelo que não pode proceder.
Que dizer?
Segundo o art. 334º do Cód. Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A figura do abuso de direito tem sido abundantemente apreciada pela doutrina e jurisprudência, sendo consensual o seguinte entendimento:
“O abuso de direito constitui uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais que permitem ao julgador poder obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido” (Ac. do STJ de 02.07.96, BMJ 495/519, também o Ac. do STJ de 03.10.91, BMJ 410/776, Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil anotado, vol. I, 4ª edição, pag. 299, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, pags. 60 e sgs).
Escreveu-se no referido Ac. do STJ de 03.10.91:
“Ninguém pode exercer um direito em contradição com o seu anterior procedimento, se este, considerado objectivamente, justificar a ilação de que não mais fará valer o direito, ou se o exercício posterior for, por causa da conduta anterior do titular, contrário aos bons costumes ou à boa fé – venire contra factum proprium.”
“Pode falar-se em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium quando existam condutas contraditórias do seu titular a frustrar a confiança criada pela contraparte em relação à situação jurídica futura” – Ac. do STJ de 17.01.02, CJ AcSTJ, I, 48.
Como uma modalidade especial da proibição do venir contra factum próprium, o Prof. Baptista Machado (RLJ ano 118º, pag. 228), refere o que chama a “neutralização do direito” que se verifica quando ocorrem as seguintes circunstâncias:
“a) O titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer;
b) Com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido;
c) Movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção com base naquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado.”
Vejamos agora o caso à luz dos princípios expostos.
Está provado que desde 1977 o Réu, com toda a publicidade, exerce no locado a sua actividade de fotógrafo, o que sempre foi do conhecimento da senhoria que a tal nunca se opôs. Ou seja, durante perto de 25 anos nunca a senhoria reagiu contra o uso do arrendado para fim ou ramo diverso do contratado, não obstante o conhecimento que tinha do facto.
O decurso de tão longo período de tempo fez criar a legítima convicção por parte do Réu, de que o direito de resolução do contrato, por aquele fundamento, já não viria a ser exercido.
E a anuência, tácita, da Autora ao comportamento do Réu permitiu-lhe firmar e consolidar ali a sua actividade, pelo que o exercício agora do direito de resolução, acarretaria para ele seguramente muito maiores desvantagens do que exercício atempado daquele.
Pensamos ser este um caso manifesto de “neutralização do direito”, à luz dos princípios da boa fé e da confiança (neste sentido decidiram, em casos com alguma semelhança com o dos autos, o Ac. do STJ de 12.07.94, CJ AcSTJ, CJAcSTJ, tomo II, pag. 176 e o Ac. da Relação do Porto de 13.01.97, CJ tomo I, pag. 200). Decidiu com efeito o referido acórdão do STJ de 12.07.94:
“Actua em situação de abuso de direito quem à luz do princípio da confiança, actua de forma a convencer que aceita certo comportamento e, ao fim de 15 anos, pretende sancioná-lo.”
Sendo ilegítimo o exercício de um direito, tal conduz à improcedência do pedido.
Decisão.
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, julga-se a acção improcedente e absolve-se o Réu do pedido.
Custas pela Apelada.
Lisboa, 07.01.18
Ferreira Lopes
Manuel Gonçalves
Aguiar Pereira (vencido)