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CONTRATO-PROMESSA
LITISCONSÓRCIO
Sumário
1) Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão produza o seu efeito útil normal (art. 28º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil). 2) Se o contrato-promessa de compra e venda, cuja alegada impossibilidade de cumprimento fundamenta o pedido de condenação do Réu a devolver-lhe o dobro do sinal, tiver sido outorgado, do lado do promitente-comprador, não apenas pelo ora Autor, mas também por outras duas pessoas, é manifesto que o litígio existente entre os três promitentes-compradores e o promitente-vendedor ora R. nunca poderia ser definitivamente composto, sem a presença, na acção, de todos os outorgantes do referido contrato-promessa, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar. 3) A relação jurídica material controvertida impõe, portanto, o litisconsórcio necessário natural de todos os intervenientes no contrato-promessa de compra e venda questionado na acção (cit. art. 28º-2 do CPC). 4) Como assim, se a acção tendente à condenação do promitente vendedor a devolver o dobro do sinal entregue aquando da conclusão do contrato-promessa tiver sido proposta apenas por um dos três promitentes compradores, desacompanhado dos outros dois, a preterição do litisconsórcio necessário natural activo determina a iliegitimidade activa do Autor (cit. art. 28º, nºs 1 e 2, do C.P.C.). 5) Porém, como a lei processual é expressa quanto à sanabilidade do pressuposto processual consistente na falta de litisconsórcio necessário (art. 269º do CPC), o tribunal, ao constatar ter sido preterido o litisconsórcio necessário natural activo, imposto pelo cit. art. 28º-2 do CPC, não pode, sem mais, julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa e absolver o Réu da instância, antes se lhe impõe, nos termos dos arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do C.P.C., que profira um despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento daquela excepção dilatória, convidando o Autor a deduzir o pertinente incidente de intervenção principal provocada dos demais promitentes-compradores outorgantes do aludido contrato-promessa.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível da Relação de LISBOA:
A…, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum sumário, contra J…, pedindo:
a) a título principal, que o R. seja condenado a pagar a quantia de Esc. 19.666.666$99, correspondente ao dobro da quantia entregue a título de sinal, na promessa de compra e venda dos bens móveis e imóveis que integravam as instalações da Sociedade Moitoceram;
b) Subsidiariamente, a devolução do valor entregue a título de sinal, num caso e noutro, com acréscimo dos juros legais.
Para tanto, alegou, em resumo, que, em conjunto com J e A, acordou com o R. a futura aquisição de tais bens, pelo preço de 25.000.000$00, livres de ónus e encargos, e entregou ao R. a quantia de Esc. 9.833.333$00, a título de sinal e princípio de pagamento. Porém, os bens em causa já se encontravam onerados por dívida à segurança social e, não tendo o R. obtido o levantamento das garantias de hipoteca e penhora a favor da segurança social, os referidos bens foram vendidos em hasta pública, tendo sido adquiridos pela Sociedade, Lda., pelo preço de Esc. 25.025.100$00, encontrando-se assim impossibilitado definitivamente o cumprimento do contrato-promessa.
O R., apesar de regularmente citado, não deduziu oposição relevante, tendo sido, consequentemente, proferido despacho a considerar provados os factos alegados pelo Autor (nos termos do art. 484º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Depois de facultado o processo às partes, para alegações escritas (nos termos do nº 2 do mesmo art. 484º), foi proferido despacho saneador que julgou o Autor parte ilegítima na presente acção (por preterição do litisconsórcio necessário activo)e absolveu o Réu da instância.
É deste despacho saneador que o Autora interpôs o presente recurso, que, apesar de recebido como de apelação, foi depois (já nesta Relação) mandado seguir como de agravo, formulando, a rematar as alegações que apresentou, as seguintes conclusões: “1 - O Recorrente entende, s.m.o., ser parte legitima na presente acção, e por isso dever ser o R. condenado a pagar a importância peticionada, tanto mais que
2 - O cumprimento do contrato prometido já não é possível, atento a aquisição e registo por outra entidade dos móveis e imóveis em questão,
3 - Por outro lado, os demais promitentes-compradores naquele contrato já regularizaram com o R. a devolução do sinal e daí o intencional afastamento de todos os intervenientes.
4 - Acresce que, a não fazer vencimento esta tese, sempre o Mmo. Juiz "a quo" deveria ter dado cumprimento ao estipulado nos art°s 508°, n° 1 al. a) e art° 265° ambos do C.P.C.
5 - A sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos art°s 668°, n° 1 al. d); 508°, n° 1 al. a); 265° do C.P.C. .
Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com todas as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA.”.
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O MÉRITO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem(1)(2).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranjatudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3) (4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:
1) se, atento o facto de já não ser possível o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda cujo incumprimento definitivo, por parte do R., fundamenta os pedidos formulados a título principal e subsidiário (visto os bens prometidos comprar/vender naquele contrato já terem sido adquiridos por outra entidade) e visto os demais promitentes-compradores outorgantes do referido contrato-promessa já terem regularizado a situação com o R. (tendo-lhes este devolvido a parte do sinal por eles paga), o Autor dispõe de legitimidade activa para, agindo desacompanhado dos restantes promitentes-compradores, peticionar – como faz na presente acção – a condenação do R. no pagamento do dobro daquela parte do sinal que foi por ele paga (Esc. 9.833.333$00);
2) Se, ainda que assim não fosse, sempre o tribunal “a quo” deveria, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 508º, nº 1, alínea a), e 265º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, ter providenciado pelo suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade.
A DECISÃO RECORRIDA
O despachosaneador que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor :
“A (…) Intentou a presente acção declarativa condenatória, sob a forma de processo sumário, contra :
Dr. J…, Lisboa;
Pedindo a condenação deste no pagamento do sinal em dobro relativo d promessa de compra e venda dos bens móveis e imóveis que integravam as instalações da Sociedade …no total de 19.666.666$99.
(…)
Compulsados os autos e nos termos do art. 484 n° 1 do CPC, encontra-se demonstrado que o A., J e A, prometeram comprar e o R. prometeu vender, os bens móveis e imóveis que integravam o património da Sociedade, descritos no documento de fls. 9 e seg..
Este acordo constitui contrato-promessa de compra e venda, por tal devendo entender-se a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, o contrato prometido. Este contrato encontra-se submetido ao princípio da equiparação, segundo o qual ao contrato-promessa são aplicáveis as normas disciplinadoras do contrato prometido, com excepção das regras de forma ou aquelas que, pela sua razão de ser, não se devem considerar extensivas ao mesmo, art. 410º n° 1 CC.
Demonstrou-se ainda, por força da confissão do R. realizada nos termos do art. 484 n° 1 CPC que o A. entregou ao R. a quantia de 9.833.333$00, a título de sinal e princípio de pagamento, nos termos do art. 442 do Código Civil, preten dendo por via da presente acção o A. e na sequência do incumprimento do R., o efeito jurídico previsto no n° 2 da referida norma, ou seja, a devolução do sinal em dobro.
Porém, encontrando-se o A. desacompanhado dos demais promitentes compradores, não poderá o Tribunal conhecer do mérito da pretensão deste.
(…).
A presente acção visa apreciar o incumprimento do contrato-promessa celebrado entre o A. e terceiros na presente acção como promitentes compradores e o R., na qualidade de promitente vendedor, sendo faculdade na esfera jurídica dos promitentes compradores, a escolha dos efeitos do incumprimento descritos nos arts. 442 e 830 do Código Civil.
Na ausência na presente acção dos demais promitentes compradores, não é possível apreciar a globalidade da relação jurídica em causa e determinar a resolução do contrato com restituição do sinal em dobro, isto ainda que se encontre provado, (o que naturalmente não vincula os restantes promitentes), que foi apenas o A. quem entregou ao R. a quantia relativa ao sinal.
O pedido de restituição do sinal implica necessariamente o pedido de resolução do contrato, ( Almeida Costa, Contrato-Promessa, p. 53 ) e estes, na existência de uma pluralidade de promitentes compradores, têm de ser formulados por todos, sob pena de ilegitimidade, verificando-se assim uma situação de litisconsórcio necessário activo, visto que o pedido nao é susceptível de divisão, por nao se poder falar da quota parte de interesse de resouução de cada um dos sujeitos activos da relação material, ( Ac. RP 16/11/92, BMJ 421/499 ).
Em conclusão, na ausência dos demais promitentes compradores como parte activa, nao é possível que presente acção venha a regular definitiva e globalmente o litígio, vinculando todas as partes do contrato, pelo que se verifica existência de excepção dilatória de ilegitimidade nos termos do art. 28 n° 2 do Código de Processo Civil.
Dado que a ilegitimidade ora suscitada não foi tempestivamente suprida pela parte nem suscitada pelo Tribunal nos termos do art. 508 n° 1 al. a) do CPC mas não pode deixar de ser verificada neste momento, nos termos do art. 495 do CPC.
Nestes termos e por violação do litisconsórcio necessário activo, o A. é parte ilegítima na presente acção, devendo o R. ser absolvido da instancia, arts. 493 n° 2, 494 al. e) e 495 do CPC.
DECISÃO:
Pelo exposto, julgo o A. parte ilegítima e absolvo o R. da instancia.
(…)”
O MÉRITO DO AGRAVO
1) SE O FACTO DE JÁ NÃO SER POSSÍVEL O CUMPRIMENTO DO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA CUJO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO, POR PARTE DO R., FUNDAMENTA OS PEDIDOS FORMULADOS A TÍTULO PRINCIPAL E SUBSIDIÁRIO (VISTO OS BENS PROMETIDOS COMPRAR/VENDER NAQUELE CONTRATO JÁ TEREM SIDO ADQUIRIDOS POR OUTRA ENTIDADE) E A CIRCUNSTÂNCIA DE OS DEMAIS PROMITENTES-COMPRADORES OUTORGANTES DO REFERIDO CONTRATO-PROMESSA JÁ TEREM REGULARIZADO A SITUAÇÃO COM O R. (TENDO-LHES ESTE DEVOLVIDO A PARTE DO SINAL POR ELES PAGA), CONFERE AO AUTOR LEGITIMIDADE ACTIVA PARA, AGINDO DESACOMPANHADO DOS RESTANTES PROMITENTES-COMPRADORES, PETICIONAR – COMO FAZ NA PRESENTE ACÇÃO – A CONDENAÇÃO DO R. NO PAGAMENTO DO DOBRO DAQUELA PARTE DO SINAL QUE FOI POR ELE PAGA (ESC. 9.833.333$00).
Como vimos, o despacho saneador objecto do presente recurso fundamentou a ilegitimidade activa do Autor ora Agravante na circunstância de este não poder demandar o R. – como faz na presente acção – desacompanhado dos outros dois outorgantes do contrato-promessa de compra e venda cuja impossibilidade definitiva de cumprimento (decorrente do facto de os bens móveis e imóveis prometidos comprar/vender terem sido entretanto já adquiridos por uma terceira entidade) serve de causa de pedir ao pedido – por ele formulado – de condenação do R. a devolver-lhe o dobro do sinal passado aquando da celebração de tal contrato.
Isto porque o nº 2 do art. 28º do CPC impõe a intervenção de todos os interessados quando, ela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal – o que ocorre sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (cfr. a parte final do mesmo preceito). Ora, se não estiverem presentes na presente acção os demais promitentes compradores, não é possível apreciar a globalidade da relação jurídica em causa e determinar a resolução do contrato com restituição do sinal em dobro, isto ainda que se encontre provado, (o que naturalmente não vincula os restantes promitentes), que foi apenas o A. quem entregou ao R. a quantia relativa ao sinal.
Sustenta, porém, ex adverso, o ora Agravante que, como já não é possível o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda que fundamenta os pedidos por ele formulados na acção a título principal e subsidiário (visto os bens prometidos comprar/vender naquele contrato já terem sido adquiridos por outra entidade) e visto os demais promitentes-compradores outorgantes do referido contrato-promessa já terem, entretanto, regularizado a situação com o R. (tendo-lhes este devolvido a parte do sinal por eles paga), o Autor dispõe de legitimidade activa para, mesmo agindo desacompanhado dos restantes promitentes-compradores, peticionar – como faz na presente acção – a condenação do R. no pagamento do dobro daquela parte do sinal que foi por ele paga (Esc. 9.833.333$00). Quid juris ?
«Há litisconsórcio necessário, sempre que a lei ou o negócio jurídico exijam a intervenção de todos os interessados, seja para o exercício do direito, seja para reclamação do dever correlativo» (5). «Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negóciojurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão produza o seu efeito útil normal» (6). «O efeito útil normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação concreta debatida entre as partes»(7).
«A pedra de toque do litisconsórcio necessário é (…) a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar»(8) . «Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais»9.
Entre os exemplos paradigmáticos, recolhidos da jurisprudência, de litisconsórcionatural (por contraposição ao litisconsórcio legal [o que é imposto por lei: art. 28º, nº 1, do CPC] e ao litisconsórcio convencional [o que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico: cit. art. 28º, nº 1, do CPC], figuram, precisamente, a anulação do contrato-promessa de compra e venda, que deve ser requerida por todos os promitentes compradores (Ac. do S.T.J. de 18/2/1988 in BMJ nº 374, p. 410) e a acção na qual se pede a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, em que é necessário demandar todos os intervenientes nesse negócio (Ac. da Rel. de Coimbra de 17/4/1990, sumariado in BMJ nº 396, p. 447).
Consequentemente, no caso dos autos, tendo o contrato-promessa de compra e venda, cuja alegada impossibilidade de cumprimento (decorrente do facto de os bens prometidos comprar/vender terem sido, entretanto, adquiridos por um terceiro) fundamenta o pedido formulado pelo Autor, de condenação do R. a devolver-lhe o dobro do sinal passado aquando da celebração do negócio, sido outorgado, do lado do promitente-comprador, não apenas pelo ora Autor/Agravante, mas também por outras duas pessoas, é manifesto que o litígio existente entre os promitentes-compradores e o promitente-vendedor ora R. nunca poderia ser definitivamente composto, sem a presença, na acção, de todos os outorgantes do referido contrato-promessa, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar.
A relação jurídica material controvertida impõe, portanto, o litisconsórcionecessárionatural de todos os intervenientes no contrato-promessa de compra e venda questionado na acção (cit. art. 28º-2 do CPC).
Como assim, o Autor ora Agravante não podia ter instaurado a presente acção, desacompanhado dos demais promitentes-compradores (João Pereira de Matos e António Carlos da Conceição Fonseca).
A preterição desse litisconsórcio necessário natural activo consequencia a ilegitimidade activa do Autor/Agravante (cit. art. 28º, nºs 1 e 2, do CPC).
Eis por que o agravo improcede, necessariamente, quanto à 1ª questão suscitada.
2) SE, A DESPEITO DA PRETERIÇÃO DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ACTIVO, SEMPRE O TRIBUNAL “A QUO” DEVERIA, NOS TERMOS DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 508º, Nº 1, ALÍNEA A), E 265º, Nº 2, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, TER PROVIDENCIADO PELO SUPRIMENTO DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE ILEGITIMIDADE.
Sustenta, por fim, o Agravante que, apesar da sua ilegitimidade activa, decorrente da preterição do litisconsórcio necessário natural imposto pelo cit. art. 28º-2 do CPC, o tribunal “a quo” não deveria ter julgado imediatamente verificada a excepção dilatória de ilegitimidade, com a consequente absolvição do R. da instância, devendo antes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do C.P.C., ter providenciado pelo suprimento de tal excepção dilatória. Quid juris ?
De acordo com o art. 508º, nº 1, al. a), do C.P.C., findos os articulados, deve o juiz proferir despacho destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias.
«O objectivo deste comando legal é evidente: tudo deverá ser feito para que a instância seja regularizada de modo a que seja possível o conhecimento do fundo da causa e o proferimento de uma decisão de mérito»10. «Assim, perante a irregularidade ou a falte de preenchimento de pressupostos processuais, deverão ser tomadas todas as providências destinadas à respectiva regularização»11. «A preocupação da lei (posterior à revisão de 1995/1996) com a realização da função processual, mediante a pronúncia de decisão de mérito, leva a estabelecer o dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais que seja sanável: o juiz deve determinar a realização dos actos necessários à regularização da instância e, quando não o possa fazer oficiosamente, por se estar no campo da exclusiva disponibilidade das partes, convidar estas a praticá-los (art. 265º-2)»12.
Ora, a lei processual é expressa quanto à sanabilidade do pressuposto processual consistente na falta de litisconsórcio necessário (art. 269º do C.P.C.). Apenas «são insanáveis a ilegitimidade singular, a falta de personalidade judiciária (fora do caso referido no art. 8º), a incompetência absoluta, o caso julgado e a litispendência»13.
«As providências concretas dependerão, obviamente, da irregularidade que estiver em causa»14.
«Algumas vezes, a sanação pode ter lugar oficiosamente: nos casos «, por exemplo, do art. 23º, o juiz ordena a citação de quem devia representar o réu (art. 24º) ou a notificação do pai preterido do menor (art. 23º-3) e com a citação ou notificação a falta do pressuposto processual fica sanada; algo de semelhante se passa quando o juiz ordena a citação da administração principal como ré, em sanação da falta de personalidade judiciária da sucursal, agência, filial, delegação ou representação (art. 8º)»15.
«Mas, na maior parte dos casos, a iniciativa oficiosa terá de ser seguida por um acto da parte, do seu representante ou curadorou do terceiro titular do poder de autorizar ou consentir»16.
«E há casos em que, por estar em causa a conformação subjectiva ou objectiva da instância, o juiz mais não pode fazer do que convidar a parte a determiná-la: não tendo sido constituído o litisconsórcio necessário, o autor é convidado a fazer o chamamento à intervenção principal da pessoa em falta (art. 269º-1)»17.
Consequentemente, «as intervenções de terceiros continuam a não poder ser ordenadas ex officio»18.
«A articulação entre o disposto nos arts. 508º/1 a) e 265º/2 parece apontar no sentido de o convite para a sanação das excepções dilatórias dever ser exclusivamente dirigido ao autor»19. «Com efeito, se é sobre o autor que recai o ónus de preenchimento dos pressupostos processuais, será ele quem deve promover as modificações subjectivas da instância que permitam sanar a excepção dilatória de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio, activo ou passivo»20.
«Por conseguinte, confrontado com a falta de algum interessado com reflexos na legitimidade plural, cabe ao juiz convidar o autor a accionar os mecanismos processuais que permitam superar esse obstáculo ao natural prosseguimento da instância para a fase subsequente»21.
Eis por que, no caso dos autos, o tribunal “a quo”, ao constatar ter sido preterido o litisconsórcio necessário natural activo imposto pelo cit. art. 28º-2 do CPC, por a acção ter sido intentada apenas por um dos três promitentes-compradores outorgantes do contrato-promessa de compra e venda cuja alegada imposibilidade de cumprimento fundamenta o pedido principal (de condenação do R. a pagar o dobro do sinal passado aquando da celebração do referido contrato-promessa) e subsidiário (de condenação do R. a devolver em singelo a quantia entregue a título de sinal aquando da celebração do mesmo contrato-promessa), não podia, sem mais, ter julgado procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa e absolvido o R. da instância, antes se lhe impunha, nos termos das disposições conjugadas dos citt. arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do C.P.C., que tivesse proferido um despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento daquela excepção dilatória, convidando o Autor ora Agravante a deduzir o pertinente incidente de intervenção principal provocada dos demais promitentes-compradores outorgantes do aludido contrato-promessa.
Como assim, o despacho saneador recorrido (que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa e absolveu o Réu ora Agravado da instância) não pode subsistir, impondo-se a sua substituição por um despacho pré-saneador com o conteúdo e a finalidade supra apontada.
Eis por que o agravo procede, quanto à 2ª questão suscitada.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Agravo, revogando o despacho saneador recorrido e ordenando que o mesmo seja substituído, no tribunal “a quo”, por um despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade activa (por preterição do litisconsórcio necessário activo natural imposto pelo art. 28º-2 do Código de Processo Civil), convidando o Autor ora Agravante (nos termos das disposições conjugadas dos citt. arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do mesmo diploma) a deduzir o pertinente incidente de intervenção principal provocada dos demais promitentes-compradores outorgantes do aludido contrato-promessa (João Pereira de Matos e António Carlos da Conceição Fonseca).
Sem custas.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2007
Rui Torres Vouga (Relator)
Carlos Moreira (1º Adjunto)
Isoleta Almeida Costa (2º Adjunto)
___________________________________
1 Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
2 Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Proceso Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
5 ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, p. 165.
6 ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil” cit., p. 166.
7 ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil” cit., p. 167.
8 LEBRE DE FREITAS - JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 1999, p. 58.
9 LEBRE DE FREITAS - JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
10 PAULA COSTA E SILVA in “Saneamento e condensação no novo Processo Civil”, inserto in “Aspectos do Novo Processo Civil”, 1997, p. 216.
11 PAULA COSTA E SILVA, ibidem.
12 LEBRE DE FREITAS in “ Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto”, 2000, pp. 134-135.
13 ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., 2000, p. 64.
14 PAULA COSTA E SILVA in “Saneamento e condensação no novo Processo Civil” cit., p. 216.
15 LEBRE DE FREITAS in “ Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto” cit., p. 135.
16 LEBRE DE FREITAS, ibidem.
17 LEBRE DE FREITAS, ibidem.
18 PAULA COSTA E SILVA, ibidem.
19 PAULA COSTA E SILVA in “Saneamento e condensação no novo Processo Civil” cit., p. 217.
20 PAULA COSTA E SILVA, ibidem.
21 ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 70.