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SOCIEDADE POR QUOTAS
HERANÇA INDIVISA
Sumário
- Não pode confundir-se legitimidade processual com legitimidade substantiva. - O facto de estar em causa uma quota indivisa de uma sociedade e de a acção dever ser proposta por todos os seus contitulares, ou pelo cabeça-de-casal, não impede que a acção não possa, também, ser instaurada, não por aqueles, mas por alguém que, munido de poderes especiais, esteja incumbido de os representar. - Sendo, pois, admissível a intervenção de um representante comum que, para esse efeito, assegure a legitimidade processual, desde que se encontre munido da respectiva procuração com os referidos poderes especiais para a prática do acto. (ALG)
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. Minstaurou a presente acção especial de nomeação judicial de titular de órgão social contra COMPANHIA S.A.
Pedindo a nomeação de Joaquim para membro do conselho fiscal efectivo da Requerida e G como membro suplente do mesmo conselho fiscal, nos termos do efeito o disposto no art. 418° do Cód. Soc. Comerciais.
Alega, para o efeito, que é o representante comum dos herdeiros de J, sendo igualmente herdeiro, conjuntamente com Maria e JN.
Fazendo parte do acervo hereditário umas acções representativas de 18% do capital social da Requerida, e sendo, até à data do seu falecimento, o de cujus J, o Presidente do Conselho de Administração da Requerida, pretende a nomeação judicial das pessoas indicadas como membros daquele Conselho.
2. Citados os administradores da Requerida, vieram estes contestar, excepcionando e deduzindo oposição; começam por questionar a legitimidade do Requerente, pois o Requerente não é o cabeça-de-casal da herança.
Argumentam ainda que a Requerida não tem conselho fiscal mas sim fiscal único, pelo que nunca a pretensão do Requerente poderia proceder, ao que acresce o facto de que a eleição do conselho fiscal ocorreu na Assembleia-geral de 31 de Março de 2004 e não na Assembleia-geral de 29 de Março de 2005.
3. Na resposta à matéria da excepção o Requerente reafirmou a sua legitimidade alegando que o representante comum da quota não tem necessariamente que ser o cabeça-de-casal, pelo que possui legitimidade para intervir nos autos.
4. O Tribunal “a quo”, no despacho saneador, julgou improcedente a arguida excepção da ilegitimidade do A., considerando este parte legítima, tendo concluído posteriormente que: “o Requerente carece de legitimidade substantiva para exercer os direitos sociais inerentes na quota indivisa, ou seja, para pedir a nomeação judicial de um membro do conselho fiscal da Requerida, porque a mesma cabe ao cabeça-de-casal” e, por consequência, julgou “a acção improcedente e absolveu a Requerida do pedido”.
5. Inconformado, o Requerente Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
1ª - A decisão do Tribunal “a quo” de absolver a Recorrida do pedido é nula, na medida em que os fundamentos da decisão (ilegitimidade do Requerente) conduziriam necessariamente à absolvição da instância.
2ª - Com a sua decisão de absolver a Requerida do pedido, o Tribunal “a quo” impediu o Recorrente e os restantes herdeiros de fazer uso da possibilidade concedida pela lei de propor nova acção, agora em nome do cabeça-de-casal, violando assim o artigo 288° do CPC.
3ª Ao Recorrido foi conferida procuração pelos herdeiros, incluindo o cabeça-de-casal, para os representar em todos os assuntos relacionados com a Recorrida.
4ª Este mandato é válido na medida em que a lei não impede que o cabeça-de-casal se faça representar por um procurador no exercício das duas funções.
5ª Com a decisão de considerar o Recorrente parte ilegítimas a sentença do Tribunal "a quo" violou. as disposições conjugadas dos artigos 222º e 223° do Código Comercial., fazendo uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, devendo, em consequência, ser revogada.
6ª - Caso assim não se entenda, deve a sentença ser considerada nula sendo substituída por outra que absolva a Recorrida da instância.
6. Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
7. Tudo Visto. Cumpre Apreciar e Decidir.
II – Enquadramento Fáctico-Jurídico:
1. Está em causa, em síntese, saber se: - O Recorrente, propositor da presente acção de nomeação judicial de um membro do conselho fiscal da Recorrida, tem ou não legitimidade para, nessa qualidade, intervir nos presentes autos, enquanto representante comum dos herdeiros de quota indivisa.
A este propósito constata-se que o Tribunal “a quo” decidiu no despacho saneador que, não obstante o Recorrente possuir legitimidade processual para intervir como Autor e propor a acção, carecia, contudo, de legitimidade substantiva, por estar em causa quota indivisa e essa legitimidade pertencer ao cabeça-de-casal; como tal, absolveu a Recorrida do pedido.
Insurge-se o A./Recorrente invocando a ilegalidade de tal decisão, porquanto, tendo sido conferida ao A. procuração pelos herdeiros, para os representar, inexiste qualquer ilegitimidade, pelo que a acção deve prosseguir os seus termos.
Desde já se adianta que não pode deixar de se considerar como pertinente a posição assumida pelo Recorrente.
2. Com efeito, a questão versada nos autos não se mostra equacionada nos seus devidos termos pelo Tribunal “a quo”.
Se aquele Tribunal entende que quem deveria propor a acção era o cabeça-de-casal, por estar em causa uma quota indivisa, tal questão reconduz-se, de facto, a uma questão processual, do foro da legitimidade activa, porquanto, de acordo com tal posição, o exercício desses direitos relativos à quota comum exigiria o litisconsórcio necessário activo, com a eventual intervenção do cabeça-de-casal, enquanto pessoa legitimidade legalmente para o exercício de direitos relativos à herança indivisa – cf. artº 28º, nº 1, e 2079º, ambos do CPC.
Nessa circunstância, a inexistência ao lado do A. dos restantes herdeiros ou da falta de intervenção do cabeça-de-casal nunca poderia ter, nesta fase processual, como consequência, a procedência da excepção da ilegitimidade activa do Recorrente com a absolvição da instância da Recorrida.
É que, hoje, o Juiz possui mecanismos legais que impedem que opere, automaticamente, a consequência referida. Cabendo-lhe, por imposição legal, em tais circunstâncias, o dever de providenciar, oficiosamente, no sentido do suprimento da falta desse pressuposto processual, nos termos do art. 265º, nº 2, do CPC.
O que não foi feito.
3. Por outro lado, o facto de se tratar de uma quota indivisa e de a acção dever ser proposta por todos os seus contitulares, ou pelo cabeça-de-casal, não impede que a acção não possa também ser instaurada não por aqueles, mas por alguém que, munido de poderes especiais, os possa representar. Sendo admissível a intervenção de um representante comum que, para esse efeito, assegure a legitimidade processual, desde que, naturalmente, se encontre munido da respectiva procuração com os referidos poderes especiais.
Neste sentido, aliás, se tem pronunciado a jurisprudência do STJ. (1) Cf. também o art. 222º, nº 1, do Cód. das Soc. Comerciais.
Ora, no casosub judice, e se optarmos por esta perspectiva, chegamos igualmente à conclusão do desacerto da decisão proferida, porquanto o Requerente invocou tal qualidade de representante comum. E, nessa medida, tem legitimidade para figurar nos presentes autos no lado activo da relação material controvertida.
E para o caso de não ter juntado aos autos o respectivo documento comprovativo, caberia, mais uma vez, ao Tribunal “a quo” suprir essa falta, fixando-lhe prazo para a prática de tal acto.
4. Constata-se, porém, que o Tribunal “a quo” preferiu seguir outra via.
Considerou, no despacho saneador, o Requerente parte legítima para propor a presente acção, para de seguida decidir que o mesmo não tinha “legitimidade substantiva”, porquanto a acção deveria ser proposta pelo cabeça-de-casal e julgou “improcedente a acção no despacho saneador, absolvendo a Recorrida do pedido”.
A solução a que chegou é, em parte, contraditória.
Se bem que legitimidade processual não seja o mesmo que legitimidade substantiva, (dando, de facto, aquela falta lugar à absolvição da instância e esta à absolvição do pedido), só eventualmente se compreenderia esta última solução, se já depois de se ter considerado o Recorrente parte legítima, e após o julgamento da causa ou a prolação de decisão definitiva relativa à legitimidade processual se chegasse a outra conclusão, enveredando-se, então, para a falta de interesse ou de legitimação substantiva como causa de improcedência de acção. (2)
Mas não nas circunstâncias dos autos em que o Tribunal ainda está, no despacho saneador, a aquilatar da existência dos pressupostos processuais, v.g., da legitimidade das partes.
É que, como é sabido, a legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor na petição inicial. E é nestes termos que tem que ser apreciada.
Constituindo embora, um pressuposto processual, de cuja verificação depende a possibilidade de o juiz conhecer do mérito da acção, não pode confundir-se com a denominada “legitimidade substantiva”, que tem a ver, isso sim, com a posição das partes perante o direito subjectivo invocado e que, ocorrendo depois de transitada aquela, determina a improcedência do pedido.
5. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, se revoga o despacho saneador/sentença aqui em causa, considerando-se o Requerente parte legítima, devendo os autos prosseguir a restante tramitação processual legal.
III – Decisão:
- Termos em que se acorda em julgar procedente a Apelação e, em consequência, revoga-se o despacho sanedor/sentença proferido, considerando-se o Requerente parte legítima, devendo, pois, os autos prosseguir a restante tramitação processual legal subsequente. - Custas pela Apelada.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2007.
Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
Fátima Galante
Ferreira Lopes _______________________________________
1 Cf. Acórdãos do STJ, de 13/10/94, 14/05/1996 e de 01/06/93, que se pronunciaram claramente sobre esta matéria, in www.dgsi.pt proferidos no âmbito dos processos nºs 087102, 97A254 e 0310976, respectivamente.
2 Veja-se também neste sentido, por todos, o Acórdão da Relação do Porto, de 15/07/1997, in www.dgsi.pt, proferido no âmbito do processo nº 9820486.