DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTA CONJUNTA
PRESUNÇÃO
Sumário

I- Os contitulares de depósito bancário de conta solidária beneficiam da presunção de contitularidade em regime de solidariedade activa e de que participam nos valores depositados em montantes iguais (artigos 350.º,  512.º e 516.º).
II- Beneficiando dessa presunção, competia ao cabeça-de-casal ilidi-la o que não sucedeu se apenas ficou provado que algumas transferências bancárias foram realizadas pela EDP, de que a inventariada era cliente, e pela Caixa Nacional de Pensões de que a inventariada era pensionista

(SC)

Texto Integral

Acordam na 8ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos autos de inventário em que é requerente Maria […] e outros e inventariada E.[…], reclamaram da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, Ester […], as interessadas A.R.[…], M.T.[…] e Z.[…], ex vi do art. 1348 CPC, pedindo que fosse ordenada a exclusão da relação de bens dos depósitos bancários pertença de A.R.[…] e M.T.[…].

Alegaram que a cabeça-de-casal indica como bem a partilhar a quantia de 26.875,59 euros, proveniente de dois depósitos em contas bancárias na Caixa Geral de Depósitos nº 073203641500 e 0732036414965.

Fê-lo indevidamente porquanto a quantia a partilhar é apenas 1/3 dos saldos dos depósitos existentes em cada uma das contas mencionadas, em 22/4/02, i. é, 2.972,95 euros e 5.985,58 euros, respectivamente.

As reclamantes A.R. […] e M.T.[…] eram também titulares dos depósitos em causa, para além da inventariada, pelo que lhes pertencem, em quotas iguais, os saldos dos referidos depósitos.

Na sua resposta a cabeça-de-casal refere que é  aplicável  o  art. 516 CC aos depósitos bancários de natureza solidária.

A presunção contida na norma baseia-se no pressuposto de que os depósitos nela efectuados o terem sido com dinheiro, em partes iguais, dos titulares da conta, independentemente do motivo da sua abertura em regime de solidariedade activa.

O meio para ilidir a presunção é a prova da exclusão dos pressupostos do depósito não ter sido efectuado em dinheiro em partes iguais.

Dos extractos bancários infere-se que as quantias aí depositadas são constantes e provinham do depósito da pensão da falecida, não existindo depósitos efectuados pelas contitulares.

As reclamantes não indicaram prova como lhes competia, art. 1344 CPC, pelo que, ex vi art. 1349 CPC, deve manter-se o valor relacionado.

Na sua resposta as reclamantes/interessadas, referiram que o art. 516 CC estabelece uma presunção legal, recaindo sobre a cabeça-de-casal o ónus de ilidir a presunção, ou seja, demonstrar que as interessadas A.R.[…] e M.T.[…] não comparticiparam em igual medida para os referidos créditos.

Não o fazendo, devem ser excluídos da relação de bens os depósitos pertença das interessadas, efectuando-se a partilha tão só, sobre o montante de 1/3 dos referidos depósitos.      
   
O Sr. Juiz solicitou informações à Caixa geral de Depósitos, ao Centro Nacional de pensões e à EDP, no sentido de se apurar, atento os créditos efectuados na conta 0732036414500 pela CNP e EDP, qual ou quais as titulares da conta, eram beneficiárias das transferências.

Qualquer uma destas entidades referiu desconhecer quem eram os beneficiários das transferências, sendo certo que a inventariada era titular de uma pensão de velhice e cliente da EDP.

Em 19/5/05 o Sr. Juiz proferiu despacho no qual julgou a reclamação improcedente.

Fundamentou a sua decisão dizendo que as quantias a crédito nas contas bancárias que constam da relação de bens, provêm de transferências efectuadas pelo CNP e EDP em nome da inventariada, pelo que é manifesto que as quantias creditadas nessas contas o foram apenas pela inventariada, encontrando-se afastada a presunção do art. 516 CC.  

Inconformadas as interessadas agravaram, formulando as seguintes conclusões:

1ª – O art. 516 CC estabelece a presunção de que os credores solidários comparticipam em partes iguais no crédito e, uma vez que a    recorrida    alega    que   as   quantias   depositadas   pertenciam  exclusivamente à inventariada, caber-lhe-ia ilidir a presunção – art. 250 CC.

2ª – As recorrentes são co-titulares de duas contas bancárias de que era igualmente titular a inventariada e os extractos bancários juntos aos autos pela recorrida, que fundamentaram a decisão sub-judice, não podem legitimamente afastar a presunção estabelecida, quer porque não se reportam à totalidade do capital das contas, quer porque apenas provam que algumas das quantias depositadas a partir de determinada data, o foram pela inventariada.

3ª – Ainda que se considerasse que a totalidade do dinheiro das contas bancárias em causa tivesse sido depositada apenas pela inventariada, ou por sua conta, tal não seria suficiente para afastar a titularidade das recorrentes, porque sempre se teria de entender que, ao depositar dinheiro numa conta colectiva, a inventariada queria que as outras titulares da conta dispusessem de uma quota-parte desse dinheiro.

4ª – O Mmo. Juiz a quo, ao decidir como decidiu, fez uma incorrecta apreciação dos factos e uma incorrecta aplicação do direito: nem os extractos demonstram totalmente a movimentação a crédito e a débito das contas em causa nem, ainda que o demonstrassem, tal afastaria, sem mais, a presunção estabelecida no art. 516 CC.

5ª – A decisão deve ser revogada.

Não houve contra-alegações.

O Sr. Juiz manteve a decisão.


Factos que interessam para a decisão do recurso são os que constam do relatório supra.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Atentas as conclusões das agravantes que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 684/3 e 690 CPC – a questão que cabe decidir é a de saber se foi ou não ilidida a presunção do art. 516 nº 1 CC.

  Vejamos, então.

É aceite pelas partes que: existe um contrato de depósito bancário; as titulares da conta são a inventariada, A.R.[…] e M.T.[…]; a conta é solidária.

As modalidades e o regime das contas bancárias reflectem de algum modo os tipo de depósitos subjacentes: a prazo ou à ordem, singulares ou colectivas.

Em razão do número de titulares as contas bancárias podem configurar-se como singulares ou colectivas, distinguindo-se na segunda espécie as contas conjuntas das contas solidárias.

Na estrutura e funcionalidade da conta solidária, cada um dos titulares fica a ter, em relação ao banco, o “direito de dispor, como entender, e unicamente com a sua assinatura, de todas as somas ou valores em crédito da conta” podendo desta forma, “separadamente e  sozinho, retirar a totalidade ou parte das somas ou valores, basta a assinatura de apenas um dos respectivos titulares para a sua movimentação e até mesmo para o seu encerramento e isto verifica-se independentemente de quem seja de facto e juridicamente proprietário desses valores - cf. José Maria Pires, Dt. Bancário, vol.II, Lisboa,1955-149.

São distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários – que se traduz num poder de mobilização do saldo – e o direito real que recai sobre o dinheiro, direito que pode pertencer, apenas a algum ou alguns dos titulares da conta ou, até a terceiro.

O regime da solidariedade activa é regulada no art. 512 CC, aí se estipula que qualquer dos credores (depositantes ou titulares da conta) tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, o reembolso de toda a quantia depositada; a prestação assim efectuada libera o devedor (banco depositário) para com todos os credores.

O art. 516 do CC faz presumir que os titulares dos depósitos solidários participam nos valores depositados em montantes iguais.

Tal presunção é ilidível, mediante prova de que as respectivas partes são diferentes ou que só um dos titulares deve beneficiar de todo o crédito.

«Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são  diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito» - art. 516 CC.
 
Por aplicação do mencionado regime ao contrato de depósito bancário, verifica-se que, apesar de qualquer dos depositantes poder exigir do banco a restituição integral do dinheiro depositado... o certo é  que na esfera patrimonial do depositante que procede ao levantamento só se insere um direito real sobre o numerário se, efectivamente, lhe couber qualquer parte no saldo de depósito, e só dentro dos limites dessa parte, podendo até dar-se o caso de não lhe caber parte alguma no montante levantado.

Donde se conclui que são perfeitamente distintos o direito de  crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários, e que se traduz num poder de mobilização do saldo, e o direito real que recai sobre o dinheiro (de que podem apenas algum ou alguns dos depositantes ser titulares, em função das partes respectivas), direito real que, por efeito do contrato de depósito celebrado com o banco, se transferira para este no momento da entrega do numerário.

O Prof. Pinto Coelho ensinou que " Esquece-se, com efeito, por vezes que a relação jurídica que nasce da abertura da conta de depósito é uma relação jurídica de obrigação, e confunde-se o direito de crédito desta emergente para os titulares da conta com a propriedade dos bens objecto do depósito, isto é, com o direito real sobre estes.

O depositante, como credor solidário, tem apenas um direito de crédito, isto é, o direito a receber a prestação a que está adstrito o devedor, o direito a exigir a entrega da importância  do  depósito.  Mas esse direito não pode confundir-se com a propriedade da quantia depositada; é atribuído por igual a todos os titulares da conta, e a importância do depósito pode pertencer a um só deles ou até a um terceiro, e é evidente que, na totalidade, não pode integrar-se no património ou constituir riqueza de todos".

A titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade das quantias nela existentes. De facto, os titulares da conta podem não ser os proprietários das quantias depositadas.

A natureza solidária da conta “releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas” – cf. Ac. STJ de 11/10/05, relator Lucas Coelho e 26/10/04, relator Afonso Correia, in www.dgsi.pt.

Comentando este preceito - art. 516 CC -  ensinam P. Lima e A. Varela:

" Se, por exemplo, duas pessoas fizeram um depósito bancário em regime de solidariedade activa, presume-se, enquanto se não fizer prova noutro sentido, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta”- CC Anot. Vol. I, 4ª ed.-532.

Escreve, a este propósito, Lopes Cardoso in " Partilhas Judiciais", vol. I, pág. 422, que "do facto do depósito ter dois titulares não se extrai necessariamente a conclusão de que seja propriedade exclusiva de um deles, dado que o direito de crédito resultante do depósito, que atribui aos titulares a faculdade de o levantar nada tem  que ver com a propriedade do mesmo depósito".
Deste modo, só se se provar que a propriedade dos bens depositados ou seja do respectivo numerário, pertence na totalidade a um dos titulares da conta, é que fica ilidida a sobredita presunção legal.

É regra geral, em matéria de provas, que àquele que invoca um direito incumbe fazer a prova dos factos constitutivos desse alegado direito - art. 342/1 CC.

Esta regra inverte-se  quando  haja  presunção  legal  (art. 344/1 CC), pois quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz -350/1 CC.

As presunções legais podem, em geral, ser ilididas mediante prova em contrário - art. 350/2 CC.

Aplicando estes normativos ao caso em apreço, gozando as interessadas, como contitulares solidárias das referidas contas, da presunção legal da compropriedade em partes iguais dos valores depositados, bastava-lhes provar que eram titulares, em regime de solidariedade com a inventariada, das contas bancárias existentes à data da sua morte, para reclamar 2/3 dos saldos respectivos – arts. 516, 1ª parte e 350 CC.

Sobre a cabeça-de-casal impenderia o ónus de ilidir tal presunção, ou seja de demonstrar que nenhum direito detinham as reclamantes/interessadas sobre os saldos dos aludidos depósitos, por serem os mesmos pertença exclusiva do "de cujus", ou seja, que só a inventariada alimentara e provera as contas.

A cabeça-de-casal juntou dois extractos bancários, com um determinado saldo, constando num deles (073203641500), algumas transferências bancárias efectuadas pela EDP e CNP, tendo-se apurado que a inventariada era cliente da EDP e auferia uma pensão de velhice, que era depositada, nessa conta, pela CNP.

A circunstância de haver algumas transferências bancárias para uma das contas nada prova em termos concludentes, no sentido de que o dinheiro constante nas contas sejam pertença tão só da inventariada e que só ela provera as contas, sendo certo que os extractos bancários juntos, não contém a movimentação total, a crédito e a débito, das contas em causa.  

Não se tendo apurado que a totalidade do dinheiro depositado era pertença da inventariada ou, em que medida é que ela alimentou os depósitos solidários, forçoso é concluir que a cabeça-de-casal  não ilidiu a presunção que as agravantes beneficiavam.
Assim, a presunção legal mantém-se, procedendo o recurso.

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o agravo, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que exclua da relação de bens 2/3 dos saldos dos depósitos bancários, pertença das agravantes A.R. […] e M.T.[…], passando a constar da relação de bens   1/3  dos    saldos    dos    depósitos    existentes    nas   contas nº […] e […], pertença da inventariada, à data da sua morte, 22/4/2002.

Custas pela agravada

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2007

(Carla Mendes)
(Caetano Duarte)
(Ferreira de Almeida)