RESPONSABILIDADE CIVIL
CENTRO NACIONAL DE PENSÕES
SUBSÍDIO POR MORTE
SUB-ROGAÇÃO
Sumário

I – Se for determinada a existência de responsabilidade civil por parte do lesante, deve este, ou a seguradora para a qual ele tenha transferido a sua responsabilidade, ser condenado a pagar ao CNP o montante por este adiantado ao lesado a título de subsídio por morte, em cujos direitos se vê aquele legalmente sub-rogado.
II – Os juros de mora sobre aquele montante deverão ser contabilizados a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação ou notificação do pedido.

Texto Integral

Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – No presente processo comum (juiz singular) do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha, com o nº 34/03.3GTTVD, que o MºPº move contra o arguido (A) (id. nos autos), por sentença de 2/05/06 foi a acusação julgada procedente e o arguido condenado pela prática do imputado crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º nº 1 do C.Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses; e

Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos lesados/demandantes (S) e (L) contra a demandada civil “Zurich – Companhia de Seguros, SA”, condenando esta no pagamento àqueles da quantia total de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros); e ainda

Julgou improcedente o pedido de reembolso de prestações sociais – subsídio de morte e pensões de sobrevivência – formulado pelo ISSS, dele absolvendo a demandada civil, a “Zurich – Companhia de Seguros, SA”.

II – A) Inconformada com esta sentença, recorre o ISSS/CNP (Centro Nacional de Pensões) extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (em transcrição):

« 1º O ora apelante ao requerer o reembolso das prestações pagas, fê-lo ao abrigo e nos termos do artº 66° da Lei 17/2000 de 8/12 e art°s 2° a 4° do D. L. 59/89 de 22/02.

2º O artº 66° da Lei 17/2000 de 8/12 é inequívoco e irrestritivo ao estatuir que as instituições de Segurança Social (em caso de responsabilidade de terceiros) ficam subrogados no direito do lesado até ao limite do valor das prestações que lhe cabe conceder.

3º Também como resulta do relatório do D.L. 59/89 de 22/02, a Segurança Social, nos casos de eventos que provocam a perda de remunerações, pelas quais há terceiros responsáveis "assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe em conformidade exigir o valor dos subsídios e pensões pagas".

4º Por efeito de tal sub-rogação legal, havendo um terceiro responsável pelo evento "morte" as instituições de Segurança Social adquirem os poderes que competiam ao seu beneficiário, na qualidade de lesado/credor de indemnização nos termos da responsabilidade civil extra contratual (artº 593° C.C.).

5º Não constitui, assim, encargo normal do Centro Nacional de Pensões a satisfação de pensões de sobrevivência ou subsídios por morte quando haja um responsável pela prática do acto gerador de responsabilidade civil e que seja causa das mesmas prestações, pelo que tais prestações pecuniárias compensatórias serão da responsabilidade de quem tenha praticado o acto em causa (art°s 195° n° 1, 562° e 564° do C.Civil).

6º Os Organismos ou Serviços de Previdência encontram-se adstritos ao pagamento de pensões ou subsídios na medida em que funcionarem como prestações compensatórias por uma fortuita não quando as mesmas resultem da prática de actos imputáveis a terceiro e legalmente geradores da obrigação de indemnizar.

7º Estamos assim perante uma hipótese de sub-rogação legal, ressalvada pelo artº 592º nº 1; 1ª parte do C.Civil que tem como efeito principal a transmissão do crédito que pertencia ao credor para o terceiro sub-rogado, in casu, CNP que cumpriu em lugar do devedor.

8º Sendo certo que o pagamento de tais prestações é independentemente de quem a obrigação de o suportar que tanto poderá ser a entidade que tem o ónus legal de o satisfazer como o terceiro que por isso fique responsabilizado.

9º Donde face a tal regime jurídico, não sendo cumuláveis as prestações de Segurança Social com a indemnização a pagar por terceiro civilmente responsável, por serem coincidentes as finalidades prosseguidas num e noutro caso, deverá ser reconhecido ao Centro Nacional de Pensões o direito ao reembolsado das prestações de segurança social pagas, nos termos da sub-rogação legal prevista no art° 66º da Lei 17/2000 de 12 de Dezembro e regime constante dos artºs 1° a 4° do DL 59/89 de 22/2.

10º Defender agora a inexistência do direito do CNP a ser reembolsado da importância que dispendeu em consequência do acidente dos autos a título de subsídio por morte será olvidar o disposto no artº 66º da Lei 17/2000 de 8/12 e artºs 2º e 3º do DL 59/89, decidindo-se contra lei expressa.

11º Neste sentido aponta a mais recente jurisprudência do STJ ao entender que a sub-rogação do CNP estabelecida no artº 16º da Lei 28/84 de 14/8 abrange o subsídio por morte e as pensões de sobrevivência (Ac. do STJ de 05/06/95, CJ, Ano III, Tomo II, pág. 223 e 224, Ac. do STJ de 05/01/95, CJ, Ano III, 1995, Tomo I, pág. 164 e 165, Acs. do STJ de 12/01/95, BMJ nº 443, pág. 99, e mais recentemente, Acs. do STJ de 04/04/2000, BMJ 496, p. 206, Ac. STJ datado de 22/01/04, Proc. nº 4182/03-6, Ac. do STJ datado de 11/10/2000 proferido no recurso penal nº 1147/99).

Termos em que, com o sempre douto suprimento de V.Ex.as deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida e a Ré seguradora condenada a pagar ao CNP a quantia peticionada acrescida das pensões vencidas e pagas na pendência da acção, que perfazem o montante de € 12.506,25.

Assim, farão V. Ex.as a COSTUMADA

    JUSTIÇA! »

            B) Respondeu a demandada, seguradora Zurich, concluindo que o recurso não merece provimento e que a douta sentença ora recorrida deve ser mantida (fls. 414-415).

            C) Remetidos os autos a esta Relação, o Exmº PGA apôs o visto (artº 416º do CPP), mas fez notar que não intervém por o presente recurso ser do ISSS e o seu objecto respeita estritamente à matéria cível constante da sentença recorrida (sentença de fls. 363).

            III – Colhidos os vistos, e realizada audiência pública, cumpre decidir.

A) A questão a resolver no recurso – delimitado, como se sabe, no seu âmbito, pelas conclusões formuladas pelo recorrente (cfr. artºs 684º, nº 3 do CPC e 4º do CPP, Simas Santos e Leal Henriques “Recursos em Processo Penal”, 3ª edição, pág. 48 bem como Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) – é a de saber se a ré "Zurich – Companhia de Seguros, SA" deve ser condenada a pagar ao CNP "...a quantia peticionada acrescida das pensões vencidas e pagas na pendência da acção, que perfazem o montante de € 12.506,25".

B) Assim delimitado o âmbito do recurso, convém transcrever a matéria de facto dada por assente, para melhor ponderar e sopesar a questão de direito acima delimitada.

            1) Na douta sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em 13/01/03, pelas 17:18 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ...-...-PT na EN n.º 114, no sentido Dagorda / Peniche.

2. Ao Km 19,700, o arguido, que circulava a uma velocidade não inferior a 80 Km/h, embateu no velocípede sem matrícula conduzido por (J), o qual, momentos antes, vindo da localidade de Amoreira, entrara na EN n.º 114, pretendendo seguir no sentido Dagorda / Peniche.

3. Esse velocípede foi embatido na sua roda traseira pela frente do veículo conduzido pelo arguido, e quando se encontrava na metade direita da faixa de rodagem, atento o indicado sentido Dagorda / Peniche.

4. No local do embate, a estrada é de traçado recto e apresenta boa visibilidade, sendo que o limite de velocidade aí permitido é de 50 Km/h.

5. Como consequência directa e necessária do embate, (J) sofreu lesões que lhe causaram, igualmente de forma directa e necessária, a sua morte.

6. O embate deveu-se à circunstância de o arguido circular a uma velocidade superior à velocidade máxima legalmente permitida naquele local, de 50 Km/h, razão pela qual não conseguiu adequá-la – reduzindo-a – ao avistar o velocípede, quando este entrou na EN n.º 114 e iniciou o seu trânsito nesta, imediatamente à frente do arguido.

7. O arguido conhecia essa limitação de velocidade e não ignorava encontrar-se dentro de uma localidade.

8. O arguido, na conduta que encetou actuou livre e conscientemente, não conduziu com a atenção que a velocidade que imprimia ao seu veículo, as características do local e as regras de circulação estradal impunham, o que sabia não ser legalmente admissível e punido pelo direito.

9. Agiu com falta de atenção e prudência, não tendo em conta os cuidados necessários e devidos na situação concreta, bem como actuou com falta de destreza para encetar qualquer manobra que evitasse o embate ou que, não o evitando, minimizasse as suas consequências.

10. Podia prever que do seu comportamento resultasse o sucedido, assim como as respectivas consequências, não se conformando com a sua realização por mera leviandade e actuação temerária.

11. Os resultados dos testes de pesquisa de álcool e de substâncias estupefacientes a que o arguido foi submetido apresentaram-se negativos.

12. O arguido é casado; trabalha como pedreiro, encontrando-se presentemente desempregado, em razão do que estima começar a receber a quantia de € 418,00 mensais a título de subsídio de desemprego; a sua esposa encontra-se também desempregada de momento, beneficiando de um subsídio de desemprego que ascende aos € 270,00 por mês; habita em casa arrendada, importando o pagamento da renda um dispêndio mensal de € 360,00; tem uma filha com 11 anos a cargo; concluiu o 5.º ano de escolaridade.

13. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.


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14. Aquando do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo PT, propriedade da sociedade “Aquavigus – Equipamentos de Lazer, SA”, encontrava-se transferida para a seguradora “Zurich – Companhia de Seguros, SA”, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº. 002387960.

15. (J) deixou, como seus únicos e universais herdeiros, a sua esposa (S) e o seu filho (L).

16. À data dos factos, contava com 74 anos de idade.

17. Encontrava-se reformado da “carris” e era pensionista da CNP.

18. O decesso de (J) representou um profundo abalo emocional para a sua esposa e filho, constituindo motivo de grande tristeza.

19. A sua esposa (S), presentemente com 72 anos de idade, padece de problemas de saúde que a tornam dependente de terceiros no seu quotidiano, motivo pelo qual era (J) quem dela tratava no dia-a-dia e assumia a lide doméstica.

20. Mantinha com (J) um casamento pautado por afeição e carinho recíprocos.

21. Habita, desde o falecimento do marido, na casa de uma sua irmã, (MP), sita na Trafaria.

22. O seu filho (L), residente na Cova da Piedade, visitava os seus pais, que habitavam na Amoreira, em Óbidos, aos fins-de-semana e aos feriados.

23. Mantinha com (J) uma relação pautada por amizade e carinho recíprocos.

24. (J) era uma pessoa saudável e estimada na localidade onde vivia.


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25. No período compreendido entre Fevereiro de 2003 e Março de 2005, o ISSS / CNP pagou à esposa de (J), a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, a quantia de € 12.298,25 (doze mil, duzentos e noventa e oito euros e vinte e cinco cêntimos).

                                                                            *

            2) E foram ali consignados os seguintes factos como não provados:

A. Que (S) pague à sua irmã, pelo facto de esta dela cuidar, a quantia de € 300,00 mensais.

B. Que o velocípede conduzido por (J) circulasse sem luzes e que este envergasse roupa de cor escura, o que impedia que fosse avistado pelos veículos que circulavam na EN n.º 114.

C. Que o arguido tenha sido ofuscado pelo sol, motivo pelo qual apenas se apercebeu do velocípede quando já se encontrava muito perto do mesmo.

D. Que o arguido circulasse a uma velocidade que não ultrapassava os 50 Km/h.

E. Que (J) tenha aparecido de forma inesperada, cortando repentinamente o percurso de marcha do arguido, por não ter parado no sinal de STOP que se lhe apresentava.

F. Que o arguido, ao aperceber-se do surgimento do velocípede, tenha direccionado o PT para a esquerda e accionado o sistema de travões.

           *          

C) Pretende o recorrente ISSS/CNP que a recorrida companhia de seguros (Zurich) seja condenada, como peticionou, ou seja, no reembolso de prestações que pagou à referida viúva da vítima (J) (vítima do acidente mortal apurado nestes autos), (S), a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de 2003/02 a 2005/03, no total então de € 9.844,37 (fls. 180-183), o qual foi, entretanto, actualizado para € 12.298,25 (doze mil, duzentos e noventa e oito euros e vinte e cinco cêntimos) – cfr. doc. de fls. 342 (ver facto 25. supra), aí se incluindo o período de 2003-02 a 2006-01 (com o valor mensal actual da pensão de sobrevivência de €208,00).

E agora, no presente recurso, o recorrente conclui que "...a quantia peticionada acrescida das pensões vencidas e pagas na pendência da acção, que perfaz(em) o montante de € 12.506,25"  (nosso realce).

1. Como se pode ver, na douta sentença ora recorrida considerou-se que a condenação cível não devia abranger as quantias pagas pelo ISSS/CNP, quer a título de subsídio por morte quer de pensão de sobrevivência, por se entender que aquele não se sub-rogou em qualquer direito e, em consequência, “...inexiste causa de pedir...”, pelo que declarou improcedente o seu pedido.

Nomeadamente, argumenta-se na douta sentença recorrida que o mencionado artº 66º da Lei 17/2000 não opera aqui tal como já assim era entendido no que respeita ao preceito anterior sobre a mesma matéria, o artº 16º da Lei nº 28/84, de 14/8.
Socorre-se de alguma jurisprudência da 2ª instância, citando-se, entre outros, os Acs. da Relação do Porto, de 16/11/1999 e de 20/09/2000, no sentido de que o CNP não fica sub-rogado relativamente ao que pagou a título de subsídio por morte aos familiares de vítima de acidente de viação. E no que respeita às pensões de sobrevivência, «...por se tratar de retribuições próprias, não coincidentes com qualquer obrigação do lesante e quantificadas por regras estranhas às que regem a responsabilidade civil, sem nexo de causalidade adequada com o facto danoso...» e ainda que «...não podendo os lesados exigir do lesante indemnização baseada naqueles títulos, inexiste o correspondente crédito em que o Centro Nacional de Pensões pudesse sub-rogar-se.»

2. Ora, nesta Relação de Lisboa (nomeadamente a 3ª Secção), inicialmente também houve algumas hesitações, mas acabou-se por aderir à jurisprudência esmagadora do STJ, nomeadamente a que o ora recorrente cita – e daí que iremos transcrever o Ac. da Relação de Lisboa, de 4 de Outubro de 2000 (Proc. 4025/00-3ª, relator: o juiz desembargador dr. António Rodrigues Simão), o qual também subscrevemos (o ora relator, ali como adjunto).

Neste aresto explicita-se a seguinte jurisprudência – fazendo-se, agora, notar que o referido artº 16º da Lei 26/84, corresponde ao actual artº 66º da Lei 17/2000 (sem que haja razões para alterar a nossa posição).

Assim, expendeu-se ali o seguinte:

«... Nos termos do artº 16º da Lei 26/84, de 31-07, "No caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite das prestações que lhes cabe conceder".

Por outro lado, o diploma que veio desenvolver o regime jurídico daquela Lei e regulamentar o pedido de reembolso de prestações quer em acção cível quer em acção penal (DL 59/89, de 22-02), dispõe no seu artº 2º, nº 2 "As instituições de segurança social, nos casos abrangidos por este diploma, são tidas como lesadas, nos termos e para os efeitos do artº 74º do CPP", sendo que, como se afirma no "relatório" respectivo, a segurança social "assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos".

7.2. A jurisprudência do STJ tem sido uniforme, ao que sabemos, sobre o sentido destas legais disposições: o subsídio por morte é abrangido por aquela sub-rogação legal([1]).

A divisão jurisprudencial de que falam a douta decisão recorrida e a Cª de Seguros tem-se apenas verificado ao nível da jurisprudência da 2ª instância([2]).

Pela nossa parte, não temos dúvidas em seguir aquela jurisprudência do STJ.

Na verdade e com o devido respeito por melhor opinião, temos para nós que esta última jurisprudência da 2ª instância peca em dois pontos:

- introduz uma distinção entre os vários tipos de prestações da segurança social que não nos parece legítima, pois todas elas são "...típica(s) e genuína(s)...";

- ultrapassa indevidamente o aspecto nuclear de a morte do "beneficiário" daquele subsídio se dever a facto ilícito e gerador de responsabilidade civil.

Obnubilar este último aspecto da questão e negar a legal sub-rogação das quantias adiantadas a título de subsídio por morte, com base em que ele sempre seria de custear pelo CNP, por se tratar de uma "...típica e genuína prestação de segurança social, da responsabilidade exclusiva do CNP...", analisa-se num enriquecimento ilegítimo do lesante e da Cª de Seguros envolvida.

Com efeito: a Cª de Seguros, que previamente privatizou receitas, recebendo prémios, eximir-se-á agora ao pagamento das responsabilidades correspondentes; por outro lado, haverá uma injustificada socialização de custos (em última análise, essas quantias serão pagas por todos nós, através do Orçamento Geral do Estado, onde se integra a Segurança Social).

E dizemos injustificada, na medida em que a Segurança Social tem nesta matéria e quando há um directo responsável pelo evento, como é bom de ver, uma posição apenas supletiva, só se assumindo em primeira e exclusiva linha nos demais casos.

7.3. Pensamos, por isso, que se for determinada a existência de responsabilidade civil por parte do lesante sempre ele ou a instituição seguradora para a qual tenha transferido a sua responsabilidade devem ser condenados a pagar ao CNP o subsídio por morte, por este adiantado ao lesado e em cujos direitos se vê legalmente sub-rogado.

De qualquer forma, como aqui será porventura o caso, se a seguradora já tiver assegurado junto dos lesados a devida indemnização - que abrangerá o montante daquele subsídio por morte, adiantado pelo CNP - deverá depois, junto daqueles, exercer o seu direito de regresso.

Subscrevemos assim quanto se diz no Ac. do STJ de 05-01-95 e que nos permitimos aqui transcrever:

"...3. - Entre a pensão de sobrevivência e a indemnização pelo dano causado pela morte do que contribuía com o rendimento ou o produto do seu trabalho para o sustento e manutenção da casa e do teor de vida dos familiares que consigo viviam é possível estabelecer-se uma relação, em que esta, embora compreendendo toda aquela, é mais abrangente que ela.

Essa medida de carácter social pode não ter, à partida, uma natureza definitiva, o que se compreende - até se conhecer se o facto (morte, invalidez, etc.) que determinou o pagamento das prestações sociais deriva ou não de lesão provocada por terceiro e se se lhe pode exigir responsabilidade civil, aquela medida tem natureza provisória e extinguir-se-á a partir do momento em que se defina com trânsito essa responsabilidade; se o facto que determinou o pagamento das prestações sociais não deriva de terceiro ou se, em certos e concretos casos, desse terceiro não é possível obter essa responsabilização então a medida toma natureza definitiva.

E compreende-se esta natureza provisória da medida. No fundo, ela representa, simultaneamente um direito de quem trabalhou e, por isso, descontou, e um adiantamento (sobre este, tenha-se presente a relação que acima se estabeleceu e que esse caracter lhe advém de ser, com aquele fim, realizado à parte que é tida como mais fraca e que para sobreviver é, independentemente de prova, tida como carecedora de uma pensão; esgotar-se-á esse adiantamento naquele direito se não houver um terceiro responsável; havendo-o, extinguir-se-á e será reembolsável).

Assume ainda e também esse carácter de adiantamento o subsídio por morte. Com efeito, o legislador não podia desconhecer a perturbação que a morte de pessoa que vive do seu trabalho ou da respectiva reforma causa no funcionamento da sua vida familiar e, por isso, com vista a facilitar a reorganização da sua vida familiar estabeleceu esta medida social (Dec.-Lei 32/90, de 18/10 - artº 4°), nem podia desconhecer também a dificuldade prática em se obter, com brevidade, a responsabilização de terceiros e o pagamento da respectiva indemnização, o que agravaria a situação da parte, em geral, mais desfavorecida.

4. - Podia a lei estabelecer que, por esse reembolso, fosse responsável quem recebeu as prestações. Todavia, reconhecendo-se que, de um modo geral, este é a parte mais fraca e que as prestações visam um fim de sobrevivência e de reorganização da vida familiar (normalmente, caracterizadas pela sua magreza - sem que com esta constatação nos pretendamos imiscuir na discussão da possibilidade ou não de serem mais elevadas ou de poderem ser qualitativamente melhoradas), estabeleceu a lei a sub-rogação (legal) das instituições de Segurança Social nos direitos do lesado contra o lesante na medida do efectivamente pago (Lei 28/84 - artº 16º; Dec-Lei 59/89 - artºs 1º, nº 2 e 2º nº 3, Cód. Civil, artº 592º).

E porque de sub-rogação se quis tratar não se conferiu qualquer direito ao lesante para do lesado vir a receber essas importâncias. Uma vez mais a imperar aqui o reconhecimento do seu carácter social e de que o seu fim foi atingido e ficou esgotado com a sua concessão - por um lado, se simultaneamente prestadas fossem com a indemnização representariam um enriquecimento; por outro, cessando a sua concessão, não poderá o lesante vir a beneficiar do que em relação a si não tinha esse carácter social nem teria aquele fim.

O subsídio de morte, as pensões de sobrevivência e a aqui indemnização têm de comum o ponto de partida - a morte do simultaneamente beneficiário do C.N.P. e lesado com o facto. Os dois primeiros (subsidio e pensões) foram efectivamente pagos: esta (a indemnização) derivado, pelo facto (ilícito) causador daquele outro (morte) tido como origem comum, ter sido responsabilizado um terceiro. Verificado o condicionalismo da sub-rogação legal estabelecida. A C.N.P. exercitou o seu direito neste processo. A consequência é, pois, o seu reconhecimento.

Na exacta medida da sub-rogação assim estabelecida não pode ter qualquer relevo a afirmação de que o Centro ficou beneficiado com o óbito do seu beneficiário por apenas pagar parte da pensão de reforma (a pensão de sobrevivência). Sobre isso, com certos laivos de heresia, e a filosofia e os princípios que informam e presidem aos sistemas de segurança social não há que reflectir aqui.

Sobre a evolução e as diferentes posições quanto à sub-rogação legal quer do Estado quer da entidade que paga vencimentos e pensões consulte-se, entre outros, Pareceres da P.G.R. de 1969/05/08 (in B.M.J. 192, pág. 126) e n.° 21, pág. 80 (in B.M.J. 300, pág. 98), Vaz Serra in R.L.J. 98, pág. 318, Acs. in B.M.J. 231º, pág. 151, 271º, pág. 211, 277º, pág. 267, 292º, pág. 361, 353º, pág. 516 e 371º, pág. 542 e in Col. Jur., Ano III, Tomo 2, pág. 58, Ano IX, Tomo 2, pág. 204, Ano IX, Tomo 4, pág. 247 e Ano XIII, Tomo 3, pág. 71.

No domínio da Lei 28/84 e Dec-Lei 59/89, afirmando que a sub-rogação abrange as prestações (como as em causa), cfr. o Ac. do S.T.J. de 1995/01/05, proc. 47.034 e o do proc. 41.775 (neste, com concordância daquele, atinge-se a conclusão por outra via - pela via do direito de regresso; nas relações com o ofendido, a instituição de Segurança Social era um co-devedor solidário da prestação e, nas relações internas, entre a instituição e o lesante este funcionaria como principal pagador, por só ele, a final, dever suportar o encargo da dívida, nos termos dos arts. 516º e 562º Cód. Civil, ao passo que aquela adquire a natureza de simples garante do pagamento da obrigação)".» nosso sublinhado.

3. No caso concreto, temos que o arguido foi considerado judicial e civilmente responsável pela morte do ofendido (J).

Este era beneficiário do CNP, nº 088 010 932/00, na altura do falecimento, em 2003/01/13 (facto 17).

Acresce que – vd. facto 25 : "No período entre Fevereiro de 2003 e Março de 2005, o ISS/CNP pagou à esposa de (J), a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, a quantia de € 12.298,25 (doze mil, duzentos e noventa e oito euros e vinte e cinco cêntimos)"

Assim sendo, como é, estão reunidos os pressupostos para responsabilizar a "Zurich- Companhia de Seguros, SA" a pagar ao CNP os então peticionados €12.298,25 (valores já pagos quer a título de subsídio por morte quer de pensão de sobrevivência).

Entretanto, como foi também peticionado (cfr. fls. 182), acresce a pensão entretanto vencida e paga na pendência da presente acção – e daí que se concedam os ora pedidos €12.506,25 (€12.298,25 + € 208,00) – cfr. documento junto a folhas 342.
4. Quanto aos juros de mora:
O recorrente pede-os desde a citação, o mesmo é dizer, desde a notificação do pedido cível, e até integral pagamento (vd. fls. 182).
Consideramos, porém, que também aqui deve aplicar-se a Jurisprudência nº 4/2002 (Ac. STJ de 09/05/02, in DR I-A Série, de 27/06/02), segundo a qual:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação
 Por tudo isto, os juros de mora são devidos desde a presente decisão (actualizadora).

                                                           *

IV – DECISÃO:

Nos termos expostos, acordam em dar provimento do recurso do ISSS/CNP, pelo que se altera a sentença recorrida apenas quanto à condenação da "Zurich – Companhia de Seguros, SA", que abrangerá também o pagamento ao ISSS/CNP da quantia de €12.506,25 (doze mil, quinhentos e seis euros e vinte e cinco cêntimos) – acrescida dos juros de mora à taxa legal, sendo que estes só são devidos desde a presente decisão (actualizadora) e até integral e efectivo pagamento.

Custas pela demandada.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2007.

(Carlos de Sousa - relator)

(Mário Varges Gomes)

(Teresa Féria de Almeida)

(João Cotrim Mendes)


([1]) Cfr. Acs. do STJ de 05-01-95, in CJ/STJ, III, I/163 e de 01-06-95, in CJ/STJ, III, II/222.
([2]) Cfr. Acs. da RP de 09-11-94, in CJ, XIX, V/246 e de 01-04-98, in CJ, XXIII, II/242; da RE de 14-11-95, in CJ, XX, V/307; da RL de 17-03-98, in CJ, XXIII, II/151.