PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário

1) O princípio da proibição das decisões-surpresa, consagrado no art.º 3º, n.º 3 do CPC, consubstancia-se, no que às questões de direito diz respeito, na interdição das decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
2) O cit. art. 3º, nº 3, do CPC ressalva, porém, expressamente da proibição da decisão-surpresa os casos de manifesta desnecessidade, entre os quais figura o de as partes, embora não tenham invocado expressamente determinada questão de direito, nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação jurídica.
3) Num caso em que foi a própria Autora a alegar (logo na petição inicial) que resolveu unilateralmente a convenção de arbitragem, por terem passado muito mais de quatro meses, sem que o tribunal arbitral se mostrasse constituído, e estipulando a convenção de arbitragem que, na falta de acordo entre os dois árbitros designados pelas partes, quanto à escolha do 3º árbitro, este seria designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a requerimento de qualquer uma das Partes, a Autora não podia deixar de contar com a possibilidade de o tribunal a quo perfilhar o entendimento segundo o qual qualquer das partes só poderia invocar a ultrapassagem do prazo de constituição do tribunal arbitral, como fundamento de resolução da convenção de arbitragem e consequente recurso aos tribunais comuns, desde que, formal e materialmente, tivesse feito tudo o que a convenção arbitral exigia para a sua consumação.
4) Desde que as partes se obrigaram (na convenção de arbitragem) a submeter ao tribunal arbitral quaisquer questões controvertidas emergentes da relação contratual entre elas existente, não carecendo para o efeito de acordarem especificamente quanto às matérias a submeter à decisão do tribunal arbitral, o facto de a Autora tudo ter feito para obter o acordo da Ré relativamente ao objecto do litígio a submeter a arbitragem irreleva, em absoluto, para a resolução da questão de saber se ela podia ou não resolver a cláusula compromissória, com base na ultrapassagem do prazo contratualmente estabelecido para a constituição do tribunal arbitral, sem que, pelo seu lado, nada tivesse feito em ordem à ultrapassagem do impasse criado com a falta de acordo entre os dois árbitros nomeados por ambas as partes quanto à escolha do terceiro árbitro, abstendo-se, para tanto, de requerer ao Presidente do Tribunal da Relação a indicação desse 3º árbitro.
5) Se a cláusula compromissória estabelecida entre a Autora e a Ré apenas fixa dois limites temporais à jurisdição do tribunal arbitral (prazo de constituição deste e prazo de decisão), perante o silêncio dos dois árbitros escolhidos por ambas as partes, quanto à escolha (por acordo entre eles) do terceiro árbitro, incumbia a qualquer das partes providenciar pela notificação daqueles dois árbitros para efectuarem a sua escolha e a comunicarem a ambas as partes ou, pelo menos, para comunicarem a estas o seu desacordo quanto à escolha do terceiro árbitro, em ordem a permitir-lhes o recurso à intervenção do Presidente do Tribunal da Relação para que fosse este a indicar o terceiro árbitro.
6) Se, em vez disso, ambas as partes se remeterem à mais completa inacção, abstendo-se de interpelar os dois árbitros escolhidos pelas partes para escolherem o 3º árbitro e comunicarem a ambas as partes a sua escolha ou, pelo menos, para darem notícia a estas do seu desacordo quanto a essa escolha, limitando-se, passivamente, a deixar escoar o prazo de quatro meses fixado na cláusula compromissória para a constituição do tribunal arbitral para, com tal fundamento, resolverem, sem mais, a convenção de arbitragem, actuam de má fé e, consequentemente, estão impedidas de exercer o seu direito à resolução da convenção de arbitragem com fundamento na mera ultrapassagem do prazo estabelecido para a constituição do tribunal arbitral.
(RV)

Texto Integral

Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA:
Inconformada com o despacho saneador que, na acção declarativa de condenação por ela intentada contra “A, S.A.” e “E, S.A.”, julgou procedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral e, consequentemente, absolveu as Rés da instância, “E, S.A.” interpôs recurso do mesmo, que foi recebido como de agravo, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
“1. As Agravadas arguiram nos autos que a E havia incumprido com as obrigações previstas na cláusula 306 do Contrato de Empreitada, já que teria a obrigação de requerer ao Distinto Presidente do Tribunal da Relação que indicasse um terceiro árbitro que possibilitasse a constituição do Tribunal Arbitral;
2. Inversamente, o Mmo. Juiz a quo entendeu que a E não incumpriu com as suas obrigações contratuais, mas que, por ter alegadamente agido de má fé, tornou o seu direito de resolução da convenção de arbitragem inexercível;
3. Em consequência, absolveu as Agravadas da instância por preterição do tribunal arbitral;
4. Ao dar esta solução de direito à causa - solução não alegada nem vislumbrada pelas partes - o Mmo. Juiz a quo violou o princípio da proibição das decisões-surpresa, previsto no art.º 3º, n.º 3 do Cód. de Processo Civil;
4. Tal violação constitui uma nulidade processual que afecta a boa decisão da causa (art.º 201º, n.º 1 do Cód. de Processo Civil) e uma nulidade da própria sentença, dado que o Mmo. Juiz pronunciou-se sobre matérias sobre as quais não se podia pronunciar sem antes ouvir as partes (art.º 668º, n.º 1 al. d) do Cód. de Processo Civil);
5. Deve, assim, a sentença ser declarada nula, com todos os legais efeitos;
Por outro lado,
6. Foi a E que procurou iniciar a arbitragem e era a E que, na qualidade de credora, tinha um interesse maior na célere resolução do litígio;
7. Não faz assim qualquer sentido considerar que a E recorreu aos tribunais comuns numa postura de má-fé.
8. A E tudo fez para obter o acordo da A relativamente ao objecto do litígio a submeter a arbitragem, tendo inclusivamente incorporado na sua proposta a contra-proposta que a A havia efectuado a este respeito;
9. Após o envio desta contraproposta, a E aguardou 9 meses pelas resposta da A e isto quando, de acordo com o Contrato de Empreitada, bastava-lhe ter aguardado 1,5 mês para resolver a convenção de arbitragem;
10. Neste momento já nem sequer estava só em causa a aceitação da proposta de objecto de litígio, mas sim a localização dos responsáveis da A, ou seja, a localização de um interlocutor;
11. Como ficou demonstrado na sentença proferida nos autos que correram termos na 14° Vara Cível, Secção, a E executou todas as suas prestações contratuais, ao passo que a A actuava de má fé, tendo mesmo desaparecido da obra;
A isto acresce que,
12. A E não recebeu qualquer notificação dos dois árbitros indicados pelas partes no sentido da inexistência de acordo na designação de 3º árbitro;
13. Sem tal notificação, a E estava impossibilitada de requerer a indicação de um terceiro árbitro ao Distinto Presidente do tribunal da Relação, sob pena de serem designados dois terceiros árbitros (um pelo Distinto presidente do tribunal da Relação e outro pelos dois árbitros já indicados);
14. A cláusula 30ª, n.º 4 constitui uma cláusula de salvaguarda contratual das partes, tendente a combater quaisquer situações de atraso na constituição de tribunal arbitral e o exercício do direito de resolução da convenção de arbitragem estabelecido nessa cláusula encaixa-se perfeitamente em situações como aquela que se analisa nestes autos;
15. É manifesto que não houve qualquer violação de deveres de boa fé por parte da E em todo o processo de tentativa de constituição do Tribunal Arbitral e, consequentemente, não houve qualquer violação do art.º 762º, n.º 2 do Código Civil nem subsunção ao disposto no art.º 334º do mesmo Código.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso com o que, uma vez mais, se fará a costumada JUSTIÇA.”.

A parte contrária não apresentou contra-alegações.

O Exmº Sr. Juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, no qual manteve inalterado o despacho objecto do agravo interposto pela Autora.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


A DECISÃO RECORRIDA
O despacho saneador que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor :
“Atenta a simplicidade da causa, dispenso a realização da audiência preliminar, nos termos do disposto no artigo 508°-B n.° 1 alínea a) do Código de Processo Civil.
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Despacho Saneador:
O Tribunal é competente em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia.
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Da preterição de tribunal arbitral:
Na sua contestação, veio a ré A, Lda. arguir a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, considerando que a autora desrespeitou a cláusula 30° do acordo entre ambas celebrado, que denominaram de contrato de empreitada, no sentido do prévio recurso d constituição de um tribunal arbitral.
Refere, concretamente, que contactada pela autora, de imediato designou o seu árbitro, devendo o terceiro árbitro ser designado, por acordo, pelos árbitros indicados pelas partes (cláusula 30°, n.° 2); na falta de acordo, este deveria ser designado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a requerimento de qualquer das partes.
A autora não requereu ao tribunal citado a indicação do terceiro árbitro, antes intentou a presente acção, desta forma violando a convenção arbitral celebrada.
Conclui pela sua absolvição da instância.
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Sobre a matéria, veio a autora responder que:
- a ré ofereceu a autora contraproposta sobre o objecto do litígio, ao que a autora respondeu, compondo as propostas de ambas as partes, e a ré nada disse;
- decorreram mais de 4 meses sem que estivesse composto o tribunal arbitral, por designação do 3° árbitro, o que nos termos da cláusula 300º, n.° 4 do contrato celebrado, autorizava a autora a resolver unilateralmente a convenção de arbitragem e a recorrer aos tribunais judiciais;
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Cumpre decidir.
A cláusula contratual pela qual as partes acordaram a competência, prima facie, de tribunal arbitral reza o que segue:

30ª (resolução de Litígios)
1. Todas as questões e litígios emergentes deste contrato serão decididas através de arbitragem, a realizar por um Tribunal Arbitral que funcionará em Lisboa, que julgará segundo a Lei Portuguesa e será constituído nos termos do número seguinte e, supletivamente, de acordo com o disposto na Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto.
2. O Tribunal Arbitral será constituído por três árbitros, cabendo a cada uma das Partes designar um e a estes a escolha do terceiro árbitro, que exercerá as funções de Presidente; na falta de acordo, o árbitro presidente será designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a requerimento de qualquer uma das Partes.
3. O Tribunal Arbitral deverá proferir a sua decisão no prazo de três meses a contar do termo da instrução do processo ou do encerramento da audiência de discussão e julgamento, se a houver.
4. Se decorrerem mais de quatro meses sobre a data da indicação do primeiro árbitro sem que o Tribunal Arbitral esteja constituído, poderá qualquer uma das partes resolver unilateralmente a presente convenção de arbitragem, considerando-se devolvida a jurisdição aos tribunais comuns para a questão concretamente em causa.
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Antes de mais, cumpre afastar o argumento de falta de acordo quanto à matéria a submeter à decisão do tribunal arbitral, na medida em que as partes estão obrigadas a submeter àquele tribunal quaisquer questões controvertidas imanentes da relação contratual entre elas, não carecendo para o efeito de acordarem. Ou seja, autora e ré podem - e devem - cada uma por si, ou conjuntamente, oferecer à arbitragem qualquer litígio - o que não podem é recorrer directamente aos tribunais comuns, ou subtrair à contraparte qualquer questão que esta pretenda submeter.
Ainda, esta vertente não constituía termo ao funcionamento do tribunal arbitral. De facto, o acordo lavrado apenas fixa dois limites temporais: prazo de constituição e prazo de decisão.
Assim, este fundamento não licita a autora a recorrer ao presente tribunal.
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No que concerne à ultrapassagem do prazo para constituição de tribunal arbitral, as partes acordam no que segue:
- após a nomeação do primeiro árbitro, decorreram mais de 4 meses sem que o Tribunal Arbitral estivesse constituído;
- os árbitros indicados pelas partes não acordaram no escolha do terceiro árbitro;
- nenhuma das partes suscitou perante o Tribunal da Relação de Lisboa a designação do árbitro em falta;
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Estabelece o artigo 762° n.º 2 do Código Civil, que no cumprimento da obrigação, bem como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé. Ainda, o artigo 334° do Código Civil qualifica como ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.
Doutrinariamente, considera-se como abusiva, no modalidade de venire contra factum proprium, a posição de uma parte que tenta prevalecer-se de uma situação de infracção que ela própria contribuiu para criar - o exercente deixa entender, ou declara, ir tomar uma certa atitude e, depois, toma uma atitude contrária ou diversa” (Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, 1° vol., AAFDL, 1987/1988, pag. 373).
Ainda, dá-se primazia à materialidade subjacente, dirimindo-se como abusiva a conduta só formalmente de acordo com o direito ou normas contratuais, mas que verdadeiramente visa prejudicar a contraparte.
Ora, o comportamento da autora é tributário da mais elementar má-fé: geriu a sua própria inércia, omitindo durante quatro meses a solicitação ao Tribunal da Relação de Lisboa de um terceiro árbitro, invocando o decurso do prazo estipulado como fundamento de recurso aos tribunais comuns, cujas decisões, diga-se, são recorríveis, ao contrário da decisão de arbitragem, por expressa convenção das partes nesse sentido (cfr. cláusula 41°).
Logo, se formalmente é justa a pretensão da autora, substancialmente esta é inaceitável, pois que não é inadmissível que se prevaleça perante a ré de uma intempestividade para a qual concorreu passivamente.
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A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar, quando o venire atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2° vol., Almedina, pags. 724 e seguintes ; Pires de Lima - Antunes Varela, Código Civil Anotado, ob. cit., pags. 299 ; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 9° ed., pags. 563 e seguintes ; Almeida Costa, RLJ, ano 129°, pags. 31 e seguintes) .
A relevância da chamada conduta contraditória exige, contudo, segundo o melhor entendimento, a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança, a saber: uma situação objectiva de confiança, o investimento da confiança e a boa fé subjectiva de quem confiou.
No caso concreto, verificam-se tais requisitos, pois que a ré celebrou o contrato que incluía a cláusula arbitral, cumpriu, total ou parcialmente, as respectivas prestações, e subjectivamente confiou que a autora, na eventualidade de um litígio, cumpriria as disposições acordadas.
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Destarte, é de concluir que o incumprimento do prazo de constituição do tribunal arbitral não poderá ser invocado pela autora para recurso aos tribunais comuns - só assim não será quando a autora tenha feito, formal e materialmente, tudo o que a convenção arbitral exigia para a sua consumação.
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Estamos pois diante de uma clara preterição de tribunal arbitral, que se traduz numa excepção dilatória nominada (artigo 494° alínea j) do Código de Processo Civil): ela resulta da infracção da competência de um tribunal arbitral que tem competência exclusiva para apreciar determinado objecto (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2° edição, LEX, 1997, pag. 133 ; A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, LEX, 1994, pags. 133-136 ; Anse/mo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, Almedina, 1982, pags. 92 a 96) .
Na prática, foi o que sucedeu nos autos: uma opção por parte da autora, no sentido de preterir a arbitragem, tal como fora acordado no contrato, em benefício da presente acção declarativa nos tribunais comuns.
A preterição de tribunal arbitral voluntário é uma excepção dilatória que não é de conhecimento oficioso (art. 494° alínea j) e 495°), mas implica igualmente a absolvição do réu da instância (artigo 493°, n.° 2 do Código de Processo Civil)" ( Teixeira de Sousa, obs. cits., pags. 134) .
Assim sendo e nesta base, a excepção terá de ser considerada procedente e as rés absolvidas da instancia.
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Pelo exposto, julgo procedente a excepçao de preterição de tribunal arbitrário e, em consequência, absolvo as rés Arcos de Carnide - Sociedade Imobiliária, S. A. e Euroamer Holding SGPS, S. A. da instancia
Custas pela autora.
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Registe e notifique.”.
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem(1)(2).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º)(3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela ora Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:
1) Se o tribunal “a quo”, ao julgar procedente a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral voluntário com base numa circunstância não invocada expressamente pelas Rés/Agravadas (o comportamento de má fé da Autora/Agravante, ao omitir durante 4 meses a solicitação ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa dum terceiro árbitro, invocando depois o decurso do prazo estipulado na convenção de arbitragem como fundamento de recurso aos tribunais comuns), violou o princípio da proibição das decisões-surpresa, previsto no art.º 3º, n.º 3 do Cód. de Processo Civil;
2) Se tal violação constitui uma nulidade processual que afecta a boa decisão da causa (art.º 201º, n.º 1 do Cód. de Processo Civil) e uma nulidade da própria decisão, dado que o Mmo. Juiz pronunciou-se sobre matérias sobre as quais não se podia pronunciar sem antes ouvir as partes (art.º 668º, n.º 1 al. d) do Cód. de Processo Civil);
3) Se a ora Agravante não actuou de má fé ao resolver a convenção de arbitragem e recorrer aos tribunais comuns, porquanto tudo fez para obter o acordo da Agravada A relativamente ao objecto do litígio a submeter a arbitragem, tendo inclusivamente incorporado na sua proposta a contra-proposta que a A havia efectuado a este respeito, tendo, após o envio desta contraproposta, aguardado durante 9 meses pela resposta da A e isto quando, de acordo com o Contrato de Empreitada, bastava-lhe ter aguardado 1,5 mês para resolver a convenção de arbitragem;
4) Se, de qualquer modo, como a ora Agravante não recebeu qualquer notificação dos dois árbitros indicados pelas partes no sentido da inexistência de acordo na designação de 3º árbitro, estava impossibilitada, sem essa notificação, de requerer a indicação de um terceiro árbitro ao Presidente do Tribunal da Relação, sob pena de serem designados dois terceiros árbitros (um pelo presidente do tribunal da Relação e outro pelos dois árbitros já indicados), pelo que não lhe pode ser assacada qualquer actuação de má fé ao resolver a convenção de arbitragem e ao intentar a presente acção nos tribunais comuns.
FACTOS PROVADOS
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo:
1) No contrato de empreitada celebrado em 6/6/1997, entre A Autora ora Agravante, na qualidade de empreiteiro, e a Ré “A, S.A.”, as partes estipularam o seguinte, sob a epígrafe “Resolução de Litígios”:
Cláusula 30ª (resolução de Litígios)
1. Todas as questões e litígios emergentes deste contrato serão decididas através de arbitragem, a realizar por um Tribunal Arbitral que funcionará em Lisboa, que julgará segundo a Lei Portuguesa e será constituído nos termos do número seguinte e, supletivamente, de acordo com o disposto na Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto.
2. O Tribunal Arbitral será constituído por três árbitros, cabendo a cada uma das Partes designar um e a estes a escolha do terceiro árbitro, que exercerá as funções de Presidente; na falta de acordo, o árbitro presidente será designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a requerimento de qualquer uma das Partes.
3. O Tribunal Arbitral deverá proferir a sua decisão no prazo de três meses a contar do termo da instrução do processo ou do encerramento da audiência de discussão e julgamento, se a houver.
4. Se decorrerem mais de quatro meses sobre a data da indicação do primeiro drbitro sem que o Tribunal Arbitral esteja constituído, poderá qualquer uma das partes resolver unilateralmente a presente convenção de arbitragem, considerando-se devolvida a jurisdição aos tribunais comuns para a questão concretamente em causa.
2) Em 12 de Outubro de 2000, a E enviou à A uma carta contendo a notificação para arbitragem (cfr. art.º 11º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei 31/86, de 29 de Agosto - "LAV"). Nesta carta, a E indicava o objecto do litígio, bem como o árbitro que lhe cabia indicar (cfr. Doc. n.º 2 junto à p.i.).
3) Em 5 de Novembro de 2000, a A remeteu a sua resposta à E, recusando a determinação do objecto de litígio proposto pela E e propondo um novo objecto do litígio. Nesta carta, a A indicou também um árbitro para integrar o tribunal arbitral (cfr. Doc. n.º 3 junto à p.i.).
4) Em 28 de Dezembro de 2000, a E remeteu nova carta à A, na qual - face à posição comunicada pela A na carta de 5 de Novembro - efectuava uma nova proposta de determinação do objecto de litígio (cfr. Doc. n.2 4 junto à p.i.).
5) Após a nomeação do primeiro árbitro, decorreram mais de 4 meses sem que o Tribunal Arbitral estivesse constituído;
6) Os árbitros indicados pelas partes não acordaram entre si na escolha do terceiro árbitro;
7) Nenhuma das partes suscitou perante o Tribunal da Relação de Lisboa a designação do árbitro em falta;
8) Em 28 de Setembro de 2001, através de carta recebida pela Ré A em 2/10/2001, a Autora, invocando o disposto no nº 4 da referida cláusula 30ª do Contrato de Empreitada, informou-a de que resolvia unilateralmente a convenção de arbitragem, considerando devolvida a jurisdição aos tribunais comuns.
O MÉRITO DO AGRAVO
1) A PUTATIVA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DAS DECISÕES-SURPRESA, PREVISTO NO ARTIGOº 3º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sustenta a Agravante que o despacho saneador recorrido teria, desde logo, violado o princípio do contraditório ínsito no art. 3º, nºs 1 e 3, do CPC, por isso que teria conhecido duma questão sobre a qual as partes não teriam tido sequer a possibilidade de se pronunciarem.
Isto porque o tribunal “a quo” teria, afinal, julgado procedente a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral voluntário com base numa circunstância não invocada expressamente pelas Rés/Agravadas (o comportamento de má fé da Autora/Agravante, ao omitir durante 4 meses a solicitação ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa dum terceiro árbitro, invocando depois o decurso do prazo estipulado na convenção de arbitragem como fundamento de recurso aos tribunais comuns).
Quid juris ?
Os nºs 3 e 4 do artigo 3º do Código de Processo Civil, introduzido pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e aperfeiçoado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, consagram o princípio do contraditório, o primeiro em geral e na vertente proibitiva da decisão-surpresa e o segundo no aspecto da alegação dos factos da causa.
«Resultam estes preceitos duma concepção moderna do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior»(5). «Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção»(6). «Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»(7).
«No plano das questões de direito, veio a revisão proibir a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes»(8).
«Esta vertente do princípio [do contraditório] tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objecto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade»(9). «Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho saneador, sentença, instância de recurso)»(10).
«A omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do art. 201º»(11).
Ainda assim, «não deve ter (…) lugar o convite para discutir uma questão de direito quando as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação»(12). É que o cit. art. 3º, nº 3, do CPC ressalva expressamente da proibição da decisão-surpresa os casos de manifesta desnecessidade.
Ora, no caso dos autos, tendo sido a própria Autora a alegar (logo na petição inicial) que resolveu unilateralmente a convenção de arbitragem, por terem passado muito mais de quatro meses - desde a data em que ela informou a 1ª Ré de que pretendia instaurar o litígio no tribunal arbitral e proceder à respectiva constituição, indicando desde logo o objecto do litígio e o seu árbitro -, sem que o tribunal arbitral se mostrasse constituído, e estipulando a convenção de arbitragem que, na falta de acordo entre os dois árbitros designados pelas partes, quanto à escolha do 3º árbitro, este seria designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a requerimento de qualquer uma das Partes, a Autora não podia deixar de contar com a possibilidade de o tribunal a quo perfilhar o entendimento segundo o qual qualquer das partes só poderia invocar a ultrapassagem do prazo de constituição do tribunal arbitral, como fundamento de resolução da convenção de arbitragem e consequente recurso aos tribunais comuns, desde que, formal e materialmente, tivesse feito tudo o que a convenção arbitral exigia para a sua consumação (designadamente, não omitindo, durante os 4 meses estipulados como prazo limite para a constituição do tribunal arbitral, a solicitação ao Presidente do Tribunal da Relação da designação dum terceiro árbitro).
Tanto assim que, na sua réplica, antecipando a possibilidade de o tribunal vir a acolher tal tese, logo a Autora/Agravante curou de contra-argumentar que “o exercício da faculdade de resolução do Compromisso Arbitral após o decurso de 4 (quatro) meses sobre a data da indicação do primeiro árbitro não dependia em nada da existência ou não de um requerimento ao Presidente do Tribunal da Relação para a indicação do terceiro árbitro”. Pelo que, “face à não indicação do terceiro árbitro e consequente não constituição do Tribunal Arbitral no prazo de 4 (quatro) meses após a indicação do primeiro árbitro, a E poderia ter seguido uma de duas vias: a) Requerer ao Tribunal da Relação de Lisboa que indicasse o terceiro árbitro; b) Resolver a cláusula compromissória”, tendo ela entendido seguir esta segunda via.
Consequentemente, para a ora Agravante, uma decisão como a proferida pelo tribunal a quo não constitui, manifestamente, uma decisão-surpresa, com a qual ela não pudesse ou, pelo menos, não devesse contar.
Não pode, pois, sustentar-se – como faz a Agravante nas suas alegações – que a fundamentação do Mmo. Juiz a quo para se pronunciar no sentido da verificação duma situação de preterição de tribunal arbitral, radica em fundamentos de direito completamente opostos aos alegados pelas Agravadas. O fundamento em que se estribou o tribunal “a quo” para concluir pela irresolubilidade da cláusula compromissória é precisamente o mesmo que fora invocado pelas Agravadas (na sua contestação) para qualificar de nula e de nenhum efeito a declaração unilateral de resolução da convenção de arbitragem contida na carta que a Autora dirigiu à 1ª Ré em 28/9/2001: a inércia da Autora/Agravante, ao não requerer ao Presidente do Tribunal da Relação a indicação do terceiro árbitro, quando se viu confrontada com a ausência de acordo entre os árbitros indicados pelas partes quanto à escolha do terceiro árbitro.
A circunstância de as Agravadas terem sustentado que a Autora/Agravante teria, pura e simplesmente, incumprido o iter procedimental estabelecido na Cláusula 30º do Contrato e não haverem expressamente invocado má fé por parte da E, enquanto o Mmo. Juiz a quo entendeu que esse iter tinha sido seguido de um ponto de vista formal, mas que, face aos contornos de toda a situação, a Agravada não se encontrava em condições de exercer o direito de resolução da cláusula compromissória, por tal configurar um comportamento tributário da mais elementar má fé, não altera minimamente os dados da questão.
O que ocorreu foi tão só um enquadramento distinto, no plano estritamente jurídico, da mesmíssima situação factual. Ora – como se sabe – o tribunal, embora só se possa servir dos factos articulados pelas partes, não está nunca submetido às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º do C.P.C.).
Donde que o agravo improcede, quanto a esta 1ª questão.
O que, necessariamente, prejudica, tornando-a despicienda, a apreciação da 2ª questão suscitada pela Agravante nas conclusões da sua alegação (a de saber se a pretensa violação da proibição das decisões-surpresa constitui nulidade processual ou, pelo menos, nulidade da própria decisão judicial, por excesso de pronúncia).

2) SE A ORA AGRAVANTE NÃO ACTUOU DE MÁ FÉ AO RESOLVER A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E RECORRER AOS TRIBUNAIS COMUNS, PORQUANTO TUDO FEZ PARA OBTER O ACORDO DA AGRAVADA ARCOS DE CARNIDE RELATIVAMENTE AO OBJECTO DO LITÍGIO A SUBMETER A ARBITRAGEM, TENDO INCLUSIVAMENTE INCORPORADO NA SUA PROPOSTA A CONTRA-PROPOSTA QUE A A HAVIA EFECTUADO A ESTE RESPEITO, TENDO, APÓS O ENVIO DESTA CONTRAPROPOSTA, AGUARDADO DURANTE 9 MESES PELA RESPOSTA DA A E ISTO QUANDO, DE ACORDO COM O CONTRATO DE EMPREITADA, BASTAVA-LHE TER AGUARDADO 1,5 MÊS PARA RESOLVER A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM.
Na tese da Agravante, não poderia ser-lhe imputada qualquer má-fé ao decidir-se pela resolução unilateral da convenção de arbitragem (na modalidade de cláusula compromissória: cfr. o art. 1º, nº 2, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto), por isso que ela tudo fez para obter o acordo da Agravada A relativamente ao objecto do litígio a submeter a arbitragem, tendo inclusivamente incorporado na sua proposta a contra-proposta que a A havia efectuado a este respeito e havendo, após o envio desta contraproposta, aguardado (durante 9 meses) pela resposta da A. Isto quando, de acordo com a Cláusula Compromissória, bastava-lhe ter aguardado 1,5 mês para resolver a convenção de arbitragem.
Quid juris ?
Como bem observou o tribunal “a quo”, no despacho ora sob censura, o argumento da falta de acordo entre as partes, quanto à matéria a submeter à decisão do tribunal arbitral, irreleva para ajuizar acerca da resolubilidade ou irresolubilidade da cláusula compromissória, na medida em que as partes se obrigaram a submeter àquele tribunal quaisquer questões controvertidas emergentes da relação contratual entre elas existente, não carecendo para o efeito de acordarem especificamente quanto às matérias a submeter à decisão do tribunal arbitral. Ou seja, Autora e Ré podiam - e deviam - cada uma por si, ou conjuntamente, oferecer à arbitragem qualquer litígio decorrente do contrato de empreitada que celebraram entre si - o que não podiam era recorrer directamente aos tribunais comuns, ou subtrair à contraparte qualquer questão que esta pretendesse submeter à decisão do tribunal arbitral.
De facto, a cláusula compromissória estabelecida entre a Autora e a 1ª Ré apenas fixa dois limites temporais à jurisdição do tribunal arbitral: prazo de constituição deste(13) e prazo de decisão(14).

Consequentemente, o facto de a Autora/Agravante tudo ter feito para obter o acordo da Agravada A relativamente ao objecto do litígio a submeter a arbitragem, tendo inclusivamente incorporado na sua proposta a contra-proposta que a A havia efectuado a este respeito, e a circunstância de ela, após o envio desta contraproposta, haver aguardado (durante 9 meses) pela resposta da A, quando, de acordo com a Cláusula Compromissória, bastava-lhe ter aguardado 1,5 mês para resolver a convenção de arbitragem, irreleva, em absoluto, para a resolução da questão de saber se ela podia ou não resolver a cláusula compromissória, com base na ultrapassagem do prazo contratualmente estabelecido para a constituição do tribunal arbitral, sem que, pelo seu lado, nada tivesse feito em ordem à ultrapassagem do impasse criado com a falta de acordo entre os dois árbitros nomeados por ambas as partes quanto à escolha do terceiro árbitro, abstendo-se, para tanto, de requerer ao Presidente do Tribunal da Relação a indicação desse 3º árbitro.
Donde que o agravo da Autora improcede, quanto a esta questão.

3) SE, DE QUALQUER MODO, COMO A ORA AGRAVANTE NÃO RECEBEU QUALQUER NOTIFICAÇÃO DOS DOIS ÁRBITROS INDICADOS PELAS PARTES NO SENTIDO DA INEXISTÊNCIA DE ACORDO ENTRE ELES QUANTO À DESIGNAÇÃO DO 3º ÁRBITRO, ESTAVA IMPOSSIBILITADA, SEM ESSA NOTIFICAÇÃO, DE REQUERER A INDICAÇÃO DE UM TERCEIRO ÁRBITRO AO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO, SOB PENA DE PODEREM SER DESIGNADOS DOIS TERCEIROS ÁRBITROS (UM PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO E OUTRO PELOS DOIS ÁRBITROS JÁ INDICADOS), PELO QUE NÃO LHE PODE SER ASSACADA QUALQUER ACTUAÇÃO DE MÁ FÉ AO RESOLVER A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E AO INTENTAR A PRESENTE ACÇÃO NOS TRIBUNAIS COMUNS.
Sustenta, finalmente, a ora Agravante que, de qualquer modo, como a ora Agravante não recebeu qualquer notificação dos dois árbitros indicados pelas partes no sentido da inexistência de acordo entre ambos na designação de 3º árbitro, estava impossibilitada, sem essa notificação, de requerer a indicação de um terceiro árbitro ao Presidente do tribunal da Relação, sob pena de poderem vir a ser designados dois terceiros árbitros (um pelo presidente do tribunal da Relação e outro pelos dois árbitros já indicados), pelo que não lhe pode ser assacada qualquer actuação de má fé ao resolver a convenção de arbitragem e ao intentar a presente acção nos tribunais comuns.
Quid juris ?
Nos termos do nº 6 do art. 11º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto), “caso pertença a terceiro a designação de um ou mais árbitros e tal designação não haja ainda sido feita, será o terceiro notificado para a efectuar e a comunicar a ambas as partes”.
Assim sendo, perante o silêncio dos dois árbitros escolhidos por ambas as partes, quanto à escolha (por acordo entre eles) do terceiro árbitro (tarefa que lhes estava cometida pela cláusula compromissória estabelecida na Cláusula 30ª do Contrato de empreitada celebrado entre a Autora e a 1ª Ré), incumbia a qualquer das partes providenciar pela notificação daqueles dois árbitros para efectuarem a sua escolha e a comunicarem a ambas as partes ou, pelo menos, para comunicarem a estas o seu desacordo quanto à escolha do terceiro árbitro, em ordem a permitir-lhes o recurso à intervenção do Presidente do Tribunal da Relação para que fosse este a indicar o terceiro árbitro.
O que, porém, estava vedado à Autora/Agravante, em nome da mais elementar boa-fé, era remeter-se à mais completa inação, abstendo-se de interpelar os dois árbitros escolhidos pelas partes para escolherem o 3º árbitro e comunicarem a ambas as partes a sua escolha ou, pelo menos, para darem notícia a estas do seu desacordo quanto a essa escolha, limitando-se, passivamente, a deixar escoar o prazo de quatro meses fixado na cláusula compromissória para a constituição do tribunal arbitral para, com tal fundamento, resolver, sem mais, a convenção de arbitragem.
Nada há, pois, a censurar à decisão recorrida quando considerou que “o comportamento da autora é tributário da mais elementar má-fé: geriu a sua própria inércia, omitindo durante quatro meses a solicitação ao Tribunal da Relação de Lisboa de um terceiro árbitro, invocando o decurso do prazo estipulado como fundamento de recurso aos tribunais comuns”. Pelo que, “se formalmente é justa a pretensão da autora, substancialmente esta é inaceitável, pois que não é inadmissível que se prevaleça perante a ré de uma intempestividade para a qual concorreu passivamente”.
Donde que o agravo também improcede, afinal, quanto a esta derradeira questão.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao presente recurso de Agravo, confirmando integralmente o despacho saneador recorrido.
Custas a cargo da Agravante.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2007.
Rui Torres Vouga
Carlos Moreira
Isoleta Almeida Costa
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1 Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
2 Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
5 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 1999, p. 7.
6 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO in ob. e vol. citt., pp. 7-8.
7 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO in ob. e vol. citt., p. 8.
8 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO in ob. e vol. citt., p. 9.
9 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO ibidem.
10 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO ibidem.
11 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO ibidem.
12 LEBRE DE FREITAS-JOÃO REDINHA-RUI PINTO in ob. e vol. citt., p. 10.
13 “Se decorrerem mais de quatro meses sobre a data da indicação do primeiro árbitro sem que o Tribunal Arbitral esteja constituído, poderá qualquer uma das partes resolver unilateralmente a presente convenção de arbitragem, considerando-se devolvida a jurisdição aos tribunais comuns para a questão concretamente em causa” (nº 4 da Cáusula 30ª do Contrato de Empreitada).
14 “O Tribunal Arbitral deverá proferir a sua decisão no prazo de três meses a contar do termo da instrução do processo ou do encerramento da audiência de discussão e julgamento, se a houver” (nº 3 da Cáusula 30ª do Contrato de Empreitada).