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PROVA TESTEMUNHAL
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
ADVERTÊNCIA
NULIDADE
ACUSAÇÃO
Sumário
I - O relato de agentes dos órgãos de policia criminal sobre a afirmações e contribuições informatórias do arguido – tal como factos, gestos, silêncios e reações – de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligencias de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios e acareações) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligencias, atos de investigação e meios de obtenção de prova (atos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição) que tenham autonomia técnico-jurídica, constitui depoimento valido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artºs 129º e 357º CPP. II - A falta de advertência pelo juiz, na prestação do depoimento de familiar exigida no artº 134º2 CPP, da faculdade de recusar o depoimento, constitui nulidade sanável que deve ser arguida até à conclusão do depoimento (artº 120º3 al.a) CPP. III - A advertência feita pelo juiz, de recusa a depor ou de falta à verdade, prevista no artº 91º3 CPP, é legal e não constitui meio de coacção. IV - Se na acusação não é imputada a prática de atos materiais (de execução ou de determinação) não pode o tribunal, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal, alargar a investigação a outros factos que permitam a condenação.
Texto Integral
Proc. nº 313/13.1EAPRT.P1
1ª secção
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos na Secção Criminal – J2 da Instância Local de Santo Tirso, Comarca do Porto, com o nº 313/13.1EAPRT, foram submetidas a julgamento as arguidas B…, C… e D…, Lda., tendo a final sido proferida sentença 09.07.2015, mas depositada em 22.02.2016, que condenou as arguidas:
- B…, pela prática de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca p. e p. no artº 323º al. a) do Cód. Propriedade Industrial, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob determinadas condições;
- C…, pela prática de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca p. e p. no artº 323º al. a) do Cód. Propriedade Industrial, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob determinadas condições;
- D…, Lda., pela prática de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca p. e p. no artº 323º al. a) e 320º do Cód. Propriedade Industrial, por força dos artºs. 3º e 7º da Lei nº 28/84 de 20.1, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 10,00.
Inconformadas com a sentença condenatória, dela vieram as arguidas interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. A decisão que se fundamenta em depoimento indireto inadmissível, padece de error in procedendo por nulidade de prova produzida: o depoimento do Sr. Inspetor E… resulta, em grande parte do que ouviu dizer à arguida B… … e ao pai da mesma; acontecendo que a arguida B… exercitou o seu direito ao silêncio e o seu pai não foi chamado a depor … pelo que nas partes referidas o depoimento do Sr. Inspetor não pode ser levado, como foi, à motivação da decisão condenatória e muito menos levado à fundamentação, aos factos provados;
2. A decisão que se fundamenta em depoimento obtido mediante coação e/ou ofensa da integridade moral de testemunha por utilização de meio enganoso por não advertência da possibilidade de recusa a depor padece de error in procedendo por nulidade de prova produzida: tendo sido utilizado um método proibido de prova os dados obtidos com tal atuação são nulos, não podendo ser utilizados quer na fundamentação – Factos Provados, quer na motivação; o depoimento da testemunha F… tem de ser dado como não prestado, não válido, dir-se-á, até inexistente;
3. A decisão que se fundamenta em depoimento obtido mediante coação e/ou ofensa da integridade moral de testemunha por perturbação da liberdade de vontade por coação padece de error in procedendo por nulidade de prova produzida: a prova obtida através do depoimento da testemunha G… só pode ser nula, não podendo ser utilizada, em face do “ambiente” em que a mesma se viu “forçada” a depor com a liberdade de vontade tolhida, com a liberdade de decisão confundida;
4. A decisão padece também de error in judicando: analisados os numerados 14 pontos da matéria de facto dada como provada não se descortina de nenhum deles que resulte como provado qualquer comportamento, qualquer ação tipificada no tipo de ilícito e que seja imputada à responsabilidade das arguidas;
5. O ponto 1- apenas dá como provado ser a arguida C… sócia gerente, responsável pelo destino e trabalhos a efetuar na sociedade … em abstrato … não se lhe dá como provado que a mesma tivesse determinado qualquer trabalho concreto;
6. O ponto 2- não dá como provado quem procedia à confeção, não dá como provado que fossem as arguidas a proceder a tal confeção, não se dá como provado que fosse sob as suas orientações e as suas ordens e no seu interesse que tal confeção se fazia … procedia-se, isto é, alguém procedia, nada se dando como provado quanto a quem procedia…?
7. O ponto 3- não dá como provado qualquer das ações exigidas pelo tipo de ilícito … pode ser responsável e encarregada pela sociedade e a contrafação ser efetuada à sua revelia … pelo pai, pelo marido, por um amigo … situações perfeitamente verosímeis segundo as regras da experiência comum;
8. O ponto 4- dá como provado que as marcas tituladas foram apostas … não se dia, novamente, por quem…
9. O ponto 5- dá como provados que os produtos eram destinados à venda ao público … mas não concretiza que produtos … costas, frentes, escapulários, etiquetas de cartão destinavam-se a ser vendidas ao público? … inverosímil.
10. O ponto 7- dá como provado o dolo, a intenção, a vontade … mas … se não se dá como provado que utilizaram, se não se dá como provado que usaram, se não resulta como provado que imitaram … como é possível dar como provada a intenção disso, o querer? … o mero pensamento, a mera intenção não é punível;
11. O ponto 8- dá como provado que atuaram … mas nos anteriores pontos não é dado como provado, não é descrito como atuaram, quem atuou, o que fizeram …
12. A decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum padece do vício de erro notório na apreciação da prova: por exemplo, e quanto à prova documental relativa à certidão da sociedade arguida de onde resulta que C… era, à data, sócia e também única gerente inscrita no registo comercial da sociedade arguida, extrair daí o facto provado sob 1 é fazer apreciação da prova meramente conclusiva e erradamente e de modo notório: as regras da experiência comum demonstram que o facto de se ser gerente, no papel, no registo, não significa, automaticamente, que se determine o destino duma empresa, não significa automaticamente, que se ordene, de facto, quais os trabalhos a efetuar: é das regras da experiência comum que a possibilidade de ser outra pessoa a dirigir, orientar, determinar os destinos duma sociedade é verosímil e muito comum no seu acontecer … quem sabe, no caso concreto, quem mandaria na sociedade não seria o marido e pai das arguidas singulares? … o mesmo até estava nas instalações … e no escritório da sociedade …
13. Mais resulta do texto da decisão recorrida por si só e também conjugada com as regras da experiência comum uma notória errada apreciação da prova testemunhal: E…: para além do que a mesma declarou sem validade, por ser depoimento indireto e por constituírem convicções pessoais inadmissíveis, o mesmo demonstrou não saber quem os autores dos factos: no que foi acompanhado pelas testemunhas restantes;
14. Mesmo admitindo a gerência das arguidas singulares sobre a sociedade, necessário seria apurar se as mesmas deram ordens para os concretos factos abstratamente imputados: foram as arguidas quem nas circunstâncias de tempo e local da fiscalização, em representação da sociedade, ordenaram se procedesse a contrafacção, imitação e uso ilegal de marca? Tal não foi dado como provado e mesmo o que o foi, ocorreu de forma notoriamente errónea e em divergência com as provas efetivamente produzidas;
15. Por erro de interpretação e aplicação, violou, assim, em nosso entender, o Tribunal a quo o disposto nos artºs. 348º nºs 1 e 2, 127º, 129º nº 1, 138º nºs 2 e 3, 130º nº 2, 134º nº 1 al. a) e nº 2, 126º nºs 1, 2 al. a), 360º nº 3 e 410º nºs. 1, 2 als a) e c), todos do Cód. Proc. Penal; artºs. 11º, 12º e 26º do Cód. Penal e artºs. 320º e 323º al. a) do Cód. Propriedade Industrial.
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Na 1ª instância o Mº Público respondeu às motivações de recurso, concluindo pela respetiva improcedência.
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Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da remessa dos autos à 1ª instância para reabertura da audiência a fim de ser cumprida a formalidade prevista no artº 134º al. a) do C.P.P., assim se sanando a nulidade cometida, e ser proferida nova sentença.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: [transcrição]
1- A arguida C… é sócia e gerente da sociedade arguida, a D…, Lda pelo que o destino desta dela depende, nomeadamente quais os trabalhos a efetuar.
2- No dia 15 de julho de 2013, pelas 15:30 horas, no interior das instalações da sociedade arguida D…, Lda, sita na Travessa …, n.º .., … neste município de Santo Tirso procedia-se à confeção de produtos contrafeitos, nomeadamente de camisas.
Nas referidas circunstâncias de tempo e local foram encontrados:
- Cento e cinquenta e três (153) camisas para homem, contendo a designação “H…”;
- Trezentos e trinta e dois (332) camisas para homem contendo a designação “I…”;
- Cento e cinquenta e cinco (155) costas para a confeção de camisas “H…”
- Oitenta (80) frentes para a confeção de camisas para homem ostentando a marca “H…”
- Treze (13) escapulários para a confeção de camisas contendo a designação “H…;”
- Vinte e três (23) camisas em fase de confeção ostentando a marca “H…”.
- Quatrocentas (400) etiquetas de tecido, ostentando a marca “I…”;
- Quatrocentos e cinquenta (450) etiquetas de cartão, com sinais da marca “J…”;
3- No dia e hora referidos encontrava-se como responsável pela sociedade, como encarregada, a arguida B….
4- Todas estas marcas encontram-se devidamente registadas no Instituto de Propriedade Industrial (INPI), mais concretamente a “I…” encontra-se registada a favor da “I1…”, a marca “J…” está registada a favor da “J1…” e a “H…” registada a favor da “H1…”, entidades que jamais consentiram que as marcas de que são titulares fossem apostas nos produtos acima descritos.
5- Tais produtos eram destinados a serem vendidos ao público em geral, por vários preços, no âmbito da atividade comercial de terceiro, a quem a D… prestava serviços de confeção.
Produtos que não são originalmente produzidos e comercializados ou de uso autorizado pelo respetivo titular da marca registada em referência, antes constituindo uma imitação da marca figurativa em causa.
6- As arguidas C… e B… quiseram utilizar, ao confecionar para posterior venda, os descritos artigos de vestuário, bem como usar as etiquetas na sua confeção, bem sabendo que os mesmos ostentavam as referidas marcas mas que não eram produtos originais daquelas marcas.
7- Atuaram consciente e voluntariamente, em nome e no interesse da sociedade arguida, bem sabendo proibidas as suas condutas e tinham a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa avaliação.
8- C… concluiu a 4ª classe, tendo a partir dessa altura deixado o sistema de ensino. Sempre trabalhou em confeções. Reside com o marido e filha mais nova. Aufere atualmente com o seu marido cerca de 800/1000 €. É bem considerada socialmente.
9- B... é a mais velha de dois irmãos. Concluiu o 9º ano de escolaridade. É casada e reside em habitação contígua à dos progenitores, tratando-se de habitação arrendada a familiar. Começou a trabalhar com 15 anos, na confeção. Desde Setembro de 2014, trabalha por conta própria na confeção de vestuário “K…”, tendo 43 funcionárias. O marido trabalha na mesma empresa, gerida pela arguida. O agregado familiar aufere cerca de 1.000,00 € mensais. A arguida é bem considerada socialmente.
10- Por sentença de 20.10.2011, a arguida B… foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, em pena de multa, assim como a sociedade L…, conforme teor da respetiva certidão.
11- A arguida B… foi condenada por sentença de 7.2.2013 pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, em pena de multa, assim como a sociedade M…, Lda, conforme teor da respetiva certidão.
12- A arguida C… foi condenada por sentença de 27.2.2014 pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, em pena de multa, assim como a sociedade D…, Lda relativamente ao 3º e 4º trimestre de IVA relativo ao ano de 2011, conforme teor da respetiva certidão.
13- A arguida C… foi condenada por sentença de 4.6.2014 pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, em pena de multa, assim como a sociedade C…, Lda relativamente ao 3º e 4º trimestre de IVA relativo ao ano de 2012, conforme teor da respetiva certidão.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: [transcrição]
A decisão do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência comum.
As arguidas usaram do direito ao silêncio que a lei lhes confere de não prestarem declarações. Porém, E…, inspetor da ASAE que efetuou a ação de fiscalização que deu origem aos presentes autos descreveu o local onde a mesma ocorreu, esclarecendo em que circunstâncias encontrou o material apreendido nos autos, a cuja contagem e descrição procedeu - cfr. auto de notícia e de apreensão de fls.2 a 21. Contrariando, de forma segura e eficaz, o silêncio das arguidas, especificou claramente que ali estavam pessoas a laborar durante o processo de produção de camisas, cosendo respetivas costas e frentes, com as marcas acima aludidas, o que é compatível com a existência no local do que lá foi encontrado, nomeadamente de etiquetas tecidas e que se destinam a ser costuradas nas próprias peças de vestuário, antes do respetivo embalamento, bem como etiquetas de cartão que nelas são apostas quando destinadas a venda. No que respeita à falta de genuinidade das peças apreendidas e respetivas características foram ainda ponderados os exames constantes de fls.116-119, 135-138, 161. No que se refere à autoria do ilícito tomaram-se em consideração os esclarecedores depoimentos de E… e de F… que trabalhava na empresa e que espontaneamente transmitiu ao tribunal que era cunhado da “patroa”, C…. Também G…, costureira, que foi empregada da arguida C… na L…, agora trabalha para a arguida B… na M…, Lda e que trabalhou na D… ao serviço e ordens de C…, referindo que nunca teve atrasos no pagamento de salários, mas que, entretanto, a empresa fechou, mudou de nome e passou para a B…. Não se nos suscitaram, portanto, quaisquer dúvidas sobre a questão da gerência de facto, que de direito já o era, da arguida C…, sendo que a arguida B… comandava igualmente, a par com a sua mãe, a vida empresarial da sociedade arguida.
O tribunal ponderou ainda a certidão permanente da sociedade arguida inserta a fls.164 e ss. de onde resulta que C… era, à data, sócia, e também única gerente inscrita no registo comercial da sociedade arguida, sendo sua legal representante. Valoraram-se ainda as declarações de remunerações efetuadas pela própria sociedade à segurança social, de onde emerge que C… ali exerceu funções de membro de órgão estatutário e, por isso, auferiu retribuição na altura em que os factos ocorreram, nunca tendo declarado estar afastada, por qualquer motivo, da empresa – cfr. fls.217 e262.
Foram ainda ponderados os certificados de registo criminais constantes dos autos.
A matéria não provada resultou da ausência/insuficiência da prova a seu respeito produzida.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelas recorrentes da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Das conclusões de recurso é possível extrair a ilação de que as recorrentes delimitam o respetivo objeto às seguintes questões:
- nulidade da prova produzida por assentar em depoimento indireto inadmissível;
- nulidade da prova produzida por utilização de método proibido de prova;
- nulidade da prova obtida mediante coação e/ou ofensa da integridade moral da testemunha;
- omissão de imputação às arguidas de qualquer ação tipificada no tipo de ilícito.
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Da nulidade da prova por assentar em depoimento indireto:
Alegam as recorrentes que o depoimento do Sr. Inspetor E… não pode ser levado à fundamentação dos factos provados por resultar, em grande parte, do que ouviu dizer à arguida B… e ao pai da mesma, sendo certo que a primeira exerceu o seu direito ao silêncio e o pai não foi chamado a depor.
Antes de mais importa referir que, em momento algum da fundamentação de facto da sentença recorrida, se descortina ter o tribunal recorrido alicerçado a sua convição na parte do depoimento da testemunha E…, em que este reproduz o que ouviu dizer à arguida B… ou ao pai desta arguida. Independentemente das referências que a testemunha possa ter feito no decurso do respetivo depoimento em audiência sobre o que ouviu dizer à arguida B… ou ao seu pai, o certo é que o seu depoimento foi muito mais abrangente, como se pode ler a fls. 5 da sentença recorrida.
O que o tribunal considerou relevante no depoimento daquela testemunha resultou do facto de o mesmo, como inspetor da ASAE, “ter efetuado a ação de fiscalização que deu origem aos presentes autos, descreveu o local onde a mesma ocorreu, esclarecendo em que circunstâncias encontrou o material apreendido nos autos, a cuja contagem e descrição procedeu – cfr. auto de notícia e de apreensão de fls. 2 a 21. Contrariando de forma segura e eficaz, o silêncio das arguidas, especificou claramente que aliestavam pessoas a laborar durante o processo de produção de camisas, cosendo respetivas costas e frentes, com as marcas acima aludidas, o que é compatível com a existência no local do que lá foi encontrado, nomeadamente de etiquetas tecidase que se destinam a ser costuradas nas próprias peças de vestuário, antes do respetivo embalamento, bem como etiquetas de cartão que nelas são apostas quando destinadas a venda”.
Na motivação da decisão de facto nenhuma referência é feita ao que a testemunha E… ouviu dizer à arguida B… ou ao seu pai. Pelo que, o que a testemunha tiver dito a esse respeito, não serviu para formar a convicção do tribunal, não assumindo por isso o relevo que as recorrentes lhe atribuem.
De qualquer modo sempre se dirá que não assiste razão às recorrentes quanto à proibição de reprodução pela testemunha do que ouviu à B… quanto ao facto de ter ela própria comprado o tecido e as etiquetas, ou seja, de ter assumido a autoria dos factos.
A respeito do depoimento de órgão de polícia criminal sobre o que “ouviu dizer ao arguido”, o mesmo pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta, ou seja, as denominadas conversas “informais” mantidas com o arguido reconduzem-se a três campos distintos: a) em primeiro lugar situam-se aqueles casos que dizem respeito a afirmações percecionadas pelo órgão de policia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exatas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações (porventura, sem saber do crime cometido ou em preparação e sem suspeita prévia do seu “interlocutor”); b) em segundo lugar surgem as afirmações proferidas por ocasião ou por causa de atos processuais de recolha de declarações (maxime, a saída, no decurso ou antes do interrogatório); c.) por último surgem aqueles casos, de índole intermedia, relativos a conversas (indicações de localização de produto do crime ou de outros suspeitos, explicações do facto, etc.) tidas com os membros de um órgão de polícia criminal no decurso de certos atos processuais de ordem material ou de investigação “no terreno” (buscas, vigilâncias, socorro as vítimas, etc.), bem como em ações de prevenção e manutenção da ordem pública e são aqueles confrontados com a ocorrência de um crime, em flagrante ou não.
Quanto ao primeiro leque de situações, não se vislumbra qualquer razão para não se considerar como válidos os argumentos expendidos a propósito da generalidade dos testemunhos indiretos em que se conclui pela inaplicabilidade da norma do art. 129º quando a “pessoa-fonte” seja o arguido, valorando-se o depoimento “indireto” do órgão de polícia criminal, despojado dessa qualidade, como de qualquer testemunha.
Tal convicção é, aliás, reforçada em relação a declarações e conduta percecionadas ao arguido numa fase prévia a sua constituição como tal. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2007 «pressuposto do direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia. … Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. … O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP.»
Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do ato e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59º nº1 do Código de Proc. Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55º nº 2 e 249º nºs 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma.
A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que a partir daí as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente. Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a “confissão” informal, ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os atos a realizar no inquérito.
Assim, a proibição do artº 129º do Código de Porc. Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providencias cautelares a que se refere o artº. 249º do CPP. Na verdade, nestas providências a autoridade policial procede a diligências investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infração de que teve noticia. Sobre a mesma incumbe o dever de, nos termos do artº. 249º do CPP, praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infração, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receber ordem da autoridade judiciária para investigar (artº. 249º nº 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito.
Segundo Adérito Teixeira[3], contrariamente à presunção de inocência que tem uma dimensão endoprocessual e outra extra-processual, o direito ao silêncio (e seus efeitos) vale apenas no âmbito do processo. Fora deste e dos seus atos, o silêncio ou a declaração não tem aquela tutela, pois que rege a liberdade de expressão e inerente responsabilidade do que se afirma, ou deixa de afirmar, para todas as pessoas, quer estejam quer não estejam constituídas arguidas.
Adianta o mesmo Autor que, de outro modo, a prática de um crime transformar-se-ia num ato constitutivo de direitos (de liberdade de expressão) em escala a que os demais cidadãos só poderiam aspirar colocando-se em situação idêntica; e, no plano da investigação criminal, quaisquer afirmações – do tipo “matei” e “vou queimar o corpo”, ou “roubei”, ou “vendi droga”, etc. – deveriam ser tomadas como declarações não sérias, porquanto, no limite, não poderiam inserir-se processualmente como princípio de prova que conduz a outras provas e se transmitem umas e outras às fases posteriores do processo (à luz de princípios da conservação da prova ou de força consuntiva de decisões da autoridade judiciária).
Nesta perspetiva não se vislumbra qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incide sobre aspetos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estarem registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram (v.g. escuta telefónica de declarações de arguido, transcritas, cuja leitura do auto é permitida, não obstante no original da declaração estar a oralidade), bem como quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova (e que contextualizam ou explicitam uma infinitude de pormenores, aparentemente, de ínfima relevância).
Conclui-se, assim, que o relato de agentes dos órgãos de policia criminal (e a ASAE é um órgão de polícia criminal) sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido - tal como de factos, gestos, silêncios, reações, etc. - de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligências, atos de investigação e meios de obtenção de prova (atos de investigação proativa, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, etc.) que tenham autonomia técnico-juridica, constituem depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artigos 129º e 357º do Código.
Neste sentido, entende-se que no caso vertente, o depoimento prestado pela testemunha pertencente ao órgão de polícia criminal e relativo às informações prestadas por B… aquando da deslocação da ASAE às instalações da empresa sobre a sua qualidade de encarregada (“estar à frente da empresa”) e ter sido ela quem comprou o tecido e as etiquetas para confecionar as camisas (o que ficou a constar do auto de notícia elaborado a fls. 2 e 2vº), pode, e deve, ser valorado e constitui um meio de prova válido e relevante.
Como se refere no Ac. deste Tribunal do Porto de 17.06.2015[4] “não é proibida a valoração do depoimento prestado pelos órgãos de polícia criminal no que se refere a declarações que colheram de um cidadão que ainda não é arguido (nem suspeito) e o vem a ser depois dessas declarações, através das quais obtiveram notícia da sua participação na prática de um crime. A lei ao proibir a inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações que tiverem recebido e cuja leitura não for permitida, cinge-se às declarações prestadas no âmbito do processo ou que o deveriam ter sido (conversas informais). Tal não ocorre se os agentes policiais, no âmbito de uma atividade de prevenção se limitaram a recolher informação, que lhes foi livremente prestada. A proibição que decorre do artº 356º nº 7 do CPP, pressupõe a existência de um inquérito a decorrer”.
E não se diga que o exercício pelo arguido do direito ao silêncio, legalmente reconhecido, obsta à valoração de depoimentos de testemunhas, designadamente órgãos de polícia criminal, que reproduzem o que ouviram dizer aos arguidos.
Como decidiu o STJ em Ac. de 27.06.2012[5] “O n.º 1 do art. 129.º do CPP (conjugado com o n.º 1 do art. 128.º) deve ser interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio. O direito ao silêncio do arguido circunscreve-se a uma dimensão positiva que lhe confere a faculdade de se manter em silêncio ao longo de todo o processo e, em especial, na audiência de julgamento (arts. 61.º, n.º 1, al. d) e 343.º, n.º 1, in fine), sem que tal comportamento possa ser interpretado em seu desfavor. Colide com o princípio da legalidade da prova (art. 125.º do CPP) a atribuição ao direito ao silêncio do efeito negativo de obstaculizar qualquer depoimento sobre o que o mesmo referiu anteriormente. A proibição do art. 129.º do CPP visa os testemunhos que pretendam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, v.g. as providências cautelares a que alude o art. 249.º do CPP. O relato de órgãos de polícia criminal sobre afirmações ou contribuições do arguido (v.g. factos, gestos, silêncios, reações) de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova (v.g. interrogatórios, acareações) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito de atos de investigação e meios de obtenção de prova (v.g. buscas, revistas, exames ao local do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas) que tenham autonomia técnico-jurídica, constituem depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias à tutela dos arts. 129.º e 357.º do CPP.”
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
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Da nulidade da prova produzida por utilização de método proibido de prova:
Alegam as recorrentes que a testemunha F… informou o tribunal ser cunhado da arguida C… e, não obstante, prestou o seu depoimento sem que tivesse sido previamente advertido da possibilidade de se recusar a depor, como o impõe o artº 134º nº 1 al. a) e nº 2 do C.P.P. Sustentam que tal constitui utilização de meio enganoso, que constitui um método proibido de prova, não podendo tal depoimento ser utilizado.
Dispõe o artº 134º do C.P.P.: “1. Podem recusar-se a depor como testemunhas a) os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2º grau, os adotantes, os adotados e o cônjuge do arguido; b) .... 2. A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento.”
Como escreve M. Costa Andrade[6], trata-se de “poupar as pessoas concretamente envolvidas às situações dilemáticas de conflito de consciência de ter de escolher entre mentir ou ter de contribuir para a condenação de familiares”.
Entendeu aqui a lei que o interesse público da descoberta da verdade no processo penal deveria ceder face ao interesse da testemunha em não ser constrangida a prestar declarações. Mas, além de pretender poupar a testemunha ao conflito de consciência que resultaria de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um arguido com quem tem parentesco ou afinidade próximos, o legislador quer proteger as “relações de confiança, essenciais à instituição familiar”.
Assim, citando mais uma vez o Prof. Costa Andrade[7] “o direito de recusa não é apenas outorgado por causa do conflito de consciência da própria testemunha, mas também para proteção da família do acusado. Nesta medida, a esfera jurídica do acusado é diretamente atingida quando, por falta do esclarecimento legalmente exigido, uma testemunha sem formação jurídica não pode decidir livremente sobre se deve ou não fazer uso do seu direito ao silêncio”.
E assim se deixa na testemunha a possibilidade de prestar ou não as suas declarações, sendo certo que a opção por prestar declarações (ou não) se deve basear numa escolha livre e informada, assim se impondo a necessidade de advertir da possibilidade de recusa da prestação do depoimento (nos termos do art. 134.º, n.º 2, do CPP), sempre que se verifique uma das situações consagradas no art. 134.º, n.º 1, do CPP.
E, como se disse, a falta de advertência torna o depoimento nulo, por força do mesmo dispositivo (nº 2).
A questão que se coloca no recurso é assim a de saber qual o alcance da referida nulidade.
Para Paulo Pinto de Albuquerque[8] “a omissão da advertência nos termos deste artigo integra o artº 126º nº 3 do CPP, na medida em que esta proibição de prova resulta da intromissão na vida privada”.
Em sentido diferente se pronunciam Maia Gonçalves[9] e Simas Santos e Leal Henriques[10] para quem a nulidade decorrente da falta de advertência exigida por este normativo, constitui uma nulidade sanável que deve ser arguida até à conclusão do depoimento, de acordo com o estatuído no artº 120º nº 3 al. a) do C.P.P.
Partilhamos deste entendimento, na medida em que, sendo certo que inexiste uma observância de formalidade legal, da mesma não resulta – ou não resulta necessariamente – qualquer violação da vida privada. Por outro lado, não figurando entre as nulidades insanáveis a que alude o artº 119º, ela só pode integrar uma nulidade dependente de arguição
No caso em apreço, as arguidas estavam presentes na audiência de julgamento, assistidas pelo respetivo defensor, e não arguiram qualquer nulidade perante a entidade que a cometeu, até ao encerramento daquele ato – artº 120º nº 3 al. a) do C.P.P. Conclui-se assim não ser possível afirmar que a decisão de condenação assenta sobre uma prova proibida, dado que a referida nulidade se encontra sanada.
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Da nulidade da prova obtida mediante coação e/ou ofensa da integridade moral da testemunha:
Alegam as recorrentes que a inquirição da testemunha G… se apresenta, desde a sua escolha, até ao modo como foi inquirida, como prova obtida mediante coação, ofensa da sua integridade moral e com perturbação da sua liberdade de vontade e de decisão, sendo por isso nula e não podendo ser utilizada.
Para alicerçar a sua argumentação, as recorrentes aludem à forma como a referida testemunha, antes de prestar juramento, foi advertida das consequências penais caso faltasse à verdade, tendo inclusivamente prestado juramento por duas vezes e sendo inquirida quanto aos seus antecedentes criminais.
O artº 126º nº 1 do C.P.P. dispõe que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas”, referindo o nº 2 do mesmo preceito qual o tipo de ofensa da integridade física ou moral que determina a nulidade das provas.
Ora, nenhuma das circunstâncias invocadas pelas recorrentes se integra em qualquer das alíneas do nº 2 do preceito e, por outro lado, os factos alegados não constituem tortura ou coação.
Por outro lado, em conformidade com o disposto no artº 91º nº 3 do C.P.P., a autoridade judiciária competente deve advertir a pessoa que vai prestar depoimento das sanções em que incorre se se recusar a depor ou se faltar à verdade.
É certo que a forma como se faz tal advertência poderá, de alguma forma, intimidar a pessoa a quem se dirige. Contudo, não nos parece possível configurar uma mera advertência, ainda que se use de forte persuasão, como meio de coação.
Por outro lado, estranha-se que estando presentes na audiência o Ministério Publico e o ilustre advogado das recorrentes, nada tenha sido requerido, nenhum protesto tenha sido lavrado, limitando-se todos à assistir serenamente a tamanho “abuso de autoridade”.
Se alguma nulidade ocorreu, a mesma só é suscetível de integrar uma nulidade dependente de arguição que, por não ter sido tempestivamente arguida, se tem de considerar sanada – artº 120º nº 3 al. a) do C.P.P.
Improcede, por isso, mais este fundamento do recurso.
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Da omissão de imputação às arguidas de qualquer ação tipificada no tipo de ilícito:
Alegam as recorrentes que da matéria de facto provada não resulta qualquer ação tipificada no tipo de ilícito e que seja imputada à responsabilidade das arguidas. Dá-se como provado que a arguida C… era sócia gerente da arguida D…, sendo responsável pelo destino e trabalhos a efetuar, e dá-se como provado que a arguida B… se encontrava como responsável pela sociedade, como encarregada, mas não se dá como provado que qualquer delas tivesse determinado qualquer trabalho concreto ou tivesse procedido à confecção.
Por outro lado, no ponto 7 da matéria de facto dá-se como provada a “intenção”, mas não se dá como provado que “usaram”, sendo que a mera intenção não é punível.
Finalmente, no ponto 8 dá-se como provado que “atuaram”, mas na restante matéria de facto não é descrito como atuaram.
Vejamos:
As arguidas/recorrentes foram condenadas (e assim se mostravam acusadas) pela prática de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca p. e p. no artº 323º al. a) do Cód. Propriedade Industrial.
Ora, para que se mostre preenchido este tipo de ilícito mostra-se necessário que o agente, sem consentimento do titular do direito de uso de determinada marca registada, pratique uma das modalidades de comportamento que se encontram tipificadas nas diversas alíneas do artigo em análise e que são, no que ao caso importa, “contrafazer, total ou parcialmente, ou reproduzir por qualquer meio uma marca registada”. A ação típica consiste, assim, na execução material da marca contrafeita ou imitada, abrangendo todos os agentes que fraudulentamente a executaram ou mandaram executar ou reproduzir.
Ora, a acusação pública deduzida a fls. 316 e ss. e, na sequência dela, a sentença recorrida, não contêm, efetivamente, a imputação a qualquer das arguidas dos atos materiais em que se traduz a prática do tipo de crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca p. e p. no artº 323º al. a) do C.P.I.
É imposição do princípio da legalidade em matéria criminal que apenas sejam sancionados os concretos comportamentos (ações ou omissões) plasmados na norma legal, os quais têm de se inserir claramente no núcleo de significados possíveis derivados da letra da lei e não quaisquer outros, sob pena de se entrar no domínio proibido da analogia. Quer na acusação, quer na sentença recorrida não se mostram imputados incisivamente às arguidas atos de execução material de confecção de camisas com utilização de etiquetas contrafeitas, nem que as mesmas tenham determinado a respetiva execução por outrem, designadamente, as trabalhadoras da empresa arguida D…, tendo presente a ampliação típica da “autoria material singular” sobre “autoria” do artº 26º do Cód. Penal, segundo o qual é punível como autor não só quem executar o facto por si mesmo (autoria material), quem tomar parte direta na sua execução, juntamente com outro ou outros (co-autoria material), mas também quem executar o facto por intermédio de outrem (autoria mediata) ou quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto (instigação).
Não contendo a acusação factos suficientes para a condenação das arguidas, na medida em que não lhes imputa a prática de quaisquer atos materiais (de execução ou de determinação), não pode o tribunal, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal, alargar a investigação a outros factos que permitam a condenação.
Como se refere no Ac. R. Guimarães de 31.03.2014[11] “a acusação fixa o objeto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a atividade investigatória e cognitória do tribunal. Trata-se de uma decorrência do princípio do acusatório que, nos termos do art. 32º nº 5 da Constituição, estrutura o processo penal. Deverá conter a «narração» de todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança – art. 283 nº 3 al. b) do CPP. Por outro lado, a «narração» dos factos feita na acusação não deve deixar margem para dúvidas sobre os factos ou incidências processuais a que se refere. Isso impede o uso de meras fórmulas genéricas e tabelioas que, de tão abrangentes, nada concretizam. Ora, como se disse, do texto da acusação não resulta explícito, nem inevitavelmente implícito, que as arguidas confecionaram as camisas apondo nelas as etiquetas contrafeitas ou que deram ordens às suas trabalhadoras que procedessem à respetiva confecção, seguindo as suas orientações. Num processo muito mediático, o Tribunal Constitucional considerou que “é imperativo que a acusação e a pronúncia contenham a descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas”. Considerou também que as “exigências de clareza e narração sintética dos factos imputados ao arguido” não são compatíveis com “uma mera «simplificação» da acusação…” e que não é possível uma condenação assente em “factos apenas indireta e implicitamente referidos”. Outro entendimento violaria os princípios do acusatório e do contraditório – ponto nº 67 da fundamentação do ac. 674/99 do TC de 15-12-99, disponível no sítio da internet daquele tribunal. Finalmente, os arguidos defendem-se duma acusação e não do “processo”. Não deve ser confundida a exigência de alegação de todos os factos essenciais à condenação com a provados mesmos. A circunstância de determinado facto resultar da prova arrolada na acusação, não dispensa a sua alegação. Foi esse, também, o entendimento do Tribunal Constitucional no acórdão já acima citado, o qual, embora tratando de questão não totalmente coincidente com a destes autos, decidiu “julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, quando interpretados no sentido de se não entender como alteração dos factos – substancial ou não substancial - a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados, por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República – ac. 674/99 do TC de 15-12-99, disponível no sítio da internet daquele tribunal”.
A apontada insuficiência na acusação da narração de factos, não pode ser colmatada ou substituída pela imputação genérica dos factos relativos aos elementos subjetivos do crime. A prova de que as arguidos “quiseram utilizar os referidos artigos de vestuário, bem como usar as etiquetas na sua confecção, bem sabendo qe os mesmos ostentavam as referidas marcas, mas que não eram produtos originais daquelas marcas”, pressupõe, naturalmente, a prova prévia dos factos que preenchem os elementos objetivos do crime.
Ora, a verdade é que não foi feita a prova dos elementos objetivos do crime, pela simples razão de que os mesmos nem sequer constavam da acusação.
Conclui-se, assim que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito proferida. Contudo, não se trata de vício da sentença a que alude o artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P., uma vez que os factos supra referidos nem sequer constavam da acusação.
Por força do princípio do acusatório e da vinculação temática, com consagração constitucional (artº 35º nº 2 da CRP), o tribunal só pode investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos pela acusação. É esta que define e fixa, perante o Tribunal o objeto do processo. É ela que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e é nela que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objeto do processo penal.
Não constando da acusação todos os elementos objetivos do tipo, e não se tratando, como se disse, de vício da sentença suprível nos termos do artº 426º do C.P.P., impõe-se a absolvição das arguidas.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, absolvendo as arguidas/recorrentes D…, Lda., C… e B… do crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca p. e p. no artº 323º al. a) do Cód. Propriedade Industrial que lhes era imputado.
Sem tributação.
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Porto, 09 de Novembro de 2016
(Elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários)
Eduarda Lobo
Castela Rio
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] In Depoimento Indireto e arguido, Revista do CEJ, 2005, pág. 135 e ss.
[4] Proferido pelo Des. Artur Oliveira no Proc. nº 543/12.3PDPRT.P1 e disponível em www.dgsi.pt.
[5] Proferido pelo Cons. Santos Cabral, no Proc. nº 127/10.0JABRG.G2.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[6] In “Bruscamente no verão passado”, a Reforma do Código de Processo Penal - Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137º, nº 3950, pág. 280.
[7] In “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, págs. 75 a 78.
[8] Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., Universidade Católica, 2011, pág. 362.
[9] In Código de Processo Penal Anotado, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 341.
[10] In Código de Processo Penal Anotado, I Vol., 3ª ed., 2008, pág. 957.
[11] Proferido pelo Des. Fernando Monterroso, no Proc. nº 250/12.7IDBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt