RECUSA DE JUÍZ
IMPARCIALIDADE
DATA PARA JULGAMENTO
FALTA DE ACORDO
INDEFERIMENTO
Sumário

I - O regime do art.º 155.º do CPC, aplicável ao processo penal por força do disposto no n.º 4 do art.º 312.º do CPP, consagra um princípio de cooperação, que abrange as relações dos sujeitos processuais, em todas as suas direcções possíveis.
II - Este princípio de cooperação, para além de óbvias implicações de natureza ético-deontológica, visa a aplicação de uma justiça expedita e eficaz, ou seja, não lhe são estranhos fins de natureza prática directamente relacionados com a celeridade processual. Aliás, outros institutos do Código vão no mesmo sentido, dos quais o mais evidente é o da “aceleração processual”.
III - A alteração de datas, após marcação, referida nos n.os 2 e 3 do art.º 155.º, em causa, não prescinde de um princípio de acordo entre os sujeitos processuais envolvidos ­– não contando o tribunal –, pelo menos quanto às datas comuns livres em agenda, como resulta da expressão «após contacto com os restantes mandatários interessados», inserta no n.º 2, respectivo. Se assim não fosse, colocar-se-ia o tribunal na iminência de marcar às cegas quanto aos interessados não requerentes, ficando sempre sujeito a que lhe fossem levantados sucessivos impedimentos de agenda.
IV - O acordo a que se refere o art.º 155.º não é uma condição necessária do prosseguimento dos autos, cabendo sempre ao tribunal a gestão da sua correcta tramitação, como se depreende da expressão «poderá alterar a data inicial­mente fixada», que aponta para ser deixado ao poder discricionário do tribunal proceder ou não à alteração.
V - Ora, o tribunal está, antes de mais, vinculado ao dever de fazer justiça pela aplicação do direito, sendo condição indispensável deste desiderato público que ele conduza o processo até ao seu termo natural, que é a prolação de uma decisão final de mérito em tempo útil.
VI – É manifestamente infundado o pedido de recusa de juiz em que é invocado estar comprometida a imparcialidade deste, baseado no facto de terem sido indeferidos vários requerimentos do recusante, nos quais pedia a alteração das datas designadas para julgamento para cerca de dois meses depois, com o argumento de que lhe não era possível comparecer nas datas designadas.
VII – A realização da audiência de julgamento na data designada, apesar de o mandatário do arguido não ter comparecido, sendo-lhe nomeado defensor, não atenta contra o direito que assiste ao arguido de escolher advogado..

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 3.ª  Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I.
1. S... veio deduzir o incidente de recusa de intervenção da Ex.ma Sr.ª “Juíza titular da 3.ª secção do 2.º Juízo Criminal de Lisboa”, no processo comum n.º 1550/01.7SILSB, … de que é arguido, com fundamentos em terem sido proferidas, consecutivamente, decisões de "protecção" da posição processual do assistente, em detrimento e grave prejuízo da defesa do arguido; assim:
1.1.– Por carta registada remetida no dia 31 de Outubro de 2006, o mandatário do arguido foi notificado da designação da data de 19 de Janeiro de 2007; para a realização do julgamento no processo  referido;
– No dia 13 de Novembro de 2006 o mandatário do arguido apresentou requerimento, a informar estar impossibilitado de comparecer na data designada e que, contactado, o mandatário do assistente discordava da alteração da data designada, por ter disponibilidade nessa data, e se tinha recusado a propor datas alternativas; e a requerer a marcação de novas datas compatíveis com todos os sujeitos processuais;
1.2.– Este requerimento foi indeferido com dois fundamentos:
– Que o requerimento tinha sido apresentado 10 dias depois da notificação feita para o efeito; Que, deferindo-o, o tribunal se arriscava a designar datas incompatíveis com a agenda do mandatário do assistente, suscitando novo incidente; e que [o requerido] contendia com a pretensão punitiva do Estado e que o signatário poderia substabelecer num colega da sua confiança.
1.3. Inconformado com esta decisão, o signatário viria a apresentar, no dia 8 de Janeiro de 2007 – a 11 dias da data designada –, novo requerimento, com vista à modificação da data designada para a realização do julgamento, acompanhado de cópia de douto despacho proferido no processo n.º 577/95.0JGLSB, da 3.ª Secção da 3ª Vara Criminal de Lisboa, justificando a sua impossibilidade de comparência na sexta-feira, 19 de Janeiro;
1.4. Apesar de a decisão de tal requerimento se enquadrar no elenco das decisões previstas na alínea b) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal (CPP), a Sr.ª Juíza notificou o Sr. Mandatário do assistente para se pronunciar, o qual manifestou oposição.
1.5. A Sr.ª Juíza, pese embora todo o circunstancialismo descrito pelo signatário, indeferiu, novamente, a designação de outras datas compatíveis com todos os sujeitos processuais; Além de indeferir o referido requerimento, "escudou-se" no trânsito em julgado do despacho que designou data para julgamento. E acrescentou, que "a falta do I. Mandatário do arguido não constitui causa de adiamento da audiência de julgamento, como resulta inequivocamente do disposto no art.º 330.º do Cód. de Processo Penal, devendo o juiz presidente, sob pena de nulidade insanável, proceder à sua substituição por outro advogado ou advogado estagiário (…)”
Com isto, a Sr.ª Juíza transformou o trabalho do mandatário do arguido em algo absolutamente dispensável e relega para plano secundário o direito do arguido, legal e constitucionalmente consagrado, de escolher advogado e ser por ele assistido em todos os actos processuais, com manifesto desprezo pelo exercício dos direitos constitucionais garantidos ao arguido;
1.6. Perante a «intransigente posição da Sr.ª Juíza» o arguido apresentou novo requerimento, no qual para além de reiterar o impedimento, suscitou questão respeitante ao cumprimento de prazos em curso;
Apesar da apresentação do referido requerimento, a Sr.ª Juíza procedeu à abertura da audiência e à nomeação de defensora oficiosa ao arguido e só não deu início ao julgamento devido ao facto de ainda se encontrar em curso prazo que o Tribunal havia concedido para que o arguido, relativamente a testemunhas por si arroladas e residentes em Angola, indicasse "em cinco dias, a que factos pretendia o respectivo depoimento e em que medida eram os mesmos essenciais para a defesa".
1.7. Confrontado com o novo agendamento e considerando que se verificava a sobreposição de diligências judiciais, para duas das três sessões designadas, o signatário apresentou novo requerimento, ao abrigo do mencionado art.º 312.º, n.º 4, do CPP, requerendo a designação de outras datas, tendo proposto, desde logo, datas alternativas (aliás, propôs quatro datas alternativas para os dois dias de impedimento).
Requerimento este que viria a ser indeferido, com fundamento no facto de que as datas tinham sido designadas por acordo com os intervenientes processuais presentes e impedimentos previamente informados pelo I. Mandatário do arguido; nunca tendo, porém, o mandatário do arguido sido consultado sobre a sua disponibilidade de agenda para as novas datas designadas. 
O direito concedido ao mandatário do assistente de compatibilizar a sua agenda com a marcação de datas para a realização do julgamento, em oposição com a absoluta negação desse direito ao arguido e seu mandatário, constitui flagrante tratamento privilegiado a uma das partes, incompatível com o dever de isenção que se espera e exige;
Ao dar "sem efeito" datas designadas para julgamento – o que deveria ter acontecido muito antes e pelos motivos supra aludidos –, o Tribunal teria necessariamente de actuar conforme dispõe o art.º 312.º, n.º 4, do CPP, sendo que o mero acordo de um dos mandatários – para além de constituir sensível tendência do Tribunal a favor da posição processual de uma das partes (in caso, do assistente) – não é suficiente para cumprir tal injunção legal.
1.8. É evidente que ao efectuar aquela notificação, a 4 dias da data designada para a realização do julgamento, a Sr.ª Juíza tinha de já ter decidido que iria indeferir a inquirição daquelas testemunhas, mesmo que estas sejam (com são) essenciais à defesa;
Aliás, o arguido apresentou o seu requerimento (pelo qual justificou a importância daquelas testemunhas e indicou a matéria a que as mesmas deveriam responder) no dia 30 de Janeiro de 2007 e no dia 31 de Janeiro de 2007, já estava a ser-lhe remetida notificação da decisão de indeferimento da inquirição daquelas testemunhas;
É óbvio e resulta da experiência comum dos operadores da Justiça que se a Sr.ª Juíza estava na firme e verdadeira disposição de apreciar os fundamentos do arguido justificativos da essencialidade do depoimentos daquelas testemunhas, jamais poderia "exigir" dar início ao julgamento no dia 19 de Janeiro de 2007, pois dessa forma estaria a colocar em risco a prova que viesse a produzir (pois esta poderia vir a perder a eficácia, caso a inquirição daquelas testemunhas não se mostrasse possível no período de 30 dias); seria, pois, no mínimo, pouco prudente iniciar o julgamento sem que houvesse previsão da data em que se mostrariam juntos aos autos os depoimentos daquelas testemunhas;
Tal notificação remetida ao arguido mais não se tratou, efectivamente, senão do mero cumprimento de uma formalidade, sendo certo que a decisão de indeferimento se encontrava já patentemente presente;
1.9 A tendência que vêm seguindo as decisões da Sr.ª Juíza, sempre no sentido da protecção da posição processual do assistente em detrimento da do arguido, manifestada em circunstâncias objectivas coloca em causa, fundada e seriamente, a imparcialidade daquela Sr.ª Juíza, sendo absolutamente incompaginável com os direitos de defesa conferidos ao arguido pela Lei e pela Constituição da República Portuguesa (CRP), antes constituindo frontal violação desta Lei Fundamental, nomeadamente do seu art.º 32.º, bem assim como constitui violação do art.º 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, vigentes directamente no Estado Português, nos termos do disposto no art.º 8° da CRP.
Terminou pedindo o provimento do  requerimento e que seja proferida decisão que ordene a recusa da Sr.ª Juíza da 3.ª Secção do 2° Juízo Criminal de Lisboa e, na sequência desta, sejam anulados todos os actos por esta praticados, dos quais resulta prejuízo para a justiça da decisão.
* * *
2. Não havendo diligências de prova a realizar, colhidos os vistos vieram ao autos à conferência, cumprindo decidir.
II.
            1. O extenso rol  de aceradas críticas que o recusante enumera ao longo do seu requerimento de recusa, podem condensar-se em quatro situações:
– Indeferimento do requerimento de 2006/11/13;
– Indeferimento do requerimento de 2007/01/08;
– Abertura da audiência de 2007/01/19;
– Indeferimento do requerimento supra referido em 1.1.7. –­ interposto em 2007/01/30 – e no qual o requerente requereu a alteração das datas agendadas para julgamento – 13 e 15 de Fevereiro de 2007 – pelas de 1, 7 e 8 de Março de 2007.
* * *
Vejamos:
2. O despacho de recebimento da acusação foi proferido em 2006/05/10 e, por absoluta indisponibilidade de agenda – para datas anteriores, entende-se –, foram designados os dias 19 de Janeiro e 26 de Janeiro, para a realização do julgamento. Isto é, para 8 meses e 9 dias depois, quanto à primeira data.
Desse despacho constam os seguintes parágrafos:
« Previamente ao cumprimento integral do presente despacho, notifique o(s) I. Advogado(s) constituídos(s), nos termos e para os efeitos do disposto nos art.os 312.º, n.º 4 do Código de Processo Penal e 155.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, Caso nada seja requerido, cumpra o demais ordenado.
« (…)
« Atendendo ao disposto no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 184/2000, de 10 de Agosto, mas também à previsível demora dos actos a praticar antes do julgamento, cumpra o presente despacho seis meses antes da primeira data designada.» ([1])
            Este despacho foi notificado ao arguido/ recusante em 2006/10/31 ([2]), pelo que se presume que ele foi notificado em 6, p. f., isto é, dois meses e oito dias antes da primeira data designada (mas seis meses e vinte e um dias depois da prolação do despacho notificado).
Depois disto, o recusante endereçou ao processo o requerimento de 2006/11/13, em que propôs para a realização do julgamento as datas de 2, 9 16, 23 e 30 de Março de 2007 ou, alternativamente, 16, 23, e 30 de Março e 13 e 20 de Abril, todas de 2007.
Acrescentou que, fora das sextas feiras e posteriormente a 7 de Março de 2007, o julgamento poderia ser marcado para qualquer data, informação esta que não alterou posteriormente.
Estas datas foram propostas unilateralmente, por não ter conseguido o acordo do assistente, para a alteração das datas designadas.
Assim, a primeira das datas propostas situa-se 42 (quarenta e dois dias depois da primeira data designada pelo Tribunal).
Ora, que dizem os art.os 312.º, n.º 4, do CPP e 155.º do CPC? Dizem que:
« Artigo 312.º
« (Data da audiência)
« (…)
« 4. Se no processo existir advogado constituído, o tribunal deve diligenciar pela concertação da data para audiência, de modo a evitar o conflito com a marcação de audiência, por acordo feito ao abrigo ao art.º 155.º do Código de Processo Civil (CPC).»
* * *
« Artigo 155.º ([3])
« (Marcação e adiamento de diligências)
« 1. A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.
« 2. Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço ju­dicial já marcado comunicar o facto ao tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.
« 3. O juiz, ponderadas as razões aduzidas, poderá alterar a data inicial­mente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no acto após o decurso do prazo a que alude o número anterior.
« 4. Logo que se verifique que a diligência, por motivo imprevisto, não pode realizar-se no dia e hora designados, deve o tribunal dar imediato co­nhecimento do facto aos intervenientes processuais, providenciando por que as pessoas convocadas sejam prontamente notificadas do adiamento.
« 5. Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento de diligência marcada.»

Por outro lado
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (DL 329-A/95), o legislados fez constar que:
« Consagra-se o princípio da cooperação, como princípio angular e exponencial do pro­cesso civil, de forma a propiciar que juízes e mandatários cooperem entre si, de modo a al­cançar-se, de uma feição expedita e eficaz, a justiça do caso concreto, e procurando plas­mar, mais uma vez, como adiante melhor se irá especificando, tal princípio nos regimes concretamente estatuídos (v.g., audiência preliminar, marcação de diligências, averiguação de existência de bens penhoráveis).
« Tem-se, contudo, plena consciência de que nesta sede se impõe a renovação de algu­mas mentalidades, o afastamento de alguns preconceitos, de algumas inusitadas e esotéri­cas manifestações de um já desajustado individualismo, para dar lugar a um espírito humil­de e construtivo, sem desvirtuar, no entanto, o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo a produzir o resultado que a todos interessa — cooperar com boa fé numa sã administração da justiça.
« Na verdade, sem a formação desta nova cultura judiciária facilmente se poderá pôr em causa um dos aspectos mais significativos desta revisão, que se traduz numa visão partici­pada do processo, e não numa visão individualista, numa visão cooperante, e não numa vi­são autoritária.»
E no prólogo do  Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, (DL 180/96), declarou que:
« Em sede de adiamentos, optou-se por substituir a comunicação ao mandante da falta do seu advogado «para que, sentindo-se lesado, participe, querendo, à Ordem dos Advoga­dos» pela que se traduz na mera dispensa de observância, quanto ao mandatário faltoso, do disposto no artigo 155.°, relativamente à marcação da data subsequente da audiência mediante «acordo de agendas».»
Finalmente, no intróito do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, apenas se refere, quanto ao tema em questão, que:
« E se no processo existir advogado constituído, o tribunal deve diligenciar pela concertação de data para audiência, de modo a evitar o conflito com a marcação de audiência por acordo feita ao abrigo do artigo 155.º do Código de Processo Civil.»
3. Das disposições legais citadas e dos extractos citados podem resumir-se as seguintes linhas de força:
– O regime do art.º 155.º do CPC, aplicável ao processo penal por força do disposto no n.º 4 do art.º  312.º do CPP, consagra um princípio de cooperação, que abrange as relações dos sujeitos processuais, em todas as suas  direcções possíveis.
– Este princípio de cooperação, para além de óbvias implicações de natureza ético-deontológica, visa a aplicação de uma justiça  expedita e eficaz, ou seja, não lhe são estranhos fins de natureza prática directamente relacionados com a celeridade processual. Aliás outros institutos do Código vão no mesmo sentido, dos quais o mais evidente é o da “aceleração processual”.
– A alteração de datas, após marcação, referida nos n.os 2 e 3 do art.º 155.º, em causa, não prescinde de um princípio de acordo entre os sujeitos processuais envolvidos ­– não contando o tribunal –, pelo menos quanto às datas comuns livres em agenda, como resulta da expressão «após contacto com os restantes mandatários interessados», inserta no n.º 2, respectivo. Se assim não fosse, colocar-se-ia o tribunal na iminência de marcar às cegas quanto aos interessados não requerentes, ficando sempre sujeito a que lhe fossem levantados sucessivos impedimentos de agenda.
– O acordo a que se refere o art.º 155.º não é uma condição necessária do prosseguimento dos autos, cabendo sempre ao tribunal a gestão da sua correcta tramitação, como se depreende da expressão «poderá alterar a data inicial­mente fixada», que aponta para ser deixado ao poder discricionário ([4]) do tribunal proceder ou não à alteração.
Ora, o tribunal está, antes de mais, vinculado ao dever de fazer justiça pela aplicação do direito, sendo condição indispensável deste desiderato público que ele conduza o processo até ao seu termo natural, que é a prolação de uma decisão final de mérito em tempo útil .
4. Isto dito que temos, em concreto, de relevo, na situação sub judice ?
            – Que, por impedimentos de agenda do próprio tribunal este se viu forçado a designar a data de realização do julgamento com uma dilação incomparavelmente  superior àquela que a própria lei estatui, que é, no máximo, de dois meses, como resulta do disposto no art.º 312.º, n.º 1, do CPP.
– Que, notificados os interessados para os termos do disposto no n.º 4, do art.º 312.º, do CPP, estes nada vieram dizer
– Que, designada a data para o julgamento, o ora recusante veio invocar impedimento nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 155.º do CPC e, referindo apenas um contacto prévio com o advogado do assistente, em nada conducente ao acordo querido pela lei, propôs como primeira data alternativa à designada pelo tribunal, uma outra, posterior a esta em quarenta dias.
Ora o razoável, o que está no espírito da legislação em análise, era que fosse sugerida uma data próxima daquela que o tribunal designara e com a prévia garantia da disponibilidade dos demais interessados, para na mesma intervirem na audiência em causa.
Um proposta, ademais sem qualquer acordo prévio dos interessados, para designação da data de audiência de julgamento, um mês e dez dias depois da data designada pelo tribunal, implica a subordinação do tribunal às conveniência dos restantes sujeitos processuais para a realização dos julgamentos, com postergação dos fins da lei penal. E esta é uma visão do processo penal contrária à lei.
A vontade legal de satisfazer, na medida do possível, os interesses dos interessados, não pode significar outorgar-lhes privilégios que lhes permitam controlar o andamento dos processos.
            Qualquer tribunal, com o volume de trabalho dos nossos juízos criminais, que admitisse uma tal orientação, votar-se-ia ao total bloqueamento, com a frustração completa da sua função.
Tanto basta para se poder afirmar com segurança que esteve muito bem a Sr.ª Juíza, quando indeferiu o requerimento do ora recusante.
5. Vem este dizer que o indeferimento se deveu, além do mais, a um erro na contagem do prazo para a apresentação do seu requerimento. Mas isso não é completamente exacto.
Efectivamente do despacho de 2006/11/17, que indeferiu o requerimento em causa, consta que o mesmo foi apresentado dez dias depois da notificação feita para o efeito. E há aqui um erro de contagem do prazo, claramente decorrente de não se ter levado em conta que o dia 1 de Novembro é feriado.
Porém, se o requerimento tivesse sido indeferido com este fundamento, como questão prévia que era relativamente aos demais invocados, estes últimos não teriam chegado a sê-lo. Quer-se dizer que, o facto de a Sr.ª Juíza ter fundamentado o seu despacho, também, com a falta de acordo entre os interessados e com a sobrecarga da agenda do Tribunal até Novembro de 2007, demonstra bem que foram estes dois últimos factores os que, de facto, determinaram  o indeferimento.
E os motivos aduzidos, no despacho, como já vimos acima, são incontornáveis.
6 O indeferimento dos requerimentos de 2007/01/08 e de 2007/01/30 enquadram-se na problemática já tratada. Ambos os requerimentos são sequelas do casus beli em que se transformou o primeiro indeferimento. O próprio recusante admite que não se conformou com o primeiro indeferimento e, como não podia recorrer, foi repondo a  mesma questão ao tribunal e amealhando indeferimentos, o que, se outro efeito prático não teve, sempre lhe deu o pretexto para o presente incidente.
7. A abertura da audiência de 2007/01/19.
            É certo que estava um prazo em curso e com esse fundamento a Sr.ª Juíza poderia ter dado sem efeito a data designada para a realização da audiência. E, certamente, se não estivesse tão condicionada com a sobrecarga da agenda, ter‑lhe‑ia sido mais fácil fazê-lo..
Mas, não dispondo de datas livres em prazo adequado, a Sr.ª Juíza optou por manter a data designada. Certamente na expectativa de que se o mandatário do arguido comparecesse ou se fizesse substituir por colega substabelecido, seria possível tentar sanar as questões incidentais que impediam o avanço do processo e aproveitar, ainda, a data designada para trabalho de julgamento. Não seria caso virgem.
Tal não ocorreu, o que determinou o adiamento da audiência.
Porém, a maior ou menor perícia demonstrada pela Sr.ª Juíza para contornar os obstáculos que se lhe levantavam na orientação processual dos autos, não autoriza a que se lhe assaque falta de imparcialidade. Nada nos actos da Sr.ª Juíza no processo admite outra interpretação senão a de que ela se motivou pelo seu dever de administrar justiça.
8. Assim, também a falta de acordo com o recusante, quanto à marcação  datas, na sequência da audiência de 2007/01/19. Tal acordo seria possível e, talvez, viável,  se alguém, em representação forense do arguido tivesse comparecido à audiência. Não tendo sido assim, não estava o tribunal legalmente vinculado a promover o acordo, como já vimos supra.
9. Finalmente a questão do direito do arguido à escolha de advogado e a pretensa lesão dos seus direitos constitucionais.
O argumento seria pueril, se não fosse tão “maduramente” usado e pensado. E se pueril fosse, seria apropriado contrapor-lhe a imagética popular do cântaro que vai… e vai… e vai… à fonte! Ou, até, a dos contos infantis, na personagem daquele Pedro que gritava “lobo”… Para dizer que oxalá nunca aconteça que os direitos constitucionais se gastem pelo mau uso e, de tantas vezes chamados, um dia já não acorram quando deles precisarmos. 
              A verdade é que não sendo, como dizíamos, pueril o argumento, ele se insere numa estratégia processual em que até a perder se ganha, desde que se dêem os passos certos, no momento certo.
Assim há que responder-lhe, brevemente embora.
            O direito do arguido a escolher e a constituir advogado é, sem dúvida, um direito protegido por lei, mas que sofre limitações, de vária ordem, de facto e de direito. De facto, v. g., no obstáculo que podem constituir os preços que atingem alguns mandatos judiciais, ou pela  escassez de “oferta” dos potenciais mandatários em geral mais procurados. De direito, v. g., desde logo na recusa do patrocínio ou na renúncia ao mandato.
Portanto, nem todos têm os advogados que gostariam de ter. Mas, mesmo para os que o conseguem, tal não pode significar que o binómio cliente/advogado se constitua numa entidade sagrada que prevaleça sobre todas as contingências processuais.
O exercício da advocacia é, também, uma empresa económica e um escritório de advogado é, também, uma unidade empresarial. Como tal, tem de adaptar-se à leis do mercado, pela adequação da sua capacidade de resposta ao aviamento que vai conseguindo.
Ou seja, os Senhores Advogados sabem que devem acompanhar os  seus clientes, ao ritmo a que os processos lhes vão impondo diligências. Não sendo compatibilizáveis a realidade, tal como o senso comum a percebe, e a  ideia de que os processos devem desenvolver-se ao ritmo a que os mandatários judiciais podem acompanhar os seus mandantes nas mesmas diligências.
Daí que, de duas uma: ou se recorre a sociedades de advogados, de estrutura complexa, capazes de dar resposta, praticamente imediata a qualquer tipo de solicitação ou se lança mão, o que acontece imemorialmente, com geral aceitação de todos, ao instituto do substabelecimento, em regra “com reserva”, como meio de ultrapassar os constrangimentos de agenda.
Todos sabem que é assim, e por isso, foi com a maior naturalidade que a Sr.ª Juíza, no seu despacho de 2006/11/13, se referiu à hipótese do substabelecimento.
            Querer ver nisso uma falta de isenção da Sr.ª Juíza ou um atentado aos direitos constitucionais do arguido é uma atitude que não comentaremos mais do que o que já fizemos.
Permitamo-nos uma última nota, para realçar que anunciar-se, de forma aparentemente benévola, que não se coloca, de forma alguma, em causa a idoneidade moral e qualidade jurídica da M.ma Juíza visada, para logo a seguir, na mesma peça e no mesmo parágrafo, se afirmar que a mesma magistrada denota um acentuado pré juízo que lhe tolhe a capacidade de apreciação objectiva da prova e gera grave e fundada desconfiança sobre a sua imparcialidade, soa a sarcasmo, que não fica bem.
E assim nos vamos [todos], pouco a pouco, consumindo!
            III.
            Face a todo o exposto,
            Acordamos em recusar o requerimento do arguido por manifestamente infundado.
            Condena-se o requerente em 10 (dez) UC nos termos do disposto no art.º 45.º, n.º 5, do CPP, a que acresce a condenação em 3 UC de taxa de justiça, nos termos do disposto no art.º 84.º, n.º 1, do CCJ.

Lisboa, 2007/02/28

(Ricardo Silva - relator)
(Rui Gonçalves)
(João Sampaio)

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([1])         Orientação modelar do processo, portanto, se abstrairmos da grande dilação temporal na marcação do julgamento, que não nos cabe sindicar e se encontra justificada por  imperativos de agenda do tribunal.
([2])         Sendo o tardio cumprimento completamente estranho à actividade e determinações da Sr.ª Juíza.
([3])         Os n.os 1 e 3 a 5 têm a redacção do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e o n.º 2 a do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.

([4])         Ainda que não arbitrário ou caprichoso, mas sim orientado pelos princípios e fins que regem o processo penal.