I - O regime do art.º 155.º do CPC, aplicável ao processo penal por força do disposto no n.º 4 do art.º 312.º do CPP, consagra um princípio de cooperação, que abrange as relações dos sujeitos processuais, em todas as suas direcções possíveis.
II - Este princípio de cooperação, para além de óbvias implicações de natureza ético-deontológica, visa a aplicação de uma justiça expedita e eficaz, ou seja, não lhe são estranhos fins de natureza prática directamente relacionados com a celeridade processual. Aliás, outros institutos do Código vão no mesmo sentido, dos quais o mais evidente é o da “aceleração processual”.
III - A alteração de datas, após marcação, referida nos n.os 2 e 3 do art.º 155.º, em causa, não prescinde de um princípio de acordo entre os sujeitos processuais envolvidos – não contando o tribunal –, pelo menos quanto às datas comuns livres em agenda, como resulta da expressão «após contacto com os restantes mandatários interessados», inserta no n.º 2, respectivo. Se assim não fosse, colocar-se-ia o tribunal na iminência de marcar às cegas quanto aos interessados não requerentes, ficando sempre sujeito a que lhe fossem levantados sucessivos impedimentos de agenda.
IV - O acordo a que se refere o art.º 155.º não é uma condição necessária do prosseguimento dos autos, cabendo sempre ao tribunal a gestão da sua correcta tramitação, como se depreende da expressão «poderá alterar a data inicialmente fixada», que aponta para ser deixado ao poder discricionário do tribunal proceder ou não à alteração.
V - Ora, o tribunal está, antes de mais, vinculado ao dever de fazer justiça pela aplicação do direito, sendo condição indispensável deste desiderato público que ele conduza o processo até ao seu termo natural, que é a prolação de uma decisão final de mérito em tempo útil.
VI – É manifestamente infundado o pedido de recusa de juiz em que é invocado estar comprometida a imparcialidade deste, baseado no facto de terem sido indeferidos vários requerimentos do recusante, nos quais pedia a alteração das datas designadas para julgamento para cerca de dois meses depois, com o argumento de que lhe não era possível comparecer nas datas designadas.
VII – A realização da audiência de julgamento na data designada, apesar de o mandatário do arguido não ter comparecido, sendo-lhe nomeado defensor, não atenta contra o direito que assiste ao arguido de escolher advogado..
Por outro lado
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (DL 329-A/95), o legislados fez constar que:
« Consagra-se o princípio da cooperação, como princípio angular e exponencial do processo civil, de forma a propiciar que juízes e mandatários cooperem entre si, de modo a alcançar-se, de uma feição expedita e eficaz, a justiça do caso concreto, e procurando plasmar, mais uma vez, como adiante melhor se irá especificando, tal princípio nos regimes concretamente estatuídos (v.g., audiência preliminar, marcação de diligências, averiguação de existência de bens penhoráveis).
« Tem-se, contudo, plena consciência de que nesta sede se impõe a renovação de algumas mentalidades, o afastamento de alguns preconceitos, de algumas inusitadas e esotéricas manifestações de um já desajustado individualismo, para dar lugar a um espírito humilde e construtivo, sem desvirtuar, no entanto, o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo a produzir o resultado que a todos interessa — cooperar com boa fé numa sã administração da justiça.
« Na verdade, sem a formação desta nova cultura judiciária facilmente se poderá pôr em causa um dos aspectos mais significativos desta revisão, que se traduz numa visão participada do processo, e não numa visão individualista, numa visão cooperante, e não numa visão autoritária.»
E no prólogo do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, (DL 180/96), declarou que:
« Em sede de adiamentos, optou-se por substituir a comunicação ao mandante da falta do seu advogado «para que, sentindo-se lesado, participe, querendo, à Ordem dos Advogados» pela que se traduz na mera dispensa de observância, quanto ao mandatário faltoso, do disposto no artigo 155.°, relativamente à marcação da data subsequente da audiência mediante «acordo de agendas».»
Finalmente, no intróito do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, apenas se refere, quanto ao tema em questão, que:
« E se no processo existir advogado constituído, o tribunal deve diligenciar pela concertação de data para audiência, de modo a evitar o conflito com a marcação de audiência por acordo feita ao abrigo do artigo 155.º do Código de Processo Civil.»
3. Das disposições legais citadas e dos extractos citados podem resumir-se as seguintes linhas de força:
– O regime do art.º 155.º do CPC, aplicável ao processo penal por força do disposto no n.º 4 do art.º 312.º do CPP, consagra um princípio de cooperação, que abrange as relações dos sujeitos processuais, em todas as suas direcções possíveis.
– Este princípio de cooperação, para além de óbvias implicações de natureza ético-deontológica, visa a aplicação de uma justiça expedita e eficaz, ou seja, não lhe são estranhos fins de natureza prática directamente relacionados com a celeridade processual. Aliás outros institutos do Código vão no mesmo sentido, dos quais o mais evidente é o da “aceleração processual”.
– A alteração de datas, após marcação, referida nos n.os 2 e 3 do art.º 155.º, em causa, não prescinde de um princípio de acordo entre os sujeitos processuais envolvidos – não contando o tribunal –, pelo menos quanto às datas comuns livres em agenda, como resulta da expressão «após contacto com os restantes mandatários interessados», inserta no n.º 2, respectivo. Se assim não fosse, colocar-se-ia o tribunal na iminência de marcar às cegas quanto aos interessados não requerentes, ficando sempre sujeito a que lhe fossem levantados sucessivos impedimentos de agenda.
– O acordo a que se refere o art.º 155.º não é uma condição necessária do prosseguimento dos autos, cabendo sempre ao tribunal a gestão da sua correcta tramitação, como se depreende da expressão «poderá alterar a data inicialmente fixada», que aponta para ser deixado ao poder discricionário ([4]) do tribunal proceder ou não à alteração.
Ora, o tribunal está, antes de mais, vinculado ao dever de fazer justiça pela aplicação do direito, sendo condição indispensável deste desiderato público que ele conduza o processo até ao seu termo natural, que é a prolação de uma decisão final de mérito em tempo útil .
4. Isto dito que temos, em concreto, de relevo, na situação sub judice ?
– Que, por impedimentos de agenda do próprio tribunal este se viu forçado a designar a data de realização do julgamento com uma dilação incomparavelmente superior àquela que a própria lei estatui, que é, no máximo, de dois meses, como resulta do disposto no art.º 312.º, n.º 1, do CPP.
– Que, notificados os interessados para os termos do disposto no n.º 4, do art.º 312.º, do CPP, estes nada vieram dizer
– Que, designada a data para o julgamento, o ora recusante veio invocar impedimento nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 155.º do CPC e, referindo apenas um contacto prévio com o advogado do assistente, em nada conducente ao acordo querido pela lei, propôs como primeira data alternativa à designada pelo tribunal, uma outra, posterior a esta em quarenta dias.
Ora o razoável, o que está no espírito da legislação em análise, era que fosse sugerida uma data próxima daquela que o tribunal designara e com a prévia garantia da disponibilidade dos demais interessados, para na mesma intervirem na audiência em causa.
Um proposta, ademais sem qualquer acordo prévio dos interessados, para designação da data de audiência de julgamento, um mês e dez dias depois da data designada pelo tribunal, implica a subordinação do tribunal às conveniência dos restantes sujeitos processuais para a realização dos julgamentos, com postergação dos fins da lei penal. E esta é uma visão do processo penal contrária à lei.
A vontade legal de satisfazer, na medida do possível, os interesses dos interessados, não pode significar outorgar-lhes privilégios que lhes permitam controlar o andamento dos processos.
Qualquer tribunal, com o volume de trabalho dos nossos juízos criminais, que admitisse uma tal orientação, votar-se-ia ao total bloqueamento, com a frustração completa da sua função.
Tanto basta para se poder afirmar com segurança que esteve muito bem a Sr.ª Juíza, quando indeferiu o requerimento do ora recusante.
5. Vem este dizer que o indeferimento se deveu, além do mais, a um erro na contagem do prazo para a apresentação do seu requerimento. Mas isso não é completamente exacto.
Efectivamente do despacho de 2006/11/17, que indeferiu o requerimento em causa, consta que o mesmo foi apresentado dez dias depois da notificação feita para o efeito. E há aqui um erro de contagem do prazo, claramente decorrente de não se ter levado em conta que o dia 1 de Novembro é feriado.
Porém, se o requerimento tivesse sido indeferido com este fundamento, como questão prévia que era relativamente aos demais invocados, estes últimos não teriam chegado a sê-lo. Quer-se dizer que, o facto de a Sr.ª Juíza ter fundamentado o seu despacho, também, com a falta de acordo entre os interessados e com a sobrecarga da agenda do Tribunal até Novembro de 2007, demonstra bem que foram estes dois últimos factores os que, de facto, determinaram o indeferimento.
E os motivos aduzidos, no despacho, como já vimos acima, são incontornáveis.
6 O indeferimento dos requerimentos de 2007/01/08 e de 2007/01/30 enquadram-se na problemática já tratada. Ambos os requerimentos são sequelas do casus beli em que se transformou o primeiro indeferimento. O próprio recusante admite que não se conformou com o primeiro indeferimento e, como não podia recorrer, foi repondo a mesma questão ao tribunal e amealhando indeferimentos, o que, se outro efeito prático não teve, sempre lhe deu o pretexto para o presente incidente.
7. A abertura da audiência de 2007/01/19.
É certo que estava um prazo em curso e com esse fundamento a Sr.ª Juíza poderia ter dado sem efeito a data designada para a realização da audiência. E, certamente, se não estivesse tão condicionada com a sobrecarga da agenda, ter‑lhe‑ia sido mais fácil fazê-lo..
Mas, não dispondo de datas livres em prazo adequado, a Sr.ª Juíza optou por manter a data designada. Certamente na expectativa de que se o mandatário do arguido comparecesse ou se fizesse substituir por colega substabelecido, seria possível tentar sanar as questões incidentais que impediam o avanço do processo e aproveitar, ainda, a data designada para trabalho de julgamento. Não seria caso virgem.
Tal não ocorreu, o que determinou o adiamento da audiência.
Porém, a maior ou menor perícia demonstrada pela Sr.ª Juíza para contornar os obstáculos que se lhe levantavam na orientação processual dos autos, não autoriza a que se lhe assaque falta de imparcialidade. Nada nos actos da Sr.ª Juíza no processo admite outra interpretação senão a de que ela se motivou pelo seu dever de administrar justiça.
8. Assim, também a falta de acordo com o recusante, quanto à marcação datas, na sequência da audiência de 2007/01/19. Tal acordo seria possível e, talvez, viável, se alguém, em representação forense do arguido tivesse comparecido à audiência. Não tendo sido assim, não estava o tribunal legalmente vinculado a promover o acordo, como já vimos supra.
9. Finalmente a questão do direito do arguido à escolha de advogado e a pretensa lesão dos seus direitos constitucionais.
O argumento seria pueril, se não fosse tão “maduramente” usado e pensado. E se pueril fosse, seria apropriado contrapor-lhe a imagética popular do cântaro que vai… e vai… e vai… à fonte! Ou, até, a dos contos infantis, na personagem daquele Pedro que gritava “lobo”… Para dizer que oxalá nunca aconteça que os direitos constitucionais se gastem pelo mau uso e, de tantas vezes chamados, um dia já não acorram quando deles precisarmos.
A verdade é que não sendo, como dizíamos, pueril o argumento, ele se insere numa estratégia processual em que até a perder se ganha, desde que se dêem os passos certos, no momento certo.
Assim há que responder-lhe, brevemente embora.
O direito do arguido a escolher e a constituir advogado é, sem dúvida, um direito protegido por lei, mas que sofre limitações, de vária ordem, de facto e de direito. De facto, v. g., no obstáculo que podem constituir os preços que atingem alguns mandatos judiciais, ou pela escassez de “oferta” dos potenciais mandatários em geral mais procurados. De direito, v. g., desde logo na recusa do patrocínio ou na renúncia ao mandato.
Portanto, nem todos têm os advogados que gostariam de ter. Mas, mesmo para os que o conseguem, tal não pode significar que o binómio cliente/advogado se constitua numa entidade sagrada que prevaleça sobre todas as contingências processuais.
O exercício da advocacia é, também, uma empresa económica e um escritório de advogado é, também, uma unidade empresarial. Como tal, tem de adaptar-se à leis do mercado, pela adequação da sua capacidade de resposta ao aviamento que vai conseguindo.
Ou seja, os Senhores Advogados sabem que devem acompanhar os seus clientes, ao ritmo a que os processos lhes vão impondo diligências. Não sendo compatibilizáveis a realidade, tal como o senso comum a percebe, e a ideia de que os processos devem desenvolver-se ao ritmo a que os mandatários judiciais podem acompanhar os seus mandantes nas mesmas diligências.
Daí que, de duas uma: ou se recorre a sociedades de advogados, de estrutura complexa, capazes de dar resposta, praticamente imediata a qualquer tipo de solicitação ou se lança mão, o que acontece imemorialmente, com geral aceitação de todos, ao instituto do substabelecimento, em regra “com reserva”, como meio de ultrapassar os constrangimentos de agenda.
Todos sabem que é assim, e por isso, foi com a maior naturalidade que a Sr.ª Juíza, no seu despacho de 2006/11/13, se referiu à hipótese do substabelecimento.
Querer ver nisso uma falta de isenção da Sr.ª Juíza ou um atentado aos direitos constitucionais do arguido é uma atitude que não comentaremos mais do que o que já fizemos.
Permitamo-nos uma última nota, para realçar que anunciar-se, de forma aparentemente benévola, que não se coloca, de forma alguma, em causa a idoneidade moral e qualidade jurídica da M.ma Juíza visada, para logo a seguir, na mesma peça e no mesmo parágrafo, se afirmar que a mesma magistrada denota um acentuado pré juízo que lhe tolhe a capacidade de apreciação objectiva da prova e gera grave e fundada desconfiança sobre a sua imparcialidade, soa a sarcasmo, que não fica bem.
E assim nos vamos [todos], pouco a pouco, consumindo!
III.
Face a todo o exposto,
Acordamos em recusar o requerimento do arguido por manifestamente infundado.
Condena-se o requerente em 10 (dez) UC nos termos do disposto no art.º 45.º, n.º 5, do CPP, a que acresce a condenação em 3 UC de taxa de justiça, nos termos do disposto no art.º 84.º, n.º 1, do CCJ.
Lisboa, 2007/02/28
(Ricardo Silva - relator)
(Rui Gonçalves)
(João Sampaio)
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([1]) Orientação modelar do processo, portanto, se abstrairmos da grande dilação temporal na marcação do julgamento, que não nos cabe sindicar e se encontra justificada por imperativos de agenda do tribunal.
([2]) Sendo o tardio cumprimento completamente estranho à actividade e determinações da Sr.ª Juíza.
([3]) Os n.os 1 e 3 a 5 têm a redacção do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e o n.º 2 a do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.
([4]) Ainda que não arbitrário ou caprichoso, mas sim orientado pelos princípios e fins que regem o processo penal.