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COMPROPRIEDADE
MURO
REPARAÇÕES URGENTES
Sumário
I – A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem(nº 1 do art. 1371º do CCivil). Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios ou quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário (nº2). II - Na base destas presunções juris tantum e, por isso, susceptíveis de prova em contrário, estão, por um lado, a dificuldade em fazer a prova da comunhão e, por outro lado, a probabilidade de que ela exista, dada a identidade de interesses dos proprietários confinantes em relação ao muro ou parede. III - De acordo com o nº 1 do art. 1371º do CCivil, a reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita por conta dos consortes, em proporção das suas partes, acrescentando o nº 5 que, é sempre facultado ao consorte eximir-se dos encargos de reparação ou reconstrução da parede ou muro, renunciando ao seu direito nos termos dos nºs 1 e 3 do art. 1411º do CCivil. (F.G.)
Texto Integral
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Tribunal Família e Menores e Juízos Cíveis de Sintra
2º Juízo Cível Acção Sumária n.º 1591/2002
ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
MARIA com os sinais dos autos, intentou acção declarativa de condenação com processo sumário, contra ANA e ANTÓNIO, identificados nos autos, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 3.990,38, acrescida de juros de mora legais contados desde a data da propositura da acção.
Como fundamento alega a Autora, em síntese, que adquiriu um prédio, que identifica, tendo então sido contactada pela Ré que a alertou para a necessidade urgente de serem realizadas obras no muro que separa as propriedades de ambas. Sustenta a Autora que, por motivos vários, se disponibilizou a efectuar a reparação do dito muro, no pressuposto de que os Réus lhe pagariam metade do custo da obra, ou seja, € 2.992,79. Alega a Autora que, apesar das obras terem beneficiado em exclusivo os Réus, estes negam-se a pagar a sua quota-parte, quota-parte que a Autora contabiliza em € 3.990,38, acrescentando às despesas com a reparação, o valor do proveito que os Réus retiraram com a reconstrução do muro. Nestes termos, conclui a Autora pela procedência da acção.
Regularmente citada, a Ré Ana Beatriz deduziu a contestação de fls. 20 a 28 alegando, em síntese, que à data em que a Autora adquiriu o seu prédio, já os anteriores proprietários se tinham obrigado perante a Ré a reparar ou substituir o muro. Alegou a Ré que, segundo soube pela própria Autora, as obras seriam custeadas pela Autora e pelos anteriores proprietários, não tendo nunca a Ré assumido o compromisso de comparticipar naquele custo. Mais sustentou a Ré que as obras eram urgentes, considerando o estado em que o muro se encontrava e, por isso, contactou a Autora para as mandar realizar.
Disse ainda a Ré que o benefício maior da existência do muro é da Autora, já que o muro tem a função de conter as terras do prédio desta, evitando que desabem, sendo que a sua degradação resultou da movimentação de terras no prédio da demandante.
Assim, entendeu a Ré não ser responsável pelo pagamento da reparação do muro, tanto mais que não deu o seu assentimento à obra. Concluiu a Ré pela improcedência da acção.
Devidamente citado, o Réu António deduziu a contestação de fls. 59-64 alegando, em primeiro lugar, a sua ilegitimidade para a acção, porquanto ele e a Ré Ana Beatriz estão divorciados, sendo que o imóvel foi adquirido pela Ré na constância do matrimónio, mas sendo os Réus então casados no regime de separação de bens.
Por impugnação alegou o Réu, em síntese, que foram os anteriores proprietários do imóvel da Autora que provocaram a degradação do muro comum, tendo-se comprometido a repará-lo. Sustentou o Réu que nem ele, nem a Ana, se comprometeram a custear as obras e, também por isso, nem sequer tiveram intervenção na escolha dos materiais, no orçamento adoptado ou no tipo de muro.
Nestes termos, e caso não proceda a invocada excepção dilatória, concluiu o Réu que não pode a Autora impor aos demandados qualquer responsabilidade no pagamento da reparação do muro.
Notificada da contestação, a Autora respondeu a fls. 76-80, alegando que o Réu não provou o regime de bens em que foi casado com a Ré e, assim sendo, não demonstrou a sua ilegitimidade. Quanto ao mais, impugnou a Autora os factos que constituem defesa por excepção peremptória e concluiu como na petição inicial.
Proferido o despacho saneador, no qual se julgou o Réu António parte legítima e se organizaram os Factos Assentes e a Base Instrutória, não foram apresentadas reclamações.
Por fim, foi designado dia para a audiência de discussão e julgamento, que se realizou em tribunal singular e foi proferido e publicado o despacho que dirimiu a matéria de facto controvertida nos autos, sem que fossem deduzidas reclamações, após o que foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em conformidade:
- condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 2.992,79, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da propositura da acção, às taxas legais supletivas sucessivamente em vigor, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do remanescente do pedido;
- absolveu o Réu da totalidade do pedido.
Inconformada com a sentença, dela apelou a Ré, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. Apelante e Apelada são proprietárias de dois prédios urbanos confinantes entre si, contudo com cotas muito diferentes entre um e outro, situando-se o prédio da segunda muito mais acima do que o da primeira.
2. A Apelada procedeu à reparação e alçamento de um muro em betão para, tal como ficou provado, conter e consolidar as suas terras.
3. O muro pertence exclusivamente à aqui Apelada, pelo simples facto de suportar as suas terras, e não ter qualquer outro destino ou uso que não seja esse.
4. Desta forma, e encontrando-se o muro anterior em perigo de ruir, o que poria em causa não só a propriedade da ora apelante, como a sua própria vida e segurança e de seus dois filhos menores, sempre lhe seria licito exigir a sua reparação, ou construção de um novo – como veio a acontecer no caso vertente – como dispõe o art. 1350°. do Código Civil.
5. A Mma. Juiz a quo confundiu o direito à vida, à integridade fisica e à propriedade privada que a apelante tem e lhe é constitucionalmente garantido através dos arts. 24°., 25°. e 62°., respectivamente da Lei Fundamental, com um beneficio que, alegadamente, retirou da construção do muro pela apelada para suportar as suas próprias terras, que foi, no entender daquela magistrada "não lhe cairem em cima as terras da Autora".
6. A Mma. Juiz a quo fez, então, uma errada interpretação e aplicação dos arts.1371° e 1375°., ambos do Código Civil, violando, consequentemente, com a sua decisão, o arts. 70°. do Código Civil.
7. Fez, igualmente, uma errada interpretação dos arts. 1344°. e 1350°. do Código Civil, ao não os ter utilizado para a solução do litígio.
8. Ao interpretar e aplicar erradamente aquelas disposições legias no caso concreto, inquinou a Mma. Juiz a sentença por violação dos art°s. 24°., 25°. e 62°. da Constituição da República Portuguesa
Contra-alegou a A. que, no essencial, concluiu:
1. Na Contestação apresentada a R/Apelante confessou que o muro é comum, alegando porém que tendo havido movimentação de terras que alegadamente teriam conduzido à deterioração do muro, a única responsável pelas obras realizadas era a A/Apelada.
2. O muro em causa não tem como única função o suporte e contenção das terras da. propriedade da A/Apelada.
3. O muro em causa sempre foi e continua a ser um muro de vedação, um muro divisório que separa os prédios das Apelante.
4. As obras em causa são a substituição de um muro contíguo que já existia, que era comum e de meação e que se encontrava degradado por um mais resistente.
5. Trata-se de mera reconstrução de muro contíguo que se encontrava muito degradado, reconstrução essa feita a pedido da R com a alegação de que a sua não pronta reparação ou construção provocar-lhe-ia enormes prejuízos — alíneas A) e B) dos Factos Assentes e respostas positivas aos quesitos 2° e 3° da Base Instrutória.
6. Carecendo de todo e qualquer fundamento e não fazendo sequer sentido nesta sede, as alegadas violações do direito à vida, à integridade física, à propriedade privada e à personalidade física ou moral daquela.
Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir.
Os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (arts. 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do CPC), salvo as questões de conhecimento oficioso (art. 660º, nº 2, do CPC) e exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2, 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Nesta medida cumpre, de novo, apreciar e decidir se estamos perante um muro comum e se deve, então, a Ré participar nas despesas de reparação do mesmo.
II – FACTOS PROVADOS 1) Mostra-se inscrita a favor da Autora, por cota com a referência G-3, Ap. 57/20020125, a aquisição do prédio urbano, denominado “Casa de Sant’Ana”, sito em Gigaroz, freguesia de Colares, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, para habitação, com 191m2 e logradouro com 1129m2, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a ficha n.º 00425/090585, com o artigo 5468 da respectiva matriz – cfr. certidão do registo predial de fls. 103 a 108. 2) Mostra-se inscrita a favor da Ré, por cota com a referência G-3, Ap. 3/960408, a aquisição do prédio urbano sito em Gigaróz, freguesia de Colares, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, com 63m2, e pátio com 30m2, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob a ficha n.º 03973/921125, com o artigo 1231 da respectiva matriz – cfr. certidão do registo predial de fls. 144 a 149. 3) Entre os prédios da Autora e da Ré existe um muro contíguo – cfr. alínea A) dos Factos Assentes. 4) O especificado muro encontrava-se muito degradado – cfr. alínea B) dos Factos Assentes. 5) A Autora mandou fazer obras, levantando um novo muro em betão – cfr. alínea C) dos Factos Assentes. 6) A realização dessas obras importou em esc: 1.200.000$00 ( um milhão e duzentos mil escudos ) – cfr. alínea D) dos Factos Assentes. 7) A Autora reclamou dos Réus a comparticipação no pagamento das especificadas obras – cfr. alínea E) dos Factos Assentes. 8) Os Réus recusaram-se a comparticipar no pagamento das mesmas – cfr. alínea F) dos Factos Assentes. 9) A Ré escreveu à Autora a carta de fls. 15-16, que esta recebeu - cfr. alínea G) dos Factos Assentes. 10) A Autora pagou ao respectivo empreiteiro a quantia especificada em D) – cfr. resposta positiva ao quesito 1º da Base Instrutória. 11) As especificadas obras foram feitas a pedido dos Réus – cfr. resposta positiva ao quesito 2º da Base Instrutória. 12) Com a alegação de que a sua não pronta reparação ou construção provocaria enormes prejuízos aos Réus – cfr. resposta positiva ao quesito 3º da Base Instrutória. 13) Na altura, a Autora havia já contratado um empreiteiro para a realização de obras de manutenção e melhorias no seu prédio – cfr. resposta positiva ao quesito 4º da Base Instrutória. 14) Por tal razão, a Autora anuiu ao pedido dos Réus – cfr. resposta ao quesito 5º da Base Instrutória. 15) O imóvel da Ré situa-se a um nível mais baixo em relação ao imóvel da Autora, com cotas muito diferentes um do outro – cfr. resposta positiva ao quesito 7º da Base Instrutória. 16) Para conter e consolidar as terras do seu prédio, a Autora decidiu mandar fazer as obras especificadas em C) – cfr. resposta ao quesito 8º da Base Instrutória. 17) Sem a construção do especificado muro cairiam as terras da Autora para o prédio da Ré – cfr. resposta ao quesito 14º da Base Instrutória. 18) Os Réus casaram entre si no dia 25.02.1995, sob o regime da separação de bens – cfr. certidão do assento de casamento e da convenção antenupcial, que constam a fls. 138 a 141. 19) O casamento entre os Réus foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 22.01.2002, transitada em julgado no dia 14.02.2002, proferida pelo 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa – cfr. certidão de fls. 65 a 70.
III – O DIREITO
Os presentes autos versam sobre a responsabilidade do pagamento da reparação/reconstrução de um muro contíguo, existente entre os prédios da A./Apelada e da Ré/Apelante.
1. Do art. 1371º do CCivil
O Código Civil, nas disposições gerais integradoras da 1.ª secção do capítulo consagrado à propriedade de imóveis (arts. 1344.º e seguintes), trata das relações de vizinhança, entre proprietários, designadamente, das emissões de fumos, cheiros, ruídos e trepidações, instalações nocivas ou perigosas, escavações, necessidade de passagem acidental, ameaça de desmoronamento, escoamento das águas.
No caso dos autos, sabe-se que a A./Apelada é proprietária de um prédio confinante com o prédio da Ré/Apelante e que entre os dois existe um muro, sendo certo que, a pedido da ora Apelante, aquela efectuou reparações no referido muro, que se encontrava muito degradado, levantando um novo muro em betão. Para pagamento das referidas obras, a A./Apelada despendeu a quantia correspondente a 5.985,58€, reclamando da Ré/Apelante a comparticipação no pagamento das especificadas obras, que esta se recusa a pagar.
Tendo, a sentença recorrida, concluído que o muro em causa se presume propriedade comum, considerou a Apelante também responsável pelo pagamento da reparação e reconstrução do mesmo.
Argumenta, agora, a R/Apelante que o muro em causa não é um muro comum, pois a sua única função é o suporte e contenção das terras da propriedade da A/Apelada, já que os prédios têm cotas muito diferentes, donde, sem tal muro, haveria desabamento de terras. Para a Apelante foi ilidida a presunção constante do nº 1 do art. 1371º do CCivil, pelo que, sendo o muro propriedade exclusiva da A., apenas ela é responsável pelo custo da reparação do muro.
1.1. Efectivamente, diz o art. 1371º do CCivil, no seu n.º 1, que a parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.
E o n.º 2 estabelece que os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios ou quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.
Na base destas presunções juris tantum e, por isso, susceptíveis de prova em contrário de acordo com o art. n.º 2, do CCivil, estão, por um lado, a dificuldade em fazer a prova da comunhão e, por outro lado, a probabilidade de que ela exista, dada a identidade de interesses dos proprietários confinantes em relação ao muro ou parede(1).
A sentença recorrida, tendo presente o citado normativo e a presunção decorrente do referido e ainda nº2 do art. 1371º (não se verificando, por outro lado, os sinais em contrário que vêm previstos no n.º 3 daquele preceito), concluiu que o muro objecto do conflito se tem que presumir propriedade dos dois prédios que separa, pelo que a reparação ou reconstrução tem que ser suportada pelos respectivos consortes, na proporção das suas partes (art. 1375º, n.º 1 do CCivil).
Ao invés, entende a Recorrente que a matéria provada não permitia concluir pela presunção da compropriedade do muro, isto porque se provou que o imóvel da Ré/Apelante situa-se a um nível muito mais baixo em relação ao imóvel da A./Apelada, com cotas muito diferentes um do outro e que a A. decidiu mandar fazer as obras levantando um novo muro em betão. Sem a construção do especificado muro cairiam as terras da Autora para o prédio da Ré.
Por isso, e porque de acordo com o art. 1344°. do Código Civil, a propriedade dos imóveis abrange, também, o subsolo com tudo o que nele contém, o muro não poderia nunca ter sido considerado como um muro comum à Apelante e Apelada, nem, sequer, um muro divisório, que pertence exclusivamente à Apelada, pelo simples facto de suportar as suas terras.
Vejamos.
Sendo certo que a A. decidiu mandar fazer as obras para conter e consolidar as terras do seu prédio e que sem a construção do referido muro tais terras cairiam para o prédio da Ré, a verdade é que, como ficou também provado, do que se tratou foi da substituição do muro degradado por um das mesmas dimensões, mas mais resistente. Ademais, essa reconstrução do muro contíguo que delimita as duas propriedades, foi feita a pedido da Ré, para evitar a ocorrência de prejuízos no seu prédio.
As obras foram efectuadas num muro já existente, que separava os imóveis em causa. Não se tratou da execução de uma nova obra, de um novo muro cuja única razão de ser é a de suporte de terras. Dito por outras palavras, os dois terrenos eram delimitados por um muro que, com o decorrer dos anos, se foi degradando, pelo que se mostrou necessária a sua substituição por outro com dimensões semelhantes, ainda que mais resistente e a fim de evitar que o terreno da Ré, que se situa em cota inferior, não seja invadido pelas terras da terreno que se situa em cota superior.
É neste contexto que a sentença recorrida afirma que "o muro foi erigido para conter e consolidar as terras do prédio da Autora e impedi-las de caírem no prédio vizinho". Porém, e porque sendo esta uma das razões, não é a única, já que também representa a função de vedação e que, por outro lado, se tratou de fortificar uma construção já existente, para segurança dos proprietários dos dois imóveis, acrescenta a sentença que “tanto a Autora tem interesse em conter e consolidar as suas terras, como o prédio vizinho tem interesse em que as terras da Autora não lhe caiam em cima".
Também não pode deixar de notar-se que a existência do muro a separar os prédios contribuiu, certamente, para o aumento da diferença de cotas entre os mesmos, ao longo dos anos.
Aliás, o art. 1351º, nº 1 do CCivil prevê que os proprietários inferiores estão obrigados a receber as águas que decorram naturalmente e sem obra do homem dos prédios superiores, quer se trate de águas pluviais, quer de águas que aí nasçam espontaneamente, não tendo direito a qualquer indemnização pelos prejuízos que o decurso eventualmente origine.
Neste contexto, é óbvia a existência de um interesse comum.
2. Do teor da contestação
Importa, ainda, ter em conta a defesa apresentada pela Ré, na contestação.
Efectivamente, a Ré alega, neste seu articulado, que a A. havia convencionado que a reparação do muro fosse comparticipada por esta e pelos anteriores proprietários do mesmo prédio (arts. 2°, 6° e 13° da Contestação), isto porque a degradação do muro tinha sido causada por movimentação de terras a que aqueles anteriores proprietários haviam procedido no terreno hoje da A. (arts. 3° e 18° da Contestação), alegando, ainda, que a Ré não acordou com a A. a comparticipação no pagamento do custo da obra (arts. 7° 27° e 37° da Contestação).
Por último e sem colocar nunca em causa que o referido muro é, também, sua propriedade, como resulta, por exemplo, do teor do art. 42º da contestação, defende a Ré que, independentemente de se tratar de um muro comum, foi a alegada movimentação de terras por banda dos anteriores proprietários do prédio da A., que conduziu à deterioração do muro, pelo que seria a A. a única responsável pelas obras realizadas.
O certo é que a Ré não fez prova dos factos alegados e só agora, em sede de recurso, vem alegar não ser proprietária do referido muro, nunca o tendo feito na petição ou na réplica.
E a verdade é que podia ter renunciado ao direito, nos termos do art. 1375º nº 1 do CCivil, como, aliás, faz notar a sentença recorrida, assim evitando dúvidas quanto ao seu direito de propriedade. De acordo com o nº 1 deste preceito legal a reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita por conta dos consortes, em proporção das suas partes, acrescentando o nº 5 que, é sempre facultado ao consorte eximir-se dos encargos de reparação ou reconstrução da parede ou muro, renunciando ao seu direito nos termos dos nºs 1 e 3 do art. 1411º do CCivil(2).
Assim, porque não ficou demonstrado que o muro foi construído com o exclusivo propósito de suportar as terras do imóvel da A., sendo certo que o muro representa também a função de vedação, delimitando os dois terrenos, e porque nunca houve qualquer renúncia expressa ao direito nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 1375º do Código Civil, conclui-se tal como a sentença recorrida, que os proprietários dos dois prédios de que o muro é contíguo são responsáveis pelo pagamento das obras de reparação/reconstrução, do referido muro, atento o disposto no n.º 2 do artigo 1375º do Código Civil.
Falecem na totalidade as conclusões do recurso da Apelante, designadamente a invocação do disposto no art. 1350º do CCivil referente a ruína de construção, que pressupõe, obviamente, que a construção que ameaça ruir não seja propriedade do titular do prédio ameaçado.
Sendo o muro comum, a reparação ou reconstrução há-de ser suportada pelos respectivos consortes, na proporção das suas partes, ao abrigo do disposto no art. 1375º, nº 1 do CCivil, tal como se concluiu na sentença recorrida, para cujos fundamentos, no mais, se remete.
IV – DECISÃO Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Lisboa, 1 de Março de 2007.
____________________________
1 Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, 1967, pág. 148.
2 Sobre esta matéria vide A. Carvalho Martins, Paredes e muros de meação, 3ª ed., 1989, pag. 55.