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SOCIEDADE POR QUOTAS
LEGITIMIDADE
Sumário
I - É de aplicar, por analogia, à situação de exclusão de um sócio numa sociedade com apenas dois sócios, o regime previsto no n.° 5 do art. 257 do CSC para o caso da destituição de gerente em sociedades com apenas dois sócios. II – Mas a possibilidade de um sócio, em sociedades de apenas dois sócios, vir impugnar um acto do gerente (sem atacar previamente essa gerência por via judicial), constituiria uma limitação inaceitável dos poderes de gerência por intervenção de um sócio não gerente e poderia, também, conduzir ao resultado que se pretende evitar com o referido nº 5 do art. 257º do CSComerciais, paralisando a actividade da sociedade. III – Neste caso a lei disponibiliza ao sócio não gerente mecanismos legais próprios para fazer valer os seus direitos, nomeadamente, a possibilidade de requerer a suspensão e, posteriormente, a destituição de gerente do outro sócio da sociedade, por violação grave dos deveres do gerente. (F.G)
Texto Integral
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ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO L, na qualidade de sócio da sociedade "Companhia, Lda.", intentou providência cautelar inominada contra "M" pessoa colectiva n° 507278941 com sede em Lisboa, requerendo que seja decretada a suspensão imediata do uso pela requerida da marca “Companhia das Cozinhas”.
Alega, para o efeito, que a sociedade Companhia… é titular do registo da marca "Companhia das Cozinhas" desde 3 de Maio de 2006 e que a requerida tem vindo a fazer uso dessa marca e a divulgá-la por meio de publicidade e identificação do seu estabelecimento.
Para fundamentar a sua legitimidade alega que a sociedade Companhia… tem apenas dois sócios, o requerente e Miguel, sendo que este é também sócio da sociedade Requerida, razão pela qual não subscreve o requerimento inicial.
Acrescenta que a actuação da Requerida lhe causa avultados prejuízos.
Foi proferido despacho que, considerando que a Requerente carecia de legitimidade para intentar a presente providência cautelar, indeferiu liminarmente o requerimento inicial (art. 234°-A, n° 1 e 234°, n° 4, al. a), ambos do CPC.
Inconformado, o Requerente veio agravar do despacho e, no essencial, formulou as seguintes conclusões:
1. Numa sociedade por quotas com apenas dois sócios, e sendo um deles, sócio e gerente, tem o outro sócio legitimidade para, em nome da sociedade, interpor providências cautelares com vista a evitar prejuízos sérios para esta.
2. O que está em causa na presente providência são os interesses da sociedade.
3. O Despacho recorrido faz errada interpretação e aplicação do disposto no n.°1 do art. 381º do C.P.C.
4. Devendo, em consequência, o despacho ser revogado e substituído por outro que vença o crivo da legitimidade do requerente, seguindo-se os ulteriores termos.
Contra-alegou a Requerida que, no essencial, concluiu o seguinte:
1. O Requerente e ora Agravante intentou a providência cautelar com base na alegada violação de um direito de propriedade industrial de que é titular a sociedade "Companhia, Lda.", sociedade da qual é apenas sócio.
2. Logo, carece de legitimidade para intentar a providência cautelar em nome pessoal porque não é titular do direito alegadamente violado.
3. Sendo o Recorrente mero sócio da sociedade, a cuja gerência renunciou voluntariamente, não tem igualmente poderes para a representar, carecendo, portanto, de legitimidade para intentar a providência cautelar em nome da sociedade, independentemente dos interesses em questão.
4. No caso em apreço não se verifica nem existe possibilidade de se verificarem situações limite como as que podem acontecer no que concerne à destituição de gerentes e exclusão de sócios em sociedades por quotas com apenas dois sócios, ou seja, as razões justificativas não são as mesmas.
Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir.
São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que fundamentalmente importa apreciar e decidir se o Requerente é parte legitima para intentar a presente providência cautelar.
Saliente-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, nos termos do art. 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2 do CPC, pelo que não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II – O DIREITO
1. Dos requisitos da providência cautelar
Lê-se no art. 381º do CPC que "sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.”
Daqui resulta que são requisitos da providência cautelar não especificada:
1. não estar a providência a obter, abrangida por qualquer dos outros processos cautelares previstos na lei;
2. a existência de um direito;
3. o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;
4. a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
Além destes requisitos, importa ter em consideração o previsto na parte final do nº2 do art. 387º, isto é, não resultar da providência prejuízo superior ao dano que ela visa evitar.
Característica do procedimento cautelar é o de ser sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito a acautelar (cfr. nº 1 do art. 383º do CPC).
Como refere Rodrigues Bastos é "patente o carácter unicamente instrumental ou indirecto do processo cautelar, no sentido de que uma qualquer das suas formas facilita apenas os meios de alcançar os fins que visa outro processo de diferente natureza" (1).
A providência cautelar aparece, pois, posta ao serviço da ulterior actividade jurisdicional que deverá estabelecer, de modo definitivo, a observância do direito, surgindo como anúncio e antecipação da outra providência jurisdicional, de modo a que esta possa chegar a tempo(2).
Posto isto, analisemos a questão essencialmente suscitada.
2. Do art. 275º do CSCom
O ora Agravante interpôs o procedimento cautelar inominado contra a sociedade por quotas com a firma, "M, Lda.", com vista à suspensão imediata do uso da marca "Companhia das Cozinhas", alegando que esta marca é propriedade da sociedade, Companhia …, Lda, de que é sócio o Recorrente.
Porém, a decisão recorrida, considerou que o Requerente/Agravante carece de legitimidade para a interposição do procedimento, essencialmente porque o titular do registo de marca não é o Requerente mas sim a sociedade de que o mesmo é sócio, pelo que o mesmo não é titular de qualquer direito que esteja a ser ameaçado pela conduta da Requerida.
Já para o Recorrente, numa sociedade por quotas com apenas dois sócios e sendo um deles sócio e gerente, tem o outro sócio legitimidade para se substituir à titular do direito alegadamente violado na interposição da providência cautelar, aplicando-se o regime previsto no n.° 5 do art. 257° do CSComerciais.
2.1. Relativamente à destituição de gerentes e no que ao caso importa, o Código das Sociedades Comerciais dispõe, no art. 257.º (Destituição de gerentes), o seguinte: 1. Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes. (...) 4. Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade. 5. Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro. 6. Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções”.
Grande parte da jurisprudência vai no sentido de aplicar, por analogia, à situação de exclusão de um sócio numa sociedade com apenas dois sócios, o regime previsto no n.° 5 do art. 257 do CSC para o caso da destituição de gerente em sociedades com apenas dois sócios(3).
Também a doutrina vai no mesmo sentido. Assim, Raul Ventura, segundo o qual "no caso de sociedades por quotas com apenas dois sócios está excluída a via da deliberação social para se obter a exclusão de sócio, não sendo exigível, nem tendo mesmo qualquer sentido uma deliberação social como pressuposto da respectiva acção judicial de exclusão de sócio a que alude o art. 242° n. 2 do CSC(4)
Sendo certo que o Requerente/Agravante não é titular do direito alegadamente violado, pois que não é titular do registo de marca cujo titular é a sociedade de que o mesmo é sócio, do que trata aqui é de analisar e decidir se, ainda assim, tem legitimidade para requerer a presente providência.
Defende o Agravante que a sociedade titular da marca só tem dois sócios e que o outro sócio é também sócio da sociedade requerida. No entanto, esta explicação não justifica a substituição automática, da sociedade com legitimidade para agir, pelo sócio, que, aliás, renunciou à gerência.
Assim, como refere a decisão recorrida, em nome pessoal não o pode fazer porque não é ele o titular da marca e, por conseguinte, o uso da marca por terceiros não afecta qualquer direito seu. Em nome da sociedade, também não o pode fazer dado que as sociedades comerciais por quotas, como é o caso da sociedade titular da marca, são representadas pelos seus gerentes (art. 252° do CSComerciais) e não pelos seus sócios.
Na verdade, o facto de no caso em apreço, estarmos perante uma sociedade por quotas com apenas dois sócios e de o Requerente não ser gerente, não lhe confere, por si só, legitimidade para agir judicialmente em representação da sociedade.
Relativamente à exclusão de sócio compreende-se a aplicação, por analogia, do disposto no n.° 5 do art. 257º do CPC, relativo à destituição do gerente, uma vez que numa e noutra as razões justificativas são em tudo semelhantes. Com efeito, atento o número de sócios e a possibilidade de não se conseguir obter uma deliberação dos sócios, tal como o art. 242º do CSComerciais exige, com vista à propositura da acção de exclusão do sócio, caso não se atribuísse legitimidade aos sócios, poder-se-iam verificar situações inultrapassáveis, susceptíveis de, no mínimo, paralisar a vida societária, tomando-se impossível ao sócio não gerente opor-se a uma gerência danosa por parte do sócio gerente.
Ora, a situação em apreço é distinta, pese embora a sociedade também tenha apenas dois sócios, não se vislumbrando que exista possibilidade de se verificarem situações limite como as que podem acontecer no que concerne à destituição de gerentes e exclusão de sócios em sociedades por quotas com apenas dois sócios.
Como também se refere na decisão recorrida, a lei disponibiliza ao sócio não gerente mecanismos legais próprios para fazer valer os seus direitos, nomeadamente, a possibilidade de requerer a suspensão e, posteriormente, a destituição de gerente do outro sócio da sociedade.
Efectivamente, nos termos do art. 64º do CSC, os gerentes de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
Constituem justa causa de destituição (e de suspensão), designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções, nos termos do nº 6 deste art. 257º do CSCom, constituindo a violação do dever de não concorrência, (nºs 1 e 5 do art. 254º do CSC), causa expressa de destituição da gerência.
Assim, provando-se que o gerente da sociedade em causa exerce uma actividade concorrencial com a da sociedade de que ambos são sócios, como parece ser, alegadamente, o caso, teria o aqui Agravante legitimidade para requerer, desde logo, a sua suspensão enquanto gerente, assim evitando que este continuasse a praticar actos supostamente lesivos do património da sociedade.
A possibilidade de um sócio, em sociedades de apenas dois sócios, vir impugnar um acto do gerente (sem atacar previamente essa gerência por via judicial), constituiria uma limitação inaceitável dos poderes de gerência por intervenção de um sócio não gerente e poderia, também, conduzir ao resultado que se pretende evitar com o referido nº 5 do art. 257º do CSComerciais, paralisando a actividade da sociedade.
Logo, se o Requerente entende que gerente está a violar os deveres de gerência, primeiramente cabe-lhe atacar essa gerência para que tal actividade não prossiga. Caber-lhe-á, enquanto sócio, accionar os mecanismos legais existentes.
Face a todo o exposto, conclui-se, como na decisão recorrida, que o Requerente carece de legitimidade para intentar a presente providência cautelar.
III – DECISÃO Termos em que acorda em negar provimento ao agravo confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Agravante.
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1 Rodrigues Bastos em Notas do Código de Processo Civil, vol. II 2ª ed. pag. 219.
2 Calamandrei em "Instituciones de Derecho Procesal Civil", vol. 1 pág. 159, tradução das EJEA, Buenos Aires.
3 Neste sentido, entre outros (e para além do citado Ac. RP de 16.03.1992), vide Acs. RP de 22.05.2001 (Afonso Moreira Correia) e de 5.7.2006, (Jorge Vilaça Nunes), www.dgsi.pt/jtrp. Também o Ac. RL de 4.6.1996 (Folque Magalhães), in www.dgsi.pt/jtrl, vai no mesmo sentido: “Atento o disposto no n. 5 do artigo 257 do Código das Sociedades Comerciais a sociedade constituída só por dois sócios é parte ilegítima para requerer providência cautelar não especificada (de suspensão do exercício de poderes de gerência) contra o sócio- gerente”.
4 Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. II, pág. 57 e 58, (citado nas alegações de recurso do Agravante.