PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
Sumário

1- Estando em causa obras num prédio urbano em regime de propriedade horizontal, há que seguir o respectivo regime, ou seja, cada um dos condóminos não pode derrogar o princípio da indivisibilidade das partes comuns do edifício.
2- Relativamente às partes comuns, os condóminos, individualmente considerados, não se podem sobrepor ao administrador eleito, apenas podendo, nos termos consagrados no artigo 1427º., do C. Civil, proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, na falta ou impedimento do administrador.
3- Os limites de actuação no âmbito condominial versam apenas sobre as partes comuns, não podendo invadir a esfera da propriedade exclusiva, ou seja, as diversas fracções autónomas, as quais são propriedade de cada um dos respectivos condóminos.(R.G.)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1- Relatório:
O autor, D e mulher, Z intentaram a presente acção contra o réu, A, pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de € 16.425,19, sendo € 11.425,19 a título de danos patrimoniais e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação daquele, até efectivo e integral pagamento.

O réu contestou, por excepção e por impugnação e requereu ainda, a condenação dos autores por litigância de má fé.

Por despacho de fls. 150 a 152 foi julgado procedente o incidente de intervenção acessória da sociedade H – Comércio, Aplicação e Revenda … Lda..

Citada esta sociedade, veio a mesma apresentar a contestação que consta de fls. 160 a 163, na qual pugna para que seja considerada procedente a excepção de “caducidade do direito de regresso do R. contra a impugnante, sendo, em consequência, considerado improcedente o pedido de intervenção acessória provocada feito pelo R.”.

No saneador foi julgada improcedente a excepção dilatória consistente na ilegitimidade dos autores para os termos da presente causa.

Prosseguiram os autos, tendo vindo a ser proferida sentença, a qual absolveu o réu da totalidade do pedido contra si formulado pelos autores.

Inconformados, recorreram os autores, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- A douta sentença sob recurso, ao decidir no sentido em que decidiu, assentou no pressuposto jurídico – essencial – segundo o qual, os Autores enquanto proprietários da sua fracção autónoma não se confundem, pese embora o seu inegável interesse no cumprimento do contrato de empreitada com o Condomínio desse mesmo edifício.
-Deste pressuposto partiu o Meritíssimo Juiz a quo para concluir que os Autores não eram parte no contrato de empreitada dos autos, razão pela qual a acção teria que ser decidida no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, à luz da qual o pedido teria que improceder, mau grado a demonstração feita dos prejuízos sofridos pelos Autores e, bem assim, do correspondente nexo de causalidade entre estes últimos e a deficiente execução da empreitada.
-Não tem razão o Meritíssimo Juiz a quo, na exacta medida em que “o Condomínio” mais não é do que uma autêntica abstracção jurídica, podendo ser definido como um ente equiparado a uma pessoa colectiva, mas jamais dotado de uma esfera jurídica de interesses e direitos próprios e, portanto, destituído de personalidade jurídica em si mesmo.
- De um ponto de vista estritamente substantivo – sendo que é neste plano que têm de ser ponderadas as relações contratuais estabelecidas e suas repercussões na esfera jurídica das partes envolvidas – o “Condomínio” mais não é do que o universo, o conjunto ou grupo estruturalmente organizado dos Condóminos, colectivamente titulares do direito de propriedade das partes comuns de um determinado edifício subordinado ao regime da propriedade horizontal.
-Donde, contrariamente ao que foi afirmado pelo Meritíssimo Juiz a quo, no domínio das relações jurídicas substantivas, o Condomínio confunde-se, de facto, com o conjunto dos Condóminos que lhe dão corpo e vontade jurídicas.
- E, por via disso, forçoso será concluir que, o contrato de empreitada alegadamente celebrado entre o “Condomínio” e o Réu na presente acção, só pode ter-se por efectivamente celebrado entre o universo ou conjunto dos Condóminos do Prédio e aquele mesmo empreiteiro.
- E isto porque, não tendo o “Condomínio” personalidade jurídica, a celebração de um qualquer contrato por “ele” ou com “ele” é pura e autêntica impossibilidade de Direito, não havendo, sequer, qualquer esfera jurídica autónoma na qual se possam incorporar ou repercutir as obrigações e direitos emergentes dessa mesma relação contratual.
- O contrato dos autos foi, na verdade, celebrado com os Autores e com todos os demais Condóminos daquele prédio, o que vale por dizer que, naquele contrato, o dono da obra é uma parte plural ou multifacetada, que por compreensíveis razões práticas foi naquele negócio encabeçada ou representada pelo Administrador do Condomínio.
- E, portanto, integrando os Autores essa parte plural ou multifacetada naquele contrato, é sob o regime da responsabilidade contratual que a questão trazida a juízo deve ser dirimida, o que, como implicitamente já se admitia na douta sentença sob recurso, conduziria necessariamente à condenação do Réu.
- Ainda que assim se não entendesse – o que só sem conceder se concebe – sempre se vislumbraria, ainda, contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que a conclusão de que foi celebrado um contrato de empreitada entre o Condomínio e o Réu se nos apresenta forçada e não encontra, em bom rigor, conforto bastante na fundamentação de facto, onde apenas se consignou algo de juridicamente diferente e, aliás, inteiramente coerente com a inexistência de personalidade jurídica por banda “do Condomínio”: «Em Julho de 2002, a Administração do Condomínio do Prédio identificado em 1º, após deliberação da Assembleia de Condóminos, adjudicou ao réu as seguintes obras no mesmo prédio (…).
- Do que sempre resultaria a nulidade sentença nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 668º do CPC.
- Se assim se não entendesse sempre haveria que ter presente que os Autores, enquanto Condóminos e ao agirem do modo e com as cautelas descritas nos autos, se substituíram legalmente à Administração do Condomínio na realização das obras em causa, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 1427º do Código Civil.
- O que significa que – mesmo que se considerasse que o contrato de empreitada tinha como parte “o Condomínio”, configurando este como pessoa jurídica autónoma e distinta dos Condóminos – sempre teria que se entender estarem os Autores, naquele contexto e condições, a actuar em representação daquele mesmo Condomínio, no lugar da respectiva Administração, encabeçando, por conseguinte, aquela relação jurídica que virtualmente, se teria por estabelecida entre “o Condomínio” e o Réu empreiteiro.
- Donde, também por esta razão, falece em absoluto a tese de que a acção teria que ser dirimida à luz da responsabilidade extracontratual, antes se lhe devendo aplicar as pertinentes normas e princípios da responsabilidade contratual, do que inevitavelmente resultaria a condenação do Réu.
- Por último, incorreu o Meritíssimo Juiz a quo em omissão de pronúncia, ao não conhecer do pedido de condenação do Réu Augusto Teixeira Cardoso como litigante de má fé e, nem se diga que tal se deverá à absolvição do Réu do pedido, pois que tal absolvição – aliás ditada por razões formais e não substanciais – não apagou do mundo dos factos todas as diatribes processuais do Réu, as quais merecem ser severamente sancionadas, do que sempre resultaria, se mais não houvesse, a nulidade da sentença, por força do disposto pela alínea d), do nº 1, do artigo 668º do CPC.
- A douta sentença sob recurso violou assim e entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 66º, 1420º, nº 1, 1430º, nº 1, 1433º, nº 6, 1436º e 1437º, todos do Código Civil, sendo as três últimas disposições a contrario e ainda os artigos 1427º, 1220º a 1223º também do Código Civil e, finalmente, os artigos 659º, nº 3, e 660º, nº 2, ambos do CPC.

Por seu turno, contra-alegou o apelado, em síntese:
- A relação contratual existente era entre o Condomínio e o Apelado.
- A realização das obras objecto do contrato de empreitada celebrado entre o Condomínio e o Réu, sob discussão nos presentes autos, incidiu sobre partes comuns do edifício em que a fracção dos Apelantes se integra.
- Quando se está na presença de acção que vise a eliminação de defeitos da obra nas partes comuns, artigo 1436º alínea f) e 1437º do CPC, o Administrador pode estar em juízo, em mera e simples representação do condomínio.
- Ora, in casu, os Apelantes nunca convocaram uma Assembleia de Condóminos para resolver a questão das infiltrações na sua fracção.
- Nem tais infiltrações foram, alguma vez, objecto de apreciação, análise e discussão por parte da Assembleia de Condóminos.
- Além do mais não se compreende, nem os Apelantes explicam as razões pelas quais, se as infiltrações eram tantas e tão graves e já ocorriam desde Janeiro de 2003, como é que em 31 de Julho de 2003, o Apelante marido assinou o auto de recepção da obra e declarou nada ter a reclamar quanto às mesmas.
- O que nos leva a crer que aceitou a obra sem reserva, uma vez que já tinha conhecimento da existência de infiltrações ocorridas em Janeiro de 2003, Fevereiro de 2003, Março, Abril, Junho de 2003.
- Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se repetirá que o contrato de empreitada foi celebrado entre o Réu/Apelado e o Condomínio.
- Desde logo quem tem legitimidade para pugnar pelo cumprimento deste contrato é o Condomínio nos termos do artigo 6º alínea e) do CPC, tendo em conta que as obras cujos defeitos os Apelantes pretendem ver resolvidos, são relacionadas com as partes comuns do prédio.
- Nunca o Condomínio e o seu Administrador conferiram poderes aos Apelantes para actuarem em seu nome.
-Os ora Apelantes insistem na tese, não sufragada pelo Tribunal a quo, segundo a qual se substituíram legalmente à Administração do Condomínio na realização das obras em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 1427º do Código Civil, alegando para o efeito que o Administrador informou da absoluta indisponibilidade financeira do Condomínio para custear as obras e a anuência do Administrador para serem os Apelantes a realizarem as obras.
- Tal circunstância não é por si só razão suficiente para os Apelantes recorrerem ao disposto no artigo 1427º do Código Civil.
- Aliás, este artigo enuncia os seguintes requisitos cumulativos: (i) reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício (ii) falta ou impedimento do administrador.
- A lei não enuncia qualquer conceito de obras urgentes.
- É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que haverá urgência quando exista uma infiltração que atinja o quarto de dormir, a cozinha, o escritório de trabalho.
- Outro requisito essencial é, como já referido, a falta (omissão) ou impedimento do administrador na realização das obras. Tal pode decorrer da consideração pelo administrador que as obras não revestem carácter urgente (caso em que é recomendável convoque uma assembleia de condóminos), mas também pode resultar da falta de vontade, delonga irrazoável ou inabilidade do mesmo na resolução do problema suscitado.
- No caso concreto a invocada indisponibilidade financeira não poderá servir de fundamento para se considerar verificado o requisito da falta ou impedimento do administrador, uma vez que deverá existir em todos os Condomínio um Fundo de Reserva previsto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 268/94 destinado a solver as despesas de conservação do prédio, facilitando assim a realização dessas obras, sobretudo quando de carácter urgente.
- Quando muito, este argumento poderia servir de fundamento à remoção do administrador do seu cargo, já que lhe está imposta a incumbência de realizar as reparações necessárias, nos termos do artigo 1436º al. f) do Código Civil.
- Nunca poderá ser assacada nenhuma responsabilidade ao Apelado uma vez que não resultou provada a existência de erros técnicos imputáveis ao Apelado em virtude do desrespeito pelas regras da arte aplicáveis à execução da obra.
- Por outro lado, resultou provado que quem executou a obra foi um subempreiteiro, José Augusto Cardoso, contratado por Henrique & Dionísio, Lda., este, por sua vez, contratado pelo Apelado, ambos os contratos realizados mediante acordo e consentimento do dono da obra, nos termos do artigo 424 do Código Civil.
- O contrato de subempreitada é um contrato subordinado a um negócio precedente que é a empreitada e com ela conexo.
- O subempreiteiro tem, por isso, uma posição autónoma dentro da relação em que interfere, pelo que só ele responde pelo cumprimento das obrigações que tenha assumido.
- O subempreiteiro José Augusto Cardoso não foi constituído Réu nos presentes autos.
- Por último, no que respeita a arguição de nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia quanto ao pedido de litigância de má fé efectuado pelos Apelantes, desde já se salienta que, nos termos do artigo 660º nº 2 do CPC, esta questão foi necessariamente prejudicada pela decisão proferida que absolveu o Réu/ Apelado da totalidade do pedido. - Ainda que assim não se entendesse sempre se dirá que não resultaram provados factos que imputem ao Apelado uma actuação dolosa ou de grave negligência ou até meramente negligente por parte do Apelado quer em termos processuais, relacionados com a condução do processo e com as peças processuais e incidentes gerados, quer em termos de execução da empreitada.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º., nº. 2, 664º., 684º. e 690º., todos do CPC.

As questões a dirimir consistem em aquilatar:
- Se a sentença recorrida violou algum normativo, ao não apreciar o objecto dos autos no âmbito da responsabilidade contratual.
- Se existe nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, por ter sido entendido que se celebrou um contrato de empreitada entre o Condomínio e o réu, dele não fazendo parte os autores.
- Se houve omissão de pronúncia relativamente ao não conhecimento do pedido de condenação do réu, como litigante de má-fé.

A matéria de facto delineada na 1ª. Instância foi a seguinte:
1º Pela inscrição G20021009035 – Ap. 35 de 2002/10/09, encontra-se registada na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição a favor dos autores, por compra a P, da fracção autónoma designada (…) (A);
2º Os autores residem na fracção desde 16 de Julho de 2002 – (B);
3º Em Julho de 2002, a Administração do Condomínio do Prédio identificado em 1º, após deliberação da Assembleia de Condóminos, adjudicou ao réu as seguintes obras no mesmo prédio:
a) reparação de telhado, com levantamento da telha existente e fornecimento de telha nova;
b) fornecimento de todas as madeiras (“barrotes”) com tratamento de Cuprinol verde;
c) limpeza dos beirados e simalhas;
d) reparação das partes danificadas e substituição de todos os algerozes;
e) fornecimento e colocação de todos os tubos de queda de água do telhado em PVC com diâmetros adequados;
f) picagem e reboco das paredes exteriores do prédio com lavagem a alta pressão;
g) reparação das chaminés;
h) pintura do prédio em membrana elástica de qualidade superior;
i) reparação e pintura dos vãos de janelas de madeira;
j) limpeza das pedras mármores existentes com substituição da soleira da porta de entrada e eventual mudança da porta de entrada;
k) substituição das prumadas de esgotos exteriores de grés por tubo em PVC com diâmetros adequados;
l) reparação e substituição dos vidros da clarabóia com tratamento e pintura de ferros;
m) fornecimento e montagem de uma coluna de electricidade para seis inquilinos e respectivas ligações aos contadores;
n) fornecimento e colocação de telefones de porta em todas as fracções;
o) colocação de automático de luz eléctrica nas escadas com ligação a todos os inquilinos e respectivos globos;
p) substituição de todas as madeiras em mau estado nos degraus e patamares com o respectivo tratamento;
q) reparação e pintura de todas as paredes e tectos da escada e respectivos vãos de escada – (C);
4º O autor marido enviou ao réu, com data de 05.12.2003, que a recebeu, a carta cuja cópia se encontra a fls. 32/33, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“ASSUNTO: Defeitos na execução da empreitada relativa às obras de reparação e conservação do prédio sito na Rua Tomás Ribeiro… em Lisboa.
Exmos. Senhores,
Conforme é do vosso perfeito conhecimento, a empreitada identificada em título foi executada de forma muito deficiente, pelo menos no que respeita à estanqueidade da cobertura do edifício, do que decorre a ocorrência de graves infiltrações pluviais na fracção de que sou proprietário (2° Esquerdo).
Os defeitos em causa foram oportunamente denunciados, tanto pela minha pessoa como pelo Administrador do condomínio, logo no decurso dos trabalhos da empreitada, nomeadamente em Janeiro do corrente ano e, posteriormente, em várias conversas e telefonemas.Não obstante as vossas sucessivas intervenções para tentar solucionar o problema – designadamente em Janeiro, Agosto e Novembro do corrente ano - a verdade é que as infiltrações pluviais persistem, danificando o tecto e paredes, da minha habitação, o que é a todos os títulos inaceitável.
Diante do que antecede, e perante a súbita dificuldade em contactá-los pessoalmente (como vinha sendo uso) venho pela presente interpelar formalmente V.Exas. no sentido de, com a maior urgência e brevidade de procedimentos, procederem a todas as reparações necessárias à eliminação dos defeitos em causa e reposição do interior da minha habitação no estado em que se encontrava anteriormente à ocorrência das aludidas infiltrações.
Perante a passividade e/ou ausência de resposta de V. Exas., e considerando os graves e insustentáveis inconvenientes que advêm, para mim e para a minha família, do arrastar desta lamentável situação, ver-me-ei forçado a mandar proceder directamente à reparação dos defeitos em causa, imputando a V. Exas. os custos que vier a suportar com tal intervenção.
Neste contexto, aguardarei as vossas notícias pelo prazo improrrogável de 10 (dez) dias, findo o qual procederei em conformidade” – (D);
5º O autor marido enviou ao réu, com data de 07.01.2004, que a recebeu, a carta cuja cópia se encontra a fls. 36, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“ASSUNTO: Defeitos na execução da empreitada relativa às obras de reparação e conservação do prédio sito na Rua Tomás Ribeiro … em Lisboa.
Exmos. Senhores,
A carta por mim remetida a V. Exas. no passado dia 5 de Dezembro (por vós recebida em 9 de Dezembro) não mereceu qualquer resposta.
Do mesmo modo, também não foi feita qualquer intervenção de V. Exas. no sentido de serem reparados os defeitos da empreitada que originam as infiltrações na minha fracção.
Tal como anunciado naquela minha carta, não me resta pois outra solução que não seja a de mandar proceder directamente a todas as reparações necessárias, responsabilizando V. Exas. pelos respectivos custos e demais danos, patrimoniais e não patrimoniais, a contabilizar oportunamente” - (E);
6º O réu não respondeu à carta referida em 4º – (F);
7º Em 10.01.2004 os autores encarregaram a sociedade “Vítor Cascalheira, Unipessoal, Lda.” de realizar as obras necessárias ao estancamento das infiltrações na fracção – (G);
8º O que fizeram após obterem a anuência do administrador do condomínio – (H);
9º O qual invocou perante os autores a indisponibilidade financeira do condomínio para a execução, a expensas deste, das obras de reparação do telhado do prédio identificado em 1º – (I);
10º Em 31 de Julho de 2003 o autor marido, entre outros, subscreveu o documento cuja cópia se encontra a fls. 37, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“A firma Augusto …, tendo realizado obras de limpeza, pintura, restauro e beneficiação, no condomínio do prédio convertido em propriedade horizontal, sito na Rua Tomás Ribeiro, informou a administração que deu por concluídas as mesmas, no dia 30 de Julho de 2003.
Depois de todos os condóminos a pedido do administrador, se terem manifestado em relação às obras efectuadas, dando a sua opinião, declararam nada terem a reclamar sobre as mesmas.
Tendo as referidas obras sido aprovadas por todos os condóminos, estas dar-se-ão por encerradas, procedendo-se à sua liquidação final” – (J);
11º A sociedade “V, Lda.” cessou a sua actividade para efeitos de IVA, em 31.03.2003 – (K);
12º O réu e a sociedade H – Comércio, Aplicação e Revenda …, Lda. acordaram que seria esta a realizar os trabalhos referidos em 3º – (L);
13º A administração do Condomínio do prédio identificado em 1º teve conhecimento de tal acordo – (M);
14º H, Lda., por sua vez, acordou com J a realização, por este, das obras referidas em 3º – (N);
15º O réu e o Administrador do Condomínio tiveram conhecimento do acordo referido em 14º – (O)
16º Na sequência do que H, Lda. ficou responsável apenas pela fiscalização dos trabalhos referidos em 3º – (P);
17º Para o que H, Lda., enquanto durou a execução dos trabalhos, fez deslocar por diversas vezes ao prédio, o seu sócio-gerente, F – (Q);
18º Após a conclusão dos trabalhos referidos em 3º, Henriques & Dionísio, Lda. comunicou-a de imediato ao réu – (R);
19º Após o que foi subscrito o documento referido em 10º – (S);
20º As obras referidas em 3º tiveram início em Julho de 2002 e ficaram concluídas cerca de um ano depois – (1º-2º);
21º Em Janeiro de 2003 ocorreram infiltrações de águas pluviais na fracção identificada em 1º através do tecto da sala – (3º);
22º A água que pingava do tecto era recolhida pelos autores através de baldes e outros recipientes que espalhavam pela sala – (4º);
23º O autor marido deu conhecimento do descrito em 20º a 22º ao encarregado da obra que se encontrava no local – (5º);
24º O qual se comprometeu de imediato a eliminar as deficiências que haviam provocado as infiltrações – (6º);
25º Na segunda quinzena de Fevereiro de 2003 ocorreram novas infiltrações na fracção através dos pontos referidos em 21º - (7º);
26º As quais provocaram a queda do forro do tecto da sala para o interior da habitação – (8º);
27º Em Março, Abril, Junho e Agosto de 2003 ocorreram novas infiltrações de águas pluviais através do tecto da sala da fracção – (10º);
28º Chegando a água a escorrer através dos projectores eléctricos embutidos no tecto da sala – (11º);
29º As infiltrações referidas em 27º provocaram manchas nos tectos e nas paredes da fracção – (14º);
30º O autor marido e o administrador do condomínio deram conhecimento ao réu do descrito em 27º a 29º – (15º);
31º À data do início das obras referidas em 7º existia lixo amontoado por cima do forro, em “pladour”, do tecto da fracção – (16º a 18º);
32º Na mesma data existiam no telhado do prédio identificado em 1º:
a) barrotes mal colocados e outros não escorados;
b) ripas de sustentação das telhas partidas;
c) telhas partidas e mal colocadas – (19º a 21º);
33º O descrito em 32º provocou a abertura de frestas entre as telhas – (22º);
34º À data referida em 31º não havia tela de isolamento no telhado do prédio – (23º);
35º As obras referidas em 7º incluíram a reconstrução de toda a caleira de recolha de águas do prédio – (24º e 28º);
36º A sociedade “V, Lda.” procedeu à substituição de telhas partidas – (25º);
37º E à substituição do “ripado” – (26º);
38º A sociedade “V, Lda.” procedeu ao escoramento do telhado do prédio mediante a colocação de barrotes – (27º):
39º E à limpeza total do telhado – (29º);
40º Após a realização dos trabalhos referidos em 36º a 39º não mais se verificaram quaisquer infiltrações na fracção – (30º);
41º Os autores pagaram a “V, Lda.”, a quantia de € 11.425,19 pela realização dos trabalhos referidos em 36º a 39º - (31º);
42º Provado que os autores sentiram-se aborrecidos, incomodados e ansiosos:
a) devido às infiltrações ocorridas na fracção;
b) por terem de utilizar baldes e alguidares para recolha da água que caía do tecto da fracção – (32º-33º);
43º Os autores sentiram ansiedade por temerem que a água que escorria pelos projectores eléctricos embutidos no tecto da sala da fracção pudesse provocar um curto-circuito e o consequente incêndio da fracção – (36º);
44º No início de 2003 foi diagnosticada ao autor marido uma doença neuromuscular denominada”miastenia gravis”, apresentando então queixas de disfagia, disertria e visão turva – (38º-39º);
45º Em virtude de tal doença o autor sofre de uma incapacidade parcial permanente de 88% desde 2003, susceptível de reavaliação após cinco anos – (40º);
46º A Administração do Condomínio só em Junho de 2002 deu ordem ao réu para iniciar os trabalhos no prédio identificado em 1. – (42º);
47º À data referida em 10º não ocorriam infiltrações no interior da fracção – (47º);
48º À data referida em 10º os autores não tinham conhecimento do referido na resposta aos quesitos 32º a 34º - (48º);
49º À data referida em 10º o réu assegurou ao autor marido e ao administrador do condomínio que todas as causas das infiltrações até então ocorridas estavam eliminadas – (49º);
50º Só após o que o autor marido assinou o documento referido em 10º – (50º);
51º Em finais de 2003, P, a mando do réu, instalou andaimes na fachada do prédio – (53º).

Vejamos:
Insurgem-se os apelantes relativamente à qualificação jurídica explanada na sentença recorrida, por virtude da qual veio a decair na totalidade o seu pedido.
Ora, os autores fundamentam a sua pretensão na constatação de estragos provocados na sua fracção autónoma, aquando da ocorrência de obras adjudicadas pelo condomínio do prédio ao réu.
As obras adjudicadas incidiram todas elas em partes comuns do prédio, conforme resulta do ponto 3º. da matéria assente, em consonância com o disposto no artigo 1421º., do CPC., ou seja, as obras foram todas elas de intervenção em partes estruturais do edifício, funcionalmente afectadas ao uso comum.
A negociação efectuada nos autos para a feitura das obras teve como binómio, o Condomínio do edifício e o réu da acção.
Efectivamente, estando em causa obras num prédio urbano em regime de propriedade horizontal, há que seguir o respectivo regime, ou seja, cada um dos condóminos não pode derrogar o princípio da indivisibilidade das partes comuns do edifício.
Ora, nos termos constantes do nº.1 do art. 1430º.do C. Civil, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.
Tal significa que relativamente às partes comuns, os condóminos, individualmente considerados, não se podem sobrepor ao administrador eleito, apenas podendo, nos termos consagrados no artigo 1427º., do C. Civil, proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, na falta ou impedimento do administrador.
No caso vertente, as obras determinadas pelo condomínio não revestiam a natureza de urgentes, antes se subsumindo a obras de conservação e de gestão normal do edifício.
Efectivamente, o administrador meramente executa a vontade manifestada pelo grupo condominial e em sua representação, sendo vinculante para todos os membros.
Porém, os limites de actuação no âmbito condominial versam apenas sobre as partes comuns, não podendo invadir a esfera da propriedade exclusiva, ou seja, as diversas fracções autónomas, as quais são propriedade de cada um dos respectivos condóminos.
Assim sendo, tal delimitação implica que a gestão das partes comuns seja efectuada pelo administrador em representação dos condóminos, sendo-lhe vedado exercer qualquer acto sobre cada fracção de per si, do mesmo modo, não podendo estes emiscuir-se na tarefa daquele.
Na situação em apreço, em Julho de 2002, a administração do condomínio, após deliberação da Assembleia de Condóminos, adjudicou ao ora réu as obras do prédio.
A relação contratual processou-se entre o Condomínio e o réu e não entre os recorrentes e este último.
Os apelantes só por si, não podiam ordenar quaisquer obras comuns, a menos que para o efeito estivessem legitimamente mandatados pelos restantes condóminos, o que não foi o caso.
O administrador não tem necessidade de justificar as suas atribuições porque elas decorrem da própria lei.
Já qualquer acto dos condóminos individualmente considerados não dispõe de tal virtualidade.
Assim, não assiste qualquer razão aos recorrentes ao pretenderem que se lhes atribua qualquer poder negocial, como parte plural no condomínio.
Essa sua pertença ao condomínio manifesta-se na vontade expressa por cada condómino, ao deliberarem em assembleia o empreendimento de obras.
A parte executória ou de gestão da deliberação é atribuída ao administrador, a quem pertence a função de representação do condomínio, nos termos consagrados no artigo 1436º. do Código Civil.
Coisa diferente é a possibilidade que cada condómino tem de poder agir em juízo para tutela do seu próprio direito, em caso de lesão.
Deste modo, nenhum reparo merece a sentença recorrida ao ter excluído do regime da responsabilidade contratual, o conhecimento do mérito da acção, decaindo nesta parte a pretensão dos recorrentes.
Entendem ainda os recorrentes padecer a decisão recorrida de nulidade, uma vez que existe contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que entendem ser forçada a conclusão de que foi celebrado um contrato de empreitada entre o condomínio e o réu, perante os factos apurados.
Ora, nos termos consignados na alínea c) do art. 668º. do CPC., é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
O normativo em questão reporta-se exclusivamente às causas de nulidade da sentença, não se aplicando ao julgamento da matéria de facto (cfr. Ac. RG. de 22-1-03 e Ac. RL. de 18-6-03, in http://www.dgsi.pt).
A hipótese da alínea em apreço reporta-se ao processo lógico de raciocínio e não a opção voluntária decisória.
Tal nulidade só ocorre quando existe no raciocínio do julgador um vício lógico, isto é, quando os fundamentos por ele invocados conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
O que a lei contempla nesta alínea c) é a contradição real entre os fundamentos e a decisão e não uma mera contradição aparente.
Como dizem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª. Ed., pág.689, há um vício real no raciocínio do julgador e não um simples lapsus calami do autor da sentença; a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos direcção diferente.
Com efeito, no caso vertente, este vício não se verifica.
Ora, perante a factualidade assente temos que: Em Julho de 2002, a Administração do Condomínio do prédio, após deliberação da Assembleia de Condóminos, adjudicou ao réu as obras discriminadas nos mesmos factos.
Perante o que já explanámos supra, não vislumbramos aqui qualquer contradição que possa ferir de nulidade a sentença.
Os recorrentes seguindo o seu perfil de pensamento é que persistem no entendimento de que eles próprios se substituíram legalmente à administração do condomínio, isso sim sem qualquer suporte quer factual quer substancial.
A sequência da decisão recorrida é lógica e é mantida ao longo de toda a sua fundamentação.
Efectivamente, reitera-se que os recorrentes não intervieram na celebração do contrato de empreitada, carecendo de poderes para tal, uma vez tendo aquele direito sido conferido ao condomínio.
Por outro lado, e na esteira do decidido pelo Tribunal a quo, a empreitada celebrada com o ora réu acabou por ser realizada por outra entidade, em consequência de um contrato de subempreitada, posteriormente celebrado e do qual o Condomínio teve conhecimento.
O contrato de empreitada, como o de subempreitada, não consubstancia uma relação de comissão, não sendo o empreiteiro responsável por danos causados pelo subempreiteiro (cfr. Pedro Romano Martinez, in Contrato de Empreitada, pág. 183).
A contratação foi efectuada entre o condomínio e o réu e não entre aquele e o subempreiteiro, sem intervenção dos recorrentes em qualquer delas, o que sempre levaria, como levou, à apreciação do objecto do litígio no domínio da responsabilidade civil extracontratual.
Também não colhe o argumento de que os apelantes se substituíram legalmente à administração, para a realização de obras, no contexto do disposto no art. 1427º. do C .Civil.
Ora, da matéria de facto apurada, não resulta que pudesse aqui ser aplicado tal regime.
Com efeito, não só não se apurou o carácter urgente das obras, como não se apurou falta ou impedimento do administrador.
Aliás o que ficou apurado foi que, em 31 de Julho de 2003, depois de todos os condóminos a pedido do administrador, se terem manifestado em relação às obras efectuadas, dando a sua opinião, declararam nada terem a reclamar sobre as mesmas, tendo-as aceite, bem como, só em 10-1-04 terem os autores encarregue a sociedade `Vítor Cascalheira, Unipessoal, Lda., de realizar as obras necessárias ao estancamento das infiltrações na sua fracção.
Assim, não assiste uma vez mais, razão aos recorrentes, decaindo também nesta parte, as conclusões apresentadas.
Por último, vêm os recorrentes arguir a nulidade de omissão de pronúncia, relativamente ao pedido de condenação do réu como litigante de má-fé.
A omissão de pronúncia, referida na alínea d) do nº. 1 do art. 668º. do CPC., só acontece quando o julgador deixe por resolver questões que as partes submeteram à sua apreciação.
Tal omissão está relacionada com o comando contido no nº. 2 do art. 660º. do CPC., exigindo ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
As questões a decidir são integradas pela causa de pedir e pelo pedido.
Ora, perante a forma como foi dilucidada a questão, ou seja, perante a absolvição do réu da totalidade do pedido, poder-se-á entender que o conhecimento de tal pedido ficou prejudicado.
Porém, ainda que assim se não entendesse, sempre este Tribunal poderia ao abrigo do disposto no artigo 715º., do CPC., conhecer de tal questão, uma vez que os autos contém todos os elementos para tal, o contraditório foi assegurado e o princípio da economia processual, o impõe.
Com efeito, entende-se que o julgador se preocupe com a honestidade intelectual das partes, censurando a sua postura processual, quando excedam os limites de uma normal e prudente defesa.
Contudo, da análise da postura processual do réu, não vislumbramos que o mesmo tivesse usado de qualquer incorrecção, pelo que, nunca seria de acolher tal pretensão.
Destarte, não tendo a sentença recorrida violado qualquer normativo, não sendo, por isso passível de reparo, improcedem na totalidade as conclusões do recurso apresentado.

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.
Custas a cargo dos apelantes.
Lisboa, 20/3/07

Rosário Gonçalves
Maria José Simões
Azadinho Loureiro