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NACIONALIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I- A atribuição de reserva a favor dos anteriores titulares de prédio rústico nacionalizado traduz aquisição originária do direito de propriedade II- O exercício do direito de reserva está sujeito a prazo de caducidade III- Nos termos da Lei n. 77/77, de 29 de Setembro e Decreto-Lei n.º 189-C/81, de 3 de Julho, a reserva requerida por um dos anteriores proprietários não pode ser considerada adquirida ipso jure pelos demais que não a requereram. IV- O Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, no que respeita à entrega do produto da venda da cortiça de campanhas anteriores, procedia ao pagamento aos reservatários, reconhecida e entregue a reserva, desde que no momento da distribuição e destinação do produto líquido da venda da cortiça se comprovasse a existência de reservas demarcadas, de pedidos de reserva ou de propostas de declaração de não expropriabilidade dos prédios em que fora produzida a cortiça que, no caso em apreço, tinham sido apresentados apenas pelos AA, não pelos RR. V- Assim, os reservatários que receberam o produto da venda da cortiça são possuidores de boa fé pois não estavam a lesar com a sua posse o direito dos anteriores proprietários que só ulteriormente vieram a assumir, na mesma Herdade, a posição de reservatários e, assim sendo, assiste-lhes o direito de fazer seus o percebimento dos frutos naturais (artigo 1270.º/1 do Código Civil) VI- Na acção de apreciação negativa, o A deve alegar os factos integrativos da causa de pedir (artigos 4.º/2, alínea a) e 193.º do Código de Processo Civil) o que é diferente da justificação do seu interesse em agir resultante do facto de os RR invocarem publicamente um direito que os AA consideram não lhes assistir VII- Se o processo prosseguiu por se atender à causa de pedir consubstanciada nos factos constitutivos do direito que os RR consideram assistir-lhes (artigo 343.º/1 do Código Civil), o caso julgado não pode deixar de ser considerado à luz da causa de pedir em litígio nos autos. (S.C.)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. E, L, V instauraram no dia 10-7-1986 acção declarativa com processo ordinário contra Maria, José, MT, MC e Instituto de Gestão Fundiária deduzindo três pedidos:
1º- Que o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária tinha a obrigação de passar os cheques n.ºs 318481 e 318482 nos montantes de 1.583.820$00 e de 9.882,318$50, respectivamente, a favor dos AA, como efectivamente passou.
2º- Que o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária não tinha a obrigação de passar os cheques também a favor dos demais RR.
3º- Que os RR (salvo o Instituto) não têm qualquer direito a receber dos AA a dita quantia de 5.733.069$25. 2. Justificando os pedidos, referem os AA que os RR (pessoas singulares) dizem publicamente que os ditos cheques deviam ter sido passados também a seu favor e isto porque o montante de 11.466.138$50 neles representado lhes pertencia também na proporção de metade. 3. A questão de fundo a decidir nestes autos ficou definida a partir da contestação. 4. AA e RR eram comproprietários da Herdade do Chaparral. 5. Os RR eram comproprietários de outra Herdade denominada Herdade da Cordeira. 6. Na sequência das nacionalizações das terras verificadas depois do 25 de Abril foi facultado aos proprietários exercer direito de reserva e, assim, no que respeita à Herdade do Chaparral a reserva foi exercida apenas pelos AA ao passo que, quanto à Herdade da Cordeira, a reserva podia ser (ou foi) exercida apenas pelos RR. 7. A entrega da reserva a favor dos AA e seu pai verificou-se no dia 26-6-1985, a reserva tinha 66.746 pontos correspondentes a 438.4050 ha, reserva limitada à totalidade do montado de sobro por ser essa a única cultura explorada directamente pelos seus proprietários à data da nacionalização 8. Não se questiona, assim, que, ao abrigo da reserva, os pagamentos que fossem devidos pelos rendimentos dela provenientes (cortiça, no caso), durante a fase da ocupação, nos anos de 1982, 1984 e 1985 fossem efectuados, nos termos da lei, aos reservatários e só a eles. 9. Por isso, as quantias constantes dos cheques referenciados deviam ser pagas ao titular da reserva como efectivamente sucedeu. 10. De facto, competindo, nos termos da Lei n.º 26/82, de 23 de Setembro, ao IGEF entregar aos interessados, caso existisse reserva demarcada ou pedido de reserva, o produto da venda da cortiça nos prédios rústicos nacionalizados ou expropriados, o IGEF, no que respeita à cortiça extraída nas campanhas de 1982/1984 referentes ao prédio rústico “Herdade do Chaparral”, pagou em 3 Jan. 1986 aos anteriores proprietários, ora reservatários, a referida quantia de 11.466.138$50 por meio de dois cheques, um respeitante à campanha de 1982 e outro à campanha de 1984 11. Os RR, no entanto, consideram que têm direito a receber parte dessa quantia por força de um acordo verbal que celebraram com os AA e seu pai. 12. Os RR não exerceram, enquanto comproprietários, direito de reserva incidente sobre a Herdade do Chaparral. 13. O invocado acordo é o seguinte:
- J e filhos [estes, ora AA] iriam tentar exercer o direito de reserva na máxima área possível na Herdade do Chaparral.
- Os restantes comproprietários iriam tentar exercer semelhante direito na Herdade da Cordeira.
- Até à data da entrega da mesma, todas as despesas e receitas inerentes à Herdade do Chaparral seriam da responsabilidade ou benefício comum.
- Uma vez recebida a reserva na Herdade do Chaparral e após se tomar conhecimento do valor definitivo das indemnizações relativas à parte excedentária a essa reserva, procurar-se-ia determinar, mediante critérios de avaliação a estabelecer, se as posições relativas das compartes se encontravam equilibradas, ajustando-as em caso negativo. 14. Referem ainda os RR que, na base deste acordo, está uma realidade jurídica indesmentível: AA e RR eram comproprietários de um prédio e ficaram contitulares dos direitos emergentes da nacionalização desse prédio (incluído o direito de reserva). 15. Os AA negam que tal acordo tenha sido celebrado e chamam a atenção para o facto de os RR não terem, nos termos da lei, direito ao produto da venda da cortiça nas herdades, pois tal direito cabia apenas ao reservatário e os RR não eram reservatários da propriedade do Chaparral. 16. E referiram ainda que os RR só tinham direito a uma reserva e deliberaram exercer esse direito na Cordeira já que as suas quotas no Chaparral, se aqui reservassem, não seriam de tanto valor; os RR tinham que optar entre exercer o direito de reserva conjuntamente com os AA e o pai destes no Chaparral ou exercerem-no sozinhos na Cordeira e deliberaram exercê-lo sozinhos na Cordeira, mas não em virtude de qualquer acordo com os AA, mas apenas no próprio interesse dos RR. 17. Os dois primeiros pedidos foram julgados procedentes (decisão de fls. 53) tendo sido absolvido da instância, quanto ao 1º pedido, os RR, pessoas singulares 18. A acção prosseguiu, pois, para apreciação do terceiro pedido. 19. Na pendência dos autos, antes da prolação da sentença ora sob apreciação, vieram os RR, para efeito do disposto no artigo 663.º do C.P.C., juntar aos autos documento comprovativo da entrega no dia 22 MAI 1989 dos prédios rústicos denominados “Cordeira” e Chaparral” referindo-se, quanto a este, que “ cada parte é de 90/360, para cada uma das partes interessada no processo”(ver fls. 110/111) 20. Mereceu oposição esta pretensão considerando a inaplicabilidade ao caso da referida disposição legal, pois há que atender à legislação vigente no momento em que o pagamento foi efectuado, considerando ainda que o direito substantivo não prevê tal entendimento. A junção do documento foi admitida (fls. 115) 21. Está junto aos autos despacho de 3 JUL 1990 do Ministro da Agricultura e Pescas onde se refere que, nos termos conjugados dos artigos 34.º, 31.º e 17.º da Lei n.º 109/88 se declara “ não nacionalizada a Herdade do Chaparral […] sendo restabelecido ao abrigo do artigo 14º daquela lei o direito de propriedade na proporção das quotas dos comproprietários, tal qual existia à data da publicação do Decreto-lei nº 407-A/75” (fls. 178/179 dos autos) 22. Nas alegações de recurso interposto pelos AA - a acção foi julgada improcedente no que respeita ao pedido sobrante (decisão de 10-2-2000 a fls. 585/592) - insurgem-se eles quanto à ausência de razões da motivação da matéria de facto (artigo 653.º/2 do C.P.C.) verificando-se, em seu entender, nulidade por falta de fundamentação. 23. A parte restante das alegações centra-se na discussão da matéria de facto considerando os recorrentes, atentos os depoimentos prestados e documentos juntos, designadamente a declaração (de 18-2-1986), junta com as alegações ( de 19-5-2000), que o pai dos AA lhes dirigiu, que os factos dados como provados respeitantes ao referenciado acordo deveriam ao invés ter sido dados como não provados. 24. Justificando a junção do documento apenas agora, com as alegações, refere o recorrente que “ apenas no mês de Agosto de 1997, o apelante encontrou, ao rebuscar em todos os arquivos de seu pai, os dois documentos que ora se juntam”: ver fls. 615). 25. Os RR, face à junção dos aludidos documentos (fls. 616/619) com as alegações de recurso declararam o seguinte:
- Que tais documentos não eram supervenientes,” nem a sua junção apenas se torna necessária em função do julgamento efectuado em 1ª instância (artigo 706.º do C.P.C.): ver fls. 627
- Que se impugna a autenticidade e força probatória dos documentos nos termos do artigo 517.º/2 do C.P.C. 26. Os AA responderam (ver fls. 631) à declaração feita pelos RR face à junção de documento, reiterando o requerimento de fls. 615 e juntando prova. 27. Por sua vez os RR, no requerimento de fls. 634/638 (de 6-11-2000) pedem que se julgue falso o documento nº2 (junto a fls. 619), requerendo, para o efeito, prova pericial a incidir sobre o original do documento a efectuar pelo Laboratório de Polícia Científica e arrolando prova testemunhal (ver fls. 638). 28. Os referidos documentos foram admitidos. 29. O incidente deduzido a fls. 627 com resposta a fls. 631/632 prosseguiu para instrução e julgamento a originar a remessa dos autos do Tribunal da Relação para o Tribunal de 1ª instância. 30. O incidente deduzido a fls. 634 não foi admitido (ver decisão da Relação de fls. 646/647 confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça: acórdão de 31-1-2002 de fls. 690/693) 31. O incidente veio a prosseguir tendo sido proferida decisão (ver fls. 1329/1344) que julgou o incidente procedente, julgando não demonstrada a genuinidade dos documentos de fls. 616/619 dos autos, decisão da qual foi interposto recurso de agravo. 32. Insurgem-se os recorrentes quanto às respostas aos quesitos 3 e 4 considerando que a prova produzida não permite que sejam dados como provados os aludidos quesitos; insurgem-se quanto à falta de motivação das respostas.
Apreciando: 33. O acórdão da matéria de facto (ver fls. 577/578) proferido no dia 25-11-1997 encontra-se motivado, na parte que releva, da seguinte forma:
Para a sua convicção, considerou o Tribunal o teor da carta precatória enviada ao tribunal de círculo de Santiago do Cacém, vd. fls. 292/298 do II volume bem como os documentos juntos aos autos, designadamente os de fls. 32 e 33, certidão de fls. 110 e 111, certidão de fls. 244 a 252 do II Volume, certidão de fls. 253 a 265 do II Volume, certidão de fls. 383/386 do III volume, certidão de fls. 389 a 407 do III Volume, documentos de fls. 410/418 do III Volume, docs. de fls. 430/435 do III Volume, docs de fls. 455/464 do III Volume. 34. A motivação, como se pode verificar, limita-se à declaração dos elementos de prova que foram decisivos para a convicção do julgador, mas não procedeu “à análise crítica das provas especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador” (artigo 653.º/3 do Código de Processo Civil redacção 1995/1996). 35. Dir-se-á que, não o fazendo, o Tribunal não incorreu em falta processual visto que, proposta a acção ainda no domínio da lei anterior, a redacção que releva é a anterior que impunha ao tribunal especificar, quanto aos factos provados, os que foram decisivos para a convicção do julgador. De facto, as modificações constantes do decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, não se aplicam aos processos pendentes e o aludido preceito respeitante à motivação não foi excepcionado da regra geral. 36. No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça há muito que vinha definindo orientação no sentido de que não bastava, em sede de motivação, a mera referência genérica aos elementos de prova. 37. Lê-se assim, no Ac. do S.T.J. de 4-7-1980 (Octávio Dias Garcia) B.M.J. 299-320 o seguinte: o que este tribunal tem dito é que não basta a remissão genérica para os depoimentos das testemunhas [...]. Há necessidade de concretização”. 38. Essa concretização seria suficiente com a “concisa exposição dos motivos de facto em que a decisão se funda” o que constitui algo mais do que a indicação concretizada dos meios de prova. 39. Este entendimento não era, porém, unânime. 40. E, na verdade, a decisão de mandar baixar os autos de novo ao tribunal recorrido para fundamentação da resposta pressupunha a falta de menção “ dos meios concretos de prova em que se haja fundado a convicção dos julgadores”. 41. Ora a menção dos meios concretos de prova prende-se mais com a ideia da indicação dos documentos, perícias, testemunhas, depoimentos e outros meios de prova apresentados em juízo que contribuíram para a resposta positiva ao quesito e menos com a exposição das razões decisivas para a convicção do julgador. 42. Seja como for, as respostas, tal como foram no caso motivadas, a padecerem de algum vício seria o da deficiente fundamentação. 43. No entanto, a baixa do processo ao tribunal recorrido pressupunha requerimento de parte, que não houve, não podendo impor-se oficiosamente a remessa dos autos nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 713.º/3 do C.P.C./61. 44. Não está, no entanto, vedado ao tribunal da Relação reanalisar a matéria de facto visto que, no caso, constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à resposta. 45. Quanto a este ponto importa salientar que não há nenhum documento em que se faça referência aos termos concretos do acordo que os RR alegaram ter ocorrido. 46. Nas cartas de 18-7-1986 e de 28-1-1986 (ver 16 da matéria de facto) o advogado que era, ao tempo, também advogado dos AA, declara que as cortiças das campanhas pertencem, na “proporção de metade, aos primos comproprietários do Chaparral”, os ora réus, mas não se refere a nenhum contrato. 47. Surpreende que, a ter havido contrato, e contrato com algum detalhe, como resulta da matéria alegada que deu origem ao quesito 3º, não tenha o causídico, que evidencia junto do A. a sua indignação, referido que estava a ser desrespeitado um contrato. 48. Ainda que se admitisse, com base na prova produzida, que houve um acordo entre AA e RR ou entre o pai dos AA e os RR, sempre se imporia, no mínimo dos mínimos, apurar em concreto os termos do acordo celebrado. 49. A prova testemunhal é manifestamente insuficiente. 50. De facto, José Alexandre da Costa Simões declarou “que tinha conhecimento do acordo referido no quesito”, mas depois refere que não esteve presente quando do acordo, não sabe esclarecer a data do acordo, não pode precisar o local do acordo. Relativamente a um pagamento, a testemunha reconhece que o pai dos AA “ tinha reticências em que os primos aceitassem, por já não ter tempo de os contactar” e acrescenta que “ tais reticências referiam-se ao facto de os primos eventualmente não quererem participar nessas despesas”.Depois, quanto ao quesito 4.º “ acha que sim”. E acha que sim na sequência lógica do acordo que existia. 51. A testemunha considera que iriam ser efectuadas contas finais por causa do benefício que advinha para os AA pelo facto de não exercerem o direito de reserva na Herdade do Chaparral. 52. No entanto, isso não nos diz que acordo em concreto foi celebrado; o acordo podia ter a ver inclusivamente com o pagamento de compensação pelo facto de os RR não requererem para si a reserva nessa Herdade; podia ter outro conteúdo. 53. A prova claudicou. 54. Não se sabe ao certo o que houve, se houve alguma coisa. 55. A outra testemunha é típica testemunha de ouvir dizer. 56. Não pode, por conseguinte, dar-se como provado, com estes tão parcos elementos probatórios, os referenciados quesitos. 57. E quanto aos documentos referidos na decisão (acórdão da matéria de facto)? 58. A certidão de fls. 110/111 tem a ver com a entrega no dia 22-5-1989 aos RR de prédios rústicos, mas é totalmente alheia ao acordo em causa nos autos. 59. O doc. de fls. 244 e seguintes é certidão do registo predial. Nada adianta; idem quanto ao de fls. 253/265; o de fls. 383/386 é um contrato, mas obviamente nada tem a ver com a questão de facto em análise porque respeita à divisão de cortiça extraída da herdade do Chaparral em 1989 e 1991; o doc. de fls. 390/407 respeita a escritura de divisão de coisa comum proferida na sequência de despacho do Ministro da Agricultura e Pescas de 3 JUL 1990 que declarou não nacionalizada a herdade do Chaparral. 60. Os doc de fls. 409/419 respeitam a contas e despesas de 1975 e anos anteriores. Nada têm a ver com a questão em apreço; os de fls. 430/435 respeitam igualmente a anos anteriores; o doc. de fls. 454/461 constitui exposição dirigida pelo pai dos AA em Junho de 1977 ao Ministro da Agricultura. 61. Nos autos está em causa saber, como se disse, se os RR tinham direito ao recebimento da cortiça das campanhas de 1982/1984 com fundamento no contrato verbal a que se vem fazendo referência. 62. Do exposto resulta que não se consideram provados os quesitos 3º 4º e 5º. 63. Factos provados:
(Acórdão do tribunal Colectivo de 24-11-1999 a fls. 577)
1 - Em 3 Jan. 1986 o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária (IGEF) preencheu os cheques com os nºs 318481 e 318482 sobre a Caixa Geral de Depósitos nos montantes, respectivamente, de 1.583.820$00 e 9.888.318$50.
2 - Em 4 ou 5 Jan. 1986 o referido Instituto entregou ambos os cheques ao 1º A, Eduardo Nunes de Carvalho.
3 - Aquele 1º A. assinou uma declaração perante o citado Instituto referindo que dele recebeu os ditos cheques.
4 - Antes do dia 15-1-1986 os AA depositaram os dois referidos cheques numa sua conta de depósitos no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa.
5 - Os dois cheques foram cobrados e na referida conta dos AA foi creditada a soma do montante dos dois cheques: Esc. 11.466.138$50
6 - Os referidos cheques correspondiam a quantias provenientes da extracção e comercialização da cortiça respeitante ao prédio rústico denominado “Herdade do Chaparral” sito na freguesia do Vale de Santiago, concelho de Odemira.
7 - O referido prédio havia sido nacionalizado ao abrigo do Decreto-lei nº 407-A/75, de 30 de Julho por se encontrar localizado no perímetro de Campilhas e Alto Sado
8 - Os AA e seu pai, Jaime Neves de Carvalho, tentaram exercer o direito de reserva relativamente à referida “Herdade do Chaparral”
9 - Os AA e seu pai receberam, em 26 JUN 1985, uma reserva na “Herdade do Chaparral”, na sequência do referido em 8, com 66,746 pontos, correspondendo à área de 438,4050 ha a qual foi limitada à totalidade do montado de sobro.
10- A referida área de reserva foi atribuída aos anteriores proprietários, os ora AA e seu pai, por despacho do Ministro da Agricultura de 16 ABR 1985.
11- Foi por aqueles apresentado em Julho de 1985 pedido oficial para recuperação dos valores relativos às cortiças extraídas pelos serviços oficiais, durante a fase de ocupação, nos anos de 1982, 1984 e 1985.
12 - Tal pedido veio a ser deferido e, por autorização superior do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, datado de 22 Out. 1985, foram enviados ofícios aos reservatários referidos em 10 a fim de, após identificação e apresentação de documento comprovativo de que a situação contributiva em relação à previdência se encontrava regularizada, se apresentarem na secção de contabilidade do IGEF onde lhes seriam entregues as chaves respeitantes às importâncias devidas.
13- Esses cheques acabaram por ser passados pelo IGEF e entregues ao 1º A nos termos indicados de 1 a 3.
14 - Os primeiros 4 RR têm afirmado publicamente que os AA. ao receberem a totalidade dos cheques referidos em 1, se constituíram na obrigação de lhes entregar a quantia de 5.733.069$25 correspondente a metade do montante global dos cheques.
15- Em período que antecedeu a entrega dos cheques referida em 2 foram os AA e os restantes RR (salvo o Instituto) assistidos pelo mesmo advogado, Francisco da Costa Reis.
16 - Este advogado escreveu ao A. as cartas cujas cópias constituem fls. 34 a 37.
17 - Os cheques referidos em 1 foram levantados, conforme se descreve em 2, com total desconhecimento do advogado Costa Reis.
18 - Os primeiros 4 RR fizeram junto dos AA várias diligências no sentido da divisão das quantias representadas pelos referidos cheques.
19- Em 24-4-1974 os AA e os primeiros 4 RR eram titulares do prédio referido em 6 nas seguintes proporções:
a) J - propriedade plena (124/360)
b) Maria - propriedade plena 80/360
c) Maria M - nua propriedade 10/360
d) José, MT e MC - propriedade plena 80/360 e nua propriedade 10/360
e) E e suas irmãs Leonor e Vera em comum e partes iguais e em nua propriedade 56/360
f) Maria E-usufruto76/360 (Q1)
20- Os primeiros RR eram comproprietários de um prédio rústico, denominado “Herdade da Cordeira” com o n.º176 da secção B da freguesia de S. Domingos, do concelho de Santiago do Cacém (Q2)
[ Q3: Os AA e os primeiros 4 RR convencionaram agir do seguinte modo:
a) J e filhos [estes, ora AA] iriam tentar exercer o direito de reserva na máxima área possível na Herdade do Chaparral.
b) Os restantes comproprietários iriam tentar exercer semelhante direito na Herdade da Cordeira.
c) Até à data da entrega da mesma, todas as despesas e receitas inerentes à herdade do Chaparral seriam da responsabilidade ou benefício comum.
d) Uma vez recebida a reserva na Herdade do Chaparral e após se tomar conhecimento do valor definitivo das indemnizações relativas à parte excedentária a essa reserva, procurar-se-ia determinar, mediante critérios de avaliação a estabelecer, se as posições relativas das compartes se encontravam equilibradas, ajustando-as em caso negativo.
Resposta: não provado, conforme acórdão)
[ Q4: Das verbas referidas em 11, as respeitantes aos anos de 1982 a 1984 deveriam ser divididas pelos comproprietários conforme acordo referido em 21
Resposta: não provado, conforme acórdão
[ Q5: O produto da venda das cortiças extraídas em 1985, também referida em 11, caberia aos AA nas condições referidas na alínea d) de 21.
Resposta: não provado; no tribunal recorrido respondera-se “Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 3º”]
[ Q6: Os primeiros 4 RR deliberaram entre si exercer o seu direito de reserva na “Herdade do Cordeiro”
Resposta: não provado]
[ Q7: E não exercê-lo conjuntamente com os AA e o pai destes na “Herdade do Chaparral”
Resposta: não provado]
[ Q8: Não havendo. por isso, qualquer acordo com o pai dos AA ou com os AA?
Resposta: não provado]
[Q9: O facto descrito em 17 deveu-se a que o advogado nada fez para levantar os cheques referidos em 1
Resposta: não provado
[ Q10: Apesar das insistências do primeiro A. para que aquele advogado procurasse resolver o assunto com a maior brevidade
Resposta: não provado
[ Q11: O 1º A deu conhecimento posterior do facto descrito em 2 ao advogado Costa Reis por escrito
Resposta: não provado.
Apreciando: 64. A presente acção é uma acção de simples apreciação negativa. 65. Os AA tinham interesse em agir visto que os RR (pessoas singulares) afirmaram publicamente que os AA, ao receberem a totalidade dos cheques referidos, se constituíram na obrigação de lhes entregar a quantia de 5.733.069$25 correspondente a metade do montante global dos cheques (ver 14). 66. Podiam os AA ter alegado factos que, uma vez provados, levassem o Tribunal a concluir de forma absoluta que “ os 1,º, 2.º, 3.º e 4.º RR não têm qualquer direito a receber dos AA a dita quantia de 5.733.069$25”. 67. Não foram, porém, por eles alegados factos nesse sentido e, por conseguinte, dificilmente se vislumbra que o pedido pudesse alguma vez proceder interpretado em termos tão absolutos. 68. A acção de apreciação negativa não é acção em que o A. esteja dispensado de invocar factos integrativos da causa de pedir o que é diferente da invocação das razões que o levam a propor a acção. 69. Não sendo alegados factos pelo A. acontece que a acção de apreciação negativa passa a assumir feição similar às antigas acções provocatórias. 70. Refere-se na Revista de Legislação e de Jurisprudência (80.º Ano, página 229 e seguintes) o seguinte:
Alberto dos Reis […] procurou demonstrar esta tese: a abolição, pelo direito moderno, das chamadas acções provocatórias (juízos de jactância ou provocação) não implica logicamente a eliminação ou condenação das acções de simples declaração.
É que a estrutura destas acções é completamente diferente da das acções de provocação.
O que tornava odiosos os denominados juízos de jactância ou provocação era a situação que por meio deles se criava àquele que se arrogava determinado direito contra outro. Um indivíduo propalava, por exemplo, que era credor de outro por determinada quantia; a pessoa visada por esta jactância como devedor tinha o direito de compelir o suposto credor a propor contra ela, dentro de certo prazo, a acção de dívida, sob pena de nunca mais poder arrogar-se o mesmo direito de crédito.
Quer dizer, consentia-se que um indivíduo forçasse outro a ser autor dentro de certo prazo (provocatio ad agendum), sob pena de ser condenado a perpétuo silêncio (impositio silentii) […]
Ora, desde que a acção de simples declaração se construa segundo os moldes normais, isto é, desde que o indivíduo que se considera prejudicado, em vez de lançar sobre outro o ónus da proposição da acção, assuma, ele próprio, esse ónus, nenhuma repugnância pode inspirar a admissibilidade de tal acção. 71. A ausência de factos alegados pelo A que suportem a sua pretensão, se não fosse sancionada processualmente com decisão de nulidade, conduziria a presente acção a resultado similar às acções de jactância pois a inércia do réu sujeitá-lo-ia, por força do caso julgado, a preclusão definitiva de discussão. 72. No entanto os RR vieram, na contestação, definir a causa de pedir alegando os factos que estariam na base daquilo que propalavam, ou seja, que tinham direito a metade do pagamento devido pelas campanhas de extracção de cortiça dos anos 1982/1984. 73. Os RR têm o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito (artigo 343.º/1 do Código Civil) e, no caso vertente, como se viu, não lograram conseguir essa prova. 74. Não se segue daqui que, a considerar-se delimitada a causa de pedir a esses factos, se imponha a decisão contrária, ou seja, a decisão de julgar procedente o pedido formulado ou, pelo menos, de o considerar nos termos em que foi apresentado. 75. É que da ausência de prova da matéria alegada pela defesa não se segue necessariamente o contrário, ou seja, no caso em apreço, que “ eles [RR] não têm qualquer direito a receber dos AA a dita quantia de […]”. 76. A entender-se que os RR limitaram a sua defesa à questão da existência de um contrato verbal onde se estipulara que os RR comparticipariam nas despesas e aufeririam os rendimentos provenientes da Herdade, o contrário a inferir da falta de prova desta matéria é apenas e tão somente que os RR não têm direito a receber dos AA a dita quantia com base no contrato verbal referenciado nos autos. 77. Isto porque a causa de pedir, a ser assim, não pode deixar de se circunscrever à causa que efectivamente foi alegada, a única discutida, assente que os AA não se referiram, na petição, a outro fundamento causal de facto de que resultasse o reconhecimento de não terem os RR direito a receber a referida quantia. 78. Pressupõe-se, portanto, que a ausência de prova dos factos constitutivos do direito de que o réu se arroga levará à procedência do pedido do autor quando a falta de prova de x implique o respectivo contrário. Assim, e considerando o exemplo que se apresenta frequentemente, o de acção negatória de paternidade, dir-se-á que, alegando o A.(pretenso pai) que não manteve relações sexuais com B.( a mãe), não provando o réu a filiação biológica, impõe-se a conclusão de que o A. não é efectivamente o pai da criança. 79. Queremos significar que o caso julgado não pode assumir na acção de apreciação negativa uma dimensão mais ampla do que teria se a causa de pedir fosse definida pelos próprios AA. 80. Pedir que se reconheça que uma determinada pessoa não tem “qualquer direito a receber de outra pessoa uma determinada quantia” pressupõe a invocação de factos que, postos em confronto com os factos constitutivos de quem se arroga credor, imponham a referida asserção. Admita-se que A. pede que se declare que não é devedor do réu de qualquer quantia e, para tanto, alega que apenas manteve na sua vida um único contacto comercial com B. do qual resultou determinada dívida que pagou, se B. alegar que houve outro contacto comercial de que resultou outra dívida e não provar o facto constitutivo, pode então julgar-se procedente o pedido. 81. Não parece, no entanto, aceitável, nos termos em que a presente acção se configurou, o reconhecimento de que os RR não têm qualquer direito a receber dos AA a referida quantia, interpretada a expressão em termos absolutos, porque isso significaria que não tinham direito a recebê-la à luz do contrato verbal em causa nos autos, o que se provou, mas também à luz de direito emergente de outro contrato celebrado entre as mesmas pessoas. 82. Não há, por conseguinte, nas acções de apreciação negativa alteração das regras do caso julgado. A diferença está apenas em que, tratando-se de acção de apreciação negativa, não se devem esquecer os graves transtornos que a solução pode criar ao réu, inesperadamente obrigado a intervir numa acção que ele poderia querer propor só mais tarde e a fazer prova do direito que se arroga, sob pena de o ver definitivamente precludido. Para atender a esta circunstância, o artigo 486.º/4 do Código de Processo Civil [redacção anterior à revisão de 1985] admite que o prazo de contestação nessas acções seja prorrogado, sempre que o réu justifique a necessidade de prorrogação. Vejam-se outras especialidades do regime das acções de simples apreciação negativa nos artigos 502.º.n.º3 e 504.º do Código de processo civil [redacção anterior à revisão de 1995/1996] (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol 1º, 4ª edição, pág. 307) 83. Pretende-se, assim, salientar que o Réu numa acção desta natureza ( em que a causa de pedir é delimitada pelo réu) não pode ficar, no que respeita ao caso julgado, em situação diferente daquela em que ficaria se tivesse sido ele a demandar com base na causa de pedir em litígio em vez de ser ele o demandado. 84. Claro que se os AA. tivessem alegado factos integrativos da causa de pedir fundando a sua pretensão nesses factos, o caso julgado limitava-se logicamente à causa de pedir com a extensão definida na petição; como isso não sucedeu, a definição da amplitude da causa de pedir restringe-se à que foi delimitada pela defesa. 85. A situação de incerteza que justifica propor-se acção de simples apreciação negativa cessa com o decaimento dos RR, atenta a causa de pedir em discussão. 86. No entanto, na contestação (artigo 48º), alegam ainda os réus que, na base do acordo referido - que não se provou, repete-se - “está uma realidade jurídica indesmentível: AA e RR eram comproprietários de um prédio e ficaram contitulares dos direitos emergentes da nacionalização desse prédio ( incluindo o direito de reserva). 87. E, nas alegações de recurso que apresentaram junto do Tribunal da Relação, os réus concretizaram, em termos de direito, o seu entendimento de que a Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro tratava os comproprietários como um só titular (artigo 32.º/1) competindo o direito de reserva ao titular do direito de propriedade (artigo 37.º) não admitindo a lei que algum dos comproprietários excluísse outros desse direito pelo facto de se dirigirem isoladamente ao Ministério da Agricultura, pois a lei não dá isoladamente a cada um dos comproprietários qualquer direito à reserva. 88. E a mesma situação se verifica, prosseguem os RR, face ao artigo 6.º/3 do Decreto-Lei nº 189-C/81 que impõe a entrega das referidas reservas aos interessados que, em caso de compropriedade, são todos os comproprietários. 89. Consideram ainda os RR que a Lei de Bases da Reforma Agrária (Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro) se aplica às reservas já existentes, mediante requerimento dos interessados (artigo 33.º), facto superveniente que o tribunal deve ter em linha de conta (artigo 663.º do Código de Processo Civil), prescrevendo o artigo 23º dessa lei que “os frutos dos prédios expropriados percebidos ou pendentes à data da posse administrativa pertencem aos que nessa data sejam ou forem seus legítimos possuidores” e o artigo 7.º/3 do Decreto Regulamentar n.º 44/88, de 14 de Dezembro sanciona expressamente o entendimento de que o pedido de reserva efectuado por um dos titulares aproveita aos outros contitulares do direito. 90. Há, portanto, uma causa de pedir mais ampla do que aquela que se limitaria à questão de saber se os RR tinham ou não tinham direito a receber a quantia em causa com base no contrato verbal celebrado com os AA e seu pai. 91. Dito isto, afigura-se-nos que, procedendo o pedido deduzido pelos AA nos seus precisos termos, não pode ele deixar de se considerar, quanto ao respectivo conteúdo, com o âmbito resultante da causa de pedir definida pelos RR. 92. Não terão, assim, os RR direito a receber dos AA a dita quantia fundada quer (a) em acordo verbal estabelecido entre o pai dos AA, os AA e os RR, quer (b) na base do entendimento de que os RR, com a atribuição de reserva a favor dos AA, ficaram contitulares da reserva que a estes foi atribuída, quer (c) ainda por virtude da atribuição da reserva que lhes foi efectuada na sequência de despacho ministerial referenciado a fls. 109/110. 93. Mas já não fica abrangido pela expressão “qualquer direito” o direito que possa advir aos RR na sequência da desnacionalização operada pelo despacho ministerial DE 3-7-1990 ou o direito que lhes possa advir, por exemplo, na base de acordo que haja sido firmado entre as partes (diverso do acordo verbal aqui invocado e em discussão), possibilidade que não se pode excluir porque, como se verifica, na pendência dos presentes autos que perduram há duas décadas, já houve contratos firmados a que estes autos são alheios. 94. O litígio deve, portanto, considerar-se delimitado nestes termos que correspondem às questões a apreciar: saber se os RR têm direito à parte do produto da cortiça das campanhas de 1982/1984 por deverem considerar-se também reservatários da reserva atribuída aos AA em 1985 ( ver supra parágrafo 7) beneficiando do pedido de reserva por eles efectuado (ver supra parágrafo 14)ou então porque, atribuída a reserva ulteriormente na sequência de pedido feito pelos RR, a propriedade deve considerar-se adquirida retroactivamente sendo-lhes, portanto, devida a quantia paga aos AA pela cortiça das campanhas de 1982/1984 (ver supra 19 ) 95. O Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho procedeu à nacionalização dos prédios rústicos incluídos nas áreas indicadas cuja área corresponda a mais de 50.000 pontos de acordo com tabela anexa considerando-se extintos todos e quaisquer direitos, ónus reais e outros encargos que incidam sobre prédios nacionalizados (artigos 1.º e 2.º). 96. Permitiu a lei que os proprietários atingidos pelas medidas de nacionalização pudessem reservar, na zona nacionalizada, uma área de terra, a demarcar em função do ordenamento global das expropriações a estabelecer até ao limite equivalente a 50.000 pontos observados determinados requisitos cujo desaparecimento superveniente sujeitava a expropriação a área reservada. 97. O direito de reserva não é o direito de propriedade, mas um direito potestativo sujeito a caducidade se não fosse exercido em determinado prazo (artigo 4.º do DL 407-A/75). A caducidade do exercício do direito de reserva foi sempre afirmada pela lei: assim, o Decreto Regulamentar n.º 44/88, de 14 de Dezembro permite, no artigo 7.º/1 que
1 - Nos casos em que as reservas já hajam sido demarcadas no âmbito da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, não tenham sido requeridas ou cujo requerimento haja sido extemporâneo, o requerimento do exercício do direito de reserva deverá ser apresentado pelo interessado até 29 de Dezembro de 1988, sob pena de caducidade de exercício do respectivo direito. 98. A nacionalização não se confunde com a expropriação. Como refere Oliveira Ascensão “ A caducidade da Expropriação no âmbito da reforma Agrária” in Estudos sobre Expropriações e Nacionalizações, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1989,
A nacionalização foi obra do Decreto-lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho. Incidiu sobre os prédios rústicos beneficiados pelos aproveitamentos hidroagrícola referidos no artigo 1º daquele diploma […]
A expropriação incidiu sobre os prédios situados na chamada zona de intervenção da reforma agrária que excedessem uma área que se fixou. Após algumas vicissitudes iniciais, acabou por encontrar o seu diploma básico na lei n.º 77/77, de 29 de Setembro - Bases Gerais da Reforma Agrária.
Uma grande diferença separa os dois processos. A nacionalização é prevista como automática. Os prédios nacionalizados revertem imediatamente para o Estado. O apossamento efectivo pelo Instituto da Reforma Agrária não condicionaria o processo, tão-pouco o pagamento da indemnização ou a demarcação da reserva (artigo 8.º). Pelo contrário, a lei n.º 77/77 tem o sentido de estabelecer a genérica sujeição à expropriação (artigo 23.º). Essa sujeição à expropriação deverá ser materializada por um acto concreto de declaração de utilidade pública em relação aos prédios que se encontrem nas condições legais”. 99. A Herdade do Chaparral, sita no concelho de Odemira, foi nacionalizada e, portanto, ingressou, por via automática, imediatamente na propriedade do Estado. 100. Tanto o Decreto-Lei nº 407-A/75 como a Lei n.º 77/77 permitem, preenchidas certas condições, a atribuição de reserva a favor dos proprietários atingidos pelas medidas da nacionalização, referindo expressamente o artigo 67.º da Lei n.º 77/77 que o “ disposto nesta lei sobre o direito de reserva é aplicável aos prédios nacionalizados, no domínio do decreto-lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho, sem prejuízo da irreversibilidade das nacionalizações”. 101. No tocante ao direito de reserva “observou-se no parecer [do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República] n.º46/89, de 12 de Julho de 1989 (inédito), tratar-se de ‘um direito novo, mas não de um novo direito de propriedade, que nasce da ‘verificação dos requisitos legais da respectiva atribuição e tem como efeito a constituição, o restabelecimento material do conteúdo material do anterior ( e entretanto extinto) direito de propriedade’” ( ver nota 14 ao Parecer n.º 47/91 da P.G.R. de 27-11-1992, DR,II Série, nº 240 de 13-10-1993, pág. 10607/10614). 102. Se o artigo 38.º da lei n.º 77/77 prescrevia que
o titular do direito de reserva goza do direito de propriedade da área de reserva, nos termos da lei civil, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 36.º e no número seguinte deste artigo, 103. já a Lei de Bases da Reforma Agrária (Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro) refere expressamente que
a concessão do direito de reserva determina o restabelecimento do respectivo direito de propriedade, tal como existia à data da expropriação ou da ocupação, quando esta tenha ocorrido em primeiro lugar (artigo 14.º/1). 104. Meneses Cordeiro (“ Da Reforma Agrária e da Natureza das Reservas”, O Direito, Ano 136º, 2004, V, 843-866) considera que, apesar das regras ditadas pela Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, traduzirem uma preocupação de aproximação à manutenção da propriedade, manteve-se o facto “ histórico de os prédios terem sido expropriados. Daí o falar-se em restabelecimento” e não em “ manutenção”.
E, assim, apesar da preocupação de restaurar a ordem anterior, mantém-se a natureza originária da aquisição da propriedade através do mecanismo da ‘reserva’. Essa natureza mais se acentua perante prédios expropriados ao abrigo do diploma de 1975 105. A atribuição de reserva não tinha de suceder à expropriação, reconhecendo a própria Lei n.º 77/77 que “ as áreas de reserva localizam-se nos prédios expropriados ou sujeitos a expropriação ou o mais próximo possível deles” (artigo 35.º/1), distinguindo o Regulamento do Direito de Reserva (Decreto-Lei n.º 81/78, de 29 de Abril) os casos de reservas relativas a prédios já expropriados das reservas relativas a prédios a expropriar (ver capítulos II e III). 106. No caso de prédios já expropriados (ou nacionalizados: o artigo 29.º do DL 81/78 prescreve que as disposições dos capítulos I, II, IV e V são aplicáveis às reservas relativas a prédios rústicos nacionalizados) os interessados deviam requerer a atribuição de reservas, sob pena de caducidade do respectivo direito, dentro dos prazos de vinte dias a contar da notificação efectuada pela competente direcção regional do Ministério da Agricultura e Pescas ou até 30 de Junho de 1978 (artigo 7.º do DL 81/78). 107. O requerimento para atribuição de reserva devia conter a declaração inequívoca por parte do interessado de que pretendia exercer o direito à respectiva reserva (artigo 7.º/2 do DL 81/78). 108. O artigo 14.º do DL 407-A/75, de 30 de Julho prescrevia o seguinte:
Para os efeitos do presente diploma, os cônjuges não separados judicialmente de bens ou pessoas e bens, os comproprietários, a herança indivisa e outros patrimónios autónomos ou agrupamentos de facto semelhantes são tratados como um único proprietário ou arrendatário
O Decreto Regulamentar n.º11/77, de 3 de Fevereiro procedeu a uma revisão das disposições relativas ao direito de reserva de propriedade a todos os proprietários expropriados ou cujos prédios tenham sido nacionalizados. 109. Nesse diploma previa-se que as áreas de reserva se localizassem, em princípio, nos prédios que pertenciam ou eram explorados pelos reservatários, ou o mais próximo possível (artigo 4.º/1) salvo tratando-se de reserva de terras abrangidas pela nacionalização prevista no Decreto-lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho em que a área a reservar se situaria obrigatoriamente no prédio nacionalizado. 110. O artigo 10º/1 do DR 11/77 determinava que o direito de reserva dos titulares de patrimónios e situações jurídicas definido […] no artigo 14.º do DL 407-A/75, de 30 de Julho é atribuído em conjunto a todos os titulares com a mesma extensão e conteúdo que caiba aos reservatários singulares. 111. E prescreviam os nºs 2 e 4:
2- Nas relações internas aplicar-se-á o regime jurídico a que o património ou a situação jurídica estavam submetidos anteriormente à expropriação ou nacionalização
[…]
4- As quotas de cada um dos co-proprietários ou de cada um dos co-titulares dos agrupamentos de facto serão proporcionais às quotas que cada um tinha antes da expropriação ou nacionalização. 112. De acordo com este regime legal verifica-se que a lei, requerida a atribuição de reserva, considerava adquirida a posição jurídica de reservatários aos titulares de patrimónios e situações jurídicas definidos no artigo 14.º do DL 497-A/75, entre os quais se contam os comproprietários, tratados como um único proprietário, pois expressamente prescrevia, como se referiu, que o direito de reserva é atribuído em conjunto a todos os titulares com a mesma extensão e conteúdo que cabia aos reservatários singulares. Compreende-se essa atribuição conjunta a partir do momento em que a lei permite a um proprietário a atribuição de apenas uma reserva e engloba na categoria de proprietário, entre outros, os comproprietários. 113. A lei de Bases Gerais da reforma Agrária (Lei n.º 77/77) passou, no entanto, a prescreve no n.º 1 do artigo 32º que
1- Para os efeitos da presente lei, os cônjuges não separados judicialmente de bens ou de pessoas e bens, os comproprietários a herança indivisa e os contitulares de outros patrimónios autónomos são tratados como um só titular, salvo o disposto nos nºs 2 e 3. 114. Este preceito, tal como o artigo 14º do DL 407-A/75, trata unitariamente os contitulares. No entanto, agora são introduzidas excepções nos nºs 2 e 3:
2- Os grupos de contitulares não são tratados unitariamente sempre que explorem áreas correspondentes a estabelecimentos agrícolas distintos ou se comportem como empresas agrícolas distintas.
3- Também não são tratados unitariamente os contitulares, pessoas singulares que, no ano agrícola em curso à data da expropriação ou da ocupação que eventualmente a tenha precedido, ou em qualquer dos dois anos agrícolas imediatamente anteriores, e nos anos seguintes, dependam economicamente do rendimento dos prédios expropriados, residam habitualmente na área onde estes se localizem e exerçam na respectiva empresa agrícola a sua principal ocupação.
4- No caso referido no número anterior, a reserva dos contitulares que se não achem nas condições nele previstas será a estabelecida no artigo 27.º.
5- Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens são sempre tratados unitariamente, salvo se se verificar a situação prevista no n.º2.
6- Ao disposto no n.º3 aplica-se, com as necessárias adaptações, o estabelecido no artigo 30.º. 115. A partir da Lei n.º 77/77 a regra do tratamento unitário dos comproprietários passa a admitir excepção. 116. Não se encontra, por isso, agora disposição correspondente ao artigo 10.º/1 do Decreto Regulamentar n.º 11/77 que imperativamente considerava atribuída a reserva em conjunto a todos os titulares com a mesma extensão e conteúdo que cabia aos reservatários singulares. 117. É que agora os grupos de contitulares podem não ser tratados unitariamente. 118. A este propósito Joaquim Barros Mouro referia em A Contra-Reforma Agrária, Coimbra Editora, 1978, anotação ao artigo 32.º da Lei n.º 77/77, comparando este preceito com os correspondentes preceitos dos decretos-lei nºs 406-A/75 e 407-A/75 (artigos 16.º e 14.º) que
O presente preceito, embora consagrando no seu n.º1 um princípio semelhante (não aparece contudo qualquer referência ao ‘ agrupamento de facto’) abre nos números seguintes uma série de excepções que acabam por esvaziar o seu conteúdo. Através da invocação de situações que o Estado dificilmente poderá contrariar, como sejam as previstas nos nºs 2 e 3, permite-se o aparecimento de numerosos contitulares reclamando tratamento individual. Multiplicar-se-ão as reservas, contribuindo o presente preceito de forma relevante para a prossecução do objectivo essencial deste diploma: a formação de um forte sector de empresas capitalistas 119. Por isso, requerida a reserva ao abrigo deste diploma, não pode considerar-se a reserva atribuída a todos os contitulares, por força de disposição imperativa da lei que deixou de existir. 120. Compreende-se, assim, que o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, verificando que existia pedido de reserva no tocante à Herdade do Chaparral, tenha pago as quantias respeitantes às referidas campanhas aos identificados reservatários considerando que a lei apenas possibilitava os pagamentos a partir do momento da entrega da área de reserva comprovada pela competente Direcção Regional da Agricultura. 121. De facto, prescreve o artigo 6.º/2 do Decreto-Lei n.º 189-C/81, de 31 de Julho que a entrega das verbas respeitantes á comercialização da cortiça amadia a efectuar pelo IGEF
fica dependente da prévia confirmação da inexistência de reservas demarcadas, de pedidos de reserva ou propostas de declaração de não expropriabilidade sobre os prédios rústicos […] dos quais tenha sido extraída a cortiça comercializada” 122. E no n.º3, diz-se que
se existirem reservas demarcadas, pedidos de reserva ou propostas de declaração de não expropriabilidade, deverá a quantia referida no número anterior ser entregue aos interessados a partir do momento da entrega da área de reserva ou da desocupação dos prédios em causa, comprovada pela competente direcção regional da agricultura. 123. A lei considera que os pagamentos ficam dependentes da prévia confirmação da inexistência de reservas demarcadas, pedidos de reserva ou propostas de declaração de não expropriabilidade, o que aponta no sentido de que, exercidos tais direitos, que são potestativos e sujeitos a prazo de caducidade, e apenas depois de reconhecidos, é que os interessados terão direito a receber as quantias obtidas com o produto da venda, sendo, assim, interessados, no caso de pedido de reserva, os reservatários e não aqueles que podiam ter requerido a reserva mas deixaram caducar o direito por decurso do prazo fixado na lei. 124. No Parecer da Procuradoria-Geral da República de 27-11-1992 publicado no Diário da República n.º 240 de 1310-1993, págs. 10607/10614 considera-se que “ deve, pois entender-se que existe ‘contencioso fundiário’ na acepção e para os efeitos do n.º1 e 2 do Despacho Normativo n.º101/89, de 26 de Setembro, quando, no momento da distribuição e destinação do produto líquido da venda da cortiça aos fins indicados nas alíneas a), b) e c) do n.º2 do artigo 5.º dos decretos-lei referidos na conclusão 2ª se comprove a existência de reservas demarcadas, de pedidos de reserva ou de propostas de declaração de não expropriabilidade dos prédios em que fora produzida a cortiça”. 125. No aludido despacho foi referido que desde o início da Reforma Agrária foi criado ‘ um sistema de salvaguarda dos direitos dos reservatários ao valor da cortiça’ extraída dos montados compreendidos nas área da reserva. Tal sistema redundava nuclearmente em apenas se proceder à distribuição do produto da venda da cortiça, líquido de encargos para cada contrato, quando ‘os serviços regionais respectivos assegurassem não existir, no momento, reservas em curso, pedidos de reserva ou propostas de declaração de não expropriabilidade para os prédios rústicos a que se referiam os contratos’
E nele se determinou que
2- Relativamente aos contratos de cortiça comercializada pelo Instituto dos Produtos Florestais e pelo IGEF, cujos valores líquidos não foram aplicados em resultado do contencioso fundiário então existente, deverá a DGF proceder à sua distribuição aos interessados a partir do momento da entrega da área de reserva, da reversão, da declaração de inexpropriabilidade ou de não estarem os prédios abrangidos pela medida global da nacionalização, comprovada pela competente direcção regional da agricultura 126. Por isso, importaria clarificar entendimento das locuções “ contencioso” e “ contencioso fundiário”. 127. No referido parecer salientou-se que se o produto líquido da venda da cortiça - as verbas a que se refere, por exemplo, o artigo 5.º do Decreto-lei n.º 312/85 - já foi distribuído, os beneficiários das reservas e dos prédios inexpropriáveis não podem havê-lo para si, sendo por isso indemnizados, nos termos do Decreto-lei n.º 199/88, pela privação temporária daqueles rendimentos.
Se não foi, ‘em resultado do contencioso fundiário então existente’, deve ser-lhes entregue a partir do momento da entrega da reserva ou actos similares (n.º2).
Vê-se, portanto, com clareza que, no âmbito do despacho Normativo n.º 101/89, as expressões ‘contencioso’ e ‘contencioso fundiário’ não representam senão a condensação conceitual das situações conflituais descritas abstractamente na previsão dos nºs 2 e 3 do artigo 6.º dos decretos-lei nºs 189-C/81 e 312/85. 128. Importa salientar que os pagamentos da cortiça respeitam às campanhas de 1982 e de 1984 (ver documentos de fls. 32 e 33) anteriores, portanto, à campanha de 1985 que decorreu no ano em que os AA e seu pai receberam em 26 JUN 1985 a reserva na “Herdade do Chaparral (ver 9 da matéria de facto), ou seja, quando já a sua propriedade tinha sido restabelecida. 129. Houve desde o momento em que a herdade foi nacionalizada em 1975 várias campanhas, mas a posição do Estado, no que respeita às campanhas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 189-C/81, de 3 de Julho (as campanhas anteriores são tratadas à luz de outros diplomas: ver artigo 12.º do Decreto-lei n.º 189-C/81, de 3 de Julho), foi, como se viu, a de entregar aos interessados o respectivo produto de venda e esses interessados são aqueles a quem a reserva foi entregue. 130. A lei, como se viu, permite que o Tesouro faça suas as verbas provenientes da venda da cortiça desde que se confirme a inexistência de reservas demarcadas, de pedidos de reserva ou de propostas de declaração de não expropriabilidade (ver artigos 5.º/2 e 6.º/2 e 3 do decreto-lei n.º 189-C/81, de 3 de Julho). 131. E, como se verifica também do parecer da Procuradoria-Geral da República a que fizemos referência, o contencioso fundiário que importa considerar é aquele que deriva das situações indicadas, não relevando, por exemplo, a consideração de os prédios poderem não estar abrangidos pela medida global de nacionalização para o pretendido efeito de afectação das verbas da campanha. 132. Não sendo os RR reservatários, não se vê que lhes fosse atribuível o produto das referidas campanhas. 133. Também já se verificou que o restabelecimento da propriedade com a atribuição das reservas traduz uma aquisição originária da propriedade e não a manutenção da propriedade originária, o que, no entanto, não tem, no que respeita aos frutos entretanto alienados, a relevância que à primeira vista poderia parecer. 134. É que a lei foi regulamentando o destino desses frutos, consideradas as várias campanhas, devendo, assim, à luz da lei, verificar-se a quem cabe a titularidade do produto obtido com a respectiva venda. 135. Claro que a lei comungou do espírito subjacente a preceitos como os que se referenciam nos artigos 1270.º e 1271.º do Código Civil, prescrevendo o n.º1 do artigo 1270.º que o possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem e, de facto, o Estado não seria possuidor de boa fé se fizesse suas as verbas obtidas com as campanhas de cortiça em prédios sobre os quais já incidia pedido de reserva como acontecia com a Herdade do Chaparral. 136. De acordo com a lei n.º 77/77, como se viu, não havia uma imposição no sentido de os RR, enquanto comproprietários, verem ser-lhes necessariamente atribuída a reserva requerida por um ou alguns deles, pois bem podiam os contitulares, nas condições mencionadas no artigo 32.º/2 e 3 da Lei n.º 77/77, obterem outras reservas, não sendo, portanto, tratados unitariamente. 137. Sem dúvida que todos os contitulares ficaram com os direitos emergentes da nacionalização (incluído o direito de reserva), como se refere no artigo 48º da contestação; não estava, portanto, vedado aos RR exercer direito de reserva sobre a Herdade do Chaparral. Sucede que o não fizeram, sujeitando-se às consequências legais (caducidade do exercício do direito) pois estamos face a direito potestativo, como se sublinha no parecer junto aos autos do Prof. Lebre de Freitas (fls. 1426/1467). 138. No que respeita aos frutos pendentes, o artigo 8.º/1 do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho determinou que o Instituto da Reorganização Agrária entraria imediatamente na posse das áreas nacionalizadas, independentemente de prévia fixação e pagamento das indemnizações devidas, conservando (ver n.º2) os proprietários todos os poderes necessários à realização das operações agrícolas, de colheita e outras até ao termo da presente época agrícola. 139. O Decreto-Lei n.º 407-B/75, de 30 de Julho declarou indisponível e submetida a controlo estadual toda a produção de cortiça amadia extraída ou a extrair, nos termos usuais, na campanha de 1975 de que sejam sujeitas as pessoas sujeitas à aplicação ou abrangidas pelas medidas de expropriação e nacionalização. 140. Deixaram, assim, de ter os proprietários de prédios nacionalizados direito aos respectivos frutos. 141. O regime do artigo 42.º da Lei n.º 76/77 foi o de atribuir os frutos dos prédios expropriados, percebidos ou pendentes até à data da posse da entidade expropriante àqueles que tivessem a posse útil desses prédios. 142. Por isso, no caso de propriedades que não estivessem sob a administração directa do Estado, os frutos pendentes pertenceriam àqueles que tivessem a posse útil, muito embora sujeitos a controlo legal: ver Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho. 143. Como refere Souto Moura (“Propriedade do Terreno e Frutos de Prédios Sujeitos a Expropriação depois de demarcada a reserva e antes de Publicada a Portaria de Expropriação”,Revista do Ministério Público, Ano 3, 1982, Vol. 11, pág. 157 e seguintes).
O legislador não pode com o preceito ter pretendido atribuir os frutos aos expropriados. Tal seria o regime resultante da lei civil e a inclusão do n.º1 do artigo 42.º na lei n.º 77/77 seria completamente desnecessária, já que os frutos naturais dos prédios rústicos, em princípio, pertencem aos respectivos donos 144. Observa-se, no entanto, que, no caso da nacionalização se operou imediata perda da propriedade e, por isso, as considerações que respeitam a uma posse útil (dos trabalhadores, ocupantes ou não, das herdades colectivas de produção etc.) anterior à expropriação, acabam por não relevar. 145. A invocação do artigo 23.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária) já se refere aos legítimos possuidores (e não àqueles que tinham a posse útil) e não se exclui que fossem legítimos possuidores os proprietários à data da posse administrativa. 146. No caso em apreço, estamos, no entanto, face a uma perda automática de propriedade por via de nacionalização. 147. A partir da constituição da reserva a favor dos AA - e só deles - passaram eles a gozar do direito de propriedade da área da reserva nos termos da lei civil (artigo 38.º/1 da Lei n.º 77/77) o que significa que passaram a ter direito, enquanto proprietários, à fruição do imóvel e consequentemente ao recebimento dos frutos designadamente os das campanhas subsequentes à entrega, pensemos na campanha de 1985 que o próprio Dr. Costa Reis considerava plena propriedade de Jaime Nunes de Carvalho e filhos (ver fls. 35) o que inculca a ideia de, no entender dos interessados, ser pacífico que a propriedade da reserva pertencia aos reservatários não o sendo os comproprietários que não requereram para si atribuição de reserva na Herdade do Chaparral o que se compagina com o que antecedentemente se expôs a este propósito e com a actuação do IGEF. 148. De facto, como se salientou, podia discutir-se - e nos presentes autos discute-se - a questão de saber se os comproprietários que não tivessem pedido reserva a seu favor poderiam ou não ver-lhes ipso jure reconhecida a titularidade da reserva em compropriedade com base no pedido efectuado apenas por um deles. 149. A partir da Lei n.º 109/88 prescreve-se que os contitulares podem agrupar as respectivas partes ou quinhões hereditários, afastando-se, assim, a regra do tratamento unitário dos contitulares que , como se disse, a partir da lei n.º 77/77 deixara de ser absoluta. 150. Este tratamento unitário, designadamente quando imperativo, visava impedir que os contitulares pudessem pedir outra reserva separadamente dos demais; quando o tratamento unitário deixou de ser imperativo, o que aconteceu com a Lei n.º 77/77, a atribuição conjunta deixou de decorrer da lei; a disposição constante do artigo 7.º/3 do Decreto Regulamentar n.º 44/88 (“ o pedido de um dos contitulares aproveita aos restantes no que ao exercício do direito de reserva respeita”) não assume, natureza interpretativa (artigo 13.º/1 do Código Civil) pois não se vê que se suscitasse, no domínio da legislação anterior, a questão, aqui suscitada, de saber se o pedido de reserva efectuado por um dos comproprietários aproveitava aos restantes o que importaria que a reserva devesse ser atribuída a todos aqueles que eram os seus titulares quando da expropriação ou nacionalização 151. Os RR não eram, até à constituição de reserva a seu favor, comproprietários da herdade do Chaparral, não tinham posse e, por conseguinte, não tinham direito aos respectivos frutos que pertenciam aos seus legítimos possuidores, como prescreve o artigo 23º da Lei n.º 109/88. 152. Mais tarde, já na pendência de recurso interposto para o Tribunal da Relação, os RR consideram que foi restabelecida a sua propriedade sobre a Herdade do Chaparral, mostrando-se preenchidos os pressupostos da previsão constante do artigo 14.º da lei nº 109/88, de 26 de Setembro. 153. O auto de entrega da Herdade do Chaparral em reserva aos RR verificou-se no dia 22-5-1989 na sequência de despacho ministerial de 12-5-1989, o que evidencia o entendimento de que não tinham adquirido eles, com base no pedido efectuado pelos AA, a reserva que a estes foi atribuída na Herdade do Chaparral. 154. O pedido de reserva por parte dos RR, de que desconhecemos a data ( necessariamente até 29 Dez 1988: artigo 7.º/1 do Decreto Regulamentar n.º 44/88), verificou- -se provavelmente depois da lei n.º 109/88, de 26 de Setembro 155. Não estamos seguramente face a um pedido de constituição de reserva apresentado anteriormente à extracção e comercialização da cortiça respeitante ás campanhas de 1982 e de 1984. 156. Assim sendo, não estão os RR em posição diversa daquela em que se encontravam os AA relativamente à cortiça extraída em campanhas anteriores ao seu pedido de reserva. 157. O restabelecimento do direito de propriedade, tal como existia à data da expropriação ou da ocupação (artigo 14.º da lei n.º 109/88) não significa, como se viu, que o direito de propriedade não seja um direito novo, muito embora haja entendimentos diferentes. 158. No que respeita aos rendimentos que os AA auferiram com o produto da cortiça das aludidas campanhas não pode deixar de se reconhecer que são eles possuidores de boa fé (artigo 1270.º/1 do Código civil) e, por conseguinte, podem fazer seus os percebidos até ao dia em que souberem que estão a lesar a posse de outrem o que não se verificava quando lhes foi paga a quantia respeitante às aludidas campanhas. 159. Também não têm os RR direito aos frutos por integrarem o conteúdo do direito de propriedade pois, como se refere no parecer já mencionado, “ os frutos do prédio rústico só seguem o estatuto jurídico deste enquanto a ele estiverem ligados” (artigo 204.º/1, alínea c) do Código Civil). 160. Verifica-se que o processo relacionado com a referida herdade não findou com a atribuição de reserva aos RR a Herdade do Chaparral visto que por despacho de 3-7-1990 do Ministro da Agricultura e Pescas (ver fls. 178) foi declarada não nacionalizada a aludida propriedade. 161. As consequências jurídicas do reconhecimento da propriedade sobre reserva ou do reconhecimento da propriedade em virtude da sua desnacionalização podem ser diversas. Nestes casos afigura-se possível o entendimento de que a propriedade se possa considerar restabelecida desde origem in casu até à data da publicação do decreto-lei nº 407-A/75. 162. A admitir-se que o direito dos RR sobre a sua parte dos rendimentos das aludidas campanhas advinha da desnacionalização ( e não da atribuição de reserva) por se considerar reposta ab initio a propriedade nos precisos termos à data da nacionalização, cumpre salientar que, a ser assim, o pedido dos RR já não se funda na causa de pedir com a dimensão que resulta da contestação sendo diverso o facto constitutivo do direito à restituição dessas quantias dos factos constitutivos referidos na contestação. Ora, o artigo 663.º do Código de Processo Civil pressupõe que não haja alteração da causa de pedir. 163. Dir-se-á que a questão é essencialmente uma questão de direito e a solução há-de ser idêntica visto que, no tocante à cortiça das campanhas em causa nos autos, nesse momento nem os AA nem os RR eram reservatários, mas, por força da desnacionalização, seriam afinal proprietários. A propriedade afinal não se restabeleceu, mas manteve-se. Se os AA e RR, com a atribuição reserva, adquiriram originariamente a propriedade, com a desnacionalização o seu estatuto de proprietários retroage a 1975. Num caso ou noutro, para efeitos de posse de boa fé (artigo 1270.º/1 do Código Civil) quanto aos frutos (ou aos respectivos rendimentos) não haveria distinguo. Os AA receberam do IGEF as referidas quantias considerando o facto de terem reclamado a reserva, os RR não receberem essas quantias porque não reclamaram a reserva. 164. Se o IGEF, sabendo que relativamente à Herdade do Chaparral havia pedido de reserva a favor dos AA, fizesse seus os rendimentos provenientes da venda da cortiça, agiria de má fé perante os futuros reservatários. Não havendo outros pedidos de reserva, os AA, recebendo o preço da venda da cortiça das referidas campanhas, agiram de boa fé porque não podiam contar com situações futuras hipotéticas. 165. Seja como for em todos estes casos não se estão a discutir as consequências da desnacionalização quer no âmbito das relações Estado/proprietários, quer no âmbito das relações destes entre si. Por isso, nos parece que, apesar de se admitir que a solução não se altera, não estamos no puro campo da qualificação jurídica de uma mesma realidade, mas no plano de outra diversa causa de pedir. 166. Nestas circunstâncias o Tribunal não poderia considerar essa realidade tanto mais que o seu enquadramento jurídico pode permitir a verificação de excepções que aqui não podiam já ser apresentadas e, a ser assim, faltaria a possibilidade do exercício do contraditório. 167. No que respeita aos documentos juntos de fls. 1383/1389 não têm interesse nenhum para a causa , razão por que não se admite a sua junção aos autos e condenam-se os apresentantes em custas pelo incidente no valor mínimode 1 UC. 168. A decisão proferida prejudica a apreciação de todos os recursos de agravo. Com efeito, a decisão não deixa de ser favorável aos AA apesar de os documentos de fls. 616/619 não se considerarem para efeitos probatórios e, no que respeita aos RR, o tribunal apenas considera a prova produzida que fundou as respostas ao acórdão sobre a matéria de facto produzida pelo Tribunal colectivo, o que também se traduz, para eles, em decisão favorável.
Concluindo:
I- A atribuição de reserva a favor dos anteriores titulares de prédio rústico nacionalizado traduz aquisição originária do direito de propriedade
II- O exercício do direito de reserva está sujeito a prazo de caducidade
III- Nos termos da Lei n. 77/77, de 29 de Setembro e Decreto-Lei n.º 189-C/81, de 3 de Julho, a reserva requerida por um dos anteriores proprietários não pode ser considerada adquirida ipso jure pelos demais que não a requereram.
IV- O Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, no que respeita à entrega do produto da venda da cortiça de campanhas anteriores, procedia ao pagamento aos reservatários, reconhecida e entregue a reserva, desde que no momento da distribuição e destinação do produto líquido da venda da cortiça se comprovasse a existência de reservas demarcadas, de pedidos de reserva ou de propostas de declaração de não expropriabilidade dos prédios em que fora produzida a cortiça que, no caso em apreço, tinham sido apresentados apenas pelos AA, não pelos RR.
V- Assim, os reservatários que receberam o produto da venda da cortiça são possuidores de boa fé pois não estavam a lesar com a sua posse o direito dos anteriores proprietários que só ulteriormente vieram a assumir, na mesma Herdade, a posição de reservatários e, assim sendo, assiste-lhes o direito de fazer seus o percebimento dos frutos naturais (artigo 1270.º/1 do Código Civil)
VI- Na acção de apreciação negativa, o A deve alegar os factos integrativos da causa de pedir (artigos 4.º/2, alínea a) e 193.º do Código de Processo Civil) o que é diferente da justificação do seu interesse em agir resultante do facto de os RR invocarem publicamente um direito que os AA consideram não lhes assistir
VII- Se o processo prosseguiu por se atender à causa de pedir consubstanciada nos factos constitutivos do direito que os RR consideram assistir-lhes (artigo 343.º/1 do Código Civil), o caso julgado não pode deixar de ser considerado à luz da causa de pedir em litígio nos autos
Decisão:
1- Não se admitem os documentos juntos pelos AA com as suas alegações de recurso de agravo, condenando-se os AA em custas incidentais que se fixam em 1UC
2- Consideram-se prejudicados os recursos de agravo interpostos
3- Concede-se provimento ao recurso dos AA, julgando- -se procedente o pedido (quanto ao seu âmbito ver 94)
Custas pelos RR em ambas as instâncias
Lisboa, 22 de Março de 2007
Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)