PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
MANDATO
RENÚNCIA
Sumário

A renúncia ao mandato, em processo penal, opera os seus efeitos de imediato, nos termos do art.º 39º, n.º1 CPC, assim que efectuada a notificação da renúncia aí prevista. E, não tendo sido nomeado defensor ao arguido no processo, apenas com a constituição de novo mandatário – que este no caso cumpriu dentro do prazo que lhe foi concedido – poderia interpor recurso, uma vez que o decurso do prazo que se iniciara nos termos considerados na decisão sob reclamação decorrera sem que o arguido o pudesse ter feito por falta de assistência técnico jurídica.

Texto Integral


I.
No processo n.º 134/06.8 ADLSB do 4º Juízo –A do TIC de Lisboa a arguida A interpôs recurso, em 17.01.2007, do despacho de 21.12.2006 que decretou a prisão preventiva da mesma.
O M.mo Juiz, por despacho de 29.01.2007, não admitiu o recurso, nos termos do art.º 411º, n.º1 CPP, ponderando que o mesmo era manifestamente extemporâneo.

II.
A arguida reclama desta decisão nos termos do art.º 405º CPP, em 2.2.2006.
Em síntese refere que:
1- No dia 28.12.2006 a arguida foi notificada da renúncia ao mandato por parte da sua mandatária o que, nos termos do art.º 39º, n.º2 CPC e 64º, n.º1 al. d) e 61º, n.º1 CPP, tem como consequência a suspensão dos efeitos processuais a partir do momento da notificação da renúncia ao mandante.
2- A contagem do prazo de recurso suspendeu-se, dispondo a arguida de 20 dias, nos termos do art.º 39º, n.º3 CPC, para constituir mandatário, prazo que foi respeitado visto que, em 8.1.2007, a arguida juntou procuração outorgada a seu favor.
3- E nessa mesma data pediu cópias de documentos indispensáveis para fundamentação do recurso tendo sido notificada apenas em 15.1.2007 de que tais documentos se encontravam na secretaria
4- O acto foi praticado em 15.1.2007, último dia de que dispunha para recorrer.

Resulta dos autos que :
- A. interpôs recurso, em 15.01.2007, do despacho de 21.12.2006 que decretou a prisão preventiva da mesma.
- No dia 28.12.2006 a arguida foi notificada da renúncia ao mandato por parte da sua mandatária, Sr.ªDr.ª J.
- Em 8.1.2007 a arguida juntou procuração outorgada a favor da nova mandatária, Sr.ª Dr.ª R..
- E, nessa mesma data, pediu cópias de documentos indispensáveis para fundamentação do recurso tendo sido notificada em 15.1.2007 de que tais documentos se encontravam na secretaria

III.
Efectivamente o acórdão do STJ a que a reclamante faz apelo ( Acórdão de 2.5.2001 relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Mário Torres, n.º 02S337, decidiu :

“À presente acção, intentada em 27 de Abril de 1999, são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela reforma de 1995/1996 (Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro), designadamente no seu artigo 39.º. Na redacção deste preceito anterior a essa reforma, os efeitos da renúncia ao mandato só se produziam, nos casos em que fosse obrigatória a constituição de advogado, "depois de constituído novo mandatário", podendo o mandatário renunciante, se a parte se demorasse a constituir novo mandatário, requerer que se lhe fixasse prazo para esse fim. Nesse regime, não havia, em princípio, interrupção da assistência à parte por advogado, pelo que não havia justificação para interrupção ou suspensão dos prazos processuais que estivessem a correr. Se o mandatário renunciante, no período em que a renúncia ainda não era eficaz, negligenciasse a defesa dos interesses do seu (ainda) mandante, poderia ser civilmente responsabilizado por essa conduta, mas dela não poderia derivar a postergação de normas legais que fixam prazos peremptórios.

O regime actual é diferente: a renúncia produz efeitos a partir da sua notificação ao mandante e é a lei que fixa logo o prazo (de 20 dias, a contar dessa notificação) para a parte constituir novo mandatário. Não sendo plausível que a parte consiga normalmente constituir novo mandatário no próprio dia em que receber a notificação da renúncia do mandatário anterior, a regra passará a ser a de que, por algum tempo, a parte fique desprovida de assistência por advogado.

A lei não diz expressamente que tal acarreta a suspensão ou interrupção dos prazos processuais que estejam a correr, designadamente para a interposição de recursos ou apresentação de alegações, mas a proibição da indefensão, ínsita no princípio do Estado de Direito, e o direito ao patrocínio judiciário, constitucionalmente consagrados, não permite que se tolere a perda irreparável de direitos sem base em qualquer conduta processual negligente da parte, e sendo certo que a lei lhe consente o prazo de 20 dias para constituir novo mandatário. Como se referiu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Julho de 2000, processo n.º 1885/00 (texto integral em http://www.dgsi.pt/jstj, documento n.º SJ20000713018852), proferido já na vigência da nova redacção do artigo 39.º do Código de Processo Civil - em caso que os autores foram notificados (com a advertência para constituírem novo mandatário no prazo de 20 dias) em 14 de Dezembro de 1998 da renúncia do seu mandatário, formalizada por requerimento apresentado em 23 de Novembro de 1998, quando já decorria, desde 10 de Novembro de 1998, o prazo para alegações em recurso de apelação, tendo em 5 de Janeiro de 1999 sido passada procuração a novo mandatário, que veio requerer a prorrogação por 20 dias do prazo para apresentar as alegações, dadas a extensão e complexidade do processo e a necessidade de consulta de inúmeros documentos - "os autores, que são leigos em Direito (e para proteger os leigos é que a lei aponta os casos em que o patrocínio judiciário é obrigatório - artigo 32.º), trataram de arranjar novo mandatário no prazo que lhes foi fixado, sendo certo que, como leigos que são, não representaram que o prazo para apresentação das alegações estava a decorrer. Dito de outro modo, perante os termos da notificação, os autores consideraram que os seus interesses estavam devidamente protegidos (e tutelados) com a constituição do novo mandatário dentro do prazo que lhes foi fixado. Nenhuma censura pode, pois, ser feita à sua conduta". Perante esse quadro, o referido acórdão considerou que a situação em que o novo mandatário se viu colocado integrava justo impedimento à prática do acto (apresentação das alegações) dentro do prazo normal, que devia ser prorrogado por mais 20 dias.

(…) Pode ser discutível determinar se a notificação à autora da renúncia da sua mandatária apenas suspende o prazo de interposição do recurso, que voltará a correr, pelo tempo em falta, após constituição de novo mandatário ou patrono, ou se se deve entender que interrompe esse prazo, que voltará a correr por inteiro, após a nomeação de novo mandatário ou patrono. No entanto, mesmo que se adopte a primeira solução, a mais desfavorável para a autora, o recurso sempre terá sido interposto em tempo. Na verdade, quando a renúncia ao mandato produziu efeitos faltava 1 dia para o termo do prazo para a interposição do recurso, com uso da faculdade do n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil; considerando que em 22 de Maio de 2001 foi designado novo patrono, este dispunha, pelo menos, de 1 dia para interpor recurso, e esse prazo foi efectivamente respeitado, com a apresentação do respectivo requerimento em 23 de Maio de 2001, não sendo exigível ao Ministério Público ou às pessoas por este patrocinadas o pagamento da multa prevista naquele preceito legal.

A solução contrária representaria uma intolerável denegação de protecção judiciária a quem, como a autora, demonstrou irrepreensível diligência processual, procurando novo patrono logo no dia seguinte ao da notificação da renúncia da anterior mandatária.


O acórdão citado e parcialmente transcrito tomou posição em situação idêntica à da presente reclamação, embora suscitada em processo civil.

Já no âmbito do processo penal se decidiu de forma diversa nomeadamente no Ac. STJ 03P3297, wwwdgsi.pt, em acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pereira Madeira que se transcreve em parte:
“ (…)
O arguido esteve sempre - e continua estando - representado pelo advogado que constituiu, pese embora o procedimento de revogação do mandato que, pelos vistos, ainda está em curso.
Na verdade, o advogado constituído pelo arguido pode ser substituído, sendo-lhe revogado o mandato, e pode renunciar ao mandato ocorrendo justa causa - art.ºs 39º do CPC e 83º, n.º 2, do EOA.
Também o defensor nomeado cessa as suas funções logo que o arguido constitua advogado (art. 62º, n. 2, do CPP) e pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa ou ser substituído a requerimento do arguido (art.º 62º, n.º3).
Enquanto não for substituído, porém, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo (art.º 66º, n. 4) e o defensor constituído mantém-se, enquanto não for substituído e até à junção ao processo de certidão da notificação, salvo nos casos em que a constituição de defensor é obrigatória, porque nestes a renúncia só produz efeito depois de constituído ou nomeado novo defensor (art. 39º do CPC).
É o caso dos autos.
Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.64º, n. 1, d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva.
Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.
O que bem se compreende, de resto, sob pena, até, de o incidente em causa poder, sem razão plausível, prejudicar o andamento do processo, em prejuízo nomeadamente de outro ou outros arguidos que com ele nada têm a ver.
Por isso, não houve irregularidade alguma ao terem sido - e continuarem a ser - feitas as notificações ao Dr. B, por enquanto ainda, repete-se - até ser substituído - o mandatário efectivo do requerente neste processo, e, sobretudo, neste recurso.”


Permitimo-nos com o devido respeito discordar deste entendimento por razões que exporemos.
Recorde-se que na presente reclamação, a arguida foi notificada da renúncia ao mandato por parte da sua mandatária no dia 28.12.2006, tendo sido notificada de que dispunha de 20 dias, nos termos da notificação feita de acordo com o disposto no artº 39º CPC, para constituir novo mandatário e em 8.1.2007 a arguida juntou procuração outorgada a favor da nova mandatária.
O regime processual civil, será aplicável subsidiariamente à renúncia de mandato em processo penal, com as devidas adaptações.
Mas não se pode esquecer que no processo penal as coisas se passam de modo diverso do processo civil. (1)

Se neste, os efeitos da renúncia variam consoante a constituição de mandatário é ou não obrigatória, não podendo a sorte do processo depender da atitude que a parte vier a tomar (daí a lei fazer prever certos efeitos pelo decurso do prazo), já no processo penal não é assim. O que aqui está em causa é a obrigatoriedade, não de constituição de advogado – o arguido pode constituir advogado se e quando quiser - mas de estar representado por advogado (artº 61º e 62º CPP). O prosseguimento do processo penal não está dependente da atitude que o sujeito processual adoptar. Assim, há que entender-se que a renúncia, em processo penal, opera os seus efeitos de imediato, nos termos do art.º 39º, n.º1 CPC, assim que efectuada a notificação da renúncia aí prevista. E, não tendo sido nomeado defensor ao arguido no processo, apenas com a constituição de novo mandatário – que a arguida cumpriu dentro do prazo que lhe foi concedido – poderia esta interpor recurso, uma vez que o decurso do prazo que se iniciara nos termos considerados na decisão sob reclamação decorrera sem que o arguido o pudesse ter feito por falta de assistência técnico jurídica.

No recurso 1808/05 da Relação de Lisboa, 5ª Secção, que relatei, publicado no mesmo endereço, já anteriormente se decidiu não ser de admitir recurso por :” Nos termos do art.º 39º, n.º2 CPC aplicável por força do art.º 4º CPP, a renúncia ao mandato apenas produz efeitos a partir da data da sua notificação ao mandante, o que aconteceu em 6.12.2004, data em que o arguido foi igualmente notificado da nomeação da defensora oficiosa.
Como tal, mantinham-se até essa data os efeitos do mandato não tendo ocorrido até então qualquer facto susceptível de operar a suspensão do prazo de que o arguido dispunha para recorrer, não passando a dispor de novo prazo a partir da nomeação da defensora oficiosa uma vez que estava legitimamente representado por advogado até ao momento em que a renúncia produziu efeitos e também o esteve a partir desse momento.”
Neste último caso, porém, a situação era diferente da presente, uma vez que o mandante foi notificado em 6.12.2004 e nessa data produziu efeitos a renúncia sendo certo que, na mesma data, o arguido passou a ser assistido por defensor oficioso, nunca tendo deixado de estar representado por advogado. De todo o modo, também aí se entendeu que a renúncia produziu efeitos com a notificação ao mandante que no caso esteve sempre assistido por técnico de direito.
No caso em apreço, o recurso deu entrada em 15.1.2007, último dia de que dispunha para recorrer se considerarmos que - mesmo na hipótese que menos favorece a arguida, ou seja a que considera que o prazo de recurso se suspendeu - ao prazo decorrido desde 21.12.2006 até à notificação da renúncia (28.12.06) se haverá que somar o prazo decorrido a partir da constituição do novo advogado (8.1.2007), completando-se o prazo de 15 dias em 15.1.2007.
IV.
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se atender a reclamação formulada pela arguida. Sem custas.

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(1)Antes da alteração legislativa de 1996, no âmbito do processo civil, os efeitos da renúncia ao mandato só se produziam, nos casos em que fosse obrigatória a constituição de advogado, depois de constituído novo mandatário, podendo o mandatário renunciante, se a parte se demorasse a constituir novo mandatário, requerer que se lhe fixasse prazo para esse fim.