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VANTAGENS DO CRIME
PERDA A FAVOR DO ESTADO
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário
I – Só, podem ser declaradas perdida a favor do Estado as coisas, direitos e vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridas pelo agente e representem uma vantagem patrimonial, com fundamento no artº 111º2 CP. II – A perda de vantagens não pode prejudicar o direito de reparação do património do titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação e que sofreu danos ocasionados pelo facto ilícito típico. III – Nos casos em que a perda de vantagens corresponda à obrigação de indemnização civil decorrente da prática do facto ilícito típico apenas pode ser decretada se o titular dos danos causados pelo mesmo se desinteressar pela reparação do seu direito. IV- Não pode ser decretada a pena de perda de vantagens (quantia correspondente ao IVA apropriado pelo arguido) nos casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou ao MºPº que não pretendia deduzir pedido de indemnização civil por considerar suficiente os meios legais previstos para a execução fiscal da vantagem.
Texto Integral
Processo nº905/15.4IDPRT.P1
Acórdão, deliberado em conferência, da 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
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O MºPº veio interpor recurso do segmento da sentença proferida no processo comum singular nº905/15.4IDPRT pelo tribunal da instância local, secção criminal-J1, de Paços de Ferreira, Tribunal da Comarca do Porte Este, que julgou improcedente o pedido de declaração a favor do Estado do valor de €12.840,65, efectuado pelo MºPº, nos termos do artigo 111º do Código Penal.
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I.1. Decisão recorrida (que se transcreve na parte com relevo). Da perda da vantagem patrimonial.
O Ministério Público veio requerer a perda da vantagem patrimonial nos termos do artigo 111º, nºs 2,3 e 4 do Código Penal, no valor de €12.840,65, quantia que era devida à Administração Tributária e de que esta ficou desapossada pelo crime cometido pelo arguido de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 6º e 105º, nº1, do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Dispõe o artigo 111º, do Código Penal que:
"1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor".
Ora, como é sabido a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Como bem ensina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111º, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto" (Figueiredo Dias, 1993: 638, e apontando também nesse sentido, Maia Gonçalves, 2007: 436, anotação 3ª, ao artigo 111º, considerando que o preceito tem em vista "mais uma perigosidade em abstracto" e visa a "prevenção da criminalidade em geral", Leal Henriques e Simas Santos, 2002: 1162 e 1164, e Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2007: 299, anotação 6ª ao artigo 111º.
Ora, não foi deduzido pelo Ministério Público pedido de indemnização civil, pois que, é entendimento da Autoridade Tributária, serem suficientes os meios legalmente previstos no art. 148º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) para cobrança coerciva do imposto em causa, como bem salientado a fls. 82 dos autos.
Pelo exposto e, porque partilhamos do entendimento da Autoridade Tributária, dispondo esta de meios legais para ser ressarcida das quantias que lhe são devidas, a perda de vantagem patrimonial requerida pelo Ministério Público terá que improceder. I.2. Do recurso do MºPº (conclusões que se transcrevem)
1. Por sentença proferida nestes autos, a 24 de Maio de 2016, foi decidido julgar improcedente o pedido de declaração a favor do Estado do valor de€12.840,65, efectuado pelo Ministério Público, nos termos do disposto no art. 111°, n° 2, 3 e 4 do Código Penal.
2. A perda de vantagens não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende de uma condenação; trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes.
3. Resulta da sentença referida que foi provada a prática de um facto ilícito típico, consubstanciado na não entrega ao Estado e consequente apropriação, por parte do arguido B…, de IVA, efectivamente recebido, no período correspondente a Janeiro a Março de 2015, no montante global de €12.840,65.
4. Tais factos consubstanciam a prática do crime de abuso de confiança fiscal, pelo qual o arguido foi condenado.
5. As necessidades de quer de prevenção especial (para que o arguido não pense que o crime compensa), quer as necessidades de prevenção geral com os seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), e ainda o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração), impunham que fosse determinada a requerida perda de vantagens.
6. Assim, deveria ser declarada perdida a favor do Estado, a vantagem patrimonial no montante de €12.840,65 que, através do facto ilícito típico (abuso de confiança fiscal, traduzido na não entrega do montante de IV A devido ao Estado), foi adquirida, pelo arguido e para o arguido B….
7. Tal montante reverteria a favor do Estado, que deixaria assim de poder exigir noutra sede aquela mesma quantia, nomeadamente no processo executivo que estivesse a correr, sendo assim ressarcido através da referida perda de vantagem.
8. Da conjugação do art. 111 ° com o art. 130°, ambos do Código Penal conclui-se não existirem limites ao confisco, nomeadamente aqueles que podiam advir da mera possibilidade de ser deduzido um pedido de indemnização civil.
9. A perda de vantagens deverá ser sempre decretada, podendo servir para compensar os danos do lesado, comprovados no processo, ou, mesmo fora dele.
10. Por tudo o exposto, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que, condene o arguido a pagar ao Estado o montante correspondente ao valor de que se apropriou, no montante de €12.840,65, correspondente à vantagem obtida mediante a prática dos factos pelos quais foi condenado. I.3. Resposta do arguido (não ofereceu alegações). I.4. Parecer do MºPº nesta relação.
Acompanhou as motivações do recurso interposto.
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II. Do objecto do recurso.
O objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente.
A questão apreciar consiste, tão só, na (in)susceptibilidade de declarar a perda da vantagem patrimonial requerida pelo MºPº em processo penal correspondente ao montante de IVA retido pelo arguido e não entregue à Autoridade Tributária e Aduaneira (comportamento pelo qual foi condenado) nos casos em que o mesmo montante não é reclamado em sede de pedido de indemnização civil por vontade expressa da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Antes de abordarmos a natureza jurídica do instituto da perda de vantagens consagrado no artigo 111º do Código Penal, será determinante apreciar as competências do MºPº neste tipo de processos (crimes de abuso de confiança fiscal previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias) que não, naturalmente, a da titularidade da acção penal.
Cabe ao Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, deduzir pedido de indemnização civil conexo com o processo penal, por crimes de natureza fiscal, sem excepção, e desde que aquela solicite expressamente tal intervenção (artigo 1.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e alínea a) do nº 1 do artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público, artigo 71.º e n.º 3 do artigo 76.º, do Código de Processo Penal) – entendimento, aliás, expresso na directiva 2/13 da PGR.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011 de 15/12, DR n.º 239 – Série I, que aprova a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, a mesma é um serviço da administração directa do Estado dotado de autonomia administrativa (artigo 1º, nº1) e tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos (artigo 2º, nº1) tendo como atribuições, nomeadamente:
a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas colectivas de direito público;
c) Exercer a acção de justiça tributária e assegurar a representação da Fazenda Pública junto dos órgãos judiciais;
e) Promover a correcta aplicação da legislação e das decisões administrativas relacionadas com as suas atribuições (artigo 2º, nº2).
No âmbito da acção de justiça penal tributária é à AT que cabe instaurar o inquérito (por para tanto dispor de competência delegada), sem prejuízo da obrigação de imediatamente o comunicar ao MºPº (cfr. artigo 40º, nº3, do RGIT)
Do conjunto de normas referidas não será difícil concluir que a AT tem autonomia para decidir os termos da sua actuação face aos contribuintes em relação ao cumprimento e incumprimento das obrigações tributárias no âmbito das suas competências (atribuições) exclusivas de gestão (administração) dos impostos.
Tal autonomia (e discricionariedade administrativa inerente, naturalmente que assente no princípio da legalidade e em critérios de gestão económica e financeira) permite à AT, nos casos em que detecta o incumprimento de uma obrigação fiscal:
1º optar pela execução fiscal da obrigação (artigo 184º do CPPT) ou acordar com o contribuinte, no âmbito do enquadramento legal que o permite, o cumprimento faseado da obrigação;
2º instaurar inquérito criminal e, culminando em acusação;
3º deduzir, representado pelo MºPº, pedido de indemnização civil no processo criminal (o que não deixa de ser de difícil compreensão uma vez que tal pedido, invariavelmente, incidirá sobre a obrigação fiscal não cumprida relativamente à qual a AT já dispõe de titulo executivo e mais extenso por força das diferentes taxas de juro moratórios e compensatórios que incidem sobre o capital em dívida em sede de legislação tributária em comparação com a taxa de juro civil que resulta de uma condenação, em processo penal, pela prática do um facto ilícito e culposo).
Quer o exposto significar que a AT tem autonomia para decidir, de acordo com as suas atribuições, a melhor forma de obter o cumprimento das obrigações fiscais por parte de um contribuinte inadimplente.
Definidas as competências e a natureza da actuação do MºPº e da AT passemos a apreciar o instituto da perda de instrumentos, produtos e vantagens (cfr. artigos 109º a 111º do Código Penal).
Dispõe o artigo 111º, nº1, do Código Penal que são perdidos a favor do Estado os direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si, pelo agente e represente uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
Se tal direito ou vantagem não puder ser apropriada em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor (nº4 do referido artigo). Do instituto do confisco.
A Constituição da República Portuguesa aprovada pelo Plesbicito Nacional de 19 de Março de 1933 estabelecia a proibição do confisco geral (total ou parcial) de bens (artigo 8º, § 12º - Constituem direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses não haver confisco de bens, nem qualquer transmissão de qualquer pena da pessoa do delinquente).
Entendia-se, porém, que a proibição constitucional não abrangia a possibilidade de estabelecer casos de confisco especial ou expropriação de objectos e valores determinados com fundamento numa natureza diferente do referido confisco geral ou em sentido próprio, e na legislação penal (para além de normas do Código da Estrada, em relação a veículos automóveis, e relativas à infracção à saúde pública, quanto às mercadorias expostas ou vendidas) consagrou-se o confisco especial com as seguintes finalidades (cfr. M.Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal II, Lisboa 1961, edição Gomes e Rodrigues, Ldª, pág.168 a 169):
1º como efeito da pena, na “perda” a favor do Estado dos instrumentos do crime, não tendo o ofendido ou terceira pessoa direito à sua restituição (artigo 75º do Código Penal de 1886: O réo definitivamente condenado, qualquer que seja a pena, incorre: 1.º Na perda, a favor do Estado, dos instrumentos do crime, não tendo o ofendido, ou terceira pessoa, direito à sua restituição; 2.º Na obrigação de restituir ao ofendido as coisas de que pelo crime o tiver privado, ou de pagar-lhe o seu valor legalmente verificado, se a restituição não fôr possível, e o ofendido ou os seus herdeiros requeiram a indemnização.
2º como efeito da pena, a perda a favor do Estado do produto ao lucro obtido com o crime de corrupção de funcionários, testemunhas, juízes, jurados ou peritos (artigos 323º e 240º, § 1º, do Código Penal).
3º como efeito da pena, a perda do produto das récitas teatrais ou musicais representadas com violação dos regulamentos da propriedade autoral (artigo 548º do Código Penal)
4º como efeito da pena, a perda dos objectos que serviram para a execução da contrafacção (artigo 457º do Código Penal).
5º como efeito da pena, a perda dos objectos do crime de fraude na venda se ainda pertencerem ao vendedor (artigo 456º, § 4º, do Código Penal).
6º como efeito da pena mas com a natureza de medida de polícia, a perda dos pesos e medidas falsas (independentemente da titularidade do direito de propriedade) no crime de fraude na venda; 7º como efeito da pena mas com a natureza da medida de polícia a perda das armas proibidas (artigo 253º, §5º, do Código Penal).
Na redacção originária do actual Código Penal (aprovado pelo Decreto-Lei nº400/82, de 23 de Setembro), no título relativo à perda de coisas ou direitos relacionados com o crime, consagrou-se a perda – de objectos – artigos 107º e 108º - e de coisas ou direitos relacionados com o crime – artigo 109º - cujo teor era o seguinte: 1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes do crime é perdida a favor do Estado. Tratando-se de qualquer vantagem insusceptível de transferência directa, ficará o Estado com o direito de exigir de quem a recebeu ou se obrigou a pagá-la o valor correspondente. 2 - São ainda perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiros, os instrumentos, objectos ou produtos do crime não abrangidos pelo disposto no artigo 107.º, e os objectos, direitos ou vantagens que, através do crime, hajam sido directamente adquiridos pelos seus agentes. 3 - Se os instrumentos ou objectos não estiverem em poder dos agentes, devem estes pagar ao Estado o valor correspondente sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiros. 4 - No caso de alguém responder criminalmente por actuação em nome de outrem nos termos do artigo 12.º e a recompensa do crime e as vantagens dele provenientes aproveitarem à pessoa em nome de quem o facto foi praticado, aplicar-se-á a esta o disposto nos números anteriores para os agentes do crime.
Após a reforma de 1995 (operada pela Lei nº48/95, de 15 de Março) o referido título (agora designado de perda de instrumentos, produtos e vantagens) passou a ser composto pelos artigos 109º - perda de instrumentos e produtos – 110º - objectos pertencentes a terceiros – e 111º - perda de vantagens ( tendo o seu nº2 sido objecto de alteração através da Lei nº32/2010, de 02 de Setembro, que não iremos reflectir por ser de todo irrelevante para a questão a decidir).
Com interesse para a apreciação do recurso, recordemos a actual redacção dos nºs 2 e 4 do artigo 111º do Código Penal: 2. São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representam uma vantagem patrimonial de qualquer espécie. 4. Se (…) as vantagens não puderem ser apropriadas em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.
Julgador e recorrente estão de acordo com a natureza jurídica da perda de vantagens: constitui providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança (cfr. Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág.638: P.P.Albuquerque, CCP, 3ª edição, pág.460: M.M.Garcia e J.M.C.Rio, CP comentado, 2ª edição 2015, pág.465: M.S.Santos e M.L.Henriques, CP comentado, 4º edição 2015, pág.537).
Note-se, todavia, que ainda se mantêm em vigor a perda de mercadorias objecto do crime e dos meios de transporte utilizados para a prática de crimes aduaneiros, como pena acessória (cfr. artigos 18º e 19º do RGIT), dela beneficiando a Fazenda Nacional
Distingue-se do regime de perda de instrumentos e produto (em que se pondera a sua perigosidade imediata, da sua adequação para a prática de crimes, porque está em causa a “(…) prevenção da criminalidade em globo, ligada à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que “o crime” não compensa. Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspecto deixe de caber o reflexo da providência ao nível de reforço da vigência de norma (prevenção especial positiva ou de integração) (…)” (cfr. Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág.632).
Também não existirá qualquer controvérsia sobre o significado da expressão vantagem: todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado (cr. Figueiredo Dias, ob.cit. pág.632, P.P.Albuquerque, ob. e pág.cit, e J. Conde Correia / H. Rigor Rodrigues, Julgar online 8, pág.12).
O arguido não entregou aos cofres do Estado a quantia de €12.840,65 que recebeu a título de IVA, tendo-se apropriado da mesma. Faz parte do tipo de ilícito em causa a apropriação da quantia em causa e o consequente enriquecimento do património do arguido (independentemente da afectação que conferiu a tal quantia) e o empobrecimento do património do Estado/Administração Fiscal.
A vantagem adquirida (por apropriação) é susceptível de ser declarada perdida a favor do Estado. Porém, teremos que compreender a locução conjuntiva subordinativa condicional utilizada pelo legislador- sem prejuízo dos direitos do ofendido.
Ofendido, nos termos do artigo 68º, nº1, alínea a) do Código de Processo Penal, é o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, posição que lhe confere legitimidade para se constituir como assistente.
Lesado, nos termos do artigo 74º, nº1, do Código de Processo Penal, é a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime.
Entendemos, em abstracto, que o MºPº apenas deverá accionar o mecanismo de perda das vantagens adquiridas pelo agente através do facto ilícito típico que correspondam à prestação da obrigação de indemnização civil pela prática daquele facto quando o ofendido (o titular do interesse penalmente tutelado) se desinteressa pela mesma (em sentido aproximado, Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág.633).
Só nestes casos poderá tal perda corresponder às suas finalidades supra referidas, de prevenção da criminalidade em globo, que não podem ou devem conflituar com o direito do ofendido de obter a reintegração no seu património daquilo que lhe foi subtraído (até porque a obrigação resultante para o agente da perda em espécie ou por pagamento do seu valor não deve piorar a situação do ofendido – cfr. CP Anotado, M.Simas Santos e M. Leal-Henriques, 4ª edição, págs.534 e 535).
E se dúvidas permanecessem quanto a tal solução, as mesmas encontram conforto no artigo 130º, nº2, do Código Penal onde se prevê, em nome do referido direito de indemnização do lesado de um crime, a atribuição ao mesmo, até ao limite dos danos sofridos, dos objectos declarados perdidos (ou produto da sua venda) ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109º e 110º.
As vantagens apropriadas em espécie ou substituídas pelo pagamento ao Estado do respectivo valor no âmbito do artigo 111º do Código Penal não são susceptíveis de atribuição ao lesado.
No caso concreto o ofendido e lesado manifestou perante quem o representa judicialmente que não pretendia deduzir pedido de indemnização civil uma vez que optara pela execução fiscal da obrigação tributária. Tal comportamento não configura qualquer desinteresse do ofendido na reparação patrimonial do direito lesado e, pelo contrário, representa uma opção consciente da melhor forma de a obter.
A perda de vantagens (quantia correspondente ao IVA apropriado pelo arguido) a favor do Estado prejudica o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira de obter a mesma quantia (acrescida dos juros legais) em sede de execução fiscal, procedimento que expressamente comunicou ao MºPº e, neste sentido, não deve ser decretada. Em conclusão: 1º só podem ser declaradas perdidas a favor do Estado as coisas, direitos e vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridas pelo agente e representem uma vantagem patrimonial, com fundamento no artigo 111º , nº 2, do Código Penal; 2º a perda de vantagens não pode prejudicar o direito de reparação do património titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação e que sofreu danos ocasionados pelo facto ilícito típico; 3º nos casos em que a perda de vantagens corresponda à obrigação de indemnização civil decorrente da prática do facto ilícito típico apenas pode ser decretada se o titular dos danos causados pelo mesmo se desinteressar pela reparação do seu direito; 4º não pode ser decretada a pena de perda de vantagens (quantia correspondente ao IVA apropriado pelo arguido) nos casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou ao MºPº que não pretendia deduzir pedido de indemnização civil por considerar suficiente os meios legais previstos para a execução fiscal da vantagem
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C. Nos termos expostos nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida
Sem custas.
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Porto, 23 de Novembro de 2016
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro