INTERVENÇÃO PRINCIPAL
RECONVENÇÃO
COLIGAÇÃO PASSIVA
Sumário

I- A intervenção principal espontânea, nos termos do artigo 320.º,alínea b) do Código de Processo Civil, de sócio da ré reconvinte para, ao lado desta, ser deduzido novo pedido reconvencional contra a autora não é admissível visto que, atento o disposto na referida alínea, está excluída a constituição sucessiva de coligação passiva.
II- E no que respeita à intervenção litisconsorcial espontânea, prevista na alínea a) do artigo 320.º do Código de Processo Civil, importa atentar que, no litisconsórcio, há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida, o que não sucede se o interveniente pretende formular pedido próprio contra a A, pois, não sendo admissível litisconsórcio inicial, igualmente não podia haver litisconsórcio sucessivo

(SC)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

Na 12ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, R.[…] S.A., instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra M.[…] Ld.ª, alegando que a ré propôs à autora uma colaboração relativa à compra e venda de embarcações, dados os avultados capitais exigidos pela actividade da ré, concretizando-se a intervenção da autora em assumir a responsabilidade pelas encomendas das embarcações junto do fabricante, seja sinalizando-as, para que se desse início à construção, seja realizando os pagamentos parcelares, seja pagando a última tranche do preço, uma vez concluída a construção, tudo se passando como se a autora fizesse um adiantamento financeiro à ré, para vir a ser, posteriormente, compensada pelo mesmo.

Mais alega que, parte do lucro obtido pela ré com a revenda das embarcações deveria destinar-se a compensar o empate de capital, do qual também deveria ser reembolsada, revertendo o remanescente para a ré, sendo que esta aceitou tal forma de compensação.

Alega, ainda, que, nos termos do referido acordo, a autora entregou elevadas somas de dinheiro a fabricantes das embarcações, possibilitando a realização de transacções, no âmbito das quais a ré recebeu desses fabricantes, para revenda, as embarcações de recreio que identifica.

Alega, por último, que é detentora de um crédito sobre a ré, que resulta do não pagamento por esta do total de € 1.047.913,47, quantia esta que foi entregue pela autora, por conta da ré, aos fabricantes das embarcações de recreio, ao abrigo dos acordos verbalmente celebrados, e que a ré não pagou, apesar de interpelada para o efeito.

Conclui, assim, que deve a ré ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.115.302,21, correspondente a € 1.047.913,47 de capital e € 107.348,73 de juros, acrescida de juros vincendos desde 4/2/05 até efectivo e integral pagamento, ou, subsidiariamente, deve a ré ser condenada a pagar-lhe, por via de enriquecimento sem causa à sua custa, a quantia de € 1.047.913,47, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A ré contestou, por excepção, alegando que a autora propôs à ré que oferecesse aos seus clientes um modelo de financiamento, com leasing, efectuado em Itália, e criação de sociedades offshore, que figurariam como titulares de cada embarcação, diligenciando a autora pela obtenção de garantias bancárias à sociedade italiana locadora. Mais alega que a autora garantiu ao gerente da ré, C.[…], que os valores correspondentes aos adiantamentos que estavam a ser realizados seriam, na altura própria, considerados ou como capital social, ou encontrar-se-ia uma outra fórmula de reembolsar, mediante a realização dos contratos de leasing, pelo que, a ré ficou convicta que nunca teria de reembolsar tais montantes.

Contestou, também, a ré, por impugnação, alegando que a autora induziu a ré a que os empréstimos efectuados seriam para transformar em capital social, que a autora seria sua sócia e que os modelos de financiamento mediante contratos de leasing à clientela permitiriam o retorno dos investimentos efectuados. Que, assim, o que existiu foi uma antecipação da realização de capital, apoio à tesouraria da ré ou suprimentos sob a forma de adiantamentos pagos a terceiros, e que deveriam ter sido convertidos em realização de capital, ou prestações suplementares de capital, suprimentos ou retorno após celebração dos contratos de leasing. Reciprocamente, o gerente da ré havia-se obrigado a converter em capital o montante de suprimentos e prestações suplementares de capital que havia prestado à sociedade, ficando a autora com 50% do capital da ré e o gerente desta com outros 50%.

Conclui, deste modo, que nada deve à autora e que, por isso, deve a acção ser julgada improcedente.

Deduziu, ainda, a ré reconvenção, concluindo que a autora deve ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 123.765,72, referente ao valor da prestação dos serviços de assistência nas suas embarcações, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados a partir da data em que for notificada da reconvenção, e, ainda, a quantia de € 513.649,45, correspondente a prejuízos financeiros a que a autora deu causa, bem como, os que vierem a ser liquidados, relativos aos prejuízos causados pelo incumprimento da obrigação de prestar garantias bancárias às operações de leasing, prometidas à ré, e que se goraram por facto unicamente imputável à autora.

Na mesma data da contestação da ré, deu entrada um requerimento apresentado por Carlos […], deduzindo incidente de intervenção principal espontânea, em articulado próprio, nos termos do art.320º, al.b), do C.P.C., onde alega que detém no capital social da ré uma quota no valor nominal de € 99.900,00, que corresponde a 99,9% daquele capital social.

Mais alega que existiu entre a autora e o interveniente um contrato promessa verbal de participação societária no capital social da ré, de valor equivalente ao das prestações que a autora veio a realizar, cabendo ao interveniente acompanhar a realização da autora, mediante conversão do montante da sua conta de suprimentos e prestações suplementares de capital de que é titular na ré, e realizar, em numerário, o valor que porventura fosse necessário para acompanhar as realizações da autora.

Alega, ainda, que a autora incumpriu a sua obrigação de concretizar a promessa feita, actuando com culpa, o que a obriga a indemnizar o interveniente pelos prejuízos que lhe causou, que são equivalentes ao valor nominal da sua quota de € 99.900,00, ao valor dos suprimentos no montante de € 420.000,00, que não poderá recuperar, e ao valor das prestações suplementares de capital, no montante de € 400.000,00, que o interveniente já tinha constituído para conversão no aumento de capital, o que perfaz o total de € 919.900,00.

Conclui, assim, que deve ser admitido nos autos, ao lado da ré reconvinte, e, admitida a sua intervenção activa, deverá a autora ser condenada, a final, a pagar ao interveniente a referida quantia, acrescida de juros moratórios, a partir da citação para o incidente.

A autora opôs-se ao incidente, alegando que não estão reunidos os pressupostos que permitam a intervenção principal espontânea de Carlos […], pelo que, deve ser indeferida, ou, caso assim não se entenda, deverá a autora ser integralmente absolvida do pedido que aquele contra si formula.

À contestação da ré a autora respondeu na réplica, concluindo que deverão ser julgadas improcedentes as excepções peremptórias deduzidas, bem como o pedido reconvencional.

A ré e o referido Carlos […] treplicaram, por entenderem que a autora tinha deduzido a excepção da sua ilegitimidade e, ainda, uma excepção peremptória.

Notificada das tréplicas, a autora veio alegar que não é admissível que a ré e o interveniente, em sede de tréplica, se pronunciem sobre a matéria que consubstancia mera defesa por impugnação, concluindo que devem ser julgadas parcialmente nulas.

Seguidamente, foram proferidos despachos, indeferindo o incidente de intervenção espontânea deduzido por […] e declarando a nulidade do articulado dito de «tréplica», apresentado pela ré, que foi desconsiderado, mas não se tendo ordenado o seu desentranhamento por, com ele, se ter procedido ao exercício do contraditório, relativamente a documentos apresentados pela autora.

Inconformados, o requerente Carlos […] e a ré interpuseram recurso de agravo, respectivamente, do 1º e 2º despachos atrás referidos.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. AGRAVO DO REQUERENTE CARLOS […]

2.1.1. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O interveniente recorre do despacho de fls.345, que indeferiu o incidente de intervenção principal espontânea.

2. De acordo com o disposto no art.274º, do C.P.C., se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade das partes, possam associar-se ao revonvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção provocada, nos termos do disposto no art.326º.

3. Pode, igualmente, aquele que nos termos do art.30º, do C.P.C., pudesse coligar-se com o reconvinte, sem prejuízo do que se acha disposto no art.31º, do C.P.C., intervir espontaneamente ao abrigo do disposto na al.b), do art.320º, do C.P.C..

4. No caso dos autos não se verifica nenhum obstáculo à coligação.

5. Atento o princípio da cooperação processual, constante do art.266º, nº1, do C.P.C., impõe-se, de qualquer forma, ao Magistrado, a adequação processual tendente à justa composição do litígio.

6. Sendo que competia à Mmª Juiz «a quo» adaptar o processado à cumulação autorizada – art.31º, nº3, do C.P.C..

7. A decisão recorrida violou, consequentemente, o disposto no art.320º, al.b), 30º, 31º, nº3, 266º, nº1, do C.P.C..

8. Pelo que deve o despacho recorrido ser substituído por outro que admita o incidente de intervenção.

2.1.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1. Ao presente Recurso de agravo deve ser atribuído efeito meramente devolutivo, já que, sendo um recurso num incidente da instância que corre juntamente com a causa principal, deve subir em separado [alínea a) do n.° 1 do art. 739° CPC], e, como tal, não deve ter efeito suspensivo, por ser de atribuir este efeito apenas aos agravos que subam imediatamente nos próprios autos [artigo 740°, n.° 1 do CPC].

2. Não existe qualquer contradição na fundamentação do douto despacho recorrido, que é falsa a ideia de que o despacho se socorreu, na sua fundamentação, de matéria constante em articulado que considerou, por sua vez, nulo. Na verdade, o despacho recorrido faz referência (ainda que a título acessório e complementar) ao afirmado pelo Interveniente nos artigos 44° a 47° da tréplica por si apresentada, sendo que apenas considerou nula a tréplica apresentada pela Ré (artigos 1° a 31°). Não se verifica, assim, a nulidade pretendida pelo Recorrente.

3. A intervenção principal espontânea, requerida nos termos da alínea b) do artigo 320° do CPC, é possível apenas àquele que, nos termos do artigo 30°, pudesse coligar-se com o Autor, o que não corresponde ao caso vertente. Com efeito, constata-se que o interveniente pretende associar-se à Ré. e não ao Autor, o que conduz, desde logo, à
inadmissibilidade da intervenção requerida.

4. Não é possível fazer a interpretação extensiva na alínea b) do artigo 320° do CPC, no sentido de ser admitida a intervenção daquele que, nos termos do artigo 30° pudesse coligar-se com o réu Reconvinte. O artigo 274°. n.° 4 do CPC de que se socorre o
Recorrente não permite concluir doutro modo, porquanto aí apenas se prevê em termos muito restritos, a possibilidade de o Réu Reconvinte deduzir incidente de intervenção
principal provocada, não se prevendo a possibilidade de intervenção principal espontânea.

5. A ratio legis da norma do artigo 274°, n.° 4 do CPC é a de criar equilíbrio entre a posição do Autor e do Réu Reconvinte, justificando-se apenas na medida do interesse processual do Réu Reconvinte, e, mesmo assim, porque o princípio geral é a da unicidade de partes, é conferida a possibilidade ao Juiz (art.° 274°, n.° 5) de determinar a absolvição da instância do pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, se entender que isso acarreta grave inconveniente para a instrução, discussão e julgamento da causa.

6. O artigo 274°, n.° 4 não permite, como não o permite o artigo 320°, al. b) a intervenção principal espontânea de terceiro, ao lado do Réu Reconvinte (que podendo chamá-lo a intervir não o fez). Com efeito, o terceiro não tem interesse processual que justifique a sua intervenção na causa ao lado do Réu Reconvinte. O terceiro pode, querendo, interpor uma acção contra o autor. Não há necessidade - ao contrário do que sucede
com o Réu Reconvinte — de equipará-lo ao autor. Admitir-se a sua intervenção, seria criar um inadmissível desequilibro entre as partes, já que o terceiro que interviria, associando-se ao Réu reconvinte, para deduzir um pedido próprio, com uma causa de pedir própria,
ficaria sempre a salvo de contra si ser deduzido pelo Autor qualquer pedido condenatório.

7. Por outro lado, atendendo a que a dedução de pedido reconvencional apenas é admitida desde que preenchidos os requisitos enumerados no artigo 274°, n.s° 1 e 2 do CPC, os quais não se encontram preenchidos na pessoa do ora recorrente, nunca seria admissível a dedução do pedido reconvencional pelo Recorrente.

8. Mas mesmo que se entendesse que o Recorrente tinha legitimidade para, ao lado da Ré Reconvinte, fazer valer contra o Autor, um direito próprio, constata-se não estarem reunidos os requisitos previstos no artigo 30° do CPC, dos quais, de acordo com o
disposto no artigo 320°, b) depende a possibilidade de intervenção principal espontânea de um terceiro.

9. Assim, nos termos conjugados dos artigos 30°, 320°, 321° e 274°, n.s° 1, 2, 4 e 5, todos do CPC. não é admissível a intervenção principal espontânea deduzida pelo Recorrente.

2.1.3. A única questão que importa apreciar neste 1º agravo consiste em saber se é admissível a intervenção principal espontânea requerida pelo sócio da ré, Carlos […], para, ao lado da ré-reconvinte, poder formular pedido reconvencional contra a autora.

De harmonia com o disposto no art.320º, als.a) e b), do C.P.C. (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), a intervenção principal espontânea é facultada ao terceiro que a lei, o negócio ou a natureza da relação jurídica impunham que com o autor movesse a acção ou que com o réu fosse demandado, nos termos do art.28º (litisconsórcio necessário); ao terceiro que podia, sem tal ser imposto, ter movido a acção juntamente com o autor ou ter sido demandado juntamente com o réu, nos termos do art.27º (litisconsórcio voluntário); ao terceiro que podia ter demandado o réu, ao lado do autor, contra ele deduzindo um pedido distinto (coligação activa).

Dúvidas não restam, pois, que, atento o disposto na al.b), do citado art.320º, está excluída a constituição sucessiva da coligação passiva (já na vigência do Código de Processo Civil de 1939 Lopes Cardoso a entendia impraticável, enquanto que Alberto dos Reis a admitia em determinadas circunstâncias – cfr. o seu Código de Processo Civil, Anotado, vol.I, 3ª ed., pág.516). Daí que não mereça qualquer censura o despacho recorrido, quando aí se afirma que, encontrando-se a parte relativamente à qual o interveniente pretende coligar-se na posição de ré, não pode o mesmo alicerçar essa sua pretensão no disposto na al.b), do art.320º.

E o mesmo se diga na parte em que, naquele despacho, igualmente se conclui não existir fundamento para a requerida intervenção, ao abrigo da al.a), do citado artigo. Na verdade, não se pode dizer que o requerente, ora agravante, tenha, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao da ré, nos termos dos arts.27º e 28º. Assim, a intervenção litisconsorcial espontânea, prevista naquela al.a), tem na sua base uma situação de litisconsórcio, voluntário ou necessário, entre as partes e o terceiro interveniente. Logo, trata-se de situações em que a relação jurídica substancial respeita a uma pluralidade de sujeitos, quer no aspecto activo, quer no aspecto passivo, pois que, no litisconsórcio há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida (cfr. os arts.27º e 28º, e, ainda, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.161). Ora, no caso dos autos, o que o requerente da intervenção pretende é ser admitido ao lado da ré, enquanto reconvinte, mas formulando um pedido indemnizatório próprio contra a autora. Ou seja, como se diz no despacho recorrido, o requerente invocou em benefício da sua pretensão uma relação material controvertida distinta da da ré, baseada na responsabilidade pré-contratual que a autora teria para consigo, por não ter honrado um contrato-promessa de participação societária. O que significa, manifestamente, que a acção não podia ter sido proposta contra o requerente da intervenção. Consequentemente, se não podia haver litisconsórcio inicial, nos termos dos arts.27º e 28º, não podia haver litisconsórcio sucessivo, uma vez que, a al.a), do art.320º, exige que o interveniente tenha, nos termos daqueles artigos, interesse igual ao do réu. Que o mesmo é dizer, se o sócio da sociedade-ré não podia ser demandado inicialmente na acção de dívida intentada contra esta, também não pode intervir, agora, como réu naquela acção.

Daí que não haja que invocar o disposto no art.274º, nº4, porquanto, o que aí se prevê é que a intervenção principal provocada possa ser suscitada pelo réu reconvinte, nos termos do art.326º, em virtude de a reconvenção deduzida respeitar também a terceiros que possam ou devam estar litisconsorciados com ele ou com o reconvindo (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, vol.1º, pág.490).

E também não se argumente com o disposto nos arts.266º, nº1 e 31º, nº3, visto que este último artigo não tem aplicação ao caso dos autos, pois que, como já vimos, no caso, não há que falar em coligação, não havendo, assim, que adaptar processado, nem que invocar o princípio da cooperação.

Haverá, deste modo, que concluir que não é admissível a intervenção principal espontânea requerida pelo sócio da ré, […], por não se verificar qualquer dos pressupostos a que aludem as als.a) e b), do art.320º.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação do recorrente.

 2.2. AGRAVO DA RÉ M.[…]

2.2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) A recorrente recorre do despacho de tis. 345, que decidiu desconsiderar a Tréplica da R. e do Interveniente.
b) De facto, a ora recorrente entende que a Tréplica apresentada é processualmente admissível, porquanto responde a excepções deduzidas pela A. reconvinda em Defesa contra o pedido reconvencional.
c) Entende a recorrente que o despacho recorrido se encontra ferido de nulidade.
d) De facto, entende a Recorrente que o tribunal recorrido violou o disposto nos Arts. 508, 508-A e Art. 3°/3 e 4 do CPC.
e) É que, de acordo com o princípio do contraditório, não é lícito ao Juiz, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem
f) Ora, a ratio do citado artigo 508°-A/1 b) não é outra senão de facultar às partes a discussão de facto e de direito nos casos em que o juiz, por qualquer
motivo, pretender decidir não atender determinado pedido formulado pelas partes.
g) Depois, entende a Recorrente que a matéria articulada pela R. em resposta à defesa por excepção articulada pela A. na Réplica deve ser discutida em sede
de julgamento, de modo a que seja objecto de produção de prova.
h) De outro modo, é escamoteada a versão completa dos factos da R., relevantíssima para dilucidar a questão sub judice, que torna inelutável a formulação do pedido reconvencional aliás já admitido. A má-fé e o abuso de direito, com que a A., se pretende locupletar à custa da R. e do Interveniente.
i) Por fim, o referido despacho é igualmente nulo, porquanto, em face de um último argumento, devia ter sido previamente decidida, com transito em julgado, a questão da admissão do incidente de intervenção de  […] que também se acha em recurso neste Venerando
Tribunal.

NESTES TERMOS,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro em que se admita a Tréplica apresentada pela R..

2.2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

I. As alegações da Recorrente assentam no pressuposto errado de que a Tréplica apresentada pela Ré é também a Tréplica apresentada por  […]. Apesar de constarem de um único articulado, a verdade é que
nos presentes autos existem duas Tréplicas, sistematicamente separadas: uma, apresentada pela Ré, em resposta à Réplica apresentada pela Autora à Contestação/Reconvenção - constante dos artigos 1° a 31°; outra, apresentada
por […], em resposta ao articulado que contestou o requerimento de intervenção espontânea principal.

II. O despacho recorrido apenas considerou nula a tréplica apresentada pela Ré, ora Recorrente, ficando prejudicada a apreciação da tréplica apresentada pelo
"interveniente" uma vez que não foi admitida a sua intervenção nos autos.

III. Este despacho é perfeitamente dissociável do despacho que indeferiu liminarmente a intervenção espontânea deduzida por […], como o alegado por este é totalmente irrelevante, seja para a boa decisão do presente
recurso, seja para a correcta compreensão da posição assumida pela Ré nos presentes autos.

IV. Sendo perfeitamente autónomos e dissociáveis os referidos despachos, a decisão constante do despacho ora posto em crise não depende, de modo algum, da
resolução definitiva da questão da admissibilidade daquele incidente.

V. A questão a decidir nos presente recurso é, assim, apenas a de saber se a Ré, ora Recorrente, podia, nos termos do artigo 503.° do CPC e perante o conteúdo da
Réplica apresentada pela Autora, responder-lhe.

VI. A resposta a dar é negativa, porquanto na Réplica não foi alterado o pedido e a causa de pedir inicialmente formulados, nem a Autora, ora Recorrida, se defendeu por excepção ao pedido reconvencional.

VII. É, pois, de concluir que a apresentação da tréplica pela ora Recorrente traduz a prática de um acto que a lei não admite, que é susceptível de influir no exame e
decisão da causa, o que consubstancia uma nulidade, nulidade essa arguida em tempo, pela recorrida (cfr. artigos 201.°. n.° 1, 203.°, n.°1 e 205. todos do CPC).

VIII. Não são aplicáveis as normas dos artigos 508.° e 508.°-A do CPC, cujas respectivas previsões não abrangem a situação sub judice, tendo em conta que estamos
perante uma nulidade processual (artigo 201.°, n.° 1 do CPC); que tal nulidade foi arguida em tempo por quem para isso tem legitimidade (artigos 203.°, n.° 1 e 205.° do CPC); que a recorrente foi notificada de tal arguição e, podendo responder nos termos do art.3º, do C.P.C., nada disse; e que tal nulidade deve ser conhecida logo que reclamada (art.206º, nº3, do C.P.C.). Foi o que aconteceu.

IX. Não procedem assim os argumentos aduzidos pela Recorrente para pôr em crise o douto despacho recorrido que, por ser legal, deve manter-se integralmente.

2.2.3. Neste 2º agravo cumpre apreciar a questão de saber se, no caso, se verifica alguma das circunstâncias em que a tréplica seja admitida.

No despacho recorrido considerou-se que a autora, na réplica, não alterou nem o pedido, nem a causa de pedir, nem deduziu qualquer excepção relativamente ao pedido reconvencional, pelo que, a tréplica apresentada pela ré extravasou o que a lei lhe permitia (art.503º, nº1), com excepção do art.31º da mesma, utilizado para o exercício do contraditório, face aos documentos juntos pela autora com a réplica. Em consequência, por se ter entendido que a ré praticou um acto que a lei não permite e que tal irregularidade é susceptível de influir no exame e decisão da causa, tendo sido arguida por quem tem legitimidade e em tempo, foi declarada a nulidade do articulado dito de «tréplica» e desconsiderado o mesmo.

Vejamos.

A tréplica é o articulado pelo qual o réu responde à réplica, no caso excepcional de, nesta, o autor ter modificado o pedido, a causa de pedir ou um e outro simultaneamente, ou de ter deduzido alguma excepção contra o pedido reconvencional (art.503º, nº1). Assim, no caso especial da reconvenção, a tréplica assume, em relação ao pedido reconvencional, o papel da réplica quanto às excepções que o autor tenha alegado.

No caso dos autos, não é posto em causa que não houve alteração do pedido ou da causa de pedir. O que a recorrente entende é que a tréplica apresentada é admissível, porquanto responde a excepções deduzidas pela autora reconvinda em defesa contra o pedido reconvencional. Não concretiza a recorrente, porém, nas conclusões da sua alegação, a que excepções se pretende referir. Por outro lado, a recorrida, na réplica, também não especificou qualquer excepção. A classificação como defesa por excepção foi adoptada pela ré na tréplica, aludindo aí à excepção dilatória da ilegitimidade da autora e a uma excepção peremptória, que teriam sido invocadas por aquela. Mas não tem razão. Na verdade, não se vê que a autora tenha deduzido alguma excepção, apenas se tendo defendido por impugnação, já que se limitou a contradizer os factos articulados na reconvenção ou a afirmar que tais factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pela ré (cfr. o art.487º). Assim, a autora não saiu para fora do terreno em que a ré se colocou, antes atacou de frente a causa de pedir, procurando destruí-la. Isto é, ambas as partes se referem ao mesmo acontecimento, só que cada uma delas o encara e o apresenta através do seu prisma, daí resultando duas versões diversas da mesma ocorrência.

E não é a circunstância de a autora referir que alguns dos factos dizem respeito ao seu administrador, B.[…], que implica a invocação da excepção da sua ilegitimidade, como pretende a ré, ora recorrente. Basta atentar no disposto no art.26º, nº3. Assim como também não constitui excepção peremptória o facto de a autora alegar que está errado o tratamento jurídico a que a ré submeteu os factos articulados. Trata-se, sim, da 2ª espécie de impugnação configurada na 1ª parte, do nº2, do art.487º.

Haverá, deste modo, que concluir que não se verifica qualquer das circunstâncias em que a tréplica é admitida. Razão pela qual não merece censura o despacho recorrido, já que, não tendo sido oposta qualquer excepção à reconvenção, não tinha a ré que se defender por meio de tréplica, caindo-se, assim, na área das nulidades processuais (cfr. Antunes Varela, ob.cit., pág.361).

E não se diga que o despacho recorrido é nulo, seja por violação do disposto nos arts.508º, 508º-A e 3º, nº3, seja por não ter sido previamente decidido, com trânsito em julgado, a questão da admissão do incidente de intervenção de […]. É que as causas de nulidade dos despachos são as previstas no art.668º, nº1, aplicável ex vi do art.666º, nº3, não se apontando nenhuma delas, nem se vendo que ocorra alguma. Acresce que não tem cabimento a invocação, no caso, do disposto nos citados arts.508º e 508º-A, respeitantes, respectivamente, ao suprimento de excepções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados, bem como, à audiência preliminar. Sendo que, foi respeitado o princípio do contraditório (citado art.3º, nº3), uma vez que, antes de se decidir, foi a ré notificada da arguição da nulidade. Por último, não se vê por que razão haveria de ser decidida previamente, com trânsito em julgado, a questão da admissão do aludido incidente de intervenção.

Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente.

3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento aos recursos, confirmando-se os despachos agravados.

Custas pelos agravantes.

Lisboa, 17 de Abril de 2007

(Roque Nogueira)

(Pimentel Marcos)

(Abrantes Geraldes)