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INVENTÁRIO
LEGITIMIDADE
PARTILHA
HERDEIRO
HERANÇA
LEGATÁRIO
LEGADO
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
CASO JULGADO FORMAL
Sumário
I- O direito de exigir partilha cabe ao herdeiro, não ao legatário pois este não recebe uma fracção abstracta da universalidade, mas bens determinados ( ver artigo 2065.º do Código Civil de 1867, artigo 2101º,nº1 do Código Civil de 1966). II- Não se altera o referido entendimento quando todo o património hereditário foi dividido em legados. III- O meio processual adequado para se pôr termo à indivisão criada por via da distribuição do património hereditário em legados é a acção de divisão de coisa comum (artigo 1052.º do Código de Processo Civil). IV- Não há caso julgado formal obstativo do reconhecimento da ilegitimidade de o legatário requerer inventário pelo facto de o tribunal ter anteriormente designado cabeça-de-casal, ter determinado a citação dos interessados e de ter sido requerida a exclusão de bens relacionados visto que não tinha sido ainda apreciada a questão em causa que extravasa claramente o âmbito da discussão acerca da regularidade da tramitação processual seguida no inventário.
(SC)
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).
I – RELATÓRIO.
Maria Teresa […] requereu inventário judicial por óbito de Maria de Assunção […], verificado em 26 de Dezembro de 1961.
Por testamento outorgado em 29 de Abril de 1949, no […] Cartório Notarial de Lisboa, Maria de Assunção […] dispôs de todos os seus bens, através da instituição de diversos legados, determinando que, se à data do seu falecimento, já tivesse falecido qualquer dos legatários beneficiários do testamento, os bens que constituíssem o respectivo legado reverteriam a favor dos herdeiros testamentários ou legítimos destes.
A requerente identificou os legatários que sobreviveram ao de cujus e os herdeiros dos legatários pré-falecidos. Por despacho de fls. 179, foi nomeada para desempenhar as funções de cabeça de casal Maria Júlia […]. Prestou juramento e declarações, conforme acta de fls. 183 a 208.
Foi apresentada a relação de bens de fls. 237 a 248.
Foi ordenada a citação dos interessados, nos termos e para os efeitos do art.º 1341º e 1348º, do Cod. Proc. Civil ( cfr. fls. 314 ).
Veio o interessado Luís […], a fls. 389 a 392, requerer a exclusão do inventário das verbas relacionadas sob nºs 18 a 22.
Apresentou a cabeça de casal Maria Júlia […] a resposta constante de fls. 459 a 465.
Por despacho judicial de fls. 598 a 601, datado de 6 de Janeiro de 2006, decidiu-se que a requerente Maria Teresa […], por ser legatária e não herdeira do de cujus, não tinha legitimidade para requerer o presente inventário, o qual, por este motivo, se indeferiu.
Apresentou Maria Teresa […] recurso desta decisão, que foi admitido como de agravo ( cfr. fls. 624 ).
Juntas as competentes alegações, a fls.630 a 645, formulou Maria Teresa […] as seguintes conclusões :
1º - A razão de ser deste inventário está no facto da maior parte das pessoas indicadas pela requerente como interessadas a notificar no âmbito dos presentes autos de inventário serem-no na qualidade de herdeiros ( sobrevivos ) legais, legitimários ou testamentários dos primitivos beneficiários ( e ascendentes entretanto falecidos ) do testamento da inventariada.
2º - A requerente é também um dos vários herdeiros que, entretanto, herdaram dos seus ascendentes já falecidos.
3º - Falecidos que, por sua vez, tinham herdado os imóveis ( legados e agora partilhados ) após o óbito das primitivas legatárias, Emília […] e Cândida […], cujos legados estas tinham recebido por testamento da irmã ora inventariada Assunção […], porque esta foi a primitiva dona e deles dispôs a favor das suas identificadas irmãs.
4º - Os bens partilhandos são todos provenientes do património da inventariada.
5º - Será até mais claro, explícito e cómodo descrever as sucessivas transmissões operadas, tal como se fez, no sentido de montante ( autora dos legados ) até jusante ( herdeiros vivos dos ascendentes entretanto falecidos mas que tinham herdado os legados após o óbito das duas legatárias primitivas ), do que estarem a ser requeridas sucessivas cumulações de inventários por óbitos de numerosos herdeiros das primitivas legatárias, cujos herdeiros vivos destas não se entendem quanto à partilha, como já dos autos se vê ( contudo, a ser entendido como sendo formalmente mais correcto a cumulação de inventários fazer-se, justificar-se-á, então, a aplicação dos artsº 476º ou 508º, nº 4, do Cod. Proc. Civil, facultando-se à requerente a apresentação de nova petição inicial, em novos moldes formais, isto é, requerer a cumulação de inventários por óbito dos herdeiros, falecidos, daquelas duas legatárias ).
6º - Estas foram as razões práticas porque assim se procedeu e foi instaurado o presente inventário judicial por óbito de Maria de Assunção […] nos moldes constantes da petição.
7º - Nestes casos – herança toda distribuída em legados – os legatários são concebidos como um tertium genus, mais próximos do conceito de herdeiros do que de legatários, pois o património pulveriza-se em tantos patrimónios menores quanto os legados. Cada um destes passa a ser uma universalidade mais reduzida, com o seu activo e o seu passivo. Basta dizer isto para ver como o legatário se aproxima então do herdeiro. O legatário torna-se sucedâneo do herdeiro que falta. O legatário já não é credor. É devedor à semelhança do herdeiro ; é ele quem sucede no passivo, a cujo pagamento tem de proceder, embora inter vires legati.
8º- É de inferir que o nosso vigente ordenamento sucessório não só criou um regime especial para a distribuição de todo o activo patrimonial em legados, como prescindirá da presença do herdeiro nessas situações.
9º - Temos a existência de dois sistemas diferentes de regular a sucessão por morte, no nosso Direito : Um, alicerçado no direito romano, o ordenamento mantém a unidade do património do de cujus, destinando-o a ser adquirido pelos herdeiros, que não só administram o património em que sucedem, como cumprem os legados dispostos pelo testador. O outro, destrói essa unidade, pulverizando o património do de cujus pelos vários sucessores, que são apenas legatários. Na ausência de um herdeiro, são os legatários os responsáveis pelo pagamento das dívidas do falecido e os encarregues da administração do seu património, o que, efectivamente, os aproxima muito da figura do herdeiro.
10º - Daí que, em hipóteses como a ora em apreço, tenha toda a actualidade, validade e sobretudo pertinência, na actualidade normativa sucessória vigente, o entendimento do Dr. Pedro Cluny sobre o alcance da expressão interessado ( art.º 1327º, do Cod. Proc. Civil, conceito mais amplo do que o de herdeiro ou outro ) no inventário em que toda a herança é distribuída em legados ; pois que considera ter o legatário legitimidade para requerer o processo de inventário judicial dado o seu manifesto interesse directo em ver definida a sua situação sucessória, quer quanto ao passivo, quer quanto aos demais aspectos e implicações da herança.
11º - Já que está prescindida a presença de um herdeiro em hipóteses como a em apreço, já que o Direito Português, tal como a legislação internacional, oferece hoje a possibilidade de reequacionar toda a importância dada à herança e ao herdeiro, no fenómeno sucessório, através da análise de um instituto extremamente curioso e original do direito moderno, a que se chama usualmente de distribuição da herança ( ou de toda a herança ) em legados, pois criou afinal um regime especial para a distribuição de todo o activo patrimonial em legados, ainda que não haja dispensado um tratamento especialmente generoso.
12º - A figura é prevista genericamente no art.º 2277º, do Cod. Civil, onde se dispõe que são os legatários a suportar todos os encargos da herança na proporção dos seus legados, excepto se o testador tiver disposto de modo diverso. Está assim criado um regime especial relativo à responsabilidade pelo passivo.
13º - A esta disposição adita-se o art.º 2081º, do Cod. Civil, que atribui o cabeçalato, em substituição dos herdeiros, ao legatário mais beneficiado, criando assim e também um regime especial relativo à administração da herança distribuída por legados.
14º - Temos ainda em sede processual o art.º 1359º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, o qual dispõe competir aos legatários deliberar sobre o passivo quando a herança seja distribuída em legados, carregando-lhes as custas judiciais nesse caso como dispõe o art.º 1383º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
15º - Regime especial que, traduzido naquelas disposições legais antecedentes, se mostra infringido, como estas, pelo recorrido despacho.
16º - O recente despacho ora recorrido é também nulo, porque infractor de caso julgado formal anteriormente constituído à luz do art.º 672º, do Cod. Proc. Civil, já que ele vai contra a inicial admissão jurídica da tramitação formal deste inventário, nos moldes do presente procedimento processual, como tudo resulta e se lê dos primeiros despachos judiciais : o de fls. 79, que nomeou e mandou citar a cabeça de casal ; o de fls. 208, que admitiu e ordenou, dando prazo, para a apresentação da relação de bens ; o de fls. 314, que admitiu e ordenou a citação dos interessados para intervierem em termos do inventário conforme artsº 1341º e 1348º, do Cod. Proc. Civil, todos eles anteriores ao ora recorrido que é de fls. 598, portanto este é muito posterior aqueles outros que já tinham transitado em julgado.
17º - Consequentemente, a questão da admissibilidade do inventário e/ou da legitimidade da requerente já está resolvida em definitivo e muito antes do douto despacho recorrido de fls. 598 ter sido dado, razão pela qual não tem aplicação o invocado nº 2, do art.º 1373º, do Cod. Proc. Civil, que só é aplicável a questões ainda por resolver até ao despacho sob a forma de partilha.
Foi proferido despacho de sustentação, conforme fls. 650. II – FACTOS PROVADOS. Os indicados no RELATÓRIO supra. III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar : 1 – Da falta de legitimidade do legatário para requerer inventário judicial. 2 – Da constituição de caso julgado formal ( art.º 672º, do Cod. Proc. Civil ).
Passemos à sua análise :
1 – Da falta de legitimidade do legatário para requerer inventário judicial.
Alega essencialmente a recorrente que nos casos em que a herança é toda distribuída em legados os legatários são concebidos como um tertium genus, mais próximos do conceito de herdeiros do que de legatários, pois o património pulveriza-se em tantos patrimónios menores quanto os legados, passando cada um destes a ser uma universalidade mais reduzida, com o seu activo e o seu passivo.
É de inferir que o nosso vigente ordenamento sucessório não só criou um regime especial para a distribuição de todo o activo patrimonial em legados, como prescindirá da presença do herdeiro nessas situações.
A figura é prevista genericamente no art.º 2277º, do Cod. Civil, onde se dispõe que são os legatários a suportar todos os encargos da herança na proporção dos seus legados, excepto se o testador tiver disposto de modo diverso.
A esta disposição adita-se o art.º 2081º, do Cod. Civil, que atribui o cabeçalato, em substituição dos herdeiros, ao legatário mais beneficiado, criando assim e também um regime especial relativo à administração da herança distribuída por legados.
Temos ainda em sede processual o art.º 1359º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, o qual dispõe competir aos legatários deliberar sobre o passivo quando a herança seja distribuída em legados, carregando-lhes as custas judiciais nesse caso como dispõe o art.º 1383º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
Apreciando :
Os efeitos sucessórios definem-se pela lei civil vigente à data da morte do de cujus(1).
Tendo o autor da sucessão falecido em 26 de Dezembro de 1961, é aplicável, por conseguinte, quanto aos efeitos sucessórios globais, o Código Civil de Seabra de 1867.
Na situação sub judice, a autora da sucessão determinou que, se à data do seu falecimento já tivesse falecido qualquer dos legatários instituídos, os bens que constituíssem tal legado reverteriam em favor dos herdeiros testamentários ou legítimos destes.
Através das deixas testamentárias em referência, a testadora procedeu a uma substituição directa ou vulgar.
Conforme estabelecia o art.º 1858º, do Código Civil de Seabra : “ Pode o testador substituir uma ou mais pessoas ao herdeiro, ou herdeiros instituídos, ou aos legatários, para o caso em que os herdeiros ou legatários não possam ou não queiram aceitar a herança ou o legado : é o que se chama substituição vulgar ou directa “.
Esta modalidade de vocação indirecta encontra-se actualmente prevista no art.º 2281º, nº 1, do Cod. Civil de 1966, segundo o qual : “ O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro instituído para o caso de este não poder ou não querer aceitar a herança ; é o que se chama substituição directa. “.
O art.º 2285º, do actual Cod. Civil, declara que os preceitos respeitantes à substituição directa são aplicáveis aos legados.
Ora,
Embora os herdeiros do legatário pré-falecido sucedam directamente(2) ao de cujus e não ao instituído que não pode aceitar a deixa testamentária, encontramo-nos in casu, sempre e só, perante a instituição de legatários, não tendo sido designado, pela autora da sucessão, qualquer beneficiário duma quota do seu acervo patrimonial.
Conforme dispunha o art.º 1736º, do Código Civil de Seabra : “ Diz-se herdeiro aquele que sucede na totalidade da herança, ou em parte dela, sem determinação de valor ou de objecto. Diz-se legatário aquele em cujo favor o testador dispõe de valor, ou objectos determinados, ou de certa parte deles.”(3).
Para estes efeitos releva primordialmente a natureza do bem que é objecto da vontade de disposição do testador.
Neste sentido, cumpre atentar em que ode cujus instituíu beneficiários de bens certos e determinados, que não sucedem numa quota do seu património.
Relativamente ao direito a exigir a partilha em inventário judicial, estabelecia o art.º 2065º, do Código Civil de Seabra de 1867 : “ Entre maiores, que tenham a livre disposição de seus bens, ou que não estejam compreendidos no artigo precedente, só poderá fazer-se inventário judicial, sendo requerido por algum herdeiro(4) “.
Esta disposição legal negou aos credores e aos legatários o direito de requererem o inventário judicial(5), contrariando o que constava no respectivo projecto, onde se estabelecia, no respectivo art.º 2232º : “ Entre maiores, que tenham a livre administração de seus bens, ou não compreendidos no artigo precedente, não poderá ter lugar inventário judicial, senão sendo requrerido por algum dos herdeiros, ou pelos credores e legatários para separação de patrimónios(6). “.
Dispõe, no mesmo sentido, o art.º 2101º, nº 1, do actual Cod. Civil : “ Qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem direito a exigir partilha quando aprouver. “.
A circunstância da lei conceder o direito a exigir a partilha apenas ao co-herdeiro e não também ao legatário decorre do facto deste último suceder em bens ou valores determinados, situação esta que, por sua natureza, não obriga às operações jurídicas de apuramento e divisão do património, com especificação da parte que virá a caber a cada sucessor.
Conforme refere o Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “ Direito das Sucessões. Noções Fundamentais “, pág. 197 : “ Sucedendo os co-herdeiros no património do de cujus como universitas, de que fica cada um com a sua quota, assiste-lhe naturalmente o direito de partilha. Já os legatários, não recebendo uma fracção abstracta da universalidade mas bens determinados, não têm tal direito. “.(7)
Saliente-se, a este propósito, que tendo sido dois ou mais legatários instituídos em relação ao mesmo bem, não há, mesmo assim, cabimento legal para a instauração de inventário, devendo o respectivo interessado socorrer-se da acção de divisão de coisa comum(8).
Sustenta, não obstante, a recorrente que a questão terá que ser equacionada de forma diversa quando a herança é toda dividida em legados, como acontece na situação sub judice.
Carece, em absoluto, de razão.
Não há na lei fundamento que permita abrir aos legatários a possibilidade de requererem inventário judicial quando todo o património hereditário tenha sido disposto - e dividido – dessa forma pelo de cujus(9).
Com efeito, se todo o reclitum foi objecto de disposição testamentária instituindo beneficiários em relação a cada um dos bens certos e determinados(10) que o compõem, inexiste igualmente necessidade de partilha.
Cada um dos legatários sabe precisamente qual o bem ou os bens que lhe couberam em sorte.
A situação, nesta perspectiva e para estes efeitos, é rigorosamente igual àquela em que se verifica a coexistência, no âmbito do mesmo fenómeno sucessório, da instituição de herdeiros e de legatários.
O recurso aos fundamentos históricos ou contemporâneos subjacentes à figura do herdeiro contraposta à do legatário(11) em nada altera a análise jurídica que aqui deverá prevalecer.
Ainda que os direitos e obrigações entre o herdeiro e o legatário possam vir a assemelhar-se, na situação em que a herança se encontra integralmente dividida por legados, a natureza certa e definida dos bens que se transmitem mortis causa ao legatário retira razão de ser à necessidade de instauração de inventário.
Outrossim os motivos de ordem pragmática invocados pela agravante são insusceptíveis de alterar o sentido imperativo da lei neste tocante.
Está, de qualquer modo, em causa a exclusiva instituição de legatários e não de herdeiros, conforme se referiu supra.
Tal é suficiente para que se considere não existir fundamento para a realização de inventário judicial, uma vez que o meio processual adequado para por termo à indivisão eventualmente provocada é, como se referiu supra, a acção de divisão de coisa comum(12).
É assim correcta, por conforme à lei, a decisão do juiz a quo ao considerar que a requerente Maria Teresa […], enquanto legatária, não tem legitimidade para requerer o presente processo de inventário judicial.
Não faz, ainda, sentido a invocação da necessidade ou conveniência da cumulação de inventários ou o pretendido convite à apresentação de novo requerimento contemplando tal hipótese.
O objecto deste recurso cinge-se exclusivamente à apreciação da legalidade da decisão recorrida, que não versou sobre qualquer situação de cumulação de inventários ( que a agravante nunca antes suscitou nestes autos ).
2 – Da constituição de caso julgado formal ( art.º 672º, do Cod. Proc. Civil ).
Refere a agravante :
O despacho ora recorrido é também nulo, porque infractor de caso julgado formal anteriormente constituído à luz do art.º 672º, do Cod. Proc. Civil, já que ele vai contra a inicial admissão jurídica da tramitação formal deste inventário, nos moldes do presente procedimento processual, como tudo resulta e se lê dos primeiros despachos judiciais : o de fls. 79, que nomeou e mandou citar a cabeça de casal ; o de fls. 208, que admitiu e ordenou, dando prazo, para a apresentação da relação de bens ; o de fls. 314, que admitiu e ordenou a citação dos interessados para intervierem em termos do inventário conforme artsº 1341º e 1348º, do Cod. Proc. Civil, todos eles anteriores ao ora recorrido que é de fls. 598, portanto este é muito posterior aqueles outros que já tinham transitado em julgado.
Consequentemente, a questão da admissibilidade do inventário e/ou da legitimidade da requerente já está resolvida em definitivo e muito antes do douto despacho recorrido de fls. 598 ter sido dado, razão pela qual não tem aplicação o invocado nº 2, do art.º 1373º, do Cod. Proc. Civil, que só é aplicável a questões ainda por resolver até ao despacho sob a forma de partilha.
Apreciando :
Sustenta a recorrente ter-se constituído caso julgado formal, nos termos do art.º 672º, do Cod. Proc. Civil(13), relativamente à sua legitimidade para requerer o presente inventário judicial.
Vejamos :
Havendo a legatária agravante requerido o presente inventário, sucederam-se os seguintes actos processuais:
Por despacho de fls. 179, foi nomeada para desempenhar as funções de cabeça de casal Maria Júlia […].
Prestou juramento e declarações, conforme acta de fls. 183 a 208.
Foi apresentada a relação de bens de fls. 237 a 248.
Foi ordenada a citação dos interessados, nos termos e para os efeitos do art.º 1341º e 1348º, do Cod. Proc. Civil.
Veio o interessado Luís […], a fls. 389 a 392, requerer a exclusão do inventário das verbas relacionadas sob nºs 18 a 22.
Apresentou a cabeça de casal Maria Júlia […] a resposta constante de fls. 459 a 465.
Finalmente, por despacho judicial de fls. 598 a 601, datado de 6 de Janeiro de 2006, decidiu-se que a requerente Maria Teresa […], por ser legatária e não herdeira do de cujus, não tinha legitimidade para requerer o presente inventário, o qual, por este motivo, se indeferiu. Será que a efectivação dos mencionados actos processuais tem por efeito a constituição de caso julgado formal relativamente à legitimidade da requerente para exigir a partilha em sede de inventário judicial ?
Afigura-se-nos que a resposta terá que ser forçosamente negativa.
O que está aqui, fundamentalmente, em causa é o reconhecimento do direito da requerente, na qualidade de legatária, a exigir a partilha do património hereditário do de cujus.
Trata-se duma questão de fundo, que extravasa claramente o âmbito da discussão acerca da regularidade da tramitação processual seguida neste inventário.
Ora, até à prolação do despacho ora impugnado, datado de 6 de Janeiro de 2006, não havia sido proferida qualquer decisão judicial que concretamente houvesse apreciado - e, nessa medida, decidido - da verificação dos elementos constitutivos do direito da requerente à partilha dos bens da autora da sucessão.
Não existiu, até aí, qualquer conhecimento, em termos substantivos, desta matéria, a qual é absolutamente fulcral para o desiderato que este processo especialmente serve.
Dever-se-á reconhecer que o entendimento expresso no despacho ora impugnado poderia, desde logo, ter conduzido ao indeferimento liminar do requerimento inicial(14).
Não obstante, e tal como sucede no âmbito da acção declarativa comum(15) relativamente à matéria dos pressupostos processuais do conhecimento oficioso, o simples prosseguimento do processo até à fase própria para o seu saneamento não impede, de modo algum, o juiz de conhecer, nesse momento processual, tais excepções, em especial no que concerne à legitimidade das partes(16).
Tendo-se o juiz a quo apercebido, ainda na fase das reclamações contra a relação de bens apresentada pela cabeça de casal, da falta de legitimidade da requerente para impulsionar estes autos - à semelhança do que sucede relativamente a todos os restantes interessados que nele foram citados -, incumbia-lhe, naturalmente, a obrigação de o declarar e, consequentemente, julgar finda a presente instância.
Por outro lado, não é possível, com a segurança necessária, concluir que os autos tenham sido conscientemente processados e orientados em determinado sentido, no pensado pressuposto de que – embora não suscitada – a questão da ilegitimidade da requerente não teria cabimento(17).
Pelo contrário, a sequência processual seguida dever-se-á à inadvertida falta de ponderação desta questão, que nenhum interessado suscitou e sobre o qual o Tribunal de 1ª instância não se pronunciou, verdadeiramente, até ao momento da prolação da decisão sob recurso.
Não existe, por conseguinte, qualquer violação do caso julgado formal, neste tocante, uma vez que, como se disse, não havia sido proferida anteriormente qualquer decisão fundamentada em oposição com o ora decidido – e que está em plena e estreita conformidade com a lei.
A decisão assumida(18) é absolutamente tempestiva, tendo sido proferida em momento muito anterior ao previsto no art.º 1373º, nº 2, do Cod. Proc. Civil.
O agravo não merece, portanto, provimento.
IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida. Custas pela agravante.
_______________________________________ 1.-Vide, sobre esta matéria, Prof. Galvão Telles, in “ Direito das Sucessões “, pag. 286 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2006, nº de documento 20061116030202, publicado in www.dgsi.pt ; acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Março de 1984, publicado in Colectânea de Jurisprudência Ano IX, tomo II, pags. 38 a 41.
2.-Vide, sobre este ponto, entre outros, Luís Carvalho Fernandes, in “ Lições de Direito das Sucessões “, pag. 192.
3.-Vide artº 2030º, do Cod. Civil de 1966.
4.-Sublinhado nosso.
5.-Vide, sobre esta matéria, “ Código Civil Português Anotado “, por José Dias Ferreira, pag. 412, que refere : “ o código com razão negou aos legatários o direito de requererem inventário judicial, porque a faculdade de exigir a separação dos patrimónios pode reclamar quando muito um arrolamento, mas nunca inventário propriamente dito. “.
6.-Sublinhado nosso.
7.-Vide igualmente Prof. Oliveira Ascensão, in “ Direito Civil. Sucessões “, pag. 251 ; Manuel Gama Prazeres, in “ Manual do Processo de Inventário Obrigatório ( ou Orfanológico ) e Facultativo ( ou de Maiores “, pag. 47 ; Domingos Silva Carvalho de Sá, in “ Do Inventário – Descrever, Avaliar e Partir “, pags. 29/30 ( onde se referencia como excepção os beneficiados com o usufruto de parte da herança sem determinação de valor e objecto ) ; Rabindranath Capelo de Sousa, in “ Lições de Direito das Sucessões “, pags. 87 a 88.
8.-Neste sentido, vide Lopes Cardoso, in “ Partilhas Judiciais “, Volume I, pags. 70 a 71, onde refere : “ Ainda mesmo que subsista compropriedade entre legatários ( o testador institui A e B ) como legatários em comum de bens determinados ), aos instituídos não ficará consentido fazer cessar tal comunhão por via do processo de inventário, que, em regra, é acto de partilha, pois o meio idóneo para o efeito é apenas e só o processo de divisão de coisa comum, …” ; vide, também sobre este ponto, Rabindranath Capelo de Sousa, in ob. cit. supra, pag. 88.
9.-No âmbito da vigência do Código de Seabra, José Dias Ferreira, in ob. cit. supra, pags. 216 a 217, suscita a possibilidade da instituição necessária de herdeiro no caso da herança toda distribuída em legados, referindo que assumirão tal qualidade os herdeiros legítimos, aos quais são deferidos os denominados “ direitos eventuais “.
10.-Ou determináveis.
11.-Conforme o procurou fazer a agravante nas suas alegações de recurso.
12.-Sobre este ponto vide outrossim Carlos Pamplona Corte-Real, in “ Curso de Direito das Sucessões “, Volume I, pags. 245 a 246.
13.-Dispõe este preceito legal : “ Os despachos, bem como as sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo “.
14.-Provavelmente, não terá o juiz a quo, na teia complexa de sucessíveis apresentada, tomado verdadeiramente consciência da qualidade de legatária da requerente e de todos os restantes interessados.
15.-Vide o paralelismo estabelecido por José Alberto dos Reis, in “ Processos Especiais “, Volume II, pags. 381 a 389 entre a acção declarativa e o processo de inventário.
16.-Vide artsº 288º, 508º A e 510º, do Cod. Proc. Civil.
17.-Sobre esta específica matéria, vide Lopes Cardoso in “ Partilhas Judiciais “, pags. 355 a 358.
18.-Que teve lugar na fase das reclamações contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal.