TESTEMUNHA
MEIOS DE PROVA
Sumário

- O juiz não deve, como princípio, rejeitar um meio de prova que a parte repute de indispensável para a descoberta da verdade, a não ser que o requerido seja ilegal e ofensivo das normas processuais ou manifestamente infundado, impertinente ou dilatório, sob pena de cercear às partes a apreciação do mérito da pretensão deduzida com base na verdade material.
- De acordo com este entendimento, a recusa injustificada de realização de diligências que se revelem importantes para a justa composição do litígio é passível de ser sindicada em via de recurso.
- Não são notificadas as testemunhas que as partes devam apresentar (art. 628º, nº 2, do CPC), cabendo à parte o ónus de apresentar as testemunhas quando o haja declarado no respectivo rol.
- De qualquer forma, entendemos que o facto de a parte ter o ónus de apresentar as testemunhas a que se comprometeu, não significa necessariamente que não possa requerer ao Tribunal a alteração do regime de inquirição.
(A.L.G.)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – 1. S, S.A, intentou a presente acção declarativa, na forma ordinária, contra P
Pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 519.934,24 acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento.

Alega, para tanto e em resumo, que as partes outorgaram contrato de agência de jogadores por via do qual a A. ficou obrigada, em regime de exclusividade, a promover as qualidades profissionais do R. e a representá-lo, gerindo os seus interesses.
O R. concedeu, pois, à A. poderes para o efeito, podendo negociar e obrigar-se nos contratos relativos ao R. e, por sua vez este, estava obrigado a não negociar ou celebrar contrato de trabalho ou de publicidade ou alterações a esses contratos à revelia da A.
Acontece, porém, que o R. comunicou à A. que rescindia o contrato, invocando justa causa, o que não se verifica pois a A. sempre cumpriu as suas obrigações contratuais. Assim sendo, ao fazê-lo, o R. desrespeitou as cláusulas 7ª, 8ª e 9ª do contrato, sendo certo que, nos termos do contrato celebrado, o incumprimento do contrato por qualquer dos outorgantes faz incorrer o faltoso na obrigação de indemnizar o outro por perdas e danos no montante de 100.000.000$00.
Acresce que a A. adiantou ao R., a pedido deste, a verba de 3.960.000$50 para a compra de veículo automóvel, valor que o R. não liquidou.

2. O R. contestou excepcionando e reconvindo.
Invocou, nomeadamente, a excepção dilatória da incompetência do Tribunal, assim como as excepções peremptórias atinentes à nulidade das cláusulas 7ª e 9ª do contrato firmado, a nulidade da procuração outorgada pelo R. e a excepção de não cumprimento do contrato.
Deduziu, ainda, reconvenção, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 493.797,30.

Para tanto e em resumo, alegou o seguinte:
À data da celebração do contrato, o R. era um profissional com créditos firmados, contudo, a A. não zelou pelas qualidades profissionais do R. relativamente a contratos de publicidade, a melhoria de condições contratuais com a respectiva entidade patronal e à sua transferência para um grande clube português ou estrangeiro.
Acontece que o Futebol Clube demonstrou interesse em obter os serviços profissionais do R., mas a A. nada fez, pelo que, em face da conduta descrita, o R. comunicou-lhe a resolução do contrato, a 05.02.2002, ao que a A. não respondeu.
Quanto à verba de 3.960.000$00, trata-se de quantia oferecida ao R. como prémio pela assinatura de contrato, pelo que a mesma não é devida.
Assim, foi a A. que não cumpriu as obrigações decorrentes das cláusulas 2ª, 3ª. 4ª, 10ª e 11ª.

3. Houve réplica, em que a A. defende que a procuração inserta no contrato é vá-
lida e que nada deve ao R., seja a que título for.

4. Foi proferido despacho saneador que julgou os Tribunais Comuns competentes.

5. No decurso de julgamento foi requerida a palavra pela A., para dar conta ao Tribunal “a quo” que lhe estava vedado decidir um requerimento do Réu, relativamente à efectivação de diligências para audição das testemunhas nos termos por este requerido, sem ouvir a A., por constituir violação da lei processual civil – cf. fls. 281 e segts do II vol.
Porém, o Tribunal “a quo” considerou tratar-se de um despacho de mero expediente, pelo que desatendeu à arguição da referida nulidade. E não admitiu o recurso de agravo interposto pela A. sobre tal matéria – cf. fls. 286.

6. Ainda no decurso da mesma sessão de audiência de discussão e julgamento a A. veio requerer ao Tribunal que, atento o decorrer da prova e por se mostrar necessário o depoimento da mesma, que fosse notificada uma das testemunhas que arrolou, mas que posteriormente quase prescindiu por não saber do seu paradeiro, diligenciando o Tribunal “a quo” previamente no sentido de apurar, junto dos serviços públicos competentes, a morada da mesma.
Pedido que foi logo indeferido em acta.
Desse indeferimento veio a A. Agravar – cf. fls. 296 – indicando, simultaneamente, a morada completa de tal testemunha.

7. São as seguintes as conclusões que a A. formula quanto a este Agravo:
1. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, a Recorrente não desistiu da testemunha António, por si anteriormente arrolada, não sendo aplicável ao caso concreto o art. 512º-A, CPC, pois não estamos perante qualquer alteração ao rol inicialmente oferecido;
2. A audição da testemunha em causa diz respeito a factos essenciais da causa, levados à Base Instrutória, e afigura-se como absolutamente relevante para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa decisão da causa, pelo que, a Recorrente não requereu a realização de qualquer acto inútil;
3. Por outro lado, a requerimento das partes e por força do disposto no art. 535º, CPC, o Tribunal deve requisitar as informações necessárias ao esclarecimento da verdade;
4. Não o tendo feito, deve ser revogado o despacho proferido que recusou a audição da testemunha António, o qual deve ser substituído por outro que notifique essa mesma testemunha na nova morada já indicada pela Recorrente e que designe data para o efeito, dando-se, por consequência, provimento ao presente Recurso.

8. De seguida, em requerimento posterior ao decurso dessa sessão de julgamento, veio a A. interpor recurso de agravo do despacho proferido na mesma sessão de julgamento pelo Tribunal “a quo” – realizada no dia 25/10/2005 –, despacho que indeferiu a arguição de nulidade por si apresentada a fls. 285 e 286, e referida supra, no ponto 5.) - cf. fls. 298, do II vol.

São as seguintes as conclusões que a A. formula, em síntese, neste Agravo:
1) O Despacho violou a lei processual civil, quando admitiu o depoimento por videoconferência, na medida em que tal regime estava afastado a partir momento em que o Recorrido se comprometeu a apresentar as testemunhas;
2) O disposto no art. 628°, n.º 2, CPC é incompatível com o disposto no art. 623°, nºs 1, 2 e 3 do mesmo diploma;
3) Enquanto o primeiro preceito afasta a realização de qualquer diligência por parte do Tribunal no sentido de garantir a audição das testemunhas oferecidas, os restantes preceitos pressupõem a realização de várias diligências;
4) Acresce que, ao ser proferido, sem que se tenha verificado previamente o exercício do contraditório e sem que especifique os fundamentos de direito que justificam o deferimento da pretensão do Recorrido, o referido Despacho é nulo por violação dos arts. 3º, n.º 3, 3º-A, 668º, n.º 1, alínea b) e 666º, n.º 3, todos do CPC.;
5) Tal despacho não é de mero expediente, na medida em que tem por objecto a admissibilidade da produção de meios de prova relativamente a uma das partes, daí que as decisões que incidem sobre a produção dos meios de prova, admitindo-a ou não, interferem, incontornavelmente, no conflito de interesses entre as partes;
6) Pelo que tal despacho violou a lei processual civil, pois admitiu o depoimento por videoconferência quando o mesmo estava afastado desde o momento em que o Recorrido se comprometeu a apresentar as testemunhas.
7) Deve, assim, ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogado tal despacho, bem como toda a produção de prova que ele permitiu, despacho esse que deverá ser substituído por outro que indefira a pretensão do Recorrido.

9. Os despachos de agravo foram sustentados tabelarmente.

10. Lidas as respostas aos quesitos, foi apresentada reclamação por parte da A. que foi indeferida – cf. fls. 328, do II vol.

11. Proferida sentença, o Tribunal “a quo” julgou improcedente, por não provada, quer a acção, quer a reconvenção, absolvendo A. e Ré dos pedidos deduzidos.

12. Inconformada, de novo recorreu a A., Apelando da sentença.
Para o efeito, formulou, em síntese, as seguintes conclusões:

1) O contrato firmado entre a A. e o R. é um contrato misto que reúne, simultaneamente, elementos do contrato de mandato com representação e no interesse do mandante (arts. 1157° e segts. e 1178° e segts, todos do CC) e do contrato de agência (art. 1° do D.L. n.º 178/86, de 03 de Julho);
2) As regras de tais contratos são aplicáveis ao contrato celebrado entre a A. e o R.;
3) É também um contrato oneroso (cf. arts. 1158°, n.º 1, do CC, e 1° do D.L. n.º 178/86, de 03 de Junho); arts. 2°, alínea d) e 24° da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho; art. 37°, n.º 1 da Lei n.º 30/2004 de 21 de Julho e art. 1° do Regulamento Relativo aos Agentes de Jogadores, publicitado através do Comunicado Oficial da Federação Portuguesa de Futebol n.º 349 de 27/04/2001);
4) A resolução do contrato pelo R. é ilícita, pois, além de não haver incumprimento contratual por parte da A., o R. não fundamentou a resolução;
5) A A. diligenciou sempre no sentido de promover o R., por outras palavras, a A. cumpriu o contrato que celebrou com o R., e as obrigações decorrentes do contrato para a A. são obrigações de meios e não de resultado.
6) Não é correcto afirmar-se que se verifica o incumprimento contratual por parte da A. pelo simples facto de o R., durante a vigência desse contrato, não ter sido contratado por um dos clubes denominados grandes (como o "BENFICA", o "SPORTING", o "PORTO" ou o "BOAVISTA"), pois a A. estava antes obrigada a colocar à disposição do R. e no interesse deste toda a sua estrutura, o seu saber, a sua influência, os seus conhecimentos.
7) O regime legal aplicável ao contrato celebrado entre a A. e o R. (constante das regras relativas ao mandato e à agência) determina, inelutavelmente, a ilicitude da resolução comunicada pelo R.
8) Para que a resolução do contrato fosse lícita, o R. deveria ter identificado e concretizado todos e cada um dos factos (descrevendo as circunstâncias de modo, tempo e lugar) que, na sua opinião, consubstanciavam o incumprimento do contrato por parte da A., o que não fez.
9) Concluindo, a resolução é ilícita, devendo o resolvente, neste caso o R., indemnizar a A., conforme contratualmente estipulado (art. 1170°, n.º 2, a contrario e art. 1172°, alínea a), ambos do CC).
10) A cláusula penal estipulada contratualmente pela A. e pelo R. é proporcional, pelo que não deve ser reduzida, pois equivale aos prejuízos causados à A. pela conduta do R. e este tem capacidade financeira que lhe permita realizar o seu pagamento.

13. Foram produzidas contra-alegações em defesa das decisões proferidas pelo Tribunal “a quo”.

14. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.

II – Enquadramento Jurídico:
1. Impõe-se o conhecimento prévio dos Agravos interpostos pela A., porquanto o seu eventual provimento terá reflexos, necessariamente, na presente causa, podendo inclusive prejudicar o conhecimento da respectiva apelação.

2. Quanto à matéria do primeiro Agravo:
2.1. Está em causa saber se o Tribunal “a quo” deveria, ou não, proceder à audição da testemunha anteriormente arrolada pela Recorrente.
Vejamos.

2.2. Com relevo para a decisão resulta dos autos o seguinte circunstancialismo fáctico:
a) A A. indicou na p.i. o seu rol de testemunhas (quatro no total), nela incluindo “António…”, em Lisboa;
b) Foi posteriormente notificada que duas das outras testemunhas (Carlos e Jorge) se tinham “mudado” e que esta “já não está no …”;
c) A A. veio então requerer: a notificação de Jorge no seu domicílio profissional e prescindir da testemunha Carlos Janela;
d) E quanto à testemunha em causa refere no seu requerimento que:
Vem “declarar que, por ora e sem prejuízo de indicação posterior em contrário, prescinde da testemunha António” – cf. fls. 264;
e) Logo na audiência de discussão e julgamento, e finda a produção da prova testemunhal, requereu a audição de tal testemunha, tendo invocado, para o efeito que:
* “face à prova e ao teor dos depoimentos prestados a A. tem como absolutamente relevante, para a descoberta da verdade, a inquirição da referida testemunha”;
* “atendendo a que não tem conhecimento do seu paradeiro, vem requerer que seja oficiado aos serviços de Identificação Civil (e outros que indica) para virem informar aos autos a identificação e morada actual e completa do mesmo” - cf. fls. 287, do II vol.
f) Pedido que o Tribunal “a quo” indeferiu. Fundou-se, para tal, no seguinte:
* cabia à parte apresentá-la em audiência;
* tal como lhe cabia identificá-la em termos completos e não apenas por “António”, dados insuficientes para se obter qualquer informação.

2.3. A presente questão reconverte-se, pois, em apurar, se a testemunha ainda podia ser ouvida em julgamento.

Como é sabido, incumbe às partes a indicação das respectivas testemunhas, devendo proceder à sua correcta identificação, quer indicando o seu nome completo, quer a sua morada, bem como outras circunstâncias necessárias para as identificar – cf. art. 619º, nº 1, do CPC.
E terão de ser notificadas as testemunhas que as partes não devam apresentar – cf. art. 628º, nº 2 e 623º, nº 1, ambos do CPC. Na redacção introduzida pelos Decretos-Leis nºs 180/96, de 25 de Setembro, Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto e, mais recentemente, o Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.

Ora, no caso concreto, a parte que arrolou a testemunha em causa identificou-a pelo nome e local onde a mesma podia ser encontrada.
Não se tratando de testemunha que devesse ser apresentada, tinha a mesma que ser notificada pelo Tribunal da data designada para audiência de discussão e julgamento. Tal como foi.
Só que, veio devolvido o postal com a indicação de que “já não está no…”.

2.4. Actualmente, à face da legislação vigente, e tendo em atenção as alterações recentemente introduzidas em matéria de inquirição e comparência de testemunhas - pelos Decretos-Leis nºs 180/96, de 25 de Setembro, Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março e Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro - perante tal informação, a Agravante, que a arrolou, podia ter procedido à sua substituição por força do preceituado no art. 512º-A, do CPC Norma introduzida recentemente pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro., situação que a obrigaria, em tal circunstância, a ter que apresentar a referida testemunha.
Porém, não o tendo feito, poderia então requer o que entendesse por conveniente.
E, no caso sub judice, a Agravante optou por “Declarar que, por ora e sem prejuízo de indicação posterior em contrário, prescinde da testemunha António” – cf. fls. 264, do II vol.
Pode extrair-se do conteúdo de tal declaração que a Agravante só provisória e transitoriamente é que prescindiu do depoimento da referida testemunha, ou melhor, fê-lo de forma condicional, porquanto ressalvou: “sem prejuízo de indicação posterior em contrário”.
O mesmo é dizer que remeteu para fase posterior a decisão final de prescindir definitivamente de tal depoimento. Não sendo legítimo concluir, em face da referida ressalva, que o A. desistiu desde logo da respectiva inquirição.
Destarte, e nestas circunstâncias, perante tal indecisão e postergação para momento posterior de uma decisão em contrário, cabia ao Tribunal “a quo”, até ao início do julgamento e da prestação do depoimento em causa, confrontar a A. sobre tal matéria, esclarecendo de vez a referida situação.

Com efeito, de acordo com o preceituado no nº 2 do art. 619º do CPC, a parte pode desistir a todo o tempo da inquirição das testemunhas que tenha oferecido
Podendo, ainda, a A., de acordo com as alterações recentemente introduzidas, em matéria de prova testemunhal, e caso não prescindisse do depoimento da mesma, substitui-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigurasse indispensável para o seu comparecimento, mas nunca superior a trinta dias, por força do disposto no art. 629º, nº 3, al. b), do CPC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Tudo isto sem prejuízo, ainda, da possibilidade de inquirição oficiosa por parte do Tribunal, caso o entendesse relevante para a descoberta da verdade, nos termos do art. 645º do CPC.
Quer isto dizer que depois de precludida a faculdade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas nos termos do art. 512º-A, do CPC, à parte ainda resta proceder à sua substituição ou requerer o adiamento nos termos consagrados na actual redacção do art. 629º. Neste sentido cf. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 391.

2.5. A este propósito, refere Lebre de Freitas, na obra citada, que “a subordinação do adiamento do julgamento, no caso do art. 629º, nº 3, al. b), do CPC, a uma apreciação judicial a priori constitui, em regra, violação insustentável do direito à prova, porquanto, antes da audição da testemunha, o Tribunal não pode saber se o seu depoimento é importante ou não”.
Daí que, acrescentamos nós, o juiz não deva, como princípio, a não ser que o requerido seja ilegal e ofensivo das normas processuais ou manifestamente infundado, impertinente ou dilatório, rejeitar um meio de prova que a parte repute de indispensável para a descoberta da verdade, sob pena de cercear o direito material e impedir a obtenção de uma decisão judicial que aprecie o mérito da pretensão deduzida e a verdade material.
Até porque as partes têm o direito, como manifestação do princípio do contraditório, à admissão de todas as provas que se mostrem relevantes para a decisão da causa – cf. art. 513º do CPC.

2.6. É certo que se deve privilegiar o andamento célere do processo, e arredar, por questões de economia processual, as diligências e actos inúteis.
Mas tais princípios nunca poderão colidir com o princípio supremo e último da busca e descoberta da verdade material e da justa composição do litígio – cf. art. 265º, nº 3, do CPC.
Aliás, foi com essa finalidade que se procedeu às recentes alterações legislativas em matéria de produção de prova testemunhal, tornando menos restritivas certos princípios que enformam a apresentação e produção dessas provas, nomeadamente, o direito à substituição ou modificabilidade da prova testemunhal, nos termos inseridos nos arts. 629º e 639º-B, do CPC. No sentido de que, com as alterações agora introduzidas, se optou por um sistema de menor rigidez da lei actual no que concerne ao direito à substituição de testemunhas arroladas ou comparência das não notificadas, cf. Lebre de Freitas, in obra citada, pág. 556 e segts.

2.7. Sobre os poderes do juiz consagrados no actual art. 265º, nº 3, do CPC, assiste-se hoje, na doutrina e jurisprudência, a interrogações quanto à caracterização e natureza dos poderes do juiz:
- poder vinculado, sujeito à censura dos Tribunais Superiores, através da via de recurso? ;
- ou, ao invés, tratar-se-à de um poder discricionário a utilizar segundo o critério pessoal do julgador e insusceptível de ser impugnado?
A questão é controversa.

Defendendo a discricionariedade do poder de investigação, no Ac. do STJ, de 21 de Outubro de 1988, Em data, pois, anterior às alterações processuais entretanto registadas no âmbito do processo civil, maxime, na produção de prova testemunhal. in BMJ, nº 380º, pág. 448, concluiu-se que é irrecorrível a decisão de indeferimento de pretensão no sentido de ser inquirida como testemunha outra pessoa que não fora oportunamente arrolada. No mesmo sentido, cf. Amâncio Ferreira, in “Manual de Recursos em Processo Civil”, 2ª ed., pág. 108.
No sentido oposto, concluindo que se trata de um poder vinculado, se pronunciou Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 464 e, mais recentemente, Lopes do Rego, in “Comentários ao CPC”, pág. 425. Bem como António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil”, I vol.

De acordo com este entendimento, a recusa injustificada de realização de diligências que se revelem importantes para a justa composição do litígio é passível de ser sindicada em via de recurso, tal como podem ser impugnadas as decisões que não se enquadrem nos limites do art. 265º, nº 3, do CPC.
Destarte, abstendo-se o Tribunal de promover os actos requeridos que contribuiriam, decisivamente, para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa decisão da causa, v.g., indeferindo o requerimento de audição da testemunha arrolada, está a cercear o direito da respectiva parte e a impedi-la de produzir prova relativamente ao objecto do presente litígio.
Razão pela qual, in casu, não se pode manter tal despacho.

2.8. Pelo exposto, decide-se revogar o despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, a fls. 288, e determinar que se proceda à inquirição da respectiva testemunha, nos termos consignados no citado normativo 629º, nº 3, al. b), do CPC, anulando-se os actos posteriores, que não possam ser aproveitados.

3. Quanto ao segundo Agravo:
3.1. Resulta dos autos que a A./Agravante requereu ao Tribunal “a quo” que fosse indeferida a pretensão do Réu, contida no seu requerimento de fls. 270, isto é, que julgue inadmissível a audição das testemunhas a apresentar pelo Réu por via de videoconferência.
Pedido que o Tribunal indeferiu, tendo sido, então, interposto novo agravo.
Vejamos.

3.2. Consta dos processados que o Réu ofereceu cinco testemunhas, comprometendo-se a apresentá-las – todas elas – na respectiva audiência – cf. fls. 158, do I vol. O que foi admitido – cf. fls. 241, do II vol.
Posteriormente, e cinco dias antes da realização do julgamento, veio o Réu requerer a inquirição de três das referidas testemunhas por videoconferência junto do Tribunal do Porto – cf. fls. 270 – alegando, para o efeito, a impossibilidade de se deslocarem a Lisboa por “súbitas, profissionais e imprevisíveis razões”. Sem aduzir outros factos esclarecedores.
Pedido que o Tribunal deferiu de imediato – cf. fls. 272.

Insurgiu-se a A. porquanto, e em síntese:
a) O A. não teve conhecimento de tal facto, nem sequer foi ouvida pelo Tribunal;
b) Ficou, pois, impossibilitada de exercer o respectivo contraditório;
c) O Réu comprometeu-se a apresentá-las e a audição das testemunhas por videoconferência mostra-se incompatível com o oferecimento das testemunhas a apresentar.

Desde já se adianta que assiste razão à A., não só porque foi preterido o respectivo contraditório, como também porque o Réu não alegou factos que demonstrassem ao Tribunal que a deslocação de tais pessoas pudesse provocar graves inconvenientes às referidas testemunhas.

3.3. Com efeito, preceitua o art. 628º, nº 2, do CPC, que não são notificadas as testemunhas que as partes devam apresentar.
Neste caso, a parte tem, pois, o ónus de apresentar as testemunhas quando o haja declarado no rol, por força do preceituado em tal normativo, conjugado com a primeira parte do art. 623º, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 186/2000, de 10 de Agosto.
Porém, a lei prevê que haja lugar à inquirição das testemunhas por teleconferência, nos termos do art. 623º do CPC.
E embora não o diga expressamente, tudo indicia que subjacente a tal possibilidade de inquirição se exige, como princípio, que a parte o tenha requerido aquando da apresentação do respectivo rol de testemunhas, uma vez que essa forma de inquirição se apresenta como meio alternativo àquele, de a apresentação da testemunha ser feita pela própria parte, bem como resulta ainda do facto de o nº 2 do art. 623º estabelecer que o Tribunal da causa deve consultar o Tribunal onde a testemunha prestará o depoimento, a quem caberá também assumir o encargo de proceder à sua notificação para comparecer.
Atente-se, ainda, que no próprio diploma preambular que introduziu os aparelhos de teleconferência nos Tribunais e permitiu a inquirição das testemunhas por essa via, se refere expressamente que a apresentação das testemunhas pela parte que as arrolou e se dispôs a isso, reforça o princípio da oralidade – cf. Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto.
De qualquer forma, entendemos que o facto de a parte ter o ónus de apresentar as testemunhas a que se comprometeu, não significa necessariamente que não possa requerer ao Tribunal a alteração do regime de inquirição.
Porém, ao fazê-lo, está necessariamente obrigado a apresentar as razões que o justificam, devendo em tal circunstância o Tribunal ouvir sempre a parte contrária, de molde a estar habilitado a decidir da pertinência de tal diligência, requerida em fase posterior, tanto mais que, conforme se referiu, a admissibilidade desse sistema de inquirição de testemunhas, efectuado muitas vezes de forma pouco audível, poderá influir no princípio geral da imediação da prova.

3.4. Por fim dir-se-à que, para além da violação do princípio do contraditório já referido (art. 3º do CPC), o despacho em causa também não especifica os fundamentos de direito que justificam o deferimento da pretensão do Réu – cf. art. 668º, nº 1 e 666º, nº 2, ambos do CPC. Sendo completamente omisso nessa matéria.
E não se diga, para justificação da bondade do mesmo, que estamos perante um despacho de mero expediente, irrecorrível, porquanto, conforme assinalámos supra, está em causa a admissibilidade da produção de meios de prova relativamente a uma das partes, pelo que as decisões que incidam sobre tal matéria, porque interferem com os interesses e direitos das partes, pondo em causa a verdade material, admitem recurso.
Não se trata, assim, de despacho de mero expediente proferido ao abrigo de um poder discricionário, mas sim de um poder vinculado e, como tal, sindicável em sede de recurso, carecendo também do mínimo de fundamentação.

3.5. Em Conclusão:
- É nulo o despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, a fls. 272, o que acarreta, por consequência, a nulidade dos actos subsequentes.
Deve, assim, tal despacho ser substituído por outro que respeite os princípios do processo civil vigentes em matéria de apresentação e inquirição de testemunhas, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
3.7. Face ao que antecede, prejudicado fica o conhecimento da Apelação.

III – Decisão:
- Termos em que se acorda em conceder provimento aos presentes Agravos, revogando-se os referidos despachos proferidos pelos Tribunal “a quo”, e em consequência, anula-se a tramitação subsequente, incluindo o julgamento realizado e a sentença subsequente.
- Custas pelo Recorrido.
Lisboa, 19 de Abril de 2007.
Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
Fátima Galante
Ferreira Lopes
____________________
1 Na redacção introduzida pelos Decretos-Leis nºs 180/96, de 25 de Setembro, Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto e, mais recentemente, o Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
2 Norma introduzida recentemente pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro.
3 Neste sentido cf. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 391.
4 No sentido de que, com as alterações agora introduzidas, se optou por um sistema de menor rigidez da lei actual no que concerne ao direito à substituição de testemunhas arroladas ou comparência das não notificadas, cf. Lebre de Freitas, in obra citada, pág. 556 e segts.
5 Em data, pois, anterior às alterações processuais entretanto registadas no âmbito do processo civil, maxime, na produção de prova testemunhal.
6 Bem como António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil”, I vol.