CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO
Sumário

I - Estando excluídos os casos previstos no 524º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil - impossibilidade de junção anterior do documento ou prova de factos posteriores ao encerramento da discussão em 1ª instância - a junção dos documentos com as alegações só seria de admitir se se tivesse tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
II - Para que a junção do documento seja permitida em virtude do julgamento da 1ª instância, não basta que ela seja necessária em face deste julgamento, sendo antes essencial que a junção (apenas) se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento. Se a junção já era necessária (para fundamentar a acção ou a defesa) antes de ser proferida a decisão da 1ª instância, ela não é permitida.
III - Só a falta definitiva e culposa de cumprimento legitima a resolução do contrato-promessa que, por sua vez, a sanção cominada no nº 2 do art. 442º pressupõe. Logo, a restituição do sinal em dobro ou a perda do sinal, consoante o contraente faltoso seja o promitente-vendedor ou o promitente-comprador, pressupõem uma situação de incumprimento (definitivo) susceptível de conduzir à resolução do contrato-promessa.
IV – A sanção prevista no citado nº 2 do artigo 442º, nomeadamente a restituição do sinal em dobro ou a perda do sinal, não é compatível com a subsistência do contrato-promessa cuja violação desencadeou aquela mesma sanção.
V – A mora não implica automaticamente a resolução, mas permite que o contraente não faltoso desencadeie imediatamente esta, sem necessidade de convenção nesse sentido, aliás, sempre possível nos termos gerais. Trata-se, aliás, de uma «resolução» em sentido impróprio, visto que, podendo levar à extinção do contrato, permite ainda que a outra parte actue de forma a obrigar ao cumprimento do mesmo.
VI – O contraente não faltoso para poder accionar o mecanismo sancionatório referido tem de converter a mora (o atraso culposo no cumprimento da obrigação) em incumprimento definitivo, nos termos do disposto no artigo 808º nº 1 do Código Civil, provando que, em consequência desta, perdeu o interesse que tinha na prestação ou que esta não foi realizada dentro do prazo razoavelmente fixado mediante interpelação admonitória para o efeito.
(F.G.)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
J intentou, em 17 de Setembro de 2001, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Maria, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 24 000 000$00, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, a título de restituição em dobro do sinal e do reforço de sinal por incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma situada na Rua Eduardo Coelho, nº 57, 2º e 3º andares, em Lisboa.
A ré contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora relativa ao incumprimento contratual. Deduziu reconvenção, pedindo que se declare que a autora incumpriu o contrato-promessa e se reconheça o direito da ré a fazer seu o sinal recebido, alegando que, por virtude de um adiamento do prazo para a celebração do contrato prometido, seguido da prorrogação prevista no contrato, o prazo para a celebração do contrato prometido terminou a 1.8.2001, pelo que a resolução do contrato pela autora ocorreu antes de tal data. Mais alegou que ainda fixou à autora um prazo suplementar para cumprir, mas em vão.
Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má-fé.
Na réplica a autora pugnou pela absolvição do pedido reconvencional e pediu a condenação da ré como litigante de má-fé.
Houve tréplica.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo a ré e a autora dos respectivos pedidos, e concluiu pela inexistência de má fé.

Desta sentença apelaram autora e ré.
Na sua alegação formulou a autora, em resumo, as seguintes conclusões:
1ª Foram incorrectamente julgados os factos que dizem respeito às respostas de “provado” dadas aos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da base instrutória e a resposta dada “não provado” aos artigos 23º e 24º da mesma base instrutória, devendo conduzir a reapreciação dos meios de prova indicados a que se dêem como não provados os primeiros e provados os segundos.
2ª A Recorrente e a Recorrida tinham acordado no contrato que a realização da escritura pública de compra e venda deveria ser celebrada até ao dia 1 de Junho de 2001 (cfr. Cláusula Terceira, n.° 1), cabendo à Recorrida avisar a Recorrente da concreta data, hora e local, até 15 dias antes, por meio de carta registada com aviso de recepção (cfr. facto dado como provado, sob a ai. D) da douta sentença recorrida).
3ª Mas a escritura não foi celebrada até essa data, porquanto a Recorrida lançou mão da possibilidade de prorrogação por um mês daquele prazo limite (cfr. facto dado como provado sob a al. G) e ponto 2, da douta sentença recorrida). A data de realização da escritura de compra e venda foi, assim, prorrogada por um mês.
4ª Em face do supra exposto, a Recorrida estava obrigada a avisar a Recorrente até 15
de Junho de 2001, por carta registada com aviso de recepção, nos termos da cláusula terceira, n° 1, do dia, hora e local onde a escritura teria lugar (cfr. facto dado provado sob a al. D)).
5ª É facto inegável que a Recorrida não marcou o dia hora e local da escritura nem disso avisou a Recorrente até 15 de Junho.
6ª Não o tendo feito entrou em mora, artigos 804º n.° 2 e 805.° n.° 2 alínea a), ambos do Código Civil. Passou a estar em situação de incumprimento (art.° 798º do Código Civil).
7ª Já depois de estar em incumprimento (o que no que respeita à data de celebração do contrato definitivo ocorreu após 1 de Julho), a Recorrente afirmou solenemente que cumpriria aquilo a que estava obrigada na semana entre 23 e 27 de Julho.
8ª A Recorrente, porque ainda tinha interesse na prestação, e porque após se ter verificado a situação de mora estava já marcado um novo prazo para que a Recorrente pudesse, finalmente, cumprir com o que estava obrigada, tolerou como válido o prazo a que a Recorrente se auto-vinculou.
9ª Terminado esse prazo a Recorrente, de novo, não cumpriu.
10ª Ao decidir a douta sentença recorrida não ter havido conversão da mora da Recorrida em incumprimento definitivo, com a consequente necessidade de entregar em dobro a quantia entregue a titulo de sinal, violou o disposto nos artigos 442° n.° 2 e 808° n.° 1 do CC.
11ª Mas a douta sentença recorrida erra ainda na determinação da norma aplicável quando defende que ao caso seriam aplicáveis os artigos 473° e segs. do CC, tendo decidido não decretar a restituição das quantias entregues a título de sinal por tal não ter sido pedido.
12ª É que ainda que se admitisse correcto o julgamento feito na sentença recorrida, ou seja, de que não teria havido incumprimento definitivo do contrato-promessa sub judice por qualquer das partes, diz expressamente a Recorrida, em 30.07.2001, que se após 8 dias sem que o Banco da Recorrente marcasse a escritura, ela própria marcaria a escritura, em dia, hora e cartório notarial por ela designados, como de resto lhe competia nos termos do contrato.
13ª O que é um facto é que, apesar do teor daquela carta, a Recorrida nunca marcou a dita escritura, até ao momento em que tornou impossível o cumprimento do contrato-promessa por ter alienado o bem prometido a um terceiro em finais de 2001, conforme atestam as inscrições do registo predial relativas ao imóvel prometido.
14ª Seja qual seja a perspectiva pela qual se aborde o incumprimento da Recorrida é manifesto e está sempre presente, pelo que no caso não teriam aplicação as regras do instituto do enriquecimento sem causa em virtude da subsidiariedade de tal instituto expressa no artigo 474° do CC, nomeadamente perante a consequência resultante da aplicação dos artigos 808° n.° 1 e 442° n.° 2 do CC.
15ª A sentença recorrida violou assim, entre outras, as normas constantes dos artigos 221° n.° 2, 393°, 394°, 410° n.° 2, 442° n.°2, 808° n.° 1 do CC, e errou na determinação da norma aplicável ao considerar aplicável o artigo 473° do CC.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente o pedido formulado pela Recorrente.

Na alegação que apresentou deduziu a ré, em resumo, a seguinte síntese conclusiva:
1ª A data limite para a realização da prometida escritura pública de compra e venda foi, por força da primeira prorrogação acordada entre as partes e, posteriormente, mercê de uma segunda prorrogação correspondente ao exercício de uma faculdade que contratualmente foi concedida à Apelante, definitivamente fixada para o dia 1 de Agosto de 2001.
2ª Em 30 de Julho de 2001, ou seja, num momento em que o prazo definitivamente fixado para realização da escritura pública não tinha ainda decorrido, a Apelada resolveu o contrato dos presentes autos, alegando, para o efeito, que, por força dos sucessivos adiamentos daquele acto notarial, havia perdido o interesse na celebração do contrato prometido;
3ª Dado que o prazo definitivamente fixado para a realização da escritura pública não havia ainda decorrido, é ilícita, em face do acordado bem como da nossa lei geral civil, a resolução contratual operada pela Apelada;
4ª Mesmo que se considerasse como data limite para celebração da escritura pública o dia 27 de Julho de 2001, a verdade é que, como ficou provado nos presentes autos, nessa data, a Apelante encontrava-se impedida de realizar a escritura pública pois que foi só nesse mesmo dia que a Câmara Municipal de Lisboa veio informar que não pretenderia exercer o direito legal de preferência que detinha sobre o imóvel prometido vender (cfr. alíneas Q) e R) da Matéria Assente);
5ª Decorrido o prazo de realização da escritura pública de compra e venda por impossibilidade temporária, a obrigação que sobre a Apelante impendia tornou-se, nos termos do artigo 805.° do Código Civil, uma obrigação pura;
6ª Assim, nos termos da citada disposição legal, para que se considerasse ter a Apelante incorrido numa situação de mora e/ou incumprimento definitivo seria necessário que a Apelada a interpelasse para vir cumprir a sua obrigação, e que este novo prazo fosse também preterido;
7ª Inexistindo uma interpelação admonitória, nos termos do artigo 808.° do Código Civil, só poderia a Apelada resolver o contrato se provasse ter objectivamente perdido o interesse na celebração do contrato prometido, o que não manifestamente não sucedeu;
8ª No caso em apreço, a vontade expressa e declarada da Apelada de resolver o contrato e a circunstância de não ter respondido à carta referida na alínea U) da matéria assente equivalem, como é por demais evidente, a uma recusa de cumprimento, pelo que na esfera jurídica da Apelante se constituiu, desde logo, o direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal e de reforço do sinal, revelando-se desnecessária a interpelação admonitória;
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida na parte em que absolveu a Apelada do pedido reconvencional formulado pela Apelante.
Houve contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Fundamentos:
2.1. De facto:
Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos:
a) Em 30/11/99 a R. MARIA e a FUNDAÇÃO celebraram entre si o acordo escrito de cuja cópia se acha a fls. 57 a 62, nos termos do qual, nomeadamente, a primeira se comprometeu a adquirir à segunda determinado apartamento, comprometendo-se esta a transferir para aquela o domínio total e exclusivo sobre o mesmo, mediante contrapartida em dinheiro.
b) Em 19/02/01 a A. J e a R. MARIA celebraram entre si o acordo escrito de fls. 10 a 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
c) Nos termos da cláusula primeira do acordo referido em B), em que a A. é referida como “PROMITENTE COMPRADORA” e a R. é referida como “PROMITENTE VENDEDORA”, nomeadamente, “a PROMITENTE VENDEDORA promete vender à PROMITENTE COMPRADORA e esta promete comprar-lhe, livre de quaisquer hipotecas, ónus, encargos ou responsabilidades, e totalmente livre de quaisquer pessoas e bens, a fracção identificada no considerando A) supra”, a saber, a fracção “K” correspondente ao 2° e 3º andar esquerdo do prédio urbano sito no Rua Eduardo Coelho, n° 57 em Lisboa, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 156 e inscrito na matriz predial de freguesia das Mercês sob o artigo 738 (idem).
d) É o seguinte o teor da cláusula terceira do acordo referido em B):
«1. A escritura da prometida compra e venda será outorgada até ao dia 01 de Junho de 2001, em dia, hora e local que a PROMITENTE VENDEDORA, por carta registada com aviso de recepção, indicar à PROMITENTE COMPRADORA com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias.
2. No caso de a escritura prometida não ser celebrada por motivo imputável à PROMITENTE COMPRADORA, terá a PROMITENTE VENDEDORA o direito de resolver o contrato, e, como indemnização, a fazer suas as quantias recebidas da PROMITENTE COMPRADORA a título de princípio de pagamento e seus reforços, ou, em opção, requerer a execução específica prevista na cláusula 6ª infra;
3. No caso de a escritura prometida não ser celebrada por motivo imputável à PROMITENTE VENDEDORA, terá a PROMITENTE COMPRADORA e sem prejuízo do disposto no número quatro infra, o direito de resolver o contrato e exigir uma indemnização equivalente ao dobro do montante pago a título de princípio de pagamento e seus reforços, ou, em opção, requerer a execução específica prevista na cláusula sexta infra.
4. No caso de a escritura definitiva não ser celebrada dentro do prazo previsto no número um supra, por motivo não imputável à PROMITENTE VENDEDORA, designadamente, por não conclusão das obras da casa para onde irá habitar com a sua família, as Partes acordam em que a data mencionada no número 1 desta cláusula para a outorga da escritura ora prometida seja prorrogada por mais 1 (um) mês, sem que tal confira à PROMITENTE COMPRADORA o direito a resolver o presente contrato ou a exigir qualquer compensação seja a que título for.
5. Na data da escritura pública, e como condição da outorga desta, a fracção será entregue à PROMITENTE COMPRADORA completamente livre e desocupada de quaisquer pessoas e bens».
e) A A. entregou à R. (que a recebeu), na data da celebração do acordo descrito em B), a quantia de Esc. 2.000.000$00 mencionada na alínea a) da cláusula segunda do referido acordo.
f) Em 22 de Março de 2001, e para reforço da quantia mencionada em E), a A. entregou à R. (que a recebeu) a quantia de Esc. 10.000.00000.
g) Em 10 de Maio de 2001 a R. enviou à A., que o recebeu, o fax que se encontra a fls. 17, aqui se dando por integralmente reproduzido o seu conteúdo, comunicando-lhe nomeadamente que:
«Na sequência da nossa conversa telefónica e, conforme ficou acordado vamos prorrogar um mês a celebração da escritura da compra do andar situado na Rua Eduardo Coelho 57-2° Esq. em Lisboa.
Agradeço que me confirme por escrito, que esta é também a sua intenção.».
h) Em 15.05.01 a A. enviou à R. (que o recebeu) o fax junto a fls. 64, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se lê:
«...venho por este meio confirmar na sequência da nossa conversa telefónica ficou acordado com a Sr.a (…) de adiar um mês a celebração da escritura de compra do andar situado na Rua Eduardo Coelho, 57-2° Esq. em Lisboa».
i) A R. enviou à A., que a recebeu, a carta datada de 29.06.01 e expedida pelos correios em 02.07.01, junto a fls. 18, na qual se pode ler, designadamente:
«...venho pela presente informar V. Ex.a que a escritura pública de compra e venda terá lugar, em dia a determinar e nas instalações do Banco Bilbao & Vizcaya, na semana compreendida entre 23 e 27 de Julho de 2001…_
O local indicado prende-se, como é do seu conhecimento, com o facto de ser este Banco escolhido por V. Exa. para financiamento da referida aquisição.
Quanto à data, a mesma poderá ficar sujeita ao adiamento de um ou dois das, caso haja atraso pelo referido Banco na preparação dos documentos necessários à celebração da aludida escritura pública».
j) Em 05.07.01, o então mandatário da Ré recebeu o fax cuja cópia se encontra a fls. 65 no qual se lê: «Conforme combinado, venho por este meio enviar a V. Ex. a a minuta do registo de aquisição provisório...», subscrito pela Srª Solicitadora, pessoa designada pelo banco financiador para tratar do processo de financiamento da A.
l) No dia 09/07/2001 o então mandatário da R. enviou à Srª Solicitadora a missiva cuja cópia se acha o fls. 68, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual lhe comunica:
«Na sequência da nossa conversa telefónica e tal corno acordado, remeto-lhe os seguintes documentos:
Requerimento de registo provisório de aquisição a favor de J, com reconhecimento presencial da assinatura da Minha Cliente, com reconhecimento presencial da assinatura da R.;
Fotocópia em substituição da Caderneta Predial emitida em 20.01.99, e visada em 17.01.2001;
Certidão emitida pela 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com confirmação do conteúdo em 07.05.01;
Cópia Notarial da Escritura de Aquisição do Imóvel, pela qual se atesta que o prédio foi inscrito na matriz anteriormente ao ano de 1951;
Cópia de BI e cartão de Contribuinte da minha cliente.».
m) Juntamente com a missiva referida em L), o então mandatário da R. enviou à Srª Solicitadora os documentos nela mencionados.
n) Entre 03/07/2001 e 23/07/2001 a Srª Solicitadora comunicou à R., na pessoa do seu Ilustre Mandatário, que em seu entender "a transmissão do imóvel estava condicionada ao não exercício do direito de preferência por parte do IPPAR e da C.M.L."
o) Em 13/07/2001, a Sr.ª Solicitadora entregou:
- no IPPAR, o requerimento de fls. 140, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
- na C.M.L. o requerimento cuja cópia se acha a fls. 90 e 91, e, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
p) O IPPAR emitiu certidão negativa no primeiro requerimento mencionado em O) no próprio dia 13/07/2001.
q) Em 27/07/2001, na sequência de decisão tornada relativamente ao segundo requerimento mencionado em O), a C.M.L. elaborou o ofício cuja cópia se acha a fls. 92 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, dirigido à Sr.ª Solicitadora, no qual, nomeadamente, lhe comunica que "esta Câmara Municipal decidiu não exercer o direito legal de preferência".
r) Reportando-se à alienação mencionada na cláusula primeira do acordo referido em B), a Câmara Municipal de Lisboa decidiu, por despacho de 27.07.01, da respectiva Directora Municipal "não exercer o seu direito legal de preferência".
s) tendo comunicado tal decisão à Sr.ª Solicitadora, através de ofício com a mesma data.
t) Com data de 30.07.01 a A. J enviou à R. MARIA, que a recebeu em 31.07.01, a carta de fls. 20, nos termos da qual, nomeadamente, lhe comunica:
«(...) Com data de 29 de Junho de 2001, mas com data de carimbo de correio de 2 de Julho de 2001, remeteu-me V. Exa. uma carta com o propósito de me notificar para a celebração da escritura para um dia compreendido entre 23 e 27 de Julho. Não explicava, nem justificava V. Exa. o porquê do duplo, quanto à antecipação da notificação, e quanto à data limite para a celebração da escritura, incumprimento contratual. Vim a saber nos últimos dias que a casa prometida vender se encontra sujeita a preferência da Câmara municipal de Lisboa, facto que me fora sempre ocultado, a mim e ao Banco junto do qual, há já vários meses, obtive financiamento para uma parte do preço.
Perante este repetido e continuado incumprimento perdi definitivamente o interesse na celebração do contrato prometido, pelo que venho por este meio resolver o contrato promessa…_ devendo V. Exa. pagar-me uma indemnização equivalente ao dobro do por mim já pago a título de sinal, princípio de pagamento e seu reforço, no montante de 24.000.000$00. (vinte e quatro milhões de escudos). Fico a aguardar esse pronto pagamento...».
u) Em 30.07.2001, a R. MARIA enviou à A., que a recebeu em 01.08.01, a carta cuja cópia se acha a fls. 93 a 95, na qual se pode ler, designadamente:
«...solicito-lhe o especial favor de reconsiderar a sua posição e, em consequência, solicitar ao seu banco se digne proceder à marcação da escritura num prazo que dadas as circunstâncias me permito fixar em oito dias.
Findo o referido prazo sem que se mostre marcada por si ou pelo seu banco a realização da escritura, não me restará outra alternativa senão designar dia, hora e cartório notarial para a realização da mesma».
v) Aquando da celebração do acordo referido em B), a A desconhecia a existência do «direito legal de preferência» referido em N).
x) No final de Junho de 2001, a R, através do então seu mandatário, fez saber à A que pretendia celebrar a «escritura pública» a que se reporta a cláusula terceira do acordo mencionado em B) no dia 23. 7.2001.
z) Data que a A aceitou.
aa) A R tomou conhecimento que a A iria recorrer a financiamento bancário para a aquisição referida em B).
ab) A R aceitou que fosse o banco da A a tratar dos detalhes relativos à celebração da escritura pública mencionada na cláusula terceira do acordo referido em B).
ac) Na sequência do descrito, os então mandatários da A e da R acordaram a semana na qual a escritura deveria ser realizada.
ad) Após o que a R enviou à A a carta mencionada em I).
ae) Só durante o mês de Julho o banco financiador da A iniciou os contactos necessários à celebração de escritura pública.
af) A R foi, no início de Julho de 2001, contactada pelo companheiro da A.
ag) À data referida em L ) a R e o seu mandatário estavam convencidos de que os documentos ali mencionados eram os únicos necessários à celebração da escritura pública a que se reporta a cláusula terceira do acordo mencionado em B).
ah) Os factos descritos em N) ocorreram em 13. 7.2001.
ai) A Sr.ª Solicitadora recebeu o oficio referido em S) em 30.7.2001.
aj) A A já tinha acordado com um empreiteiro a realização de trabalhos de construção civil no apartamento identificado em B), primeiro para iniciar a 4.6.2001; depois, na sequência do referido em G) e H), para iniciar a 3.7.2001; e, por último, para realizar algumas obras entre 24 de Julho e 5.8.2001, com retomar das obras em Outubro de 2001.
al) Não tendo os trabalhos referidos em aj) tido início nas datas ali mencionada, os mesmos só se poderiam iniciar a partir de Outubro de 2001.
am) E só permitiriam à A mudar-se para o apartamento referido em B) em finais de Outubro ou inícios de Novembro de 2001.
an) De harmonia com a cláusula 3 n° 1, do contrato-promessa, o contrato prometido deveria ter sido celebrado até 1.6.2001.

2.2. De direito:
2.2.1. Como questão prévia há que decidir se são admissíveis nos autos os documentos que a autora J apresentou juntamente com as suas alegações de recurso.
Com efeito, requereu a junção aos autos de dois documentos, sendo um fotocópia de um recibo de renda relativo a lugar de estacionamento, que tem como data de emissão 30 de Março de 2001, e outro fotocópia de certidão emitida pela 8ª Conservatória do Registo Predial emitida em 15 de Novembro de 2005.
A ré, na sequência da notificação das contra-alegações e dos documentos que as acompanharam, veio opor-se à admissão e junção dos mesmos aos autos, por ser extemporânea.
Decorre do disposto nos artigos 706º e 524º do Código de Processo Civil que a instrução dos processos se faz na 1ª instância e aí devem ser produzidos os meios de prova, designadamente a documental. Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos(3), com as alegações só é permitido juntar: a) os documentos supervenientes; b) documentos destinados a provar factos superveniente; c) os documentos que só se tornou necessário exibir em consequência do julgamento da 1ª instância.
Portanto, estando excluídos os casos previstos no 524º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil - impossibilidade de junção anterior do documento ou prova de factos posteriores ao encerramento da discussão em 1ª instância -, hipóteses que não se verificam no caso concreto, a junção dos documentos com as alegações só seria de admitir se se tivesse tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
Ora, conforme escreveu o Prof. Antunes Varela(4), para que a junção do documento seja permitida em virtude do julgamento da 1ª instância, não basta que ela seja necessária em face deste julgamento, sendo antes essencial que a junção (apenas) se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento. Se a junção já era necessária (para fundamentar a acção ou a defesa) antes de ser proferida a decisão da 1ª instância, ela não é permitida.
E acrescentou: “E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”, o que também não é seguramente o caso.
Em face do exposto, tem de concluir-se que os documentos apresentados pela autora com a sua alegação são extemporâneos, na medida em que aquela poderia tê-los junto aos autos antes do encerramento discussão em 1ª instância e tais documentos não respeitam a ocorrência posterior a esse momento.
Devem, por isso ser rejeitados, devido à extemporaneidade da sua apresentação, pelo que não serão tomados em consideração.

2.2.2. Balizando-se o objecto dos recursos pelas conclusões das alegações das recorrentes (artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil), independentemente da parte que as suscitou, delas emergem como questões essenciais a decidir saber:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto no sentido propugnado pela autora;
- se houve mora ou incumprimento definitivo do contrato por parte da ré ou da autora;
- e, em caso afirmativo, quais as consequências.

Entrando na análise da primeira questão enunciada, importa ter presente que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (artigo 655º do Código de Processo Civil), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Segundo este princípio, que se opõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.(5)
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais(6) -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 180/96, de 25 de Setembro, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.(7)
À luz do disposto no artigo 712º nº 1 do Código de Processo Civil a decisão sobre a matéria de facto, por princípio inalterável pela Relação, pode ser modificada em sede de recurso se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida (al. a)), se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (al. b)) ou ainda se o recorrente apresentar documento novo superveniente, que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou.
In casu, é manifesto que o processo não contém elementos que imponham decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, nem a recorrente apresentou documento novo superveniente, pelo que cumpre reapreciar os meios de prova produzidos.
Insurge-se a autora contra a decisão sobre a matéria de facto, considerando que foram incorrectamente julgados os factos que dizem respeito às respostas de “provado” dadas aos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da base instrutória e a resposta de “não provado” dada aos artigos 23º e 24º da mesma base instrutória, devendo conduzir a reapreciação dos meios de prova indicados a que se dêem como não provados os primeiros e provados os segundos.
No artigo 2º da base instrutória perguntava-se o seguinte:
No final de Junho de 2001, a R. através do seu, então, mandatário, fez saber à A. que pretendia celebrar a «escritura pública» a que se reporta a cláusula terceira do acordo mencionado em B) no dia 23.07.01?”;
A resposta afirmativa que obteve fundou-se, essencialmente, no documento junto a fls. 200 e 201 e no depoimento da testemunha Sr. Dr…, como se fez constar da motivação da decisão sobre a matéria de facto.
Aquele documento constitui cópia de um fax datado de 27 de Junho de 2001 escrito e assinado por aquela testemunha, endereçado ao Sr. Dr…, com o seguinte teor:
Nos termos da cláusula terceira do contrato celebrado entre as nossas Clientes cabe à Exma. Senhora D. Maria a marcação da escritura pública de compra e venda.
Foi-me referido, todavia, que a sua Cliente pretende recorrer a financiamento bancário, circunstância que poderá determinar que o banco pretenda “organizar” o procedimento e, inclusivamente, que a escritura seja realizada nas suas instalações.
Atento o interesse da minha Cliente em celebrar a escritura no próximo dia 23 de Julho, solicitava ao Exmo. Colega o favor de me dar indicações sobre se a escritura será feita pelo banco da sua Cliente, ou se, ao invés, posso proceder à marcação da escritura em Cartório Notarial.”
Este fax, cuja junção aos autos foi previamente autorizada pela Ordem dos Advogados no âmbito do deferimento de pedido de dispensa de sigilo profissional pela sua relevância para a demonstração do facto em causa, foi enviado, questionando apenas agora a autora, em sede de alegações de recurso, a sua efectiva recepção pelo destinatário, pondo dessa forma em causa a sua força probatória. O mesmo se diga quanto à, também só agora alegada, falta de poderes do Sr. Dr. … para receber aquele fax, sendo certo que decorre claramente do depoimento da testemunha Sr. Dr. … que aquele interveio, na qualidade de advogado, nas negociações que antecederam a celebração do contrato-promessa e nas posteriores diligências visando a outorga do contrato prometido.
Como bem assinala a ré, trata-se de prova pré-constituída que a autora, assegurado que foi o contraditório, teve oportunidade de impugnar tanto na vertente da respectiva admissão como da sua força probatória, como dispõe o artigo 517º nº 2 do Código de Processo Civil. Não o tendo impugnado oportunamente, podendo fazê-lo, não tem cabimento impugná-lo nesta fase do processo.
Assim sendo e em face do que daquele documento consta, conjugado com o depoimento da testemunha Sr. Dr…., que o escreveu e enviou, tem de considerar-se, como se considerou, provado o facto.
No artigo 3º da base instrutória perguntava-se se a autora aceitou a data referida no artigo 2º (23.07.01) ao que foi respondido que a autora aceitou que a escritura fosse celebrada na semana compreendida entre 23 e 27 de Julho de 2001.
Esta resposta não suscita qualquer reparo, sendo que se harmoniza com a globalidade da prova produzida. Na verdade, está adquirido no processo que a ré enviou à autora a carta datada de 29.06.01, que esta recebeu, conforme consta da alínea I) dos factos assentes. (…) Mais referiu que a autora aceitou marcar o dia 4 de Julho para tratarem do registo provisório da hipoteca, tendo prosseguido as diligências com vista à realização da escritura. A circunstância de estas testemunhas não terem sido expressamente indicadas para responder a tal matéria não obsta a que sejam tomados em consideração os respectivos depoimentos ao abrigo do princípio da aquisição processual consagrado no artigo 515º do Código de Processo Civil.
(…)
Conclui-se, assim, que deve manter-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto.

2.2.3. Na sentença recorrida, considerou-se que, tendo as partes celebrado um contrato-promessa de compra e venda bilateral, formalmente válido, perante a frustração da celebração do contrato prometido sem incumprimento de qualquer das partes a consequência será a devolução do sinal em singelo pela ré, primitente-vendedora, à autora, promitente-compradora, com fundamento no instituo do enriquecimento sem causa, nos termos do estabelecido nos artigos 473º e sgs. do Código Civil, solução que este processo não comporta por não ter sido formulado o correspondente pedido pela autora, razão por que improcederam a acção e a reconvenção.
Contra esta sentença insurgiram-se a autora, por entender que houve incumprimento da ré e, como tal, deve ser condenada a restituir-lhe o sinal que prestou em dobro, e a ré, defendendo que a autora não cumpriu o contrato, o que lhe confere o direito de fazer seu o sinal prestado por esta.
O contrato-promessa, definido como a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato(8), tem por objecto uma prestação de facto positivo (facere), que se traduz na declaração de vontade correspondente ao tipo de negócio prometido, e rege-se pelas disposições legais a este relativas, salvo as respeitantes à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas.
Assim, além do estipulado no contrato pelas partes, cujo conteúdo modelam livremente dentro dos limites da lei em decorrência do princípio da autonomia privada (artigo 405º nº 1 do Código Civil), aplicam-se ao contrato-promessa as disposições legais relativas ao contrato prometido, bem como as regras gerais, nomeadamente, as que se referem ao incumprimento (mora e incumprimento definitivo) e resolução do contrato.
Relativamente ao mecanismo sancionatório previsto no nº 2 do artigo 442º do Código Civil para o não cumprimento do contrato-promessa, vem sendo entendimento dominante, senão mesmo uniforme, do Supremo Tribunal de Justiça o de que não basta a simples mora para o desencadear, sendo necessário o incumprimento definitivo e culposo do contrato(9).
Segundo este entendimento, que se perfilha, “…só a falta definitiva e culposa de cumprimento legitima a resolução do contrato-promessa que, por sua vez, a sanção cominada no nº 2 do art. 442º pressupõe”. Logo, a restituição do sinal em dobro ou a perda do sinal, consoante o contraente faltoso seja o promitente-vendedor ou o promitente-comprador, pressupõem uma situação de incumprimento (definitivo) susceptível de conduzir à resolução do contrato-promessa, a qual pode operar através de declaração à outra parte, ou seja, por declaração unilateral, receptícia, com efeitos a partir do momento em que entra na esfera do conhecimento do declaratário ou a partir do momento em que o declaratário a podia conhecer (artigos 436º e 224º do Código Civil). E, efectivamente, a sanção prevista no citado nº 2 do artigo 442º, nomeadamente a restituição do sinal em dobro ou a perda do sinal, não é compatível com a subsistência do contrato-promessa cuja violação desencadeou aquela mesma sanção.
Assim, “a mora não implica automaticamente a resolução, mas permite que o contraente não faltoso desencadeie imediatamente esta, sem necessidade de convenção nesse sentido, aliás, sempre possível nos termos gerais. Trata-se, aliás, de uma «resolução» em sentido impróprio, visto que, podendo levar à extinção do contrato, permite ainda que a outra parte actue de forma a obrigar ao cumprimento do mesmo”(10). Logo, o contraente não faltoso para poder accionar o mecanismo sancionatório referido tem de converter a mora (o atraso culposo no cumprimento da obrigação) em incumprimento definitivo, nos termos do disposto no artigo 808º nº 1 do Código Civil, provando que, em consequência desta, perdeu o interesse que tinha na prestação ou que esta não foi realizada dentro do prazo razoavelmente fixado mediante interpelação admonitória para o efeito.
A perda do interesse do credor não é subjectiva. Como decorre expressamente do estabelecido no nº 2 do citado artigo 808º, só releva a perda do interesse que o credor tenha objectivamente na prestação, “no sentido de o valor da prestação ser aferido em função das utilidades que a prestação teria para aquele, tendo em conta, a justificá-lo, um critério de razoabilidade comummente aceite na devida correspondência com a realidade das coisas, isto é, tendo em atenção elementos capazes de serem valorados pela generalidade das pessoas, evitando-se que o devedor fique sujeito aos caprichos do credor”(11).
No caso vertente, decorre da cláusula 3ª do contrato-promessa que as partes fixaram um prazo para a celebração do contrato prometido, o qual deveria formalizar-se até 1 de Junho de 2001. Porém, como assinala a sentença recorrida, previram no mesmo contrato-promessa a possibilidade de o contrato prometido não ser celebrado até essa data, por motivo não imputável à promitente-vendedora (aqui ré), acordando para essa hipótese «em que a data (…) para a outorga da escritura prometida seja prorrogada por mais um mês», conforme nº 4 da mesma cláusula 3ª.
Esta hipótese veio a concretizar-se, pelo que o prazo foi prorrogado por um mês por iniciativa da promitente-vendedora, com a concordância da promitente-compradora, passando a data limite para a celebração da escritura para 1 de Julho de 2001, conforme se alcança dos factos enunciados sob as als. g) e h).
Tratava-se, assim, de uma obrigação de prazo certo. Os termos do contrato não permitem, contudo, atribuir ao prazo estabelecido a natureza de um prazo fixo absoluto ou «prazo-limite», cujo termo tornaria a prestação impossível ou faria desaparecer o interesse do credor no cumprimento do mesmo - situação em que, terminado o prazo, o contrato caducaria -. Com efeito, o texto do contrato não contém qualquer referência de que resulte que as partes quiseram atribuir ao prazo fixado tal natureza e a possibilidade da sua prorrogação, contratualmente prevista, associada à ausência de qualquer indício ou comportamento posterior das partes no sentido de que o prazo estabelecido traduzia um termo fixo essencial ou preclusivo afasta esse sentido interpretativo à luz dos critérios estabelecidos no artigo 236º do Código Civil), pelo que do seu termo não podia resultar a automática resolução do negócio.
Aliás, os autos mostram que ainda no mês de Junho de 2001 a ré, através do seu mandatário, fez saber à autora que pretendia celebrar o contrato prometido no dia 23 de Julho de 2001, data que a autora aceitou, tendo a seguir, na sequência de acordo dos respectivos mandatários, a ré precisado que a escritura pública de compra e venda teria lugar em dia a determinar na semana compreendida entre 23 e 27 de Julho de 2001 nas instalações do Banco Bibao & Vizcaya escolhido pela autora para financiar a aquisição.
E esta factualidade é claramente evidenciadora de que o prazo contratualmente estabelecido reveste a natureza de um prazo fixo relativo, não constituindo o seu termo obstáculo à celebração do contrato prometido, a não ser que ocorresse o condicionalismo previsto nos artigos 808º, 801º e 802º do Código Civil, o que, adianta-se já, não aconteceu.
Na verdade, a escritura pública de compra e venda, cuja marcação incumbia à ré por força do clausulado no contrato-promessa, não se realizou na semana prevista - compreendida entre 23 e 27 de Julho de 2001- por razões não imputáveis à autora, mas devido ao facto de a ré, apesar da colaboração da solicitadora indicada pelo banco que iria financiar a autora, não ter conseguido obter o documento comprovativo de que a Câmara Municipal de Lisboa não iria “exercer o seu direito legal de preferência”, situação fez incorrer a ré em mora.
Esta mora não conferia, porém, à autora o direito (potestativo) de resolver o contrato-promessa.
Tal só aconteceria, como se disse já, se a autora tivesse fixado prazo razoável à ré para cumprir (interpelação admonitória), o que não aconteceu, ou tivesse perdido o interesse na prestação, o que se não verificou, uma vez que o facto de a autora só poder iniciar em Outubro de 2001 os trabalhos de construção civil no apartamento constituído pelos andares objecto do contrato-promessa, com início previsto para 3 de Julho de 2001, e de só poder mudar-se para o mesmo em finais de Outubro ou inícios de Novembro de 2001 não constitui, objectivamente, sem outros elementos coadjuvantes motivo que justifique, razoavelmente e de acordo com critérios de normalidade, perda do interesse da autora na prestação da ré.
Não se configurando um caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da ré, posto que a autora não fez converter a sua mora em incumprimento definitivo, tem de considerar-se que não existia fundamento para a resolução do contrato, que tem de considerar-se, por isso, ilegítima.
Logo a declaração resolutiva feita pela autora à ré consubstancia manifestação clara da vontade de não cumprir, integrando não cumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da autora, promitente compradora, sendo que para este incumprimento contribuiu a ré, promitente vendedora, ao protelar a celebração do contrato definitivo com sucessivos adiamentos, embora aceites pela autora, e desrespeitar, a final, a última data acordada pelas partes por motivo que lhe era exclusivamente imputável.
Assim, seguindo de perto a doutrina do já citado Ac. do STJ de 15.10.2002, há que recorrer ao disposto no artigo 570º do Código Civil para efeitos de satisfação do montante devido a título de indemnização e, ponderando as condutas das contraentes e, bem assim, as consequências que estas determinaram, consideram-se, no caso concreto, iguais as culpas de cada uma, pelo que se julga adequado que a ré, promitente-vendedora restitua, em singelo, à autora, promitente-compradora, o quantitativo correspondente ao sinal que recebeu - Esc. 12.000.000$00 - acrescido dos juros legais desde a data da citação, ocorrida em 16 de Novembro de 2001, nessa medida procedendo parcialmente a pretensão da autora.

3. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa:
a) em ordenar o desentranhamento e devolução à apresentante dos documentos juntos com a respectiva alegação, condenando-a nas custas do respectivo incidente e fixando-se em duas UC a respectiva taxa de justiça (art. 16º do C. Custas Judiciais).
b) em julgar improcedente a apelação da ré Maria e parcialmente procedente a apelação da autora J e, consequentemente, julgar a acção parcialmente procedente e condenar a ré a devolver à autora a quantia equivalente em euros a 12.000.000$00, acrescida de juros de mora às respectivas taxas legais em vigor desde 16 de Novembro de 2001 até pagamento, nessa medida se alterando a sentença recorrida, que, no mais, se confirma.
c) Custas, nas duas instâncias, pela autora e pela ré na proporção do respectivo decaimento.
19 de Abril de 2007
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
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1 In Rev. Leg. e Jur., ano 115º, págs. 93 e segs.,
2Vide Ac. STJ de 21.01.2003, CJ STJ XI, Tomo I, pág. 44, e Menezes Cordeiro, A Excepção do Cumprimento do Contrato-Promessa, Tribuna da Justiça, nº 27, pág. 5, citados no referenciado Ac. do STJ de 29.11.2006.
3 In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 321.
4 In Rev. Leg. e Jur., ano 115º, págs. 93 e segs.,
5 A. Varela, M. Bezerra, S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 471.
6 A. Varela, M. Bezerra, S. e Nora, loc. cit., e Ac. RE de 20.09.90, BMJ 399/603.
7 Cfr. Ac. RP, de 19.9.2000, CJ Ano XV, Tomo IV, pág. 186 a 189.
8 Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 3ª ed., Almedina. Coimbra, pág. 252.
9 Cfr., por todos, Acs. STJ de 15.10.2002, Proc. 02A1160, de 20.01.2005, Proc. 04B4389, de 24.10.2006, Proc. 06A2341, e de 29.11.2006, Proc. 06A3723, in www. dgsi.t/jstj.
10 Vide Ac. STJ de 21.01.2003, CJ STJ XI, Tomo I, pág. 44, e Menezes Cordeiro, A Excepção do Cumprimento do Contrato-Promessa, Tribuna da Justiça, nº 27, pág. 5, citados no referenciado Ac. do STJ de 29.11.2006.
11 Ac. RL proferido na apelação nº 8171/06, da 7ª secção, segundo se crê, inédito, citando o Ac. STJ de 08.06.2006, www.dgsi.pt/jstj., Pessoa Jorge, Ensaios da Responsabilidade Civil, e Galvão Telles, Direito das Obrigações.