ANULAÇÃO DA DECISÃO
CASO JULGADO
Sumário

I – O caso julgado material abrange o envolvente segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam seu antecedente lógico indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte motivatória para alcançar e fixar o verdadeiro conteúdo da mesma decisão. Deste modo evita-se a incoerência dos julgamentos, em homenagem ao prestígio da justiça, princípio da estabilidade e certeza das relações jurídicas, além de importar evidente economia processual.
II - Anulada a decisão proferida na primeira instância, o processo retorna à fase anterior à sua prolação, tudo se passando como se a sentença anulada nunca tivesse sido proferida, cabendo, ao tribunal recorrido, assentes os factos, em cumprimento do determinado, proferir nova decisão, que, se não for, ela própria, objecto de recurso, transitará em julgado e decidirá definitivamente o litígio.

Texto Integral

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO
N veio nos termos dos n°s 1 e 2 do artigo 813° do CPC, deduzir oposição à execução e oposição à penhora contra A e Maria, por apenso aos autos de execução comum que corre termos neste tribunal sob o n° 1524-C/2002, invocando, para além do mais e no que respeita à oposição à execução e no que ao caso interessa, a existência de caso julgado.
A este respeito invoca que a presente execução tem por título executivo a decisão proferida em 21 de Fevereiro de 2005, pelo 4° Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras no Processo n°. 1524/2002, decisão que, no seu entender, se limitou a identificar a matéria de facto dada por assente, em cumprimento do despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, não se tratando, portanto, de uma nova sentença, resultante da repetição de julgamento ou novo julgamento.

Notificados os exequentes, vieram estes contestar a referida oposição.

Foi proferida decisão que julgou improcedente a oposição à execução e a oposição à penhora.

Inconformado, vem o Executado/Oponente apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. Por sentença proferida em 09 de Março de 2005 nos autos de execução apensos sob a letra A à acção declarativa que correu termos sob o n°. 152412002, foi decidida a extinção da execução com o fundamento de que "conforme resulta do acórdão que antecede foi anulada a sentença dada à execução, deixando de ter validade o título executivo tem a execução que se extinguir”.
2. O despacho do Mm°. Relator do Tribunal da Relação não teve por finalidade a destruição dos efeitos jurídicos da sentença da 1ª Instância, e consequentemente que o titulo executivo deixasse de ter validade.
3. O referido despacho tem apenas por objectivo a descriminação da matéria de facto, a qual ordena ao abrigo do arr. 7000, n°.1, al. a) do CPC, para fins de preparação da decisão do objecto do recurso no Tribunal da Relação e em cumprimento do Acórdão do STJ, sem atacar a parte decisória da sentença.
4. Do que resulta, que o Tribunal de 1a. Instância ao decidir extinguir a acção executiva por força da " anulação " da sentença cometeu um erro de julgamento que, não obstante, não foi objecto de recurso ordinário por parte dos Exequentes, ora Apelados.
5. Em conclusão, os presentes autos de execução são uma repetição da acção executiva que correu termos no “apenso A” dos autos declarativos e que foi extinta por sentença transitada em julgado, ocorrendo a excepção do caso julgado na acção executiva, o que se invocou, nos termos da alínea e), f) e g) do art°. 814°. do CPC.
6. Ao julgar improcedente a excepção do caso julgado, violou o Tribunal a quo as normas contidas nos art°.s 684°., n°4, 700°., n°.1, al. a), 712°., n°.4 e 730°, todos do CPC.

Contra-alegaram os exequentes que no essencial concluiram:
1. Para ocorrer caso julgado teriam que, obrigatoriamente, existir relações de identidade entre ambos os processos: vide arte 497° e 498°, ambos do Cód. de Proc Civil.
2. Assim sendo, ambas as acções teriam que possuir (e não possuem) a mesma causa de pedir e nelas deveria ter sido formulado o mesmo pedido.
3. Por outro lado teria que existir, igualmente, relações de prejudicialidade entre ambos os processos, o que manifestamente não ocorre.
16. Nesta conformidade nunca ocorreram duas decisões judiciais com a mesma causa de pedir e pedido,inexistindo em consequência quaisquer repetições de causa e assim quaisquer requisitos de caso julgado expressamente previstos e regulados pelo disposto no art° 498° do Cód. de Proc. Civil.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil), sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, está em causa, essencialmente, saber se se verifica no caso a excepção do caso julgado.

II – FACTOS PROVADOS
1. Por decisão proferida em 29 de Agosto de 2003 no 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, no Processo n° 1524/2002 foram os Réus e executados, condenados nos seguintes termos:
"Pelo exposto, julgo a acção procedente por provada e em consequência, condeno os Réus a cumprir o contrato promessa e a pagar aos Autores as seguintes quantias
- a quantia de € 42.277,99 (quarenta e cinco mil duzentos e setenta e sete euros e noventa e nove cêntimos)
- a quantia de € 5.000 por cada mês que decorreu e venha a decorrer desde 5 de Dezembro de 2002 até à data do efectivo pagamento do capital de € 29.929,97;
- dos juros contados sobre o capital de € 29.929,97 desde 5 de Novembro de 2002 até à data do efectivo pagamento, à taxa de 4% ao ano."
2. Nesta sentença havia-se escrito que " Nos termos do artigo 483° n°3 do Código de Processo Civil, atenta a simplicidade da causa, consideram-se provados os factos articulados pela Autora desta passíveis e assentes todos os factos demonstrados pelos documentos com força autêntica que foram juntos", conforme consta do documento junto aos autos a fls. 39 a 43.
3. Recorreram os Réus desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, por requerimento de 30-9-03, admitido por despacho de 6-10-03 como de apelação e com efeito meramente devolutivo.
4. Em 18 de Março de 2004 o Tribunal da Relação de Lisboa profere acórdão em que nega provimento ao interposto recurso, e confirma a sentença recorrida, (fls. 112 a 114).
5. Nesse acórdão está, além do mais, escrito: "Remete-se, desde já, para os factos ou ocorrências da sentença que não foram objecto de contesta­ção por força do art°. 713°., n°.6, CPC. "
6. Os Réus interpõem recurso de revista deste acórdão em 31-3-04, o qual é admitido com efeito não suspensivo em 7-5-04 (fls. 124).
7. Foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça em 16 de Dezembro de 2004, em que, além do mais, se decidiu:
"Sendo este o objecto do recurso verifica-se dever o mesmo ser con­figurado como agravo, nos termos dos artigos 754° n° 1 e 755° n° 1 alínea b) do Código de Processo Civil. Consequentemente, ordena-se a rectificação da cor-respondente espécie”.
(…)
“Considerando que a descrição dos factos que se devem considerar pro­vados é necessária para a prolação da decisão de direito e porque, em obediên­cia ao comando ínsito no n°.2 do art°. 659°., aplicável por força do estatuído nos art°.s 762°., 749°. e 713°., n°.2, todos do C. P. Civil, essa descrição tem que ser feita, ao abrigo do disposto no art°. 729°., n°.3 do citado diploma, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que aí, após decisão da matéria de facto, nos termos supra descritos, seja a causa novamente julgada de direito pelos mesmos juízes, se possível, que inter­vieram no primeiro julgamento. Custas pela parte vencida a final."
8. Baixaram os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Mm°. Desembargador Relator do Tribunal da Relação proferido a seguinte decisão em 24-1-2005, notificada às partes e transitada, conforme fls. 179:
" Entendendo o STJ que não se encontram narrados os factos, dado o disposto no artigo 713° n° 6 do Código de Processo Civil, pese embora o disposto no artigo 484° n° 3 do mesmo Código, será de anular a decisão por não ser simples, como o STJ acaba por reconhecer com os fundamentos que cita, a fls. 168, tendo que se descriminar os factos. Anula-se, portanto, em consequência - artigo 700° n° 1 alínea a) Código de Processo Civil, baixando os autos para o efeito, com custas pela parte vencida a final".
9. No Tribunal de 1ª. Instância foi proferido despacho do qual consta o seguinte:
" Dado que em cumprimento do douto Acórdão que antecede compete repetir a matéria de facto assente, segue sentença em cumprimento".
10. Foi proferida nova sentença em 21-2-2005, na qual de decidiu , nos seguintes termos:
"Pelo exposto, julgo a acção procedente por provada e em consequência, condeno os Réus a cumprir o contrato promessa e a pagar aos Autores as se­guintes quantias:
- a quantia de € 42.277,99 (quarenta e cinco mil duzentos e setenta e sete euros e noventa e nove cêntimos)
- a quantia de € 5.000 por cada mês que decorreu e venha a decor­rer desde 5 de Dezembro de 2002 até à data do efectivo pagamento do capital de € 29.929,97;
- dos juros contados sobre o capital de € 29.929,97 desde 5 de Novembro de 2002 até à data do efectivo pagamento, à taxa de 4% ao ano."
11. Por sentença proferida em 09 de Março de 2005 nos autos de execução apensos sob a letra A à acção declarativa que correu termos sob o n°. 1524/2002, foi proferido a seguinte decisão, conforme consta do documento que aqui dou por reproduzido e que dos autos é fls. 99, a qual transitou:
"Dado que conforme resulta do acórdão que antecede foi anulada a sentença dada à execução, deixando de ter validade o título executivo tem a exe­cução que se extinguir
Pelo exposto, por ter sido anulado o título executivo dado à execução, julgo esta extinta.
Custas pelos exequentes (artigo 451° do Código de Processo Civil).
Notifique".
12. Na execução que corre seus termos sob a letra C, a que estes autos são oposição, foi em 7-6-05 notificado o Centro Nacional de Pensões para proceder ao desconto mensal de 1/3 no abono do executado Narciso, conforme documento de fls. 37.
13. Foi, na mesma data, citado este executado, conforme consta de fls. 28 dos autos.

III – O DIREITO

1. Do caso julgado
A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas ainda a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica(1).
Cada acção rege-se por princípios que podemos denominar de autonomia e plenitude processual, por força dos quais, em regra, só ela tem vocação para o apuramento do direito invocado e dos seus fundamentos. É isso que resulta do disposto nos artigos 2º, 96º, nº 2 e 660º do CPC.
Por isso, o fundamento duma decisão somente se revestirá de eficácia decisória noutra, se for possível reconhecer-lhe a virtualidade de caso julgado.
Dispõe o normativo inserto no art. 497º, nº1 do CPCivil que «as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa (...); se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário há lugar à excepção do caso julgado».
Por seu turno, o art. 498º do CPC estabelece, como requisitos do caso julgado, uma tríplice identidade: dos sujeitos, da causa de pedir e do pedido.
Importa também ter presente o disposto no art. 660º, nº 2, que impõe ao juiz o dever de "resolver todas as questões que as partes tenham submetido a sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras", bem como o nº 1 do art. 671º do CPC, quando refere que “transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e seguintes e ainda o art. 673º que se reporta ao alcance do caso julgado, estabelecendo que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga...".

Não se discute que o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão (artigos 659º, nº. 2, in fine, e 713º, nº. 2 e 726º do Código de Processo Civil). A questão coloca-se em relação aos fundamentos enquanto pressupostos necessários do referido segmento decisório, isto é, se se lhes estende ou não o efeito de caso julgado material.
Embora se afigure que o legislador pretendeu acolher a doutrina restritiva dos limites objectivos do caso julgado à decisão da relação jurídica material em que se traduz o pedido, a doutrina e a jurisprudência vêm caminhando no sentido de uma solução mitigada.
Por isso, colocada a questão, afigura-se-nos acertado adoptar um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado, (ainda que sem aderir à tese amplexiva proposta por Savigny), na esteira, aliás, da jurisprudência que se crê hoje maioritária.
Com efeito, os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva da sentença, desde que se verifiquem os demais requisitos do caso julgado material, abrangendo todas as questões e excepções suscitadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor.
Assim se conclui que o caso julgado material abrange o envolvente segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam seu antecedente lógico indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte motivatória para alcançar e fixar o verdadeiro conteúdo da mesma decisão(2). Deste modo evita-se a incoerência dos julgamentos, em homenagem ao prestígio da justiça, princípio da estabilidade e certeza das relações jurídicas, além de importar evidente economia processual(3). Parece-nos que, assim, se respeita o critério do alcance do caso julgado contido no art. 673º do CPC.

1.2. No que concerne aos efeitos processuais do caso julgado, resulta da lei, embora no quadro da estabilidade das decisões judiciais, que, proferida a decisão judicial, se extingue, em regra, o poder decisório do órgão jurisdicional que a proferiu (artigo 666º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
E transitada em julgado que seja a decisão, não pode ser objecto de reclamação ou de recurso ordinário (artigo 677º do Código de Processo Civil). Ou seja, operado que seja o caso julgado por virtude do trânsito em julgado da decisão da causa, não pode o tribunal voltar a pronunciar-se sobre o decidido e fica vinculado ao respectivo conteúdo, o que se prende com a chamada autoridade do caso julgado decorrente da decisão transitada em julgado.
Infringida que seja a autoridade do caso julgado por desrespeito dos seus efeitos processuais, seja no mesmo processo, seja em processos diversos, ocorre a situação de julgados contraditórios, com a consequência de valer a decisão que primeiramente tenha transitado em julgado (artigo 675º do Código de Processo Civil)(4).

1.3. Sendo certo que a fundamentação jurídica da decisão não se inclui, em princípio, no valor de caso julgado da decisão, pelo que os juízos sobre a validade, interpretação e aplicação do direito não se integram no caso julgado(5), o regime previsto nos artigos 729º nº 3 e 730º nº 1 do CPC permite que o STJ, caso entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, defina o direito aplicável e mande julgar novamente a causa, em harmonia com a decisão de direito, pelos juízes que intervieram no primeiro julgamento, sempre que possível. Definido pelo STJ o direito aplicável, nos termos referidos, o poder de cognição do tribunal de instância está limitado a averiguar os factos que se lhe apontem e a decidir de harmonia com o enquadramento jurídico que lhe foi indicado, tudo em cumprimento do dever de obediência previsto no nº 1 do art.º 156º do CPC.
Já não é assim no caso previsto no art. 712º nº 4 do Código de Processo Civil. Não estando coligidos os elementos probatórios em que a decisão de direito se baseou, não permitindo a reapreciação da matéria de facto, anulada a decisão proferida na primeira instância, o processo retorna à fase anterior à sua prolação, tudo se passando como se a sentença anulada nunca tivesse sido proferida. E, produzida a prova, coligidos os elementos probatórios, o tribunal recorrido deve proferir nova decisão, decisão essa que, se não for, ela própria, objecto de recurso, transitará em julgado e decidirá definitivamente o litígio(6).

2. Perante o supra descrito enquadramento jurídico vejamos, então, se ocorre ou não no caso espécie a repetição de causas idênticas com relevo de excepção dilatória de caso julgado.
De acordo com a matéria assente nos autos, em 29 de Agosto de 2003 foram os Executados condenados por sentença proferida na acção de que estes são apenso.
Não se conformando com tal decisão, não obstante não haver apresentado contestação, vieram interpor o respectivo recurso, que foi rejeitado por acórdão proferido por esta Relação. Uma vez mais, os aí Recorrentes, não se conformado com a nova decisão interpuseram recurso para o Supremo Tribuna de Justiça.
Entretanto, atendendo ao efeito não suspensivo do recurso, foi, pelos ora Recorridos, apresentado requerimento executivo, assente na sentença objecto de recurso.
Veio a ser proferido acórdão pelo STJ determinando que "considerando que a descrição dos factos que se devam considerar provados é necessária para a prolação da decisão de direito,(…) revoga-se a decisão recorrida e ordena-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que aí, após decisão da matéria de facto, nos termos supra descritos, seja a causa novamente julgada de direito pelos mesmo juízes se possível, que intervieram no primeiro julgamento”.
Na sequência do determinado, baixaram, os referidos autos, ao Tribunal da Relação. Em 25 de Janeiro de 2005, foi proferido despacho nos seguintes termos:
“Entendendo o STJ que não se encontram narrados os factos, dado o disposto no art. 713° n° 6 CPC pese embora o disposto no art 484° n° 3 e 4 do mesmo código, será de anular a decisão por não ser simples, como o STJ acaba por reconhecer com os fundamentos legais que cita, a fls. 168, tendo que se descriminar os factos. Anula-se, portanto, em consequência, art. 700° n ° l a) CPC, baixando os Autos para o efeito com custas pela parte vencida a final."

Nesta conformidade, os referidos autos regressaram ao Tribunal de 1ª Instancia, onde foi proferido despacho com o seguinte teor:
Dado que em cumprimento do douto acórdão que antecede compete repetir a matéria de facto assente, segue sentença em cumprimento."
Certo que, proferida nova sentença, não foi a mesma objecto de qualquer recurso, pelo que, em consequência, transitou em julgado em 7 de Março de 2005.
Por outro lado, anulada que foi a sentença proferida em 29 de Agosto de 2003, veio a ser extinta a execução, como não podia deixar de ser, por decisão proferida em 9/03/2005, por ter ficado sem efeito o título executivo (a sentença anulada).

Diz o Recorrente que o despacho do Mmº Desembagador Relator do Tribunal da Relação teve apenas por objectivo a descriminação da matéria de facto, a qual ordena ao abrigo do arr. 700º, n°.1, al. a) do CPC, para fins de preparação da decisão objecto do recurso no Tribunal da Relação e em cumprimento com o acórdão do STJ, sem atacar a parte decisória da sentença.
É evidente a falta de razão dos Apelantes.
Dispõe a alínea a) do n° 1 do art. 700° que compete ao Juiz Relator ordenar a realização das diligências que considere necessárias.
Por outro lado, nos termos do n° 3 do mesmo normativo "quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.
Mas a verdade é que os Recorrentes, notificados da decisão/despacho proferido pelo Exmº. Desembargador Relator, que em cumprimento do ordenado pelo Supremo, anulou a sentença, nada fizeram, designadamente, não reclamaram para a Conferência, conformando-se com o decidido.
Assim, a referida decisão transitou em julgado.
E o conteúdo da decisão proferida pelo Desembargador Relator é claro e não permite a interpretação que os Recorrentes pretendem.
Efectivamente, em momento algum da referida decisão se refere expressamente, que a anulação é meramente parcial. Este entendimento também não resulta, ao menos implicitamente, do teor do mesmo despacho.
Na verdade, a decisão em causa pretendeu anular não parte, mas toda a sentença, como não podia deixar de ser.
Como refere a sentença recorrida, a decisão desta Relação não restringiu a anulação. Ao invés, com fundamento na não aplicação do n° 3° do artigo 484° do CPC, anulou-se a sentença, o que só pode significar que foi anulada toda a sentença, até porque a violação da citada disposição legal afectou, não parte, mas toda a decisão. Na verdade, a descrição dos factos que se devam considerar provados é necessária para a prolação da decisão de direito (de toda a decisão e não de um qualquer excerto da mesma).
Portanto, e como supra se referiu, anulada a decisão proferida na primeira instância, o processo retorna à fase anterior à sua prolação, tudo se passando como se a sentença anulada nunca tivesse sido proferida, cabendo, ao tribunal recorrido, assentes os factos, em cumprimento do determinado, proferir nova decisão, que, se não for, ela própria, objecto de recurso, transitará em julgado e decidirá definitivamente o litígio.
Citando Amâncio Ferreira, cabe ao tribunal "depois de ampliar a matéria de facto e/ou banir a contradição nela existente, apreciar de novo o objecto da apelação sem constrangimentos quanto ao direito aplicável (Artº. 730° n° 2). O que vale por dizer que o Supremo profere somente a decisão rescindente, para o recurso prosseguir, na sua face rescisória, no tribunal de instancia, onde terminará com uma nova pronúncia de mérito, sem limitações de qualquer tipo." (7)
Ora, deixando de existir título executivo (com a anulação da sentença), extinguiu-se a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide (art. 287° do CPC). E, como é sabido, a decisão que julga extinta a instância, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, não conhece do mérito da causa e, por isso, só constitui caso julgado formal, não impedindo, pois, a discussão da mesma questão em outro processo(8).
O que de facto ocorreu foi uma primeira sentença anulada, consequentemente desprovida de quaisquer efeitos jurídicos, substituída por outra nova decisão. Daí, também, a extinção da primeira instância executiva (instaurada antes do transito em julgado da decisão anulada e da qual fora interposto recurso com efeito devolutivo, como se referiu) e a instauração de nova instância executiva, em 2 de Maio de 2005, agora com base na nova sentença proferida na acção declarativa, transitada em julgado em 7 de Março de 2005.
Assim sendo, e em conformidade não cabia ao tribunal de 1ª Instância remeter o processo para onde quer que fosse, designadamente para o Tribunal da Relação. Cabia-lhe, sim, proferir nova sentença: esta que agora serve de título executivo.

Em suma, ao contrário do que os Recorrentes defendem, não foram proferidas duas decisões judiciais com a mesma causa de pedir e pedido, inexistindo a verificação dos pressupostos do caso julgado previstos no art. 498°do CPCivil.


IV – DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Agravantes.

Lisboa, 26 de Abril de 2007.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)
_________________________________
1 Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual, in BMJ, 325º-49 e segs.
2 Entre muitos os Acs. STJ de 10.02.1998, (relator Nascimento Costa), de 19.02.1998 e de 23.09.98, (relator Miranda Gusmão), de 29.01.2004, (relator Salvador da Costa), de 5.5.2005 (Araújo Barros), in www.dgsi.pt/jstj.
3 Neste sentido cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, págs. 578 e 579
4 Ac. STJ de 25 de Novembro de 2004 (Salvador da Costa), www.dgsi.pt/jstj
5Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Março/Julho de 1996, pág. 344.
6 Vide Ac. RL de 11.4.2002 (Salazar Casanova), www.dgsi.pt/jtrl .
7 Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 5ª ed., pag. 264.
8 Ac. RP de 11/05/2000 (Norberto Brandão), www dgsi.pt/jtrp