PROCESSO DISCIPLINAR
AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVERES DO TRABALHADOR
Sumário

I - Não padece de nulidade por violação do princípio do contraditório, o processo disciplinar movido contra o trabalhador, onde se indicou um prazo, para resposta à nota de culpa, inferior ao estabelecido no IRC, se o trabalhador, então arguido, não requereu qualquer diligência nesse maior prazo constante do IRC aplicável.
II - Está legalmente fundamentada a recusa de junção ao processo disciplinar de “cópia de recibos e dos contratos de trabalho dos trabalhadores que exercem outra actividade profissional fora da entidade patronal” requerida pelo arguido na resposta à nota de culpa, se não estiverem identificados esses trabalhadores e a entidade patronal invocar o desconhecimento de trabalhadores nessa situação;
III - No domínio do DL 491/85 de 26.11, a não submissão a aprovação dos regulamentos internos à Inspecção de Trabalho era sancionada com a aplicação de uma coima (n.º 2 do art.º 13.º), e não com a nulidade do regulamento interno.
IV - A violação do pacto de exclusividade por parte do trabalhador, merecendo sanção, não constitui justa causa de despedimento se:
- não põe em causa qualquer questão referente ao dever de lealdade ou de não concorrência;
- não causa qualquer prejuízo à entidade empregadora;
- existirem outros trabalhadores que também não cumprem o “pacto de exclusividade” com conhecimento da entidade empregadora, e esta não age disciplinarmente contra eles.

(sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
P… intentou a presente acção com forma de processo comum contra o Banco… pedindo que se declare a ilicitude do despedimento e se condene a Ré a pagar ao Autor:
(…)
Para fundamentar a sua pretensão invoca que foi admitido ao serviço da Ré e foi despedido sem justa causa, tendo sofrido prejuízos patrimoniais e não patrimoniais em virtude do despedimento, bem como nulidades praticadas no decurso do processo disciplinar.
A Ré contestou invocando que despediu o Autor com justa causa e que não se verificam as nulidades invocadas.

Procedeu-se a julgamento, e, após assente a matéria de facto, foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
“Nestes termos, julgando a acção improcedente, absolvo a Ré dos pedidos contra si formulados.
Custas pelo Autor”.

Inconformado com a sentença, veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)
O Réu contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é triplamente delimitado.
Primeiro, é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida.
Segundo, é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).
Terceiro, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente.
Na perspectiva da delimitação pelo recorrente, os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
- Se a sentença é nula por excesso de pronúncia ou por falta de fundamentação;
- Se a matéria de facto deve ser alterada conforme pretendido pelo recorrente;
- Se o poder disciplinar se encontra prescrito;
- Se o despedimento do autor foi ilícito porque
- o processo disciplinar é nulo por violação do direito de defesa do Autor;
- não existe justa causa para despedimento

II - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos considerados provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:
(…)
III – FUNDAMENTOS DE DIREITO

1.ª Questão As invocadas nulidade da sentença por excesso de pronúncia e falta de fundamentação.
Não tem razão, o recorrente, conforme veremos de seguida.
As nulidades da sentença estão estabelecidas, de forma taxativa, nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 668.º do CPC sob a epígrafe “Causas de Nulidade da Sentença”, e que têm o seguinte teor:
1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Todas as eventuais anomalias da sentença que não possam ser reconduzidas a qualquer destas alíneas, não constituem nulidades da sentença.

No caso dos autos o recorrente invoca a nulidade da sentença por:
a) - excesso de pronúncia, na medida em que:
a1) - o tribunal considerou que o dever de exclusividade resulta da declaração de fls. 77, sendo que não poderia tomar conhecimento desses factos ou questões, pois não constavam do processo disciplinar e não foram alegados pelas partes.
a2) – o tribunal, para justificar o despedimento, “ainda que de forma vaga”, entende que “não está só em causa a violação do pacto de exclusividade, mas também a concreta actividade que o A, passou a exercer”, sendo que a questão da profissão de solicitador de execução não consta da nota de culpa, só tendo surgido no relatório final e na decisão do despedimento.
b) - por falta de fundamentação, tendo em conta que, afirmar-se que “… a relação de confiança constitui o substrato de qualquer contrato de trabalho” e que “ponderado o tipo de actividade exercida pelo A. se solicitador de execução, por confronto com as tarefas que lhe incumbiam enquanto trabalhador da R. como solicitador, parece-me não ser exigível à R. a manutenção do contrato” não pode ser considerada uma fundamentação relevante.

Em primeiro lugar analisaremos a invocada nulidade por excesso de pronúncia (art.º 668.º n.º 1 al. d) do CPC).
Conforme determina o art.º 660.º n.º 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O excesso pronúncia consiste no facto de o juiz conhecer, na sentença, de questão de que não podia tomar conhecimento.
Há que precisar, desde logo, o que se entende por “questão” suscitada pelas partes.
Para o Prof. Alberto dos Reis - Código de Processo Civil anotado (Reimpressão), Coimbra Editora, Lim., vol. V pág. 58 - a palavra «questões» “designa, não só o pedido propriamente dito, mas também a causa de pedir. Desta maneira, quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, atento o disposto no art.º 660.º; a sentença incorre, portanto, na nulidade prevista na 2.ª parte do n.º 4 do art.º 668.º (nulidade actualmente prevista no n.º 1 al. d) do mesmo artigo)”.
Pedido é toda a questão que a parte submete ao juiz, todo o ponto acerca do qual reclama do juiz um julgamento (e não só o pedido principal, mas também as questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução da questão principal).
E a causa de pedir não significa o enquadramento jurídico que o autor deu aos factos.
“Uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, os argumentos e os meios de que a parte se socorre para fazer valer a dita causa” (Ob. Citada, pág. 56).
A causa de pedir é o facto concreto (ou o conjunto de factos concretos) em que a parte se funda para formular o seu pedido.
De modo que, se o juiz se pronunciou sobre as questões que lhe foram colocadas – e só estas – mesmo que com recurso a fundamentos jurídicos diferentes dos alegados pelas partes, não cometeu a nulidade a que se refere a al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC pois não se devem confundir fundamentos ou argumentos jurídicos com as “questões” a que se reportam os art.ºs 660.º n.º 2 e 668.º n.º 1 al. d) do CPC (este é hoje entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência – v, entre outros, o Ac. do STJ, de 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção (in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html): “Só ocorre nulidade do acórdão nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, se o tribunal deixar de pronunciar-se ou se se pronunciar indevidamente sobre questões suscitadas e não os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes”, ou os os Acs. do STJ de: 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html; 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”.].

O recorrente entende que a sentença é nula porque o tribunal:
a1) - se pronunciou sobre questão que lhe não foi colocada ao considerar que o dever de exclusividade resulta da declaração de fls. 77, sendo que não poderia tomar conhecimento desses factos ou questões, pois não constavam do processo disciplinar e não foram alegados pelas partes.
Ora ao pronunciar-se sobre a declaração de fls. 77 e nos termos em que o fez, o tribunal apenas analisou, como devia, um elemento de prova constante dos autos - o que não constitui qualquer “questão” de que o juiz não pudesse tomar conhecimento.
Improcede, nesta parte, a alegada nulidade da sentença.
a2) - para justificar o despedimento, afirmou que “não está só em causa a violação do pacto de exclusividade, mas também a concreta actividade que o A, passou a exercer”, sendo que a questão da profissão de solicitador de execução não consta da nota de culpa, só tendo surgido no relatório final e na decisão do despedimento.
Também não tem razão nesta alegação.
Logo no art.º 1.º da contestação, vem colocada ao tribunal a questão da profissão de solicitador de execução.
Por isso mesmo, o tribunal teria de se pronunciar sobre essa questão.
Saber se errou ou não nessa apreciação e se era de ter em conta para a decisão final já não é matéria de nulidade da sentença mas de eventual erro na aplicação do direito que poderá conduzir à revogação da sentença.
Improcede, também nesta parte, a alegada nulidade da sentença.
b) – não fundamentou a sentença, tendo em conta que, afirmar-se que “… a relação de confiança constitui o substrato de qualquer contrato de trabalho” e que “ponderado o tipo de actividade exercida pelo A. se solicitador de execução, por confronto com as tarefas que lhe incumbiam enquanto trabalhador da R. como solicitador, parece-me não ser exigível à R. a manutenção do contrato” não pode ser considerada uma fundamentação relevante.
A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (art.º 668.º n.º 1 al. b) do CPC)..
Tal como desde sempre se entendeu, quer a nível da doutrina, quer da jurisprudência, só constitui nulidade a falta absoluta de fundamentação.
“A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso” (Fernando Amâncio Ferreira in Manual dos recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Almedina, pág. 53).
O excerto da sentença ora em crise que o recorrente transpõe para as alegações é suficiente para, confrontado com o que deve entender-se por nulidade da sentença – falta absoluta da fundamentação – se concluir que o recorrente não tem razão.
Aliás, o próprio recorrente, na alegação sobre a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, afirma que a sentença se encontra fundamentada, “ainda que de forma vaga”.
A sentença encontra-se, pois, motivada, não sofrendo, portanto, da alegada nulidade. Se essa motivação é (ou não) errada, é questão a apreciar na aplicação do direito aos factos.
Queda, assim, improcedente, a alegada nulidade da sentença.

2.ª QuestãoAlteração da matéria de facto
(…)

3.ª Questão - Se o despedimento do autor foi ilícito

3.1 – Porque o poder disciplinar se encontra prescrito
A questão da prescrição do procedimento disciplinar não foi colocada no tribunal de 1.ª instância.
Os recursos são meios de obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores e não como vias jurisdicionais para alcançar decisões novas, como resulta, entre outros, do disposto nos art. 676º, nº 1, e 690º, todos do Cód. Proc. Civil.
Por isso, e conforme tem sido jurisprudência uniforme e a doutrina ensina os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, pág. 310, Castro Mendes, Recursos 1980/28 e Ac. STJ, de 12.12.95, CJ/STJ, T 3, pág. 156).
Na petição inicial o apelante não suscitou a questão que agora vem colocar e a mesma também não é de conhecimento oficioso (Acórdão nº 4/2003, de 10 de Julho que uniformiza a jurisprudência e considera que a caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do art. 31º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969, a que corresponde o art. 372º, nº 1 do Cód. Trab. não é de conhecimento oficioso (Diário da República nº 157, Série I-A, págs. 3906 a 3912)
Pelo exposto decide-se não conhecer da referida questão.

3.2 – Por nulidade do procedimento disciplinar
O recorrente invoca a nulidade do processo disciplinar por violação do direito de defesa do trabalhador na medida em que lhe foi concedido um prazo de 10 dias para responder à Nota de Culpa, sendo certo que o ACTV aplicável estabelece um prazo de resposta de 15 dias, e porque a entidade empregadora não realizou todas as diligências probatórias requeridas pelo autor na resposta, nem deu uma justificação lícita para essa recusa.
Cumpre analisar e decidir.
Ao caso dos autos é aplicável o Código do Trabalho (CT), diploma a que pertencerão todos os normativos que, seguidamente, se referirem sem indicação da fonte.
Nos termos do art.º 430.º n.º 2 do CT “o procedimento só pode ser declarado inválido se:
a) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no artigo 411.º;
b) Não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413.º, 414.º e no n.º 2 do artigo 418.º;
c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artigo 415.º ou do n.º 3 do artigo 418.º
Recebida a nota de culpa elaborada nos termos do art.º 411.º e comunicada ao trabalhador a intenção de despedimento, o trabalhador arguido tem o direito de exercer o contraditório – princípio basilar de qualquer processo sancionatório - conforme estabelecem os art.ºs 413.º e 414.º, ou seja, o arguido pode:
- consultar o processo disciplinar;
- responder à nota de culpa:
- exigir que sejam efectuadas as diligências probatórias que requereu (com as limitações constantes do art.º 414.º do CT).
O Código do Trabalho estabelece, para o exercício deste direito, o prazo de 10 dias.
Da análise dos normativos legais que disciplinam o procedimento disciplinar laboral (art.ºs 411.º e segs), não resulta a exigência de indicação expressa ao arguido do prazo para o exercício do seu direito de defesa, como não constitui obrigação da entidade patronal mencionar-lhe o conteúdo desse direito de defesa. A lei exige é que a nota de culpa seja elaborada nos termos previstos no art.º 411.º e que, ao ser comunicada ao arguido, lhe seja também comunicada a intenção de despedimento.
Deste modo, se com a notificação da nota de culpa não for indicado o prazo que o trabalhador tem para se defender, o processo disciplinar não padece, por isso, de nulidade.
E o mesmo se diga se o prazo para o exercício do direito de defesa indicado na notificação da nota de culpa for diferente do prazo legal.
Diferente será se, apresentando-se o trabalhador/arguido a requerer diligências dentro do prazo legal, tal não lhe for permitido com fundamento na extemporaneidade.
No caso dos autos a entidade patronal indicou ao trabalhador “…o prazo de 10 dias úteis para responder, por escrito, a esta acusação”.
O trabalhador/autor/recorrente entende que o prazo para o exercício do contraditório é de 15 dias, por aplicação do ACTV para o sector bancário e, assim, ao ser-lhe diminuído o prazo para responder à nota de culpa, foi-lhe coarctado o direito de defesa.
Tal como decidiu a 1.ª instância, entendemos que o autor não tem razão, no caso presente.
E, desde logo, porque na resposta à nota de culpa, estando assistido por advogado (facto sob 28), não alegou a eventual nulidade, nem exigiu o prazo que considerava devido, praticando, dentro desse prazo, qualquer acto ou requerendo qualquer diligência que considerasse útil para a sua defesa.
É certo que o arguido, ora recorrente, então – na resposta à nota de culpa - se lamentou da exiguidade do prazo nos seguintes termos: “lamentavelmente os 10 dias úteis concedidos para a resposta não permitem requerer outra e mais completa instrução”.
Sobre esse lamento não se pronunciou a entidade empregadora – através do instrutor do processo disciplinar.
Mas, também, não tinha de se pronunciar porque o trabalhador nada requereu – nem o cumprimento do prazo estabelecido no ACTV (15 dias) nem a eventual prorrogação de prazo para apresentação da resposta. E o silêncio da entidade patronal não significa, no caso dos autos, o limitar do direito de defesa do arguido/trabalhador.
Daí que entendamos que não padece de nulidade por violação do princípio do contraditório, o processo disciplinar movido contra o trabalhador, onde se indicou um prazo para resposta à nota de culpa inferior ao estabelecido no IRC, se o trabalhador, então arguido, não requereu qualquer diligência nesse maior prazo constante do IRC aplicável.

Defende, o recorrente que o processo disciplinar é nulo, ainda, porque a entidade empregadora não realizou todas as diligências probatórias requeridas pelo autor na resposta, nem deu uma justificação lícita para essa recusa.
O art.º 414.º do CT estabelece, no seu n.º 1 que “O empregador, (…), procede às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito”.
Considerando-as patentemente dilatórias ou impertinentes, deve fazê-lo fundamentadamente e por escrito, de forma que as razões invocadas possam ser objecto de uma correcta avaliação, primeiramente pelo trabalhador a quem são dirigidas, e, depois, numa eventual fase judicial.
Como salienta Furtado Martins (“Cessação do Contrato de Trabalho”, 1991, pág. 91) “o que interessa é a realidade do interesse das diligências para a defesa; poderá o instrutor fazer uma rigorosa e plausível fundamentação quanto à sua pertinência e elas virem a ser consideradas judicialmente como necessárias, anulando-se o processo disciplinar. Pelo contrário, poder-se-á omitir tal fundamentação mas nem por isso se deverá anular o processo quando o tribunal verifique que certas diligências são objectivamente irrelevantes.

Na resposta à nota de culpa o trabalhador/arguido requereu que se procedesse, entre outras, às seguintes diligências:
- a junção aos autos de cópias dos recibos de vencimento e dos contratos de trabalho e de outros documentos que existam – sem indicação dos respectivos valores e dos demais elementos considerados confidenciais – de trabalhadores do banco, que exercem outra actividade profissional, por conta própria ou por conta de outrem ( o que permitirá provar que no Banco… existe a prática generalizada de ser atribuído um valor apelidado de “subsídio de exclusividade”a pessoas que se sabe exercerem outras actividades profissionais)».
- a junção aos autos de cópia do registo de trabalho suplementar do trabalhador prestado durante os meses de .....a ......de 200...» (facto sob 27).
Nas alegações de recurso o recorrente restringe a arguição da nulidade do processo disciplinar 1.ª diligência requerida por entender que a diligência requerida não é patentemente dilatória ou impertinente, nem tal fundamento foi suscitado pelo Instrutor do procedimento disciplinar.
A realização desta diligência dependia, ou da indicação dos nomes dos trabalhadores que estavam naquelas condições (que exercessem outra actividade profissional, por conta própria ou por conta de outrem e recebessem o subsídio de exclusividade), ou do conhecimento da entidade empregadora da existência de trabalhadores nessas condições.
A decisão ora em crise entendeu que a referida diligência era impertinente, “… justificando-se o despacho proferido pelo instrutor do processo.
Lê-se, ainda, na decisão recorrida: “Efectivamente, a pretensão formulada pelo Autor foi-o de forma vaga e genérica, não se justificando impor ao empregador o ónus de juntar ao processo elementos relativos a outros trabalhadores, que nem sequer são identificados no processo”
O despacho do instrutor do processo disciplinar proferido sobre a requerida diligência foi do seguinte teor (fls. 104 do procedimento disciplinar): “O arguido pede a junção de cópia de recibos e dos contratos de trabalho dos trabalhadores que exercem outra actividade profissional sem indicar ou identificar esses trabalhadores.
Sendo assim é de indeferir tal requerimento porque não pode atender-se ao desconhecido”.
Como se vê, não vindo indicados os nomes dos trabalhadores, a entidade empregadora “refugiou-se” na alegação de que desconhece outros trabalhadores nessa situação.
E não há fundamento sério para afirmar que a entidade empregadora tem conhecimento da existência de outros trabalhadores naquelas condições.
Assim sendo, não vemos como poderia o Instrutor do processo levar a cabo a diligência requerida.
Improcede, pois, a invocada nulidade do procedimento disciplinar.

3.2 – Por inexistência de justa causa

Perante a matéria de facto assente, vejamos se o apurado comportamento do autor/recorrente constitui justa causa para despedimento, tal como foi decidido na sentença ora em crise.
Conforme consta da matéria de facto assente o despedimento ocorreu em Agosto de 2004, sendo aplicável, à análise da justa causa invocada, o regime resultante do actual Código do Trabalho (CT).
O referido CT estabelece na sua Secção IV do Capítulo VIII, o regime da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, referindo-se, a Divisão I da Subsecção I da mencionada Secção IV, ao despedimento por facto imputável ao trabalhador (despedimento fundado em justa causa).
Nos termos do art.º 396.º do mencionado CT, sob a epígrafe “Justa causa de despedimento”, o conceito de justa causa está formulado nos seguintes termos:
1 - O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.
2 - Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
3 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação dos direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com outros trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas;
h) Falta culposa de observância das regras de higiene e segurança no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhadores da empresa, elementos dos corpos sociais ou sobre o empregador individual não pertencente aos mesmos órgãos, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro e em geral crimes contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisões judiciais ou administrativas;
m) Reduções anormais de produtividade.
Para a compreensão do conceito de justa causa a que se refere este artigo poderemos apoiar-nos nos ensinamentos que, quer a doutrina quer a jurisprudência, já vinham transmitindo no domínio da legislação revogada com a entrada em vigor do Código do Trabalho, dado que a redacção:
- do seu n.º 1 corresponde, ipsis verbis, ao n.º 1 do art.º 9.º do DL 64-A/89 de 27.02;
- do seu n.º 2 corresponde ao n.º 5 do art.º 12.º do referido DL 64-A/89; e
- do seu n.º 3 constitui a reprodução do n.º 2 do art.º 9.º do mencionado DL 64-A/89 (à excepção da alínea f) deste último artigo que não se mostra transposta para o actual Código do Trabalho).

A justa causa corresponde a uma cláusula geral ou um conceito indeterminado, cujo preenchimento depende das circunstâncias de cada caso concreto.
A doutrina e a jurisprudência estão de acordo, quanto aos requisitos e às circunstâncias em que deve assentar a justa causa de despedimento.
Por sintetizar o que de bom se tem escrito acerca do conceito de justa causa, aqui se cita o Acórdão do STJ de 10/12/97(CJ- Acs. Do STJ, 1997-tomo III, pg. 298), ainda referido ao revogado DL 64-A/89 de 27.02, mas cuja doutrina continua válida no domínio do Código do Trabalho:
“….a existência de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
- outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
- existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Assim, para que se esteja perante justa causa de despedimento torna-se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador.
A justa causa disciplinar tem a natureza de uma infracção disciplinar, pressupondo uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, e violadora dos deveres a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou ou pela disciplina da organização em que essa actividade se realiza.
Mas, não basta aquele comportamento culposo do trabalhador. É que sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências.
E a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjectivo do empregador, devendo atender-se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (…).
Tanto a gravidade como a culpa hão-de ser apreciados em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.
Mas, o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo.
Aquela impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, leva-nos para o campo da inexigibilidade, a determinar - através do balanço, em conflito, dos interesses em presença – o da urgência da desvinculação e o da conservação do contrato de trabalho. Por isso se pode afirmar que existe justa causa de despedimento quando o estado de premência do despedimento seja julgado mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato.
Assim, somente se poderá concluir pela existência de justa causa, comparando-se a diferença dos interesses contrários das partes, quando em concreto, e tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais, que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador ( cfr. Monteiro Fernandes, em " Direito do Trabalho, 8a edição, vol. I, págs. 461 e sgs.; Menezes Cordeiro, em "Manual do Direito de Trabalho", 1991, págs. 822; Lobo Xavier, em " Curso de Direito de Trabalho", 1992, págs. 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em "Colectânea de Leis do Trabalho", 1985, págs. 249; Motta Veiga, em "Direito do Trabalho", II, págs. 128)”.
Como a relação de trabalho tem vocação de perenidade, apenas se justificará o recurso a sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou correctivas, actuando, assim, o principio da proporcionalidade.
O despedimento, constituindo "uma saída de recurso para as mais graves crises de disciplina - justamente aquelas que, pela sua agudeza, se convertem em crises do próprio contrato -, implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reacções disciplinares disponíveis. (…) "..a graduação das sanções disciplinares deve ser feita de tal modo que, ao menos tendencialmente, a margem de disponibilidade das medidas disciplinares conservatórias se equipare à margem de viabilidade da relação de trabalho (do contrato, portanto). É exigível, por outras palavras, que se não antecipe artificialmente a necessidade do despedimento, pelo recurso a sanções-limite para infracções primárias ou cuja gravidade o não justifique" (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, págs. 553-554).
Na ponderação da análise da justa causa de despedimento, exige-se que se atenda a todos os interesses e circunstâncias do caso que se mostrem relevantes, como sejam a intensidade da culpa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações de trabalho, conforme, aliás, decorre do artigo 12º, n.º 5, da LCCT (JOÃO JOSÉ ABRANTES, Direito do Trabalho. Ensaios, Lisboa, 1995, pág.127 e Ac. STJ de 14.12.2005 in www.dgsi.pt).

No caso dos autos, a entidade patronal imputou ao trabalhador, na nota de culpa (e são os factos dela constantes que podem ser tidos como relevantes para o apuramento da invocada justa causa) a violação dos deveres de obediência, de zelo e de diligência e honestidade, subsumíveis ao conceito de justa causa nos termos do n.º 1 e das alíneas a) e d) do n.º 3 do art.º 396.º do CT, fundada, essencialmente, no seguinte:
- O autor exercia as funções de solicitador no Banco réu;
- Em Dezembro de 2002, o autor solicitou, ao réu, o pagamento do curso de solicitadores de execução, fundamentando-se na utilidade de tal curso para o exercício das suas funções no Banco;
- O réu acedeu a esse pedido porquanto o autor estava em regime de exclusividade de funções no Banco (não podia exercer actividade para outrem e a título particular), ficando o autor com a obrigação de prestar serviço ao réu durante três anos após a realização do curso;
- Veio a constatar-se que o autor passou a desdenhar das suas funções de solicitador do réu (atraso e falta de diligência no processamento das tarefas) e a dedicar-se à actividade de solicitador de execução por conta própria, tendo, no período de 14 de Abril de 2004 e 25 de Maio de 2004, 97 processos distribuídos.

Logo no despacho saneador foi decidido não ser de atender ao segmento da nota e culpa onde se alega que “veio a constatar-se que o autor passou a desdenhar das suas funções de solicitador do réu (atraso e falta de diligência no processamento das tarefas)” por se tratar de matéria conclusiva.
Daí que só possam ser atendíveis, para efeitos de determinação da existência de justa causa, os factos provados que constem da nota de culpa ou que esclareçam esses factos desde que as infracções imputadas permaneçam rigorosamente as mesmas, com exclusão da mencionada matéria conclusiva.

O recorrente pugna pela inexistência de justa causa por entender que:
a) - O pacto de exclusividade é nulo;
b) - Mesmo que se considere válido, terá havido revogação do mesmo por parte do autor;
c) - não se mostram provados (nem sequer foram alegados) factos donde resulte a ré ter sofrido qualquer lesão ou dano com a actividade não exclusiva exercida pelo autor, nomeadamente que o exercício da actividade de solicitador de execução tenha afectado ou pudesse afectar negativamente a actividade do autor enquanto trabalhador dependente do réu pelo que, mesmo a ter havido infracção, sempre o despedimento seria desproporcionado, e, portanto, ilegal, por violação do art.º 396.º do CT.

Analisemos cada uma das questões colocadas.
3.2.a) – O autor invoca a nulidade do pacto de exclusividade porque:
- o dever de exclusividade resulta do Código Deontológico do réu constituindo um regulamento interno que, não tendo sido comunicado à Inspecção Geral do Trabalho é inválido ou ineficaz, nos termos do art.º 154.º n.º 3 do CT;
- a finalidade do subsídio de exclusividade não está no interesse em que os trabalhadores não exerçam outra actividade e como forma de compensação dessa inibição, mas como modo de contornar as regras das remunerações e níveis constantes do ACTV para o sector bancário (defraudando a lei);
- constitui uma limitação a um direito de personalidade – o direito ao trabalho – que não está devidamente justificado;

Ficou assente nos autos que
- A Ré dirigiu ao Autor a carta datada de 1 de Setembro de 1998 (data do início do contrato de trabalho conforme cl.ª 12.ª do contrato assinado pelas partes e que consta de fls. 15 e 16 dos autos) cuja cópia consta de fls. 77, com o seguinte teor:
«Em complemento do Contrato de trabalho hoje celebrado com V. Exa., integrando-o na nossa instituição BANCO… SA, informamos o seguinte:
a) Atribuição de Subsídio de exclusividade mensal no valor de 30.000$00 (trinta mil escudos) (facto sob 5);
- Em 4 de Fevereiro de 1998 a Comissão executiva da Ré deliberou conforme consta do documento junto a fls. 7 do processo disciplinar, nomeadamente recomendando « a todos os colaboradores do Banco a leitura atenta e cuidada daquele documento – o Código de Conduta e Normas Deontológicas – e o respeito rigoroso no exercício das suas funções, por todas as normas nele contidas, atitudes que, se assumidas em plenitude, hão-de tornar o FNB e os seus profissionais distintos dos seus congéneres» (facto sob 14);.
- Esse Código é o que consta, em parte, do documento junto a fls. 8 e 9 do processo disciplinar, estabelecendo-se, no Capítulo II – Do exercício da actividade -, art. 16º, sob a epígrafe «exclusividade de funções», que:
« Dado o elevado grau de exigência e de responsabilidade das funções exercidas, bem como o rigor técnico e a transparência das decisões a tomar, a prestação de trabalho dos Colaboradores das Empresas do Grupo deverá ser efectuada em regime de exclusividade, com excepção daquelas situações que, casuisticamente, as Administrações respectivas venham a autorizar» (facto sob 15).
- Em 1 de Setembro de 1998 o Autor apôs a sua assinatura no documento junto, em cópia, a fls. 6 do processo disciplinar, documento com o seguinte teor:
«Declaro que tomei conhecimento do Código Deontológico do Banco…, e que me comprometo a actuar em conformidade» - facto sob 16.
- Em 18 de Abril de 2006 a Inspecção Geral do Trabalho certificou conforme consta do documento junto a fls. 258 dos autos, declarando que «não constam dos arquivos destes Serviços Regionais de Inspecção –Geral de Lisboa (...) quaisquer documentos relativos à submissão à aprovação, por parte do BANCO… SA (...), de um regulamento interno designado de Código de Conduta e Normas Deontológicas» (facto sob 49).
Partindo do pressuposto de que o Código Deontológico é um regulamento interno que não foi comunicado à Inspecção de Trabalho, retira o recorrente a conclusão de que se trata de regulamento interno nulo não obrigando, por isso, o autor ao dever de exclusividade.
Mas não tem razão.
Em primeiro lugar porque, nos termos da lei em vigor à data da aprovação desse denominado Código Deontológico – e à data da sua aceitação expressa pelo autor - a sanção para a não submissão a aprovação dos regulamentos internos à Inspecção de Trabalho era a aplicação de uma coima nos termos do n.º 2 do art.º 13.º do DL 491/85 de 26.11. – não cominando com a nulidade a falta dessa submissão a aprovação.
Em segundo lugar porque não ficou demonstrado que, no caso específico do autor, a atribuição do subsídio de exclusividade tivesse por finalidade defraudar a lei (contornar as regras das remunerações e níveis constantes do ACTV para o sector bancário).
E isso é, no caso dos autos, por demais evidente se tivermos em conta que:
- quando o autor subscreveu com a ré o contrato de trabalho datado de 30.07.98, estabeleceu-se, na cl.ª 4.ª, uma remuneração de acordo com o ACTV;
- só em 1.9.98 – data do início da execução do contrato e data em que o autor subscreveu o compromisso de exclusividade - a ré comunicou ao autor a atribuição do subsídio de exclusividade.
Daí que tudo leve a concluir que, no caso dos autos, a atribuição do subsídio de exclusividade estava conexionado com o compromisso de trabalho em exclusividade assumido pelo autor.
Em terceiro lugar porque o pacto de exclusividade foi expressamente aceite pelo autor, constituindo, como se escreveu em nota de rodapé na sentença ora em crise, citando Pedro Ramano Martinez, in Direito do Trabalho 2002, pág. 611 uma limitação voluntária dos direito de personalidade – e, como tal, legalmente admissível (art.º 81.º n.º 2 do CCivil).
O pacto de exclusividade não é, pois, nulo.

3.2.b) – o pacto pode ter sido revogado expressa ou tacitamente.
Entende o recorrente pode ter sido revogado expressamente (se o autor comunicou à entidade empregadora que exercia a actividade de solicitador de execução) ou por forma tácita.
O pacto de exclusividade é sempre revogável nos termos do art.º 81.º n.º 1 do CCivil.
Ficou assente que o autor passou a exercer a actividade de solicitador de execução por conta própria desde Setembro de 2003, sem que a ré disso tivesse conhecimento.
Está, assim, afastada a alegada revogação expressa do pacto de exclusividade.
E não existe, nos autos, qualquer indício de que o autor tenha pretendido revogar esse pacto de forma tácita porquanto, jamais deixou de receber a contrapartida – o subsídio de exclusividade que mensalmente lhe era entregue pela ré.
Queda, assim, improcedente a alegação do recorrente.

3.2.c) - não se mostram provados (nem sequer foram alegados) factos donde resulte a ré ter sofrido qualquer lesão ou dano com a actividade não exclusiva exercida pelo autor, nomeadamente que o exercício da actividade de solicitador de execução tenha afectado ou pudesse afectar negativamente a actividade do autor enquanto trabalhador dependente do réu, pelo que, mesmo a ter havido infracção, sempre o despedimento seria desproporcionado, e, portanto, ilegal, por violação do art.º 396.º do CT.
A sentença recorrida entendeu haver fundamento para o despedimento com justa causa, essencialmente, por ter considerado haver “quebra de confiança da entidade patronal no seu trabalhador, em face do modo de agir deste…” e “… ponderando o tipo de actividade exercida pelo Autor, de solicitador de execução, por confronto com as tarefas que lhe incumbiam enquanto trabalhador da Ré, como solicitador…”.

Vejamos, agora, se o apurado comportamento do autor constitui infracção e, na afirmativa, se essa infracção é de tal modo culposa e grave que seria inexigível à recorrida a manutenção da relação laboral.
Já concluímos que o recorrente exercia funções no Banco réu em regime de exclusividade, desde o início do contrato de trabalho (1998).
Exercia funções essencialmente administrativas e actividade de solicitador (curso que possui há mais de 10 anos estando inscrito na respectiva Câmara), nomeadamente tirava fotocópias e efectuava serviço externo, entregava documentos nas conservatórias, finanças, tribunais, consultava processos judiciais de cobrança, preenchia requerimentos de registo predial e formulava um ou outro requerimento de injunção, acções declarativas de cobrança simples e acções executivas também simples (factos sob 3 e 8).
-Em 2 de Dezembro de 2002 o Autor comunicou ao administrador do Serviço de Contencioso de Lisboa, Dr. T…, conforme consta de fls. 12 do processo disciplinar, referindo, nomeadamente, que:
«Como é do vosso conhecimento, está na forja a reforma do Código de Processo Civil nomeadamente uma alteração profunda no processo executivo.
A Câmara dos Solicitadores promoverá no próximo ano, a partir de 10 de Janeiro de 2003 um curso com vista a formar Solicitadores de Execução.
Pretendendo frequentar o referido curso, com vista a obter conhecimentos que possam ser úteis no âmbito das funções que exerço no BANCO… AS, venho à presença de V. Exa solicitar se digne apreciar o pagamento pelo Banco do referido curso.
O custo do referido curso é no montante global de €850,00 sendo o seu pagamento faseado da seguinte forma: (...)
Pede deferimento». (facto sob 10)
A Ré acedeu a tal pedido, e, na sequência (em 9 de Dezembro de 2002), o Autor e a Ré celebraram o acordo consubstanciado no documento junto a fls. 10 e 11 do processo disciplinar, clausulando conforme daí consta e, nomeadamente, que:
«O curso referido na cláusula anterior representa uma despesa extraordinária ou excepcional na valorização profissional do segundo outorgante» – clausula segunda;
«Nos termos do nº 3 do art. 36º do Dec. Lei 49 408 de 24 de Novembro de 1969, como compensação do investimento que o primeiro outorgante está a fazer na valorização profissional do segundo outorgante, este obriga-se a permanecer ao serviço do primeiro outorgante pelo prazo de três anos após a conclusão do curso»- cláusula terceira;
«Pode, no entanto, o segundo outorgante exonerar-se da obrigação de permanência assumida na cláusula anterior, desde que, reembolse o primeiro outorgante da soma das importâncias despendidas» - cláusula quarta.
(factos sob 11 e 12);
- O Autor frequentou o referido curso, pelo qual a Ré pagou a quantia de 850€ (facto sob 13).
- O Autor passou a exercer a actividade de solicitador de execução, por conta própria, desde 12 de Setembro de 2003, sem que a Ré disso tivesse conhecimento (factos sob 17 e 18).

São estes os factos essenciais que cumpre apreciar para decisão da eventual existência de justa causa de despedimento.
Não se mostra assente, em relação à matéria de facto constante da nota de culpa, que a ré acedeu ao pedido de pagamento do curso porque o autor estava em regime de exclusividade de funções.
O pedido de pagamento de frequência do curso foi efectuado pelo autor tendo em conta a obtenção de conhecimentos por parte deste, conhecimentos que podiam ser úteis no âmbito das funções que o autor exercia na ré”.
E, dada a resposta da ré, terá sido essa aquisição de conhecimentos com utilidade para a função que determinaram a decisão da entidade patronal de pagar o curso ao autor.
É certo que se poderá alegar que na decisão de pagamento do curso está, tacitamente subjacente, a exclusividade de funções, pelo que não seria necessário fazer alusão a essa exclusividade, porque era conhecida das partes. Mas não é menos certo que, em contrário, se pode alegar que, como o permite o Código Deontológico, sempre o autor poderia vir a requerer a autorização para exercer, também, funções por conta própria (lembremos que, à data do pedido de pagamento do curso, ainda não tinha saído a legislação sobre incompatibilidades do exercício de funções dos solicitadores de execução).
Daí que seja de concluir que, perante os factos assentes, o pagamento do curso teve em vista a valorização profissional do autor tendo em conta as funções que exercia na ré, ficando o autor obrigado a permanecer ao serviço da ré pelo prazo de três anos, ou, no caso de pretender desvincular-se da obrigação de permanência, ter de reembolsar a ré dos montantes despendidos.
Por outro lado, na nota de culpa, a entidade empregadora imputa ao autor a violação dos deveres de obediência, diligência e honestidade, que acabou por subsumir às als. a) e d) do n.º 3 do art.º 396.º do CT, comportamentos que foram essenciais para conduzir à impossibilidade prática da subsistência da relação laboral.
Os referidos normativos têm a ver com:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado;

Dos autos não se mostra que o recorrente tenha, por virtude de não cumprir o contrato de trabalho em termos exclusivos, procedido com menor diligência em relação aos seus deveres profissionais para com a ré – ficando, desde logo, prejudicado o invocado “desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo.
Também se não vê que tenha desobedecido a ordens dadas pelos superiores.
Mas não restam dúvidas de que houve, da parte do autor, violação da cláusula de exclusividade, acumulando, com as funções para que se comprometera com a recorrida, as funções inerentes à própria actividade de solicitador de execução por conta própria – o que se verificou.
Mas será que esta violação é suficiente para fundar o despedimento com justa causa?
Entendemos que não.
O autor jamais deixou de cumprir com as suas obrigações funcionais (pelo menos nada se provou nesse aspecto) para com a ré, nem existem indícios de que esta não tenha aproveitado a maior valorização do autor com a realização do curso de solicitador de execução.
A motivação constante do documento subscrito pela ré para custear o pagamento do curso que o autor frequentou funda-se na obrigação de permanência do autor ao serviço da ré pelo prazo de três anos – e, não, no pacto de exclusividade. Deste modo, parece-nos que a gravidade da violação do pacto de exclusividade por parte do autor não aumentou pelo facto de ter sido a ré a custear o pagamento do curso. Pelo investimento efectuado, a ré não exigiu exclusividade – que já existia antes da frequência do curso de solicitador de execução – mas, apenas, e como “compensação”, a permanência ao serviço pelo prazo de três anos após a conclusão do curso (factos sob 11 e 12).
E esse dever não foi violado pelo autor.
Assim, e para efeito de eventual preenchimento do conceito de justa causa para despedimento, apenas temos a violação pura e simples da cláusula de exclusividade a que as partes submeteram a prestação do serviço desde o início da relação laboral – Setembro de 1998.
A cláusula de exclusividade pode estar associada ao dever de lealdade a que se refere, hoje, o art.º 121.º n.º 1 al. e) do CT, quando o fundamento dessa exclusividade seja a proibição de concorrência.
No caso dos autos, tendo em conta o fundamento genérico da exclusividade de funções a que se refere o art.º 16.º do Código Deontológico (« Dado o elevado grau de exigência e de responsabilidade das funções exercidas, bem como o rigor técnico e a transparência das decisões a tomar, a prestação de trabalho dos Colaboradores das Empresas do Grupo deverá ser efectuada em regime de exclusividade, com excepção daquelas situações que, casuisticamente, as Administrações respectivas venham a autorizar»), não parece que a ré tenha querido a dedicação exclusiva com fundamento em eventual perigo de concorrência – tanto mais que deixa antever a possibilidade “pluriemprego” de trabalhadores desde que a administração venha a autorizar.
E, do desenvolvimento das funções de solicitador por conta da entidade empregadora e de solicitador de execução por conta própria também se não vê que exista esse tal perigo de concorrência ou qualquer outra forma de deslealdade.
Há, pura e simplesmente, a violação por parte do trabalhador de um dos deveres a que a entidade empregadora sujeitava os “Colaboradores das Empresas do Grupo” através da assinatura de um de compromisso de cumprimento do “Código Deontológico”, onde constava a cláusula de exclusividade.
Essa violação não pode deixar de ter-se como culposa, já que o trabalhador assinou documento em que declarou que tomou conhecimento do Código Deontológico do Banco…, comprometendo-se a actuar em conformidade.
É, pois, comportamento merecedor de sanção.
Contudo não se vê na actuação do trabalhador uma tal gravidade que ponha em causa a relação laboral – tanto mais que não vem associada ao comportamento do trabalhador qualquer consequência nefasta para a entidade patronal.
É certo que, com a entrada em vigor do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (DL 88/2003 de 28 de Abril) as funções de solicitador de execução são incompatíveis com as funções de solicitador que o autor desempenhava na ré – mas isso seria, eventualmente, uma questão que poderia conduzir à caducidade do contrato de trabalho (ou a um eventual processo disciplinar na Câmara dos Solicitadores) mas, não, a uma justa causa de despedimento.
A ré/recorrida dá-se conta, nas alegações, da fragilidade da justa causa invocada, tendo necessidade de apresentar argumentos que nada têm a ver com a nota de culpa (ludibriou a ré fazendo-a pagar um curso para efeitos particulares; não podia cumular funções de solicitador com as de trabalhador bancário; incompatibilidade de horários no exercício simultâneo das duas funções…).
Acresce que ficou assente que existiam outros trabalhadores (pelo menos o Sr. Dr. J… e a Sr:ª Dr.ª A.), que recebiam mensalmente o subsídio de exclusividade (como o autor) e exerciam igualmente actividade profissional fora do Banco, com conhecimento da ré, que não agiu disciplinarmente contra os mesmos.
Entendemos, por isso, que o despedimento proferido pela ré/recorrida, foi sanção excessiva, sendo, por isso, ilícito por inexistência de justa causa.
(…)


IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento parcial ao recurso, decidindo-se
A – (…)
B – (…)
C - Julgar ilícito o despedimento do autor por inexistência de justa causa condenando-se a ré a pagar ao autor:
- a título de indemnização por antiguidade, a quantia que se vier a apurar em execução de sentença tendo em conta a data de entrada do recorrente ao serviço da recorrida (1.9.1998), o trânsito em julgado do acórdão condenatório e o a retribuição base mensal a apurar também em execução de sentença;
- as retribuições vencidas desde 30 dias antes da entrada da acção (ou seja, em 22.03.2004) e até ao trânsito em julgado do acórdão final, tendo em conta, também, a retribuição mensal auferida pelo recorrente e a apurar em execução de sentença

Ao montante assim apurado deduzem-se as importâncias que o trabalhador tiver comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; o montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador é também deduzido na compensação, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

No que, demais, lhe vinha pedido, vai a recorrida absolvida.

Custas em ambas as instâncias por autor e ré na proporção de 2/3 para o autor/recorrente e 1/3 para a ré.

Lisboa, 2 de Maio de 2007

Natalino Bolas
Leopoldo Soares
Seara Paixão