REMESSA A CONTA
Sumário

I - Na pendência de execução, chegando o exequente à conclusão de que o executado não tem mais bens penhoráveis conhecidos, apesar do dinheiro depositado já penhorado ser claramente insuficiente para o pagamento, sequer das custas, nada mais pode aquele fazer que requerer que os autos vão à conta, nos termos do artigo 51º nº1 e do artigo 57º nº1 do CCJ, para se proceder à aplicação da quantia penhorada.
II - Não se conhecendo mais bens a penhorar e existindo quantias depositadas nos autos a favor do exequente, nada mais há que requerer ou ordenar, sob o ponto de vista processual, pelo que não se afigura correcto deixar (tacitamente) o processo aguardar que passassem os cinco meses, a que alude o mencionado art. 51º nº 2 a. b), para então ir (forçosamente) à conta, até porque tal seria uma espera ou um acto inútil, o que contraria o princípio de economia processual de que está eivado o processo civil (v.g. art. 137º do C.P.Civil).
F.G.

Texto Integral

Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA:

Inconformada com o despacho que, na execução para pagamento de quantia certa por ela instaurada contra R e mulher MARIA, indeferiu um seu requerimento no qual requeria que, por não ter conhecimento da existência de mais bens ou valores penhoráveis pertencentes aos Executados, os autos fossem remetidos à secção central para efeitos de se proceder à liquidação, a Exequente BANCO, S.A., interpôs recurso do mesmo, que foi recebido como de agravo, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:

“1. Com o disposto no artigo 51°, n.° 2, alínea b), do Código das Custas Judiciais, pretende-se prevenir a inércia da parte motivada por negligência ou desleixo, ou seja, pela falta de exigível diligência.

2. A prática de acto processual adequado e oportuno interrompe o prazo consignado naquelas disposições legais.

3. Não se conhecendo outros bens ou valores ao executado, para além do j á. penhorado, o único comportamento processual útil da exequente é, como o fez, requerer a remessa dos autos a. conta, para liquidação.

4. Deveria, pois, o Senhor Juiz a quo ter deferido o pedido formulado pela exequente, da remessa dos autos à conta, para liquidação.

5. Ao indeferir o requerido, o Senhor Juiz a quo violou, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 264°, 916° 919° do Código de Processo Civil e, ainda, os artigos 9° e 47°, n.° 3 do Código das Custas Judiciais.

6. Consequentemente, deve ser concedido provimento ao presente recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se ao Senhor Juiz rs quo que, deferindo ao requerido, ordene a remessa dos autos à conta, para liquidação, como é de inteira JUSTIÇA”.

Não houve contra-alegações.

O Exmº Sr. Juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, no qual manteve inalterado o despacho objecto do agravo interposto pela Exequente.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


A DECISÃO RECORRIDA

O despacho que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor:

“Fls. 188:

Os valores penhorados são insuficientes sequer para garantir o pagamento das custas da presente execução. Assim, não obstante o ora referido, indefere-se ao requerido.

Notifique, sendo a exequente para, querendo, requerer o que tiver por conveniente para o prosseguimento da execução, sem prejuízo do disposto nos artigos 51º, nº 2, al. b) do C.C.J. e 285º do CPC.”.


O OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2).

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º)(3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo ora Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma única questão: Se, quando os bens penhorados numa execução são manifestamente insuficientes para assegurar o pagamento da quantia exequenda e das próprias custas da execução e o exequente alegue desconhecer a existência doutros bens susceptíveis de penhora, o processo deve ou não ser remetido à conta para liquidação dos bens ou valores até então penhorados ou, pelo contrário, deve continuar a aguardar o impulso processual do exequente, sendo remetido à conta nos termos do art. 51º, nº 2, al. b), do Código das Custas Judiciais, isto é, com custas a cargo do exequente, caso este nada volte a requerer com vista à penhora de outros bens do excutado.


FACTOS PROVADOS

Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo:

1) A ora recorrente, tendo intentado contra os ora recorridos acção declarativa com processo ordinário, que foi julgada procedente e provada, e não tendo os RR na dita acção, executados nos autos em que foi proferido o despacho ora em recurso, pago ao A., aqui recorrente, as importâncias que pela referida sentença foram condenados, solidariarnente entre si, a pagar-lhe, instaurou contra os mesmos requereu a competente execução de sentenca.

2) No requerimento ou petição inicial a Exequente, ora Agravante, de imediato nomeou bens à penhora, penhora essa que foi ordenada.

3) Após vicissitudes várias, apenas se conseguiu proceder à penhora dum veiculo automóvel pertença dos executados.

4) Afirmando desconhecer a existência de outros bens ou valores penhoráveis aos executados, ora recorridos, veio a ora recorrente, exequente nos autos onde foi proferido o despacho recorrido, a neles apresentar, em 12/10/2006, um requerimento do seguinte teor: "tendo sido notificado da junção aos autos do documento de fis. 157, vem, atento o que do mesmo consta, e porque não tem conhecimento da existência de outros bens ou valores penhoráveis pertencentes aos executados, requer a V. Exa. que se digne ordenar a remessa dos autos à Secçato Central, para efeitos de se proceder a liquidação."

5) Sobre o referido requerimento veio a recair o despacho ora em recurso, no qual a requerida remessa dos autos à conta foi indeferida, por os valores penhorados serem insuficientes para garantir o pagamento das custas, tendo-se ordenado que os autos aguardassem o impulso processual do exequente, sem prejuízo do disposto no art. 51º, nº 2, al. b), do Cód. das Custas Judiciais e no art. 285º do Código de Processo Civil.


O MÉRITO DO AGRAVO

Se, quando os bens penhorados numa execução são manifestamente insuficientes para assegurar o pagamento da quantia exequenda e das próprias custas da execução e o exequente alegue desconhecer a existência doutros bens susceptíveis de penhora, o processo deve ou não ser remetido à conta para liquidação dos bens ou valores até então penhorados ou, pelo contrário, deve continuar a aguardar o impulso processual do exequente, sendo remetido à conta nos termos do art. 51º, nº 2, al. b), do Código das Custas Judiciais, isto é, com custas a cargo do exequente, caso este nada volte a requerer com vista à penhora de outros bens do excutado.

Trata-se de saber se, em caso de insuficiência dos bens já penhorados para garantir o pagamento da quantia exequenda e das próprias custas da execução, devem os autos, ainda assim, continuar a aguardar o impulso processual do exequente, debaixo da cominação prevista no art. 51º, nº 2, al. b), do Cód. das Custas Judiciais, ou, pelo contrário, devem ser remetidos à conta, sem mais, para efeitos de se proceder à liquidação.

O Ac. desta Rel. de Lisboa de 15/3/2001, relatado pelo Desembargador CORDEIRO DIAS e proferido no Proc. nº 0026342 (cujo sumário consta da Base de dados do Ministério da Justiça e pode ser consultado no sítio www.dgs.pt) entendeu que: «na pendência de execução, chegando o exequente à conclusão de que o executado não tem mais bens penhoráveis conhecidos, apesar do dinheiro depositado já penhorado ser claramente insuficiente para o pagamento, sequer das custas, nada mais pode aquele fazer que requerer que os autos vão à conta, nos termos do artigo 51º nº1 e do artigo 57º nº1 do CCJ, para se proceder à aplicação da quantia penhorada.» .

Na mesma linha, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10/7/1997, relatado pelo Conselheiro ROGER DA CUNHA LOPES e proferido no Proc. nº 97B470 (cujo sumário consta da Base de dados do Ministério da Justiça e pode ser consultado no sítio www.dgs.pt) considerou que: «se o valor dos bens penhorados e vendidos é insuficiente para que a execução possa ser julgada extinta pelo pagamento, é de deferir o requerimento em que o exequente pede que o processo seja remetido à conta por desconhecer a existência de outros bens».

Adentro da mesma orientação, o Ac. da Rel. do Porto de 17/3/1998, relatado pelo Desembargador LEMOS JORGE e proferido no Proc. nº 9820166 (cujo sumário consta da Base de dados do Ministério da Justiça e pode ser consultado no sítio www.dgs.pt) observou que: «em execução para pagamento de quantia certa, na qual foram penhorados e vendidos alguns bens, cujo produto é insuficiente para pagamento das custas e da quantia exequenda, e alegando o exequente o desconhecimento da existência de outros bens penhoráveis, deve ordenar-se a suspensão da instância e a remessa dos autos à conta para apuramento das custas devidas e pagamento destas e da quantia exequenda, até onde for possível» .

Em sintonia com o entendimento adoptado nos arestos anteriorente citados, o Ac. da Rel. do Porto de 11/12/2001, relatado pela Desembargadora TERESA MONTENEGRO e proferido no Proc. nº 0121492 (cujo sumário consta da Base de dados do Ministério da Justiça e pode ser consultado no sítio www.dgs.pt) decidiu que: «quando um credor instaura uma execução e não consegue cobrar o seu crédito por inexistência de bens, ou de bens conhecidos, do devedor, não é o credor que dá causa às custas da execução, mas sim o devedor, nada impedindo que os autos vão à conta se o valor dos bens penhorados for inferior ao montante provável das custas da execução e sendo a cobrança destas já da competência do Ministério Público» .

Em abono desta orientação tem-se invocado que, embora o princípio geral de realização de uma única conta (consagrado no art. 50º do Código das Custas Judiciais), apenas sofra as excepções que se indicam na als. a), b) e c) do nº 2 do art. 51º do mesmo diploma, sendo que os casos de elaboração de conta provisória previstos nas suas alíneas b) e c) não têm, patentemente, qualquer relação com o caso vertente e este também se afasta da previsão da norma da alínea a) (a qual impõe a verificação cumulativa da suspensão do processo e de uma determinação do juiz no sentido da realização da conta), visto que, não se encontrando suspensa a instância, parece evidente que, mesmo que quisesse, o juiz não poderia mandar elaborar a conta a que se refere essa disposição, isso não tira que os fundamentos invocados pelo exequente no sentido do envio dos autos à conta podem e devem conduzir à suspensão da instância e à consequente determinação de elaboração da conta(5).

«É que, não se conhecendo mais bens a penhorar e existindo quantias depositadas nos autos a favor do exequente, nada mais haveria que requerer ou ordenar, sob o ponto de vista processual», pelo que «não se afigura correcto deixar (tacitamente) o processo aguardar que passassem os cinco meses, a que alude o mencionado art. 51º nº 2 a. b), para então ir (forçosamente) à conta, até porque tal seria uma espera ou um acto inútil, o que contraria o princípio de economia processual de que está eivado o processo civil ( v.g. art. 137º do C.P.Civil)», sendo certo que, «para que o exequente possa satisfazer o seu crédito, será necessário proceder à conta com vista a proceder à liquidação das quantias depositadas a seu favor»(6)(7).

Donde que a elaboração da conta (provisória) por que pugna a Exequente ora Agravante se encontra justificada, não podendo, consequentemente, subsistir a decisão recorrida.


DECISÃO

Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que mande suspender a instância e ordene a remessa dos autos à conta.

Sem custas.

Lisboa, 8/5/2007

Rui Torres Vouga (Relator)

Carlos Moreira (1º Adjunto)

Isoleta Almeida Costa (2º Adjunto)

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1 - Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.

2 - Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).

3 - O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).

4 - A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).

5 - Cfr., explicitamente neste sentido, o Ac. da Rel. de Coimbra de 16/11/2004, relatado pelo Desembargador GARCIA CALEJO e proferido no Proc. nº 2667/04 (cujo texto integral consta da Base de dados do Ministério da Justiça e pode ser consultado no sítio www.dgs.pt).

6 - Cit. Ac. da Rel. de Coimbra de 16/11/2004.

7 - Cfr., também no sentido de que, «quando o exequente e os credores reclamantes cujos créditos tenham sido admitidos, verificados e graduados não obtêm o pagamento integral dos seus créditos, por os bens penhorados serem insuficientes e se desconhecer a existência de outros bens penhoráveis, não faz qualquer sentido que o exequente não integralmente satisfeito fique a aguardar ad æternum que o executado venha a ter melhor fortuna», pelo que, «nestes casos, se o exequente não quer desistir da instância ou do pedido ou não tem em vista contratar qualquer remissão com o executado (art.º 863º do Cód. Civil), não tendo havido qualquer penhora, pode requerer imediatamente que o processo seja remetido à conta para liquidação das custas em dívida», o Ac. da Rel. de Lisboa de 10/2/2004, relatado pelo Desembargador ARNALDO SILVA e proferido no Proc. nº 9557/2002-7 (cujo texto integral consta da Base de dados do Ministério da Justiça e pode ser consultado no sítio www.dgs.pt).