CRÉDITO AO CONSUMO
JUROS
CLÁUSULA PENAL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Sumário

I- No âmbito de contrato de crédito ao consumo com inclusão de cláusulas contratuais gerais, celebrado por instituição de crédito, não desrespeita o disposto no artigo 1146.ºdo Código Civil a estipulação de uma taxa de juro de 26,03% pois a lei admite que os limites contemplados naquele artigo 1146.º do Código Civil sejam afastados tratando-se de operações de crédito celebradas por instituições de crédito ou parabancárias (artigos 5.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 344/78, de 17 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.º 83/86, de 6 de Maio e 204/87, de 16 de Maio em conjugação com o Aviso do Banco de Portugal 3/93.
II- Não é desproporcionada relativamente aos danos a ressarcir (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, artigo 19.º, alínea c)) a cláusula penal resultante de estipulação segundo a qual “ em caso de mora, e sem prejuízo do número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais”
III- Para se considerar, em concreto, se ocorre ou não a referida desproporção, importa atender ao tipo de financiamento concedido, ao prazo de pagamento, à percentagem de incumprimentos, riscos que a entidade financiadora corre que justificam o aludido acréscimo percentual.

(SC)

Texto Integral

Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

     T.[…] SA, actualmente designado B.[…] SA demandou no tribunal cível de Lisboa António ]…] e J.[…] pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de Esc. 924.462$00, acrescida de Esc. 186.344$00 de juros vencidos até à data da propositura da acção (em 22/8/1997), de Esc. 10.374$00 de imposto de selo sobre esses juros e ainda os juros que sobre a dita quantia  de Esc. 924.462$00 se vencerem, à taxa anual de 30,03%, desde 23/8/1997, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair.
          
Alegou, no essencial, que celebrou com o réu António  um contrato  de  mútuo,  através  do  qual lhe emprestou a  importância de Esc. 900.000$00, com juros à taxa nominal de 26,03% ao ano, destinado à aquisição de um veículo automóvel, tendo ficado acordado o pagamento em 48 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 20/5/1995 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes; ficou ainda acordado uma cláusula penal que fazia acrescer a taxa de juro contratual em 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 30,03%, em caso  de mora do R.
           
No entanto, o R. não pagou a 20ª prestação, vencida a 20/12/1996, nem as seguintes, pelo que todas se venceram, no valor global de Esc. 924.462$00.
       
A esta quantia acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa anual de 30,03%, somando os juros vencidos, desde 20/12/96 até 22/8/97, Esc. 186.344$90.
        
Sobre os juros incide ainda o imposto de selo, à taxa de 6% ao ano até 30/6/1997, e de 4% a partir de 1/7/1997.
       
O empréstimo reverteu em proveito comum do casal, pelo que a ré J.[…]  é solidariamente responsável pelo pagamento da dívida, tendo inclusivamente assinado o contrato de mútuo e a autorização de débito em conta bancária do réu António.                
 Os réus contestaram, formularam pedido de apoio judiciário e  concluíram pela sua absolvição do pedido.

Alegaram em síntese que a partir de Dezembro de 1996, o réu marido, por motivos de doença, deixou de poder conduzir veículos automóveis, pelo que entregaram o veículo à sociedade “B.[…] Lda.”, que lhes tinha vendido o veículo.
       
A sociedade comprometeu-se a adquirir-lhes o veículo contra o pagamento à T.[…] das prestações em falta, tendo-lhes entregue uma declaração de assunção de responsabilidade pelo pagamento da dívida.
      
A T.[…] concordou com esta solução.

Os réus são pessoas que vivem com dificuldades financeiras.

Posteriormente, requereram a intervenção provocada da sociedade “B.[…]Lda.”.

O autor opôs-se à intervenção.
    
A intervenção foi admitida e ordenada a citação da sociedade a qual se remeteu ao silêncio.
    
Deste despacho de admissão o autor agravou concluindo pela inadmissibilidade da intervenção provocada por inexistência dos pressupostos do art. 325 CPC.
    
Não foram deduzidas contra-alegações.    
        
 Foi proferida sentença a julgar a acção procedente, condenando os réus, solidariamente, a pagar ao autor Banco ..., S.A. a quantia objecto do pedido, ou seja, € 4.611,20 (Esc. 924.462$00), a título de capital, € 929,48 (Esc. 186.344$90), a título de juros vencidos até 22/8/97, € 51,75, a título de imposto de selo sobre esses juros e nos juros vencidos e vincendos desde 23/8/97, à taxa de 30,03%, até integral pagamento, bem como o correspondente imposto de selo.
Inconformados os réus apelaram e formularam as conclusões de fls. 272 a 284, na qual suscitam, em síntese, as seguintes questões:

1ª - As taxas de juro constantes do contrato são nulas, por usurárias, atentatórias do princípio da boa-fé na celebração dos contratos – arts. 227 e 1146 CC.
2ª - O contrato de mútuo celebrado é um contrato de adesão, subordinado ao regime jurídico do DL 446/85 de 25/10.

3ª - As cláusulas - taxas de juro e cláusula penal – são nulas, por manifestamente exageradas e desproporcionadas relativamente aos danos a ressarcir - arts. 12 e 19 c) DL 446/85 de 25/10.

Foram deduzidas contra-alegações pelo autor, pugnando pela manutenção da decisão.

Colhidos os vistos, cabe decidir.

São os seguintes os factos que a 1ª instância considerou assentes:

1 – A autora é uma sociedade financeira para aquisições a crédito.
2 - No exercício da sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada pelo réu marido, à aquisição de um veículo automóvel, a autora, por contrato constante de título particular datado de 20 de Abril de 1995, concedeu ao réu, crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado ao réu a importância de Esc. 900.000$00.
3 - Nos termos do contrato assim celebrado entre a autora e o réu marido, aquela emprestou a este a dita importância de Esc. 900.000$00, com  juros  à    taxa    nominal   de 23,03 %   ao   ano,   devendo   a    importância do empréstimo, e os juros referidos, ser paga, nos termos acordados, em 48 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 20 de Maio de 1995 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes.

4 - De harmonia com o acordado entre as partes a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga – conforme ordem irrevogável logo dada pelo réu marido para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pela ora autora.

5 – A falta de pagamento de qualquer das referidas prestações, na data do respectivo vencimento, implicava poder, de imediato, a autora haver e considerar vencidas todas as demais prestações, ou seja, todas as obrigações decorrentes do referido contrato, como o fez e comunicou ao réu marido.

6 – Foi acordado entre a autora e o réu marido que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 26,03% -  acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja,  um juro à taxa anual de 30,03%.

7 - O réu marido, das prestações referidas, não pagou a 20ª e  seguintes, vencida a primeira em 20 /12/1996, vencendo-se, então, todas.

8 – O réu marido não providenciou às transferências bancárias referidas – que não foram feitas para pagamento das ditas prestações, nem o referido réu, ou quem quer que fosse, as pagou à autora.

9 - O valor de cada prestação era de Esc. 31.878$00.


10 – O total das prestações em débito pelo réu marido à autora ascende a Esc. 924.462$00.

11 – O empréstimo destinou-se à compra do veículo para satisfação das necessidades do casal, constituído pelo réu e pela ré.

12 – O réu marido pagou até 20/12/96 as prestações respeitantes ao contrato celebrado com a autora para aquisição do veículo […].
13 – Não pagou as restantes porque entregou o referido veículo à entidade que lho tinha vendido, a sociedade “B.[…] .

14 – Em Dezembro de 1997 e por motivos de doença, o réu marido viu-se na impossibilidade de conduzir veículos.

15 – O réu marido expôs a sua situação de entrega do veículo aos Srs. V.[…] e P., do stand ]…].

16 – O réu marido entregou o veículo e os respectivos documentos ao Stand […].
17 – A T.[…] enviou ao réu cartas para cobrar as prestações em dívida.

18 – O réu marido foi falar com os sócios do stand […] para saber o que se passava.

19 – O réu marido exigiu uma declaração dos sócios do stand […] para confirmar que já não tinha qualquer responsabilidade quanto àquele crédito.

20 – Em 20/3/1997, os sócios da sociedade “B.[…] Lda.” entregaram-lhe a declaração de fls. 29.

21 – O réu marido não pagou a 20ª prestação e seguintes. 
    
Atentas as conclusões dos apelantes António […] e J.[…] e do agravante Banco […] SA (apelado) que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, as questões a decidir consistem em saber, quanto à apelação, se, no contrato de mútuo, os juros acordados bem como a cláusula penal, são nulos e, quanto ao agravo, inexistência dos pressupostos do art. 325 CPC – intervenção provocada.
Apreciaremos em primeiro lugar a apelação – art. 710 CPC.  

 Vejamos, então:
       
Nos termos do art. 710 CPC, procederemos à apreciação, em primeiro lugar, do agravo.    

Vejamos, então:
          
É admissível a intervenção provocada da sociedade “B, Lda.”?

Os réus solicitaram a intervenção provocada da sociedade como sua associada, alegando que esta tem um interesse igual ao seu.
Dispõe o art. 325 nº1 CPC que: “Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.
E o nº 3 que: “O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar”.

O incidente de intervenção principal provocada, na sua actual configuração normativa (reforma de 1995, DL 329-A de 12/12), abarca não só as hipóteses de intervenção principal provocada regulada no art. 336 CPC – “pode também qualquer das partes chamar os interessados a quem se reconhece o direito de intervir, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária” – como também as situações susceptíveis de integrar o pretérito chamamento à demanda, tipificadas no art. 330 CPC – a) “quando o fiador quisesse fazer intervir o devedor, nos termos do art. 641 CC” ou, b) “quando, sendo vários os fiadores, aquele que fosse demandado quisesse fazer intervir os outros, para com ele se defenderem ou serem conjuntamente condenados”, ou ainda, c) quando o devedor solidário, demandado pela totalidade da dívida, quisesse fazer intervir os outros devedores” ou finalmente, d) quando, sendo demandado um dos cônjuges por dívida que houvesse contraído, quisesse fazer intervir o outro cônjuge para o convencer que também é responsável - , e ainda quando, nos casos de cumulação subjectiva subsidiária, regulados no art. 31-B CPC, o autor chame a intervir como réus os terceiros contra quem pretende formular pedido subsidiário.
Este incidente de intervenção provocada engloba “todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores, ou quando existam garantes da obrigação a que a acção se reporta, tendo o réu interesse atendível em os chamar à demanda, quer para propiciar defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou sub-rogação que lhe possa assistir” – do relatório do DL 329-A/95 de 12/12.   

Apesar dos réus não terem mencionado expressamente, no seu requerimento, a causa do chamamento e justificado o seu interesse, ressalta à saciedade, atenta a sua defesa, em sede de contestação, que pretendem responsabilizar a sociedade pelo não pagamento das prestações ao autor.

Os réus pretendem, com a intervenção provocada da sociedade, não só permitir e propiciar uma defesa conjunta, como também acautelar o seu eventual direito de regresso ou sub-rogação.

Assim, verificados estão os pressupostos do art. 325 CPC, pelo que improcede a conclusão do agravante.

Apreciando a apelação.

As taxas de juro são usurárias?

O contrato em questão é um contrato de crédito ao consumo – art. 2º do DL 359/91 de 21/9, também qualificado como de adesão, com inclusão de cláusulas contratuais gerais – art. 1º DL 446/85 de 25/10.

 É um contrato de mútuo (oneroso) – art. 1142 CC.

 É um contrato celebrado por uma instituição de crédito ou parabancária – operação de crédito – art. 1º DL 344/78 de 17/11 (alterado pelos DL 83/86 de 6/5 e 204/87 de 16/5.   
Estipula o art. 405 CC – “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos  diferentes dos previstos neste código ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.”

O dever de os negociadores agirem de boa-fé é expressamente previsto no art. 227 CC - “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Dispõe o art. 1146 CC – “ É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real”.

E o nº 2 – “É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo relativamente ao tempo de mora, mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real”.

O presente contrato de mútuo foi celebrado por uma instituição de crédito ou parabancária.

As operações de crédito celebradas por instituições de crédito ou parabancárias – arts. 5º e 7º DL 344/78 de 17/11, alterado pelos DL 83/86 de 6/5 e 204/87 de 16/5, em conjugação com o Aviso do Banco de Portugal 3/93 - , afastam os limites impostos pelo art.1146 CC.

Por outro lado, apesar do art. 560 CC proibir o anatocismo, ou seja, a proibição dos juros renderem juros, chamada capitalização dos juros – os juros anteriormente vencidos são transformados em capital, ressalva-se, que hoje em dia, os juros de juros, adquiriram estatuto de uso bancário, permitido pelo art. 560/3 CC e que o art. 7nº 2 do DL 344/78 de 17/11, na redacção do art. 2 DL 83/86 de 6/5, consente – “ A cláusula penal devida por virtude da mora não pode exceder o correspondente a 4 pontos percentuais acima das taxas de juro compensatórias”.
      
Não obstante a taxa de juro ser elevada, e a cláusula penal pesada, o certo é que o réu marido aceitou celebrar o contrato, apondo nele a sua assinatura.
         
Tendo em atenção os artigos citados, e dentro do âmbito da liberdade contratual, as taxas de juro contratualmente acordadas – juros compensatórios (26,03%) e sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal (30,03%) -, ainda que elevadas, são válidas e não violam o princípio da boa-fé.
    
A cláusula penal constante do contrato - “em caso de mora, e sem prejuízo do nº anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais”  e a taxa de juro acordada de “26,03%” – são proibidas pelo art. 19 c) DL 446/85 de 25/10?

Um dos princípios básicos do direito privado é o da liberdade contratual, já mencionada.

No entanto, existem obstáculos à mesma, i. é, não se pode falar em liberdade contratual se houver ausência concreta de discernimento ou de liberdade a respeito da celebração, se existirem  divergências entre a vontade real e a declarada – erro, dolo, falta de consciência da declaração, 
coacção, incapacidade acidental, simulação, reserva mental ou da não seriedade da declaração.

A experiência jurídica leva-nos à conclusão da existência de   cláusulas que, quando inseridas, em contratos, se tornam nocivas ou injustas.

Consequentemente, surgiram as proibições, entre outros, dos negócios usurários, pactos leoninos, pactos comissórios e, em termos mais genéricos, aos actos contrários à lei, à ordem pública ou aos bons costumes.
O eixo fulcral do sistema de fiscalização das cláusulas é constituído pelo princípio da boa-fé – art. 15 do DL 446/85 de 25 /10 – surgindo as cláusulas proibidas como concretização, de valor meramente exemplificativo, da intencionalidade valorativa contida nesse princípio.
Ainda que a lei não o mencione expressamente, no seu espírito subjaz a ideia da existência de um adequado equilíbrio contratual de interesses, ou seja, uma adequada e básica ponderação de interesses, uma  ideia de razoabilidade, bem como um juízo de ajustada ou desajustada repartição de direitos e de deveres – cfr. Almeno de Sá – Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre as Cláusulas Abusivas – 59 e sgs.
Tudo isto terá que ser avaliado e ponderado dentro do contexto de cada contrato.
Estipula o art. 19 c) DL 446/85 de 25/10 que: São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.

Esta proibição é relativa, ou seja, determinada cláusula inserta num contrato de adesão é susceptível de ser válida para determinados contratos e inválida para outros – cfr. Almeida Costa - Meneses Cordeiro in “Cláusulas Contratuais Gerais” – 46.     

Tudo depende do resultado de um determinado juízo valorativo.
Esta valoração não pode nem deve ser feita casuisticamente, i. é, em relação ao facto concreto a julgar, mas sim, a partir das cláusulas, de per si e inseridas no seu todo, ou seja, encaradas no seu conjunto.
O contrato em questão é um contrato de crédito ao consumo.

Neste contrato tipo, contrato de adesão -  formulário preparado pela autora - os clientes só podem aderir.

A cláusula 8ª respeita à mora e cláusula penal.
          
Juro é uma quantidade de coisas fungíveis que pode exigir-se como rendimento de uma obrigação de capital, em proporção ao valor do capital e ao tempo durante o qual se está privado da sua utilização.
           
O juro traduz-se num rendimento do capital em função do tempo,    vão nascendo à medida que o tempo decorre.
Os juros moratórios traduzem a indemnização por retardamento no cumprimento da obrigação.
            
Os juros remuneratórios têm carácter retributivo ou sinalagmático, constituindo a contraprestação onerosa pela cessão do capital ao longo do tempo – o credor está privado da utilização do capital; constituem uma remuneração pela indisponibilidade do capital mutuado, só se mantém até ao momento do vencimento da restituição desse capital; vencida essa obrigação, deixa de haver lugar à remuneração pela indisponibilidade do capital.

Estamos no domínio da actividade financeira e as instituições financeiras visam o lucro.

Com o crescimento exponencial do consumo, desacompanhado dos recursos financeiros, os consumidores recorrem bastas vezes ao crédito ao consumo, não obstante as elevadas taxas de juro remuneratório e dos encargos pesados que têm que suportar, em caso de incumprimento.

Num contrato deste tipo a instituição financeira empresta uma soma de dinheiro, sabendo que o respectivo pagamento total só irá ter lugar ao fim de 4 anos, pelo que a elevada taxa de juros remuneratórios visa, exactamente, fazer face a tal período de tempo.

Tendo em atenção que a taxa máxima permitida para as operações activas de instituições bancárias, no que concerne aos juros de mora, foi de 19,5% em 87, 18,5% em 87, 18% em 88, antes da suspensão de tal limite máximo, Aviso 3/93 do Banco de Portugal, não se pode considerar desproporcionada em relação aos valores praticados usualmente neste tipo de operações.

Acresce ainda que o incumprimento teve lugar em Dezembro de 1996, volvidos são mais de 10 anos, sem que a autora tenha sido ressarcida, sendo certo que, desde essa data, nada mais lhe foi pago.

Tendo em conta que a autora é uma sociedade financeira, necessitando de constante liquidez para satisfazer as solicitações de crédito, a taxa fixada para os juros de mora, ainda que elevada, constitui uma defesa legítima, face a situações de incumprimento de longa duração, como acontece no caso em apreço. 

As partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama a cláusula penal – art. 810 CC.

O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal – art. 811/3 CC. 

A cláusula penal tem uma dupla função: indemnizatória porquanto visa compensar o credor pela mora do devedor e uma função coerciva, pela pressão que é susceptível de causar no sentido do cumprimento da obrigação, i. é, incentiva o devedor a cumprir, sob pena de ter de suportar encargos pesados se o não fizer – Calvão da Silva “Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória” – 247 e sgs.

O art. 812 CC dispõe que: “A pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda por causa superveniente, sendo que a redução é também possível se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida”.

“Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá de deixar de atender á natureza e condições de formação do contrato (p. exemplo, se a cláusula for contrapartida de melhores condições negociais) à situação respectiva das partes, nomeadamente à sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais ou não patrimoniais, à circunstância de se tratar ou não de um contrato de se tratar ou não de um contrato de adesão, O prejuízo sofrido pelo credor, às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular, à boa ou má-fé do devedor, o próprio carácter a forfait da cláusula e obviamente ao seu carácter cominatório.
    
O juiz tem o poder de reduzir, mas não invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva”- Calvão da Silva, obra cit. 273 e sgs.
    
Atenta a natureza indemnizatória da cláusula penal (fixação prévia da indemnização devida em caso de incumprimento determinante da resolução do contrato), não cabe ao credor provar os danos, nem o seu quantum. É ao devedor que cabe, se quiser afastar a cláusula penal, a prova da inexistência de prejuízos ou a desproporção entre estes e o montante indemnizatório convencionado – art. 342/2 CC.

Por outro lado, a redução equitativa prevista no art. 812 CC, está dependente do pedido formulado pelo devedor, estamos em sede de excepção peremptória, invocação de factos susceptíveis de sustentar a sua pretensão – cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. II - 120.

No caso dos autos, os réus não alegaram e, por isso, não provaram, factos integradores desse manifesto excesso da cláusula penal, nem solicitaram a sua redução.

Assim, prejudicado está o juízo de valoração em concreto, sobre a proibição de tal cláusula.

Em termos abstractos a cláusula não se configura desproporcionada em relação aos danos a ressarcir.

A percentagem de incumprimento neste tipo de contratos é elevadíssima, o que acarreta um número elevado de acções em tribunal,  pelo que se compreende que seja fixada uma cláusula penal como a dos autos, atento os riscos assumidos pela entidade financiadora.

Assim, quer a taxa de juro, quer a cláusula penal, não se mostram desproporcionadas.

Improcedem  as conclusões dos apelantes.
    
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedentes o agravo e a apelação, confirmando-se o despacho e a sentença.

Custas do agravo pelo agravante e custas da apelação pelos apelantes.

Lisboa,  10 de Maio de 2007

(Carla Mendes)
(José Caetano Duarte)
(António Ferreira de Almeida)