SOCIEDADE IRREGULAR
LIQUIDAÇÃO
Sumário

I. À liquidação das sociedades comerciais irregulares, por omissão da forma devida, são aplicáveis as respectivas disposições sobre sociedades civis.
II. Inexistindo contrato, a forma da liquidação pode ser regulada por acordo de todos os sócios.
III. Na falta de acordo de todos os sócios, observam-se as disposições da liquidação judicial.
IV. Não há impossibilidade da lide, no caso de ter havido falta de acordo de todos os sócios na liquidação extrajudicial.
(O.G.)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Maria e Outros, sociedade irregular, em liquidação, veio, em 6 de Outubro de 2005, nos termos dos art.º s 1122.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), por dependência da acção de dissolução da sociedade, que correu termos na 16.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, requerer a sua liquidação judicial.
Para tanto, alegou, em síntese, que, por sentença de 4 de Março de 2004, transitada em julgado, foi decretada a sua dissolução, fixando-se a duração da liquidação em três meses e designando-se, como liquidatária, Maria, apresentou as contas e o projecto de partilha, com a aprovação da maioria dos sócios, na assembleia geral realizada em 12 de Setembro de 2005.
Ordenada a citação dos cinco sócios, apenas L e outros, por habilitação da sócia Maria, contestaram, impugnando as contas e o projecto de partilha.
Por despacho, de 7 de Dezembro de 2006, foi declarada extinta a instância, por impossibilidade da lide, por o relatório e o projecto de partilha da liquidação já terem sido aprovados em assembleia geral de 12 de Setembro de 2005.

Não se conformando com essa decisão, os Requeridos, que contestaram, recorreram e, tendo alegado, formularam, no essencial, as seguintes conclusões:
a) A liquidatária não elaborou as contas de liquidação no prazo de três meses, a contar de 4 de Março de 2004.
b) E este não foi prorrogado pelos sócios.
c) Assim, a liquidação tem de ser feita judicialmente, nos termos do disposto no art.º 150.º, n.º 3, do CSC.
d) Não tendo os demais sócios deduzido oposição à liquidação judicial, existe, quanto a esta, acordo unânime (n.º 4 do art.º 146.º do CSC).
e) O despacho recorrido violou, designadamente, o disposto nos art.º s 150.º, n.º s 1 e 3, 146.º, n.º 3, todos do CSC, e 1122.º do CPC.

Pretendem, com o provimento do recurso, a revogação do despacho recorrido e o prosseguimento da liquidação judicial.

Contra-alegou a Requerente, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O despacho recorrido foi, tabelarmente, sustentado.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste agravo, está em causa, essencialmente, saber se a liquidação da sociedade tem de ser feita judicialmente.

II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa agora conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões.
Como se referiu, a acção de liquidação judicial do património da sociedade foi instaurada por dependência da acção declarativa de dissolução da sociedade.
Nesta acção, por acordo de todos os sócios, foi acordada a dissolução da sociedade irregular, nomeando-se, como liquidatária, Maria, que procederia à elaboração das contas de liquidação, no prazo de três meses, o qual foi homologado por sentença de 4 de Março de 2004, transitada em julgado.
Dos termos dessa acção – estando nisso as partes de acordo – resulta que a sociedade (comercial) era irregular, por omissão da forma devida, pelo que lhe seriam aplicáveis as disposições sobre sociedades civis, nos termos do art.º 36.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (artigos 15.º da petição inicial e 17.º da contestação).
Nestes termos, à liquidação da sociedade irregular recorrida são, então, aplicáveis as respectivas disposições sobre sociedades civis, nomeadamente as consignadas nos art.º s 1010.º a 1021.º do Código Civil (CC).

De acordo com o n.º 1 do art.º 1011.º do CC, se não estiver fixada no contrato, a forma de liquidação é regulada pelos sócios e, na falta de acordo de todos, observam-se as disposições dos artigos subsequentes e as das leis de processo.
No caso, não havia contrato de sociedade, podendo a forma da liquidação ser regulada através de acordo de todos os sócios.
Ao abrigo desse acordo, podia proceder-se à liquidação extrajudicial da sociedade irregular, dentro do prazo fixado pelos sócios.
Os sócios escolheram a liquidação extrajudicial, fixando para o efeito o prazo de três meses, que não foi cumprido, como todos reconhecem.
Nesta situação, duas vias podiam ser seguidas. A primeira, havendo acordo de todos os sócios, prorrogando o prazo para a liquidação; a segunda, na falta de acordo unânime dos sócios, requerendo qualquer um deles, ou a sociedade, a liquidação judicial, nos termos do art.º 1123.º do CPC.
Na verdade, em conformidade com o disposto expressamente no art.º 1011.º, n.º 1, do CC, a liquidação extrajudicial está dependente do acordo de todos os sócios. Sem este acordo, não é possível a liquidação extrajudicial das sociedades civis e de todas aquelas a que seja aplicável o mesmo regime jurídico.
Ora, no caso vertente, não houve prorrogação unânime do prazo para a liquidação extrajudicial da sociedade irregular, pois, desde logo, um sócio, que os recorrentes por habilitação representam, não manifestou acordo para aquele efeito.
Além disso, o mesmo sócio, que não participou na deliberação de sócios, de 12 de Setembro de 2005, mencionada no despacho recorrido, também não aprovou as contas e o projecto de partilha. Faltou assim, noutro aspecto da liquidação, o acordo de todos os sócios, igualmente exigível pelo art.º 1011.º, n.º 1, do CC.
Nestas condições, dada a falta de acordo de todos os sócios da sociedade irregular, não tem validade a liquidação, deliberada em 12 de Setembro de 2005, sendo por isso indispensável a utilização da liquidação judicial.
Aliás, a própria sociedade irregular a requereu, não sendo verosímil, até pelos termos empregues no requerimento inicial, que o tivesse feito “por manifesto lapso”, como a mesma declarou na contra-alegação.
Assim sendo, justificando-se o processamento da liquidação judicial, é manifesto que não se verifica a situação de impossibilidade da lide, obstando por consequência à declarada extinção da instância, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do CPC.

2.2. Em face do que antecede, pode extrair-se de mais relevante a síntese:

a) À liquidação das sociedades comerciais irregulares, por omissão da forma devida, são aplicáveis as respectivas disposições sobre sociedades civis.
b) Inexistindo contrato, a forma da liquidação pode ser regulada por acordo de todos os sócios.
c) Na falta de acordo de todos os sócios, observam-se as disposições da liquidação judicial.
d) Não há impossibilidade da lide, no caso de ter havido falta de acordo de todos os sócios na liquidação extrajudicial.

Nestes termos, o agravo merece obter provimento, ainda que por diferente motivação jurídica, não podendo subsistir o despacho impugnado, que deve ser substituído por outro, no prosseguimento do processo de liquidação judicial da sociedade irregular recorrida.

2.3. A agravada, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido.
2) Condenar a agravada no pagamento das custas.

Lisboa, 17 de Maio de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Ana Luísa de Passos G.)
(Fátima Galante)