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PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
Sumário
1. A condenação por crime de condução em estado de embriaguez é fundamento da aplicação da proibição de conduzir pelos perigos que potencia para os restantes utentes das vias públicas ou equiparadas. E tais perigos não resultam somente da natureza do veículo, mas antes do estado em que se encontra quem o conduz. Com efeito, a condução sob a influência do álcool constitui, só por si, uma conduta objectivamente perigosa e, atentatória da segurança rodoviária, responsável em grande medida pelo aumento da sinistralidade estradal. E foi com esta pena acessória de proibição de conduzir que o legislador pretendeu fundamentalmente atingir o seu objectivo de redução da sinistralidade rodoviária provocada pela condução sob o efeito do álcool. É consabida a eficácia preventiva da pena acessória em causa. 2. Da conjugação dos artºs 69.º n.º 3 do CP e 500.º n.º2 e 4 do CPP (maxime deste), sobressai a ideia inequívoca da continuidade do tempo de inibição, sem qualquer hiato temporal, pois que «a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição», apenas sendo devolvida decorrido esse período. 3. A doutrina e jurisprudência dominantes perfilham o entendimento de que as penas acessórias devem seguir o destino das penas principais, não se compreendendo, assim, o sentido de decisões que condenem em multa, a que pode vir a corresponder prisão subsidiária a cumprir sem interrupção e que, no que à pena acessória respeita, a mesma fosse colocada na disponibilidade do arguido, que a cumpriria em períodos intercalares, “a prestações”. Assim, tal pena acessória deve ser cumprida de forma contínua, sem interrupções, não sendo admissível o seu cumprimento diferido para outro momento, nomeadamente para período de férias do arguido ou em fins-de-semana. (sumariado e confidencializado pelo relator)
Texto Integral
Acordam, precedendo conferência, na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I
1. Nos autos de processo comum, acima referido, o arguido L.F. foi submetido a julgamento e veio a ser condenado, por Sentença de 18 de Fevereiro de 2005, a fls. 57 a 64, no que ao presente recurso importa, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível nos termos do disposto nos art. 292 e 69 n.º 1, alin. a) do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária € 4,50, o que perfaz o montante global de € 225,00, bem como na sanção acessória de “inibição” de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e quinze dias.
2. Não conformado, o arguido interpôs recurso daquela decisão, pugnando pela sua alteração, no que respeita à pena acessória, que entende não dever ser-lhe aplicada, ou, quando assim se não entenda, defende e pede que tal pena seja reduzida ao seu mínimo e cumprida durante os fins de semana, ou, em alternativa, ser o seu cumprimento deferido para os meses das férias de Verão próximas. Extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões: (...)
3. O recurso apenas foi admitido por despacho proferido em 1 de Março de 2007 (v.fls.112).
4. Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, sustentando a confirmação do julgado, dizendo, em conclusão, que:
(...)
5. Nesta instância o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, entende que o recurso deve ser rejeitado em conferência, por manifesta improcedência, dizendo, no essencial, o seguinte:
“A condução em estado de embriaguez é um crime de perigo comum abstracto. As condutas puníveis por esta norma não lesam de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo. Trata-se de uma infracção de mera actividade em que o que se pune é simplesmente o facto de o agente se ter disposto a conduzir na via pública sob o efeito do álcool.
"... os acidentes na estrada, tal como o número de mortos e estropiados, não cessam de aumentar, aponto de termos os recordes europeus. (...) Sabemos que os condutores portugueses são especialmente mortíferos, guiam mal, ultrapassam como loucos, andam a velocidades estonteantes e conduzem completamente bêbados - pelo comentador/analista António Barreto, jornal Público de 18-3-2.001. Mas o recorrente coloca a tónica do seu inconformismo quanto à imposição da pena acessória (proibição de conduzir veículos), - aplicada nos termos do art° 69° do Cód. Penal, - pretendendo que a mesma - porque não será de aplicação obrigatória e automática - seja, em alternativa:
- reduzida ao mínimo legal; - a cumprir nos fins de semana; e/ou - no período de férias de Verão (próximo).
O recorrente não pode sindicar a matéria de facto dada como provada, por contrariar o poder judicial e a «livre apreciação da prova» (art° 127° do CPP).( - "...Apresenta-se como manifestamente improcedente, e portanto deve ser rejeitado o recurso, cuja fundamentação se circunscreve à interpretação da prova que se diz ter sido produzida em audiência, indicando-se factos que deveriam ter sido considerados provados, em vez dos que foram dados como provados"- Ac.STJ,21/6/95,BMJ448,278; Ac.STJ,3/11/94,C.Jur II, III,226 - Ac.R.P. 1/6/88, BMJ 378,790;Ac.STJ,14/12/90,BMJ394,240. )
Por outro lado, as questões de direito que suscita e a sua pretensão não procedem, por contrárias à lei, face às múltiplas e uniformes soluções cristalinas que têm merecido dos nossos tribunais superiores. No que tange ao quantum da pena acessória (art° 69° CP), pese embora o arguido ser primário, os 3 meses e 15 dias impostos mostram-se adequados pois que apenas acresce em 15 dias sobre o limite mínimo legalmente admissível, tendo em conta a taxa (1,47 gr/litro). A condução sob a influência do álcool constitui, só por si, uma conduta objectivamente perigosa e, atentatória da segurança rodoviária, responsável em grande medida pelo aumento da sinistralidade estradai, impondo, por isso, na determinação da medida da pena exigências de prevenção geral.
Nem se olvidará que o arguido é professor, sobre ele recaindo especial dever de constituir exemplo dissuasor à comissão de ilícitos na sociedade.
A proibição de conduzir do art° 69° do C. Penal é uma pena acessória. E como pena acessória que é, encontra a razão de ser da sua aplicação para complementar uma outra a pena - a principal -, só surgindo quando esta é aplicada em atenção à gravidade ou à natureza do crime, (in "Crimes Rodoviários", pág. 28 de Germano Marques da Silva).
No caso de condenação por crime cometido no exercício de condução de veículo automóvel há que aplicar o Código Penal em bloco, sem recurso às normas do Código da Estrada, pelo que a imposição da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados do artigo 69° daquele Código constitui uma consequência normativa, não sendo legalmente possível afastar a pena acessória, ou suspendê-la, ou substitui-la, nomeadamente condicionada a prestação de caução de boa conduta ( - Ac. Rel. Porto de 2001-12-05 (Rec. n° 111122/01, Rel:- Fernando Monterroso). ).
A obrigatoriedade de imposição da «pena acessória» de proibição de conduzir ao arguido condenado pela prática do crime do art°292° C. Penal nem contende com a Constituição (designadamente seus art°s 30°, n. 4 e 65°). Na realidade, não será de confundir a limitação temporária de um direito civil (o exercício da condução) com a perda desse direito. ( - Conclusão que se pode extrair do Ac. Rel. Lx. De 2002-09-25 (Rec. n° 4216/02 - 3a secção, Rel:- Santos Carvalho). )
Aliás, assim entendeu e decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, através do Assento n° 5/1999, "O agente do crime de condução em estado de embriaguez, p .p. art° 292° C. P., DEVE ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art° 69°, n. 1, a) daquele código" (in DR I-A, de 1999-7-20).
" A taxatividade do artigo 50° do Código do Penal, ao prever unicamente a suspensão da pena de prisão, não oferece quaisquer dúvidas. A suspensão, em casos em que se não decreta a prisão, corresponderia à criação de um instrumento sancionatório criminal que lei anterior não prevê, o que necessariamente afrontaria o princípio da legalidade, violando, ilegal e inconstitucionalmente, o princípio derivado nulla pena sine lege. Não há assim qualquer possibilidade de se suspender a sanção decretada, de proibição de conduzir prevista no artigo 69°, n° l, alínea a), do Código Penal, para quem for punido por crime do artigo 292°.- Ac. Rel. Guimarães, de 2005-01-10 (Rec. n° 1943/04-1, rel:- Miguez Garcia, in www.dgsi.pt).
Impondo-se a aplicação da pena acessória, na perspectiva dos fins com ela preconizados, não pode a proibição de conduzir, ser cumprida nos fins-de-semana nem tão pouco o seu cumprimento ser autorizado diferidamente no tempo (para o período de férias do condenado).
Esta sanção acessória é uma decorrência do preceituado no art° 69° CP, designadamente do seu n. 2, nos termos do qual "a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões."
Segundo Maia Gonçalves, em anotação a este artigo, "...as penas acessórias dependem da aplicação de uma pena principal..." E no Ac. Rel. Évora, de 2002-07-09 (in Col. Jur. XXVII, IV, 252) diz-se:- " a pena acessória de proibição de conduzir prevista no art° 69° CP constitui uma pena criminal, cujo cumprimento deve operar de forma contínua.
Neste sentido incontroverso, entre muitos, pode ler-se:
"A proibição de conduzir imposta ao arguido, tem de ser cumprida de forma contínua no tempo, sem qualquer interrupção... não sendo possível o seu cumprimento de um modo descontínuo, em fins de semana ou nas férias"- ACRL de 26-04-2006 (Proc. 1109/06 3a Secção, rel:- Varges Gomes, in www.pgdlisboa.pt).
"... nem a sua execução pode ser diferida ou fraccionada no tempo para, por exemplo, ser cumprida no período de férias do condenado ou aos fins- de-semana - Ac. Rel. Évora, de 2005-04-26 (Rec. n° 1914/04-1, rel:- Martinho Cardoso, in www.dgsi.pt). No mesmo sentido. Ac. Rel Porto, de 2005-04-13 (Rec. n° 6505/04, rel:- António Gama, in Col. Jur. XXX, II, 218).
" O cumprimento da sanção acessória de proibição de conduzir não pode ser efectuado deforma descontínua - Ac. Rel. Lisboa, de 2005-03-10 (Rec. n° 49/05-93, rel:- Cid Geraldo, in Col. Jur. XXX, II, 128).
Neste circunspecto, na esteira do relevante e douto acórdão do STJ, de 2002-04-11 (Proc. N° 485/02 – 5.ª secção, Relator Simas Santos: - "É manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir,face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso." ( - Idem:- " Uma vez que pretensão do recorrente é contrária à lei, o seu recurso é manifestamente improcedente, pelo que deve ser rejeitado - Ac. Rel. Lx. de 2003-09-25 (Rec. n° 2717/03 – 9.ª secção, Rel: - Margarida Vieira de Almeida),Idem:-Ac.Rel. Lisboa de 2004-12-16 (Rec. n.º7955/04-9.ª secção, rel:-Goes Pinheiro, in www.pgdlidboa);Ac.Rel.Lisboa de 2005-03-17 (Rec. n.º 1968/05-9:ª secção, rel:- Trigo Mesquita). )
Deste modo, perspectivadas as únicas pretensões do recorrente, ela coloca-se em evidente oposição com o enquadramento normativo aplicável, pelo que para nós é claro que o recurso está votado ao insucesso (…)”.
6. Foi cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta por parte do recorrente.
7. No exame preliminar pelo relator foi entendido que o recurso é de rejeitar por manifesta improcedência (cf. art. 420 n.º1 do CPP), como sustenta o Exmo. Procurador – Geral Adjunto nesta instância, sendo por isso determinada a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência (art. 419 n.º 4, al. a) do Código de Processo Penal). Cumpre, agora, decidir.
II
8. O julgamento sobre a matéria de facto, em 1.ª instância.
8.1 - O Tribunal a quo julgou provado o seguinte acervo de factos:
(...)
Apesar de ter sido requerida a documentação dos actos de audiência, o arguido não impugna a matéria de facto, em termos do tribunal dela poder conhecer, ou seja, nos termos do art. 412.º n.º3 e 4 do CPP, pelo que, sem embargo do conhecimento da existência dos vícios prevenidos no art. 410.º n.º2 do mesmo diploma legal, o recurso é restrito à matéria de direito.
Das conclusões do recorrente, extrai-se que o seu inconformismo radica na imposição da pena acessória de proibição de conduzir, que ele entende não dever ser-lhe aplicada, porquanto, em seu entender, não agiu dolosamente, mas de forma negligente, uma vez que na noite em causa ingeriu bebidas alcoólicas mas nunca pensou, devido à sua constituição física, que ultrapassasse o limite mínimo previsto no art. 292.º do Código Penal, e não há necessidade de aplicação da pena acessória, nem tais penas são de aplicação automática.
Quando assim se não entenda, pretende o arguido que a pena acessória seja reduzida ao mínimo legal (3 meses) e cumprida durante os fins de semana, ou, em alternativa, ser o seu cumprimento deferido para os meses das férias de Verão próximas, altura em que não prejudica os alunos das várias escolas onde lecciona.
11. Diga-se, desde já que não se vislumbra que a sentença enferme de algum dos vícios previstos no art. 410 n.º2, alin. a) a c) do CPP, pelo que se tem por assente a materialidade fáctica que o tribunal deu como provada na sentença.
12. O recorrente não põe em causa que com a sua conduta praticou o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º n.º1 do CP, defendendo, porém, que agiu com negligência e não dolosamente.
E neste conspecto não pode deixar de se reconhecer que o arguido tem razão.
Na verdade, uma vez que o tipo objectivo estabelece um limite mínimo da taxa de álcool no sangue (igual ou superior a 1,2 g/l), para se poder afirmar que a conduta do arguido foi dolosa tinha que ter resultado provado que o arguido sabia, ou pelo menos admitiu como provável, que tinha uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a esse valor, o que não foi sequer alegado na acusação pública.
A simples afirmação de que ele conduzia o veículo em causa e ao ser submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado acusou uma T.A.S. de 1,47 g/l, que “ele tinha perfeito conhecimento dos efeitos provocados pela ingestão de bebidas alcoólicas, nomeadamente ao nível da diminuição dos reflexos e da sua contribuição para o aumento de acidentes estradais”, que “sabia que naquelas circunstâncias lhe estava vedada a condução de qualquer veículo na via pública”, e que “ao agir como descrito, fê-lo sempre o arguido, de forma deliberada, livre e consciente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei”, não é suficiente para o efeito de afirmar uma conduta dolosa. Aliás, mesmo que tivesse sido alegado e provado que ele sabia que se encontrava a conduzir sob a influência do álcool, tal sempre seria insuficiente, uma vez que esse conhecimento é compatível com a presença de uma taxa inferior, nomeadamente entre 0,5 e 1,2 g/l.
Por isso que não pode concluir-se que o arguido agiu dolosamente, mas apenas com negligência.
13. Vejamos, pois, se o tribunal poderia, no caso concreto, deixar de aplicar a pena acessória de proibição de conduzir(e não inibição de conduzir, como por lapso é referido na sentença).
A resposta adiantar-se-á é negativa.
A pena acessória de proibição de conduzir, assenta no pressuposto formal duma condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício de condução, ou com utilização de veículo, e no pressuposto material, de consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável - censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal [Prof. Figueiredo Dias, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 165 e 169].
A condenação por crime de condução em estado de embriaguez é fundamento de aplicação da proibição de conduzir pelos perigos que potencia para os restantes utentes das vias públicas ou equiparadas.
E tais perigos não resultam somente da natureza do veículo, mas antes do estado em que se encontra quem o conduz.
A imposição desta pena acessória pressupõe, no plano da sua própria definição, a intervenção mediadora do juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso, e perante a avaliação da culpa do agente (art. 71º, do CP), vem a fixar os limites da sua duração.
Neste sentido, a determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69 n.º 1, do CP, rege-se pelos critérios norteadores a que alude o art. 71 do mesmo diploma, ou seja, pelos mesmos critérios que determinam a aplicação da pena principal, permitindo ao juiz fixá-la em concreto, segundo as circunstâncias do caso, conexionadas com o grau de culpa do agente.
Tem o seu destino ligado ao da pena principal, obedecendo a determinação da sua medida concreta aos factores determinantes da graduação daquela pena em concreto, com recurso aos critérios gerais previstos no art. 71 do CP, isto é, realiza-se dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial.
É pelo seu específico conteúdo de “censura do facto” que se estabelece, por intermédio do juiz, a necessária ligação da pena acessória à culpa.
E porque existe uma manifesta conexão entre o facto ilícito gerador da responsabilidade criminal – condução de veículo em estado de embriaguez – e a proibição de conduzir veículos motorizados, compreende-se a aplicação daquela pena acessória em crimes da natureza do perpetrado pelo arguido, bastando a prova da prática do facto ilícito e da especifica culpa do arguido que suporte (e exija) a aplicação daquela pena acessória, sem necessidade de fazer a demonstração de factos adicionais (cf. Ac. n.º 143/95 do TC, de 15MAR95).
Corolário da sua natureza de verdadeira pena criminal, a pena acessória de proibição de conduzir concretamente aplicada há-de representar, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, o reforço da imperatividade e vigência da norma jurídica violada e do sentimento de segurança da comunidade face à mesma norma.
Com efeito, a condução sob a influência do álcool constitui, só por si, uma conduta objectivamente perigosa e, atentatória da segurança rodoviária, responsável em grande medida pelo aumento da sinistralidade estradal.
E foi com esta pena acessória de proibição de conduzir que o legislador pretendeu fundamentalmente atingir o seu objectivo de redução da sinistralidade rodoviária provocada pela condução sob o efeito do álcool.
Esta sanção acessória é uma decorrência do preceituado no artigo 65.º do CP, designadamente seu n.º 2, nos termos do qual, «a lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões».
Maia Gonçalves, em anotação a este normativo, diz que “a revisão do Código (levada a efeito pelo Dec.-Lei n.º 48/95, de 15 de Março) procurou clarificar a distinção entre penas acessórias e efeitos das penas, matéria em que tem reinado muita confusão(…). As penas acessórias dependem da aplicação de uma pena principal; devem ser aplicadas na sentença, e a respectiva medida, dentro da moldura geral abstracta, obedece aos critérios legais de fixação da medida concreta da pena. Estão sujeitas ao numerus apertus. Por isso, e embora o Código não faça uma enumeração expressa das penas acessórias, podem somente distinguir-se as seguintes (...) “proibição de conduzir veículos motorizados”.
E mais adiante: “Retirou-se à pena, em si, todo o carácter infamante, mas isto não significa que possam ser retirados efeitos à prática dos crimes.”
A Constituição não proíbe a lei de definir como penas ou medidas de segurança a privação definitiva ou temporária de direitos – o que proíbe é a perda automática desses direitos, como consequência automática de uma condenação penal.
Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, § 232, diz que “a proibição de conduzir veículos motorizados assume a natureza de verdadeira pena acessória pois que, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, desempenha uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação”.
Importa referir que, já antes da redacção introduzida ao art. 69, pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, que, expressamente, passou a compreender na “proibição de condução de veículos com motor” o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. nos termos do art. 292, o Supremo Tribunal de Justiça havia firmado jurisprudência, através do Assento n.º 5/99, de 20 de Junho, no seguinte sentido: “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal”.
Donde que a conclusão inevitável de o agente dever ser sancionado também com a apontada pena acessória de proibição de conduzir (esta, abstractamente, num período que poderá oscilar entre 3 meses e 3 anos).
Na verdade, a condução sob o efeito do álcool, ou em estado de embriaguez, é consensualmente havida como um factor de agravamento dos riscos inerentes à actividade da condução e como um dos mais determinantes agentes de produção de acidentes de trânsito, na medida em que a embriaguez determina o entorpecimento dos sentidos, a perda dos reflexos exigidos para uma boa condução e o amortecimento da acuidade da visão e da atenção, tão necessária para quem nas vias de circulação tem de enfrentar a barafunda do tráfego.
O simples acto de condução de veículo automóvel sob o efeito do álcool envolve potenciais riscos, não apenas para o condutor mas também para todos aqueles que, com ele, partilham a via pública.
Com efeito, a ingestão do álcool começa por afectar a coordenação das funções de sensação e de percepção, atinge depois a coordenação motora e o equilíbrio e, por fim, ataca a memória, perturbando o estado psicológico do condutor tomando-o inapto para tão delicada função, criando-lhe uma anormal confiança em si próprio, ao mesmo tempo que lhe diminui a rapidez de reflexos, a capacidade visual e o raciocínio.
Como é referido pelos especialistas na matéria, uma taxa de álcool no sangue superior a 0.5 gramas/litro acarreta graves perturbações psicomotoras e cérebro-labirínticas, dificuldades de ideação e de linguagem, surgindo o fenómeno da diplopia ou visão dupla acompanhada de uma forte redução do campo de visão ou ângulo visual, com a inerente perturbação ou incapacidade de avaliar correctamente as distâncias; além disso, o aumento do tempo de reacção perante o imprevisto origina uma redução do tempo necessário para travar e, logo, um maior espaço de imobilização do veículo.
Os efeitos derivados da condução associada à ingestão de bebidas alcoólicas permitem afirmar que -existe uma relação entre o nível de álcool no sangue presente no condutor e a probabilidade de ter e sobretudo causar um acidente: esta duplica para a taxa de 0.5 gramas/litro, quintuplica para 0.8 gramas/litro e é vinte vezes maior para taxas acima de 1.2 gramas/litro (SILVA MOURA-PEREIRA DA SILVA, Álcool e Acidentalidade, Revista «O Médico», 1984, n.º 5, pag. 1688-1689).
Há ainda a considerar que o álcool concentrado no sangue apenas é eliminado pelo fígado num processo extremamente lento (cerca de 0,1 gramas/litro por hora), o que determina que os condutores estarão inaptos para conduzir mesmo várias horas depois da ingestão de álcool.
Tal circunstância poderá ainda ser agravada caso ocorram outros factos que potenciem o efeito do álcool no organismo, nomeadamente a falta de repouso.
Tais considerações são, por si só, suficientes para que se justifique a criminalização de tal conduta a qual é directamente responsável pelos elevados índices de sinistralidade nas estradas portuguesas; e, em face desta clara opção do legislador, o Tribunal não pode deixar de ser indiferente ao facto de a condução de um veículo dever ser efectuada no pleno uso das faculdades físicas e mentais do seu condutor, consubstanciando um acto responsável e reflectido para que, ao invés de esse meio de transporte se transformar numa fonte de perigo para a vida, a integridade física e os interesses patrimoniais dos demais utentes das vias públicas ou equiparadas, seja um instrumento susceptível de propiciar conforto e maior segurança para quem dele usufrui.
O legislador vem manifestando com alguma veemência a sua preocupação com o aumento da sinistralidade rodoviária decorrente do abuso do álcool, seja na evolução legislativa de tendência agravativa, manifestada pela Lei n.º77/2001, de 13 de Julho, seja, expressamente, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril (() cf. parecer, do CC da PGR, de 27-10-94 (DR, II, 14-12-94).).
É consabida a eficácia preventiva da pena acessória em causa.
Como assinalava, em 1993, o Prof. Figueiredo Dias (() «Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime», Editorial Notícias, pp. 164/165.), enfatizando a necessidade e a urgência de que o sistema sancionatório português passasse a dispor de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária, «... à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.»
Pressuposto de aplicação desta pena acessória é que o agente se tenha revelado especialmente merecedor de um juízo de censura pela forma como exerceu a condução, funcionando ela como meio privilegiado de prevenção geral e de intimidação.
Em face da redacção pré-vigente do art. 69, em referência, refere Paula Ribeiro de Faria (() «Comentário Conimbricense do Código Penal», II, pág. 1098.) que «esta pena acessória supõe a condenação do agente numa pena principal por um crime cometido no exercício da condução e que revele uma censurabilidade acrescida pretendendo-se que tenha efeito dissuasor contribuindo do mesmo modo para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano».
A pena acessória visa, tão só, prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral, enquanto que a pena principal tem em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ( - cf. ac. Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 1996, in CJ, ano XXI, Tomo 5, pag.47.).
Claro também é que a duração das penas acessórias deve obediência aos critérios de fixação das penas principais definido, «maxime», no art. 71 do Código Penal (() cf. Acórdão, da RE, de 14-5-96 (CJ ano XXI, tomo 3, pp. 286 segs.).).
A pena acessória aplicada ao recorrente (proibição de conduzir pelo período de três meses e quinze dias) está muito próxima do mínimo legal, teve em conta todo o circunstancialismo fáctico apurado, nomeadamente, a TAS de que o arguido era portador, o reduzido grau de ilicitude, a confissão dos factos pelo arguido (praticamente irrelevante, atenta a circunstância de ter sido detido em flagrante delito), a ausência de antecedentes criminais, a sua inserção profissional e social, a necessidade de no exercício da sua actividade profissional ter de deslocar-se diariamente entre várias escolas, bem como as exigências de prevenção geral.
Não esquecendo as regras constitucionais da proporcionalidade e necessidade, sempre ligadas à restrição dos direitos fundamentais, deve considerar-se, em contrário do pretendido, que a medida da pena acessória se mostra parcimoniosa, não admitindo maior compressão ou redução.
Na verdade, restringi-la seria colocá-la no limiar mínimo o que, manifestamente, se não justifica no caso concreto.
O Tribunal não pode deixar de ser indiferente ao facto de a condução de um veículo dever ser efectuada no pleno uso das faculdades físicas e mentais do seu condutor, consubstanciando um acto responsável e reflectido para que, ao invés de esse meio de transporte se transformar numa fonte de perigo para a vida, a integridade física e os interesses patrimoniais dos demais utentes das vias públicas ou equiparadas, seja um instrumento susceptível de propiciar conforto e maior segurança para quem dele usufrui.
Ademais, diga-se, tem especial dever de respeitar as regras de condução estradal e estar ciente da perigosidade natural da circulação nas estradas, aquele que tem de utilizar a condução automóvel para o exercício da sua profissão (() Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-6-2000, Rec. 1424/00.).
É natural que o arguido, em consequência da proibição de conduzir, tenha de sofrer alguns incómodos, tenha que fazer algumas renúncias ou tenha que sofrer algumas privações, mas tal é uma consequência da sua conduta (não tem de que lamentar-se) e impõe-se, como repetidamente se vem dizendo, para salvaguarda de outros interesses da comunidade, que não podem deixar de prevalecer sobre os seus.
14. O outro aspecto que constitui objecto do presente recurso contende com a forma de cumprimento da apontada sanção acessória, pretendendo o recorrente que tal seja efectuado durante os fins-de-semana, ou, em alternativa, deferido para os meses das férias de Verão próximas (seriam as relativas ao ano de 2005, pois o recurso foi interposto em 7 de Março de 2005).
A nossa jurisprudência já se pronunciou sobre a questão em termos que não vemos razões para contrariar. Vejam-se, a esse respeito, os acórdãos citados no Parecer do Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, e ainda o acórdão da Relação do Porto de 10-12-97, Colectânea de Jurisprudência, 1997, V-239; acórdão da Relação de Coimbra de 29-11-00, Colectânea de Jurisprudência, 2000, V-49; e acórdão da Relação de Guimarães de 10-3-04, Colectânea de Jurisprudência, 2004, II-285.
Daí que, e muito sumariamente, façamos nossas as razões expendidas em tais acórdãos, segundo as quais não é legalmente possibilitada tal forma de cumprimento. Na verdade, neles se aduz que nem a letra, nem o espírito da lei, comportam essa faculdade.
Com efeito, preceitua o mencionado artigo 69.º, n.º 3 do CP (redacção introduzida pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho), «No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo se não encontrar já apreendido no processo». No mesmo sentido estatui o art. 500.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Por sua vez, o n.º 4 do artigo 500.º do CPP determina que «A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durara a proibição. Decorrido esse período, a licença é devolvida ao titular».
Da conjugação destes dois normativos mas, primacialmente, do segundo, sobressai a ideia inequívoca da continuidade do tempo de inibição, sem qualquer hiato temporal, pois que «a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição», apenas sendo devolvida decorrido esse período.
Também o próprio Código da Estrada define no respectivo artigo 138.º, n.º 4, que as sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos.
É de referir que a doutrina e jurisprudência dominantes perfilham o entendimento de que as penas acessórias devem seguir o destino das penas principais, não se compreendendo, assim, o sentido de decisões que condenem em multa, a que pode vir a corresponder prisão subsidiária a cumprir sem interrupção e que, no que à pena acessória respeita, a mesma fosse colocada na disponibilidade do arguido, que a cumpriria em períodos intercalares, “a prestações”.
Por fim diremos ainda que a aplicação de uma pena acessória não pode considerar-se como meramente simbólica e de eficácia de prevenção insuficiente, pois pode induzir à conclusão de que o crime pode ser punido de forma muito branda, pondo em crise as finalidades visadas com a sua aplicação.
Por isso que improcede também este fundamento do recurso do arguido.
A manifesta improcedência do recurso constitui um fundamento da sua rejeição de natureza substancial (e não formal), visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento.
É o caso sub specie, do recurso interposto pelo arguido, abonado com argumentação que, como vem de expor-se, não pode, de todo, manifestamente, merecer acolhimento.
15. A improcedência do recurso acarreta a condenação do recorrente em custas, nos termos prevenidos nos art. 513 n.º1 e 514 n.º1 do CPP, sendo a taxa de justiça fixada nos termos e com os critérios prevenidos nos art. 82.º/1 e 87.º/1 b) e 3, estes do Código das Custas Judiciais (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 342/2003, de 27 de Dezembro).
Acresce a sanção processual pela rejeição, nos termos prevenidos no art. 420.º/4, do CPP.
III
16. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se, por unanimidade:
a)Rejeitar o recurso interposto pelo arguido L.F., por manifesta improcedência;
b) Sancionar o recorrente com 4 (quatro) unidades de conta;
c) Condenar o recorrente nas custas, com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs.
Lisboa, 17/05/07
Ribeiro Cardoso
Gilberto da Cunha
Francisco Caramelo