LIVRANÇA
ACEITANTE
SUBSCRITOR
AVAL
PROTESTO
Sumário

I - A garantia do avalista de aceitante ou subscritor de livrança, é materialmente autónoma, embora dependente da prestada por este, quanto ao seu aspecto formal (art. 32 LULL) e só caucione outro co-obrigado.
II - O portador de livrança, não carece de protesto, para accionar o avalista do aceitante ou subscritor, uma vez que a Lei o dispensa (o protesto) quanto a este (art. 53 e 44 LULL).
(M.G.)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

J, deduziu embargos de executado, por apenso aos autos de execução, em que é exequente S, pedindo se julgue extinta a execução.
Para o efeito, alega em síntese, o seguinte:
Falta a indicação do local onde a livrança deve ser paga, o que gera a sua inexequibilidade.
Dela não consta também a aposição da cláusula «sem despesas e/ou sem protesto».
O embargante não é sócio da sociedade subscritora e aceitante da livrança «P Lda», pois que cedeu a sua quota a A.

Contestou o embargado (fol. 28), dizendo em síntese o seguinte:
O art. 76 LULL estabelece que na falta de indicação especial, o lugar onde o escrito foi passado considera-se o lugar de pagamento.
A falta de protesto não impede a portador de cobrar a letra do aceitante e do avalista.
A cedência da quota é irrelevante para efeitos da subsistência do aval prestado pelo embargante.

Designou-se dia para a realização de uma audiência preliminar, em que não foi possível conciliar as partes (fol. 77).
Foi proferido despacho saneador, em que (fol. 78), em que previamente se conheceu da questão suscitada pelo embargante de «falta de exequibilidade», por falta de indicação do lugar de pagamento e por falta de protesto, concluindo-se pela «exequibilidade do título».
Procedeu-se à selecção da matéria assente e da base instrutória.
Inconformado com a decisão que julgou improcedente a «excepção da inexequibilidade do título», interpôs recurso o embargante (fol. 93), recurso que foi admitido como agravo, com subida diferida e efeito devolutivo (fol. 96).
Nas alegações que apresentou, formula o agravante, as seguintes conclusões:
1- No caso subjúdice, o protesto torna-se imperativo por forma a serem exercidos os direitos cambiários derivados da falta de pagamento da Livrança Exequenda, contra o Avalista do Aceitante, in casu, o ora Agravante.
2- Na verdade, o Sacador, os Endossantes e os Avalistas garantem ao portador que, o Sacado, sendo-lhe apresentada a Letra/Livrança no tempo e lugar em que é pagável, não recusará o seu pagamento.
3- Dispõe o artigo 53° da L.U.L.L. que, apenas, se mantém o direito de acção contra o aceitante, sendo necessário provar, legalmente, pelo protesto, junto dos garantes (entre os quais o Avalista) que, houve uma recusa e pagamento.
4- Deste modo, terá, necessariamente, de existir uma apresentação e, consequente recusa ou impossibilidade de pagamento pelo Aceitante, de forma a ser responsabilizado o Avalista – garante daquele.
5- Ou seja, a garantia dada pelo Avalista será, apenas, de cumprimento pontual da Letra, strictu sensu, sem possibilidade de se efectuar qualquer interpretação extensiva desta expressão.
6- Nesta parte, a garantia dada pelo avalista, está sempre dependente da apresentação da Livrança no tempo e lugar, em que a mesma é pagável; pois que, sem essa apresentação, não houve, de facto um pagamento, mas, também, não terá havido a recusa do mesmo, condição necessária ao direito do regresso contra o Avalista do Aceitante.
7- O protesto, é um acto jurídico declarativo que se destina a comprovar e dar conhecimento da falta de pagamento de uma Letra ou Livrança, isto é, o protesto não se destina a demonstrar que determinada Letra ou Livrança não foi paga, mas sim, que tendo sido apresentada a pagamento na data e local devidos, tal pagamento foi recusado pelo Aceitante.
8- O que é avalizado ou garantido pelo avalista não é a obrigação do aceitante, nas sim o cumprimento pontual da letra, porquanto, o Avalista não cria uma identificação de obrigações, motivo pelo qual o Avalista surge, apenas, como um obrigado indirecto do cumprimento da obrigação do Aceitante.
9- Só provando-se o não cumprimento pelo aceitante, por meio do protesto é que se poderá exigir o mesmo ao Avalista, porque este responde, na mesma medida em que responde qualquer outro dos co-obrigados cambiários.
10- O protesto tem, assim, uma função de pressuposto de exigibilidade da letra vencida e, não paga.
11- No que concerne ao avalista do aceitante, não está excluída, por parte do respectivo portado da Livrança a dispensa de protesto, nem o artigo 46° da L. U.L.L. a exclui.
12- E, se nos termos do artigo 53° da L.U.L.L. é permitido ao avalista a dispensa de protesto quanto ao portado da livrança, é porque este protesto será sempre exigível quanto a si.
13- Assim sendo, é manifesto que, a falta de protesto da Livrança exequenda gerou a inexequibilidade do respectivo título.
14- Ao decidir como decidiu, o Meretíssimo Juiz a quo, violou o disposto nos artigos 38°,44°, 46°, 53° e 77° da L. U.L.L.

Contra alegou a embargada (fol. 135), sustentando a improcedência do recurso.
Foi proferido despacho tabelar de sustentação do agravo.

Procedeu-se a julgamento (fol. 306, 358) após o que foi proferida decisão da matéria de facto (fol. 360).
Foi proferida sentença (fol. 373), em que se julgou improcedentes os embargos.
Inconformado recorreu o embargante (fol. 383), recurso que foi admitido, como apelação (fol. 386).
Nas alegações que apresentou, formula o apelante as seguintes conclusões:
1 No caso subjúdice, o protesto toma-se imperativo por forma a serem exercidos os direitos cambiários derivados da falta de pagamento da livrança Exequenda, contra o Avalista do Aceitante, in casu, o ora Recorrente.
2- Na verdade, o Sacador, os Endossantes e os Avalistas garantem ao portador que, o Sacado, sendo-lhe apresentada a Letra/livrança no tempo e lugar em que é pagável, não recusará o seu pagamento.
3- Dispõe o artigo 53° da L.U.L.L. que, apenas, se mantém o direito de acção contra o aceitante, sendo necessário provar, legalmente, pelo protesto, junto dos garantes (entre os quais o Avalista) que, houve uma recusa e pagamento.
4- Deste modo, terá, necessariamente, de existir uma apresentação e, consequente recusa ou impossibilidade de pagamento pelo Aceitante, de forma a ser responsabilizado o Avalista – garante daquele.
5- Ou seja, a garantia dada pelo Avalista será, apenas, de cumprimento pontual da Letra, strictu sensu, sem possibilidade de se efectuar qualquer interpretação extensiva desta expressão.
6- Nesta parte, a garantia dada pelo avalista, está sempre dependente da apresentação da livrança, no tempo e lugar, em que a mesma é pagável; pois que, sem essa apresentação, não houve, de facto um pagamento, mas, também, não terá havido a recusa do mesmo, condição necessária ao direito do regresso contra o Avalista do Aceitante.
7- O protesto, é um acto jurídico declarativo que se destina a comprovar e dar conhecimento da falta de pagamento de uma Letra ou livrança, isto é, o protesto não se destina a demonstrar que determinada Letra ou livrança não foi paga, mas sim, que tendo sido apresentada a pagamento na data e local devidos, tal pagamento foi recusado pelo Aceitante.
8- O que é avalizado ou garantido pelo Avalista não é a obrigação do aceitante, mas sim o cumprimento pontual da letra, porquanto, o Aval não cria uma identificação de obrigações, motivo pelo qual o Avalista surge, apenas, como um obrigado indirecto do cumprimento da obrigação do aceitante.
9- Só provando-se o não cumprimento pelo aceitante, por meio do protesto é que se poderá exigir o mesmo ao Avalista, porque este responde, na mesma medida em que responde qualquer outro dos co-obrigados cambiários.
10- O protesto tem, assim, uma função de pressuposto de exigibilidade da letra vencido e, não paga.
11- No que concerne ao avalista do aceitante, não está excluída, por parte do respectivo portado da livrança a dispensa de protesto, nem o artigo 46° da L.U.L.L. a exclui.
12- E. se nos termos do artigo 53° da L.U.L.L. é permitido ao Avalista a dispensa de protesto quanto ao portado da livrança, é porque este protesto será sempre exigível quanto a si.
13- Assim sendo, é manifesto que, a falta de protesto da livrança exequenda gerou a inexequibilidade do respectivo título.
14- Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Juiz a quo, violou o disposto nos artigos 38°, 44°, 46°, 53° e 77° da L.U.L.L.

Contra-alegou a apelada (fol. 399), sustentando a improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.
É a seguinte a matéria de facto considerada assente na sentença:
1- O embargante J apôs a sua assinatura no verso do documento de fol. 6 dos autos de execução, por baixo da expressão «por aval à firma subscritora».
2- No anverso do referido documento pode ler-se: «local e data de emissão: Lisboa, 11.01.2001; vencimento: 07.02.2001; importância: 2.540.074$00»; e «no seu vencimento, pagaremos por esta única via de livrança à S, SA, a quantia de 2.540.074$00»; seguido de diversas assinaturas; como identificação dos subscritores, consta: «P, Lda», Rua , Vila Nova de Gaia».

O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, só das questões postas nessas alegações haverá que conhecer.
No caso presente, dois são os recursos pendentes, um de agravo e outro de apelação. Porém, ambos coincidem quanto ao seu objecto, sendo que o que se discute é saber não ausência de «protesto», pode o portador demandar o avalista do aceitante.
A) Natureza jurídica do aval.
Dispõe o art. 30 LULL, que o pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por terceiro ou mesmo por um signatário da letra. O aval é escrito na própria letra, art. 31 LULL, ou numa folha anexa e exprime-se pelas palavras «bom para aval» ou por qualquer outra fórmula equivalente e é assinado pelo dador do aval. O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador do aval na face anterior da letra... e deve indicar a pessoa a quem se dá.
Dispõe o art. 32 LULL, que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
Atento o disposto no art. 77 LULL, são aplicáveis às livranças, na parte em que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras, sendo nomeadamente aplicáveis as disposições relativas ao aval (art. 30 a 32).
Os requisitos a que um título deverá obedecer, para valer como livrança, são os enumerados no art. 75 LULL, sendo que a livrança se distingue da letra, fundamentalmente por, ou contrário desta se traduzir numa promessa de pagamento de quantia certa.
Atentos os preceitos citados, fácil é verificar que no caso presente estamos perante uma livrança em que figura como avalista o embargante, facto que aliás, não é questionado.
A propósito dos preceitos citados, refere Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial – Vol. III, pag206): «parece fácil indicar a natureza jurídica do aval: é uma garantia; a obrigação do avalista é uma obrigação de garantia – a garantia da obrigação do avalizado». «A garantia dada pelo avalista não é pois igual à dada pelos restantes subscritores ... Essa garantia vem inserir-se ao lado da obrigação de um determinado subscritor, cobrindo-a, caucionando-a».
Refere ainda o professor citado (Ob. Cit, pag. 215). «É bom frisar que a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado. Trata-se de uma responsabilidade solidária. O avalista não goza do benefício da excussão prévia, mas responde pelo pagamento da letra solidariamente com os demais subscritores. Além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é, senão imperfeitamente, uma obrigação acessória relativamente à do avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao aspecto formal. De facto ... a lei estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula...»
No mesmo sentido vai José Oliveira Ascensão (Dir. Comercial Vol. III – Título de Crédito, pag. 170 e segs.). «Em todos os outros casos (nulidade que não tenha a ver com vício de forma) o avalista responde. Não se pode defender invocando vícios que atingiriam a obrigação do avalizado. Ele responde, mesmo que o avalizado não deva responder. A garantia dada pode funcionar separadamente da obrigação deste. O avalista que paga a letra ganha uma posição de credor cambiário. Fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra. É pois numa posição cambiária que o avalista se poderá ressarcir do que pagou numa responsabilidade que é funcionalmente de garante». Refere ainda o mesmo mestre (ob. Cit. Pag. 172). «A responsabilidade do avalista é autónoma. Não está sequer dependente da validade da obrigação garantida nem mesmo da existência da obrigação do afiançado. Isto nos obriga a concluir que o aval traz uma figura nova, em que o vínculo de acessoriedade se perde. A função substancial de garantia que está na sua origem não se comunica ao regime, pelo que esta função acaba por ser meramente abstracta».
O aval representa pois «um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo – princípio da independência dos avalistas» (Ac STJ de 13.03.2003 e 20.03.2003 consultáveis na internet – proc. nº 03B321 e 02B4698, relator Ferreira de Almeida).
O regime específico do «aval», que nesta parte diverge do regime da «fiança», afasta a possibilidade de pelo avalista serem opostas ao portador, mesmo no domínio das relações imediatas, as excepções que poderiam ser opostas pelo avalizado, salvo nos casos de má-fé (art. 17 LULL). (Ac TRL de 30.01.97, consultável na internet – Proc. nº 0013072, relatado por Eduardo Baptista).

B) – Consequências da falta de protesto, relativamente ai avalista.
Já vimos que o avalista responde de mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, (art. 32 LULL, também aplicável às livranças, ex vi art. 77 do mesmo diploma). Nos termos conjugados dos art. 53 e 44 LULL (também aplicável às livranças), o portador de uma letra, na situação de falta de protesto, por falta de pagamento da mesma, perde o direito de acção contra os endossantes, o sacador e outros co-obrigados, à excepção do aceitante.
É entendimento quase unânime da doutrina e da jurisprudência, que «não é necessário o protesto para accionar o avalista do aceitante» Como se refere no Ac desta Relação datado de 05.07.2000 ( relator Carlos Valverde, proc nº 0066186, consultável na internet) «se o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, não se pode exigir ao portador o protesto se a Lei o dispensa para o aceitante, de quem aquele dador do aval se constituiu garante».
A propósito desta questão, diz-se no acórdão do STJ de 11.11.2004 (relator Ferreira de Almeida, proc. nº 04B3453, consultável na internet): «a omissão de protesto por falta de pagamento não tira ao portador de uma livrança a possibilidade de proceder contra o avalista do respectivo aceitante ou subscritor por meio de acção cambiária directa como aquela que sem dúvida lhe assiste contra o próprio avalizado. Porque o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, nos termos do art. 32 da LULL, não se torna necessário o protesto por falta de pagamento para responsabilizar o avalista do aceitante ou subscritor da livrança, pela singela razão de que tal protesto é também dispensável para responsabilizar o próprio aceitante ou subscritor».
De José Oliveira Ascensão, retira-se a seguinte passagem (Direito Comercial Vol. III, 1992, pag203/204): «A análise do problema deveria ser completada com uma indagação da função do protesto, perguntando-se se essa função abrange o avalista. Na realidade, há dois tipos de responsáveis: os responsáveis directos; os responsáveis por via de regresso.
Aos responsáveis por via de regresso cabe uma responsabilidade que tem fonte diversa da do sacado/ aceitante. Eles podem exigir a comprovação solene e literal do incumprimento por parte do aceitante.
Já o avalista toma uma responsabilidade directa: não é aceitante, mas responde no lugar do aceitante. Não tem uma expectativa de que o protesto seja realizado, porque a sua obrigação envolve já tudo aquilo por que o aceitante podia responder. A declaração formal de que não houve pagamento é neste caso irrelevante.
Consideramos pois que o art. 53, só excepciona da perda dos direitos cambiários pelo portador os direitos do aceitante, porque pressupõe que, por tudo aquilo que o aceitante seja responsável, responde também o avalista».
Concluindo: O portador de uma livrança, não carece de «protesto» para accionar o avalista do aceitante ou subscritor. Este entendimento, era, como refere Oliveira Ascensão (obra citada pag. 202) «praticamente incontestado, em face do Código Comercial e não se pode ver na LU a intenção de alterar este estado de coisas».
O recurso não merece provimento.

DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
1- Negar provimento aos recursos (agravo e apelação) interpostos e confirmar as decisões recorridas.
2- Condenar nas custas o recorrente.

Lisboa, 24 de Maio de 2007.

Manuel Gonçalves

Aguiar Pereira

Gilberto Jorge.