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ACIDENTE DE TRABALHO
COMUNICAÇÃO
NEGLIGÊNCIA
Sumário
I- A obrigação de comunicação do acidente de trabalho, prevista no artº 24º do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29/10, existirá sempre que a entidade executante da obra tenha elementos objectivos que lhe permitam suspeitar da existência de lesões que venham a impedir ou a limitar, de maneira grave, a vítima de exercer a sua capacidade de trabalho, ou que possam indiciar o desrespeito grave por normas de segurança no trabalho. II -Existem esses elementos objectivos quando o sinistrado, caindo de uma altura de 5 metros, sofreu politraumatismos diversos, tendo sido assistido no local pelo INEM e por este transportado para o Hospital de S. José, onde ficou internado.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
A Inspecção-Geral do Trabalho, Delegação de Lisboa, na sequência de auto de notícia levantado aos dezoito dias de Agosto de 2005, aplicou a “Sociedade...” a coima de € 2.225,00, por ter considerado que esta cometeu infracção ao disposto no artº 24º, nº 23 do Dec.-Lei n.º 273/2003, de 29/10, punida pelos artºs 26º, al. c), do mesmo diploma, e artº 620º, nº 1, do Cod. Trabalho.
A arguida impugnou judicialmente tal decisão da autoridade administrativa, dela interpondo recurso para o Tribunal do Trabalho de Lisboa, que confirmou aquela decisão.
Com tal juízo se não conformou a arguida, interpondo recurso para esta instância, cuja motivação concluiu assim: I- A Recorrente foi acusada, e posteriormente condenada, na qualidade de entidade executante, pela pretensa violação da obrigação estabelecida na primeira parte do n° 3 do art. 24º do D.L. 273/2003, de 29 de Outubro. II- A Arguida não tinha obrigação de comunicar o acidente de trabalho sofrido por (D), no dia 11 de Novembro de 2004. III- O trabalhador sinistrado não sofreu, em consequência do acidente, qualquer lesão grave. IV- A circunstância de o sinistrado ter sido internado com o diagnóstico de politraumatismos diversos, não qualifica a lesão sofrida por si como grave. V- A autoridade administrativa qualifica a lesão sofrida pelo trabalhador, como grave, com base no transporte do sinistrado para o Hospital de São José, no diagnóstico do internamento de politraumatismos diversos e no período do internamento, o que é ilegal. VI-A Arguida, no prazo de 24 horas, após o acidente, não teve acesso, nem podia ter, face ao sigilo médico, ao diagnóstico de internamento no Hospital de São José, em Lisboa, nem poderia antever que período de incapacidade temporária do trabalhador, se iria verificar até 21 de Fevereiro de 2005. VII-O Tribunal "a quo" e bem, entendeu, que nem o transporte para o Hospital, nem o período de intemamento, podem fundamentar a qualificação da lesão como grave. VIII- O D.L. 273/2003, e a demais legislação em matéria de Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho, não definem o conceito de lesão grave. IX- Face à ausência de definição de lesão grave no D.L. 273/2003, a decisão recorrida devia ter aplicado analogicamente o conceito do art. 144º do Código Penal - Ofensa à integridade fisica grave. X- A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 24°, n° 1 e n° 3, 1 a parte do D.L. 273/2004 e no art. 144° do Código Penal. XI- A circunstância de o trabalhador ter sofrido politraumatismos diversos, também não qualifica a lesão como grave, à luz do disposto no art. 144° do Código Penal. XII- Dos autos não resulta provada qualquer lesão que possa ser integrada no conceito de Ofensa à integridade física grave.
Respondeu o MºPº, concluindo no sentido da infundada argumentação da recorrente, com a consequente manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
Lembrando que esta Instância conhece apenas de direito, por via de regra, e que o “thema decidendum” se nos apresenta delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, avancemos para a abordagem e tratamento da única questão que se perfilha, que é a de saber se a arguida cometeu a infracção de que vem acusada, ao não comunicar à IGT, no prazo de 24 horas, o acidente sofrido pelo trabalhador (D)
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Vem assente a seguinte factualidade:
1º - “Jardins Expo Promoção Imobiliária SA” adjudicou a obra de concepção/construção destinada a habitação, localizada nos loteamentos RTB6, lotes 2 e 3, e RQ 3,nas Olaias, em Lisboa, à empresa construtora “Soposol – Sociedade Geral de Construções e Obras Públicas, SA” que subempreitou a execução de trabalhos de instalação eléctrica à empresa “A – Sociedade Industrial e Comercial de Alverca , Lda” .
2º - Em 11 de Novembro de 2004, pelas 11 horas e 15 minutos, nas Traseiras da Rua João Nascimento Costa, o trabalhador (D) , de nacionalidade russa, com a categoria de electricista, a exercer a sua actividade profissional , para a “A – Sociedade Industrial e Comercial de Alverca , Lda” , quando estava no exterior da obra , apoiado numa escada, a uma altura de, aproximadamente, 5 metros, a proceder à remoção de um cabo de instalação eléctrica do estaleiro que se encontrava ligado a um poste, este quebrou , fazendo-o cair .
3º -Em consequência da queda, o trabalhador sofreu politraumatismos diversos, tendo sido assistido no local pelo INEM e por este transportado para ao Hospital de S. José , onde ficou internado, tendo tido alta em 22 de Fevereiro de 2005, curado, sem desvalorização.
4º -O acidente acima descrito não foi comunicado pela entidade empregadora à Inspecção Geral de Trabalho cujo conhecimento foi obtido, através da informação prestada pelas autoridades policiais, em 2/12/2004.
5º- Por decisão proferida pela Inspecção Geral do Trabalho, foi aplicada uma coima de € 2.225,00, pela prática, a título de negligência, da contra-ordenação consubstanciada na omissão do dever de comunicação , prevista e punível pelos artigos 24º e 26º, nº3, do Decreto-Lei 273/2003 , de 29 de Outubro.
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O direito:
Defende a recorrente que, contrariamente ao entendido pela decisão da autoridade administrativa e pela sentença recorrida, não estava obrigada a participar o acidente sofrido pelo trabalhador (D), nos termos do nº 3 do artº 24º do DL 273/2003, de 29/10, por o mesmo não ter sofrido uma lesão grave, havendo que aplicar analogicamente o disposto no artº 144º do Cod. Penal.
Vejamos:
Como se refere no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 15/3/2007, proc. 125/06, in www.dgsi.pt, no desenvolvimento da economia do DL 273/03 – que estabelece as regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis, como se inscreve no artº 1º, que define o seu objecto – visa-se primordialmente, como expressamente se consignou no ponto 4º do respectivo Preâmbulo, que todos os intervenientes no estaleiro, (quando de um estaleiro compartilhado se trate, logicamente), nomeadamente os subempreiteiros e os trabalhadores independentes, cumpram o plano de segurança e saúde para a execução da obra, devendo a entidade executante e o coordenador de segurança em obra acompanhar a actividade dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, de modo a assegurar o cumprimento do plano.
Definindo responsabilidades aos vários níveis de intervenção dos respectivos operadores, comete-se à entidade executante, de entre outras obrigações, a de comunicar, à Inspecção- Geral do Trabalho, o acidente de trabalho de que resulte a morte ou lesão grave do trabalhador, no prazo máximo de 24 horas.
Com efeito, dispõe-se no artº 24º desse Decreto-Lei 273/2003 que: “1- Sem prejuízo de outras notificações legalmente previstas, o acidente de trabalho de que resulte a morte ou lesão grave do trabalhador, ou que assuma particular gravidade na perspectiva da segurança no trabalho, deve ser comunicado pelo respectivo empregador à Inspecção-Geral do Trabalho e ao coordenador de segurança em obra, no mais curto prazo possível, não podendo exceder vinte e quatro horas. 2 - A comunicação do acidente que envolva um trabalhador independente deve ser feita pela entidade que o tiver contratado. 3 - Se, na situação prevista em qualquer dos números anteriores, o acidente não for comunicado pela entidade referida, a entidade executante deve assegurar a comunicação dentro do mesmo prazo, findo o qual, não tendo havido comunicação, o dono da obra deve efectuar a comunicação nas vinte e quatro horas subsequentes”.
Sustenta a recorrente que sobre ela não recaía a obrigação de comunicar o acidente em causa, por a lesão sofrida pelo trabalhador não se poder qualificar como grave, sendo que a mesma arguida não teve qualquer possibilidade de averiguar a natureza das lesões sofridas, não relevando o facto de o sinistrado ter sido transportado para o hospital e aí ter ficado internado. Mais refere que se deve aplicar analogicamente o conceito do artº 144º do Cod. Penal- ofensa à integridade física grave.
Não tem qualquer razão.
Em primeiro lugar, importa dizer que não parece descabida a conclusão da sentença recorrida quando afirma que, não estabelecendo o DL 273/03 qualquer conceito de “lesão grave”, haverá que, até em obediência ao princípio da aplicação subsidiária da legislação penal (artº 32º do RCGO- DL 433/82, de 27/10), fazer-se apelo ao artº 144º do Cod. Penal, em que o legislador considera como grave, para efeitos penais, a privação de importante órgão ou membro e a eliminação ou afectação, de maneira grave, da capacidade de trabalho.
Por outro lado, também não nos repugna o entendimento do Sr. Juiz de que, tendo o sinistrado sido assistido no local onde ocorreu o acidente, nada impedia a recorrente de averiguar, junto dos profissionais do INEM que prestaram a assistência, quais as lesões cuja existência se encontrava indiciada, na sequência da observação, no local, e de que, por outro lado, tendo o sinistrado sido transportado, de seguida, pelo INEM, ao Hospital de S. José, à recorrente era possível averiguar, junto desta unidade hospitalar, qual a situação daquele, em virtude das lesões sofridas com a queda pois, conforme resulta da participação elaborada pelos agentes de autoridade policial e junta a fls. 9, a situação clínica do sinistrado – internamento com diagnóstico de politraumatismos diversos - era conhecida pelas 7 horas e 45 minutos do dia 12 de Novembro de 2004.
Assim, não se pode a arguida escudar no sigilo hospitalar para desculpar a atitude menos diligente da sua parte.
Mas isto nem sequer é, em nossa opinião, a argumentação decisiva.
É que há que ponderar o escopo visado pelo referido artº 24º do DL 273/03 e, em termos gerias, pelo diploma em si.
Com efeito, o que se pretende com tal diploma é estabelecer as regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção. Ou seja, medidas necessárias à prevenção de acidentes, utilizando como condicionantes a previsibilidade dos riscos, por forma a combatê-los na sua origem e, como pormenor que não é o menos importante, a aptidão e formação dos trabalhadores que actuam em zonas de risco grave.
E entendemos que, para o cumprimento da obrigação estabelecida no referido artº 24º, não é exigível à entidade executante que faça, num reduzido lapso de tempo como é o espaço de 24 horas, uma exaustiva e muito menos definitiva avaliação da natureza da lesão corporal sofrida pelo acidentado. O que se pretende é que esta, face às circunstâncias concretas do acidente, estabeleça uma correcta perspectiva das possíveis implicações do sinistro, em termos da saúde e capacidade de trabalho da vítima, e, de outra banda, e como refere o próprio nº 1 do artº 24º, que analise o mesmo sinistro em termos de o mesmo poder assumir “particular gravidade na perspectiva da segurança no trabalho”. Tanto mais que a finalidade da comunicação à IGT tem que ver, necessariamente, com a necessidade do conhecimento rápido, por parte daquela entidade, do sinistro, por forma a poder efectuar as averiguações consideradas adequadas, no âmbito do cumprimento das normas sobre higiene e segurança no trabalho, havendo que precaver, também, os perigos de se perderem elementos de prova fundamentais para aquela avaliação.
Daí que entendamos que a obrigação de comunicação existirá sempre que a entidade executante da obra tenha elementos objectivos que lhe permitam suspeitar da existência de lesões que venham a impedir ou a limitar, de maneira grave, a vítima de exercer a sua capacidade de trabalho, ou que possam indiciar o desrespeito grave por normas de segurança no trabalho.
E, no caso concreto, existiam esses elementos objectivos: o sinistrado caiu de uma altura de 5 metros, sofrendo politraumatismos diversos, tendo sido assistido no local pelo INEM e por este transportado para o Hospital de S. José, onde ficou internado. Pelo que, ao não comunicar o acidente à IGT, cometeu a arguida, por negligência, a contra-ordenação que lhe foi imputada, já que lhe era exigível que actuasse de outro modo.
Tal como no ilícito penal, no ilícito contra-ordenacional há também um princípio de culpa.
Do artº 8º, nº 1 do RGCO decorre que a negligência só é punível se a lei especialmente o determinar.
O artº 616º do Código do Trabalho estipula que “A negligência nas contra-ordenações laborais é sempre sancionável”.
Desta norma não decorre qualquer presunção de negligência nas contra-ordenações, dado que a culpabilidade deve ser apreciada e decidida no decurso do processo respectivo (cfr. João Soares Ribeiro, Contra-Ordenações Laborais – Regime Jurídico Anotado contido no Código do Trabalho, 2ª edição, pág. 335).
Dispõe o art. 15º do Código Penal: “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”.
No tipo legal negligente censura-se ao agente o não ter observado os deveres de diligência que, perante as circunstâncias e face aos seus conhecimentos e capacidades pessoais, lhe incumbiam, não prevendo a realização do resultado, quando o podia ter feito, ou prevendo, confiou em que não ocorreria.
A negligência traduz-se, à partida, na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência que, segundo as circunstâncias concretas, seria adequado a evitar o resultado produzido.
Na negligência não deixa de se partir de um facto voluntário punível, em que se exige um comportamento humano dominado pela vontade, pelo que a responsabilidade negligente pressupõe, igualmente, a capacidade de acção, vertida numa "conduta humana socialmente relevante".
O tipo há-de abarcar um agente, uma determinada actividade, um resultado, e a violação de um dever de cuidado a que se está obrigado e de que se é capaz (cf. artº 15º do Cod. Penal), residindo neste último aspecto o fulcro da responsabilidade negligente.
O problema essencial reside no critério a utilizar para aferir do que seja uma acção prudente ou uma acção negligente, o que significa, na verdade, descobrir o conteúdo do dever de cuidado, cuja contrariedade determinará a tipicidade da acção.
Na situação concreta não poderá deixar de se considerar que, de um duplo ponto de vista da preocupação pelo estado de saúde da vítima e da necessidade de fazer chegar o sinistro ao conhecimento da entidade com competência para a fiscalização da condições de higiene e segurança no trabalho- a IGT, já que devia saber que lhe assistiam determinadas obrigações no que concerne à salvaguarda da segurança e saúde dos trabalhadores que laboravam naquele estaleiro, constituía ónus da arguida estar perfeitamente ciente da sua obrigação de comunicar o acidente àquela entidade.
Não o tendo feito, cometeu a infracção de que veio acusada.
Pelo que improcedem as conclusões do recurso.
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Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se, embora por diversos fundamentos, a sentença impugnada.
Custas pela recorrente, com 5 (cinco) UC’s de taxa de justiça.
Lisboa, 6/6/2007