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EMBARGOS DE TERCEIRO
TEMPESTIVIDADE
Sumário
Perante a actual redacção dos artºs 353º e 354º do CPC, impende sobre o embargante, se invocar a superveniência subjectiva do conhecimento do acto lesivo do seu direito, o ónus de provar a tempestividade da dedução dos embargos de terceiro. (C.M.)
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1.
Por apenso à execução que o Banco Comercial Português, SA instaurou contra Publigal – Brindes Publicitários, Ldª” e outros, veio Fernando Manuel Alves Rodrigues embargar de terceiro.
Alegou, em síntese, que a moradia unifamiliar melhor identificada nos autos e que foi penhorada no processo de execução, lhe pertence por ter adquirido a parcela de terreno onde a edificação se encontra implantada, a qual é uma construção clandestina, sendo que aquela compra incluiu a identificada moradia.
Mais alegou que teve conhecimento da penhora apenas em 30/11/2002.
Concluiu pelo recebimento dos embargos, com a consequente suspensão da execução quanto ao bem em causa e, finalmente, pela posterior procedência dos embargos com o inerente levantamento da penhora.
Foram recebidos os embargos com a consequente suspensão da execução, quanto à identificada moradia.
Notificadas as partes primitivas nos termos e para os efeitos do disposto pelo artº 357º nº 1 CPC, foi apresentada pelo Banco Comercial Português, SA contestação suscitando a questão da caducidade do direito de embargar e impugnando a matéria alegada pelo embargante, tudo para concluir pela improcedência dos embargos.
2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que julgou procedente a invocada excepção da caducidade do direito de embargar e, consequentemente, indeferiu os embargos e determinou o ulterior prosseguimento da execução.
Para o efeito entendeu que o embargante não provou que tenha instaurado os embargos no prazo de trinta dias a que alude o artº 353º nº2 do CPC, reportado à data em que ele teve conhecimento da diligência que ofendeu a sua posse
3.
Inconformado apelou o embargante.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª Cabe ao embargado o ónus da prova da intempestividade dos embargos de terceiro, nos termos do artº 343 º nº2 do CC em consonância com o a rtº 353º nº2 do CPC.
2ª Nos presentes autos o executado não logrou fazer prova, como lhe competia, da intempestividade da interposição dos embargos.
3ª Por outro lado a sentença é nula, nos termos do artº 668º nº1 do CPC, porquanto deveria ter apreciado que o ónus da prova era do executado, o que não fez e, ao omiti-lo, não se pronunciou sobre algo que era obrigada a pronunciar-se.
4ª A sentença deve ser considerada nula e os embargos procederem.
4.
Sendo que, por via de regra – de que o presente caso não constitui excepção – o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª Nulidade da sentença por falta de pronuncia. 2ª Ónus da prova quanto à intempestividade dos embargos de terceiro.
5.
Os factos apurados são os seguintes:
1 – Na execução de que estes embargos constituem apenso, por termo lavrado em 19/03/01 (fls. 135) foi efectuada a penhora de uma moradia unifamiliar, (…).
2 – Em 06/04/01 o embargante adquiriu por compra a C (…), 750/30500 avos do terreno do prédio descrito sob o artº 4899 da freguesia da Costa da Caparica.
3 – A aquisição dos 750/30500 encontra-se registada a favor do embargante pela inscrição nº 101542, Ap. 55/010626, registada no Livro G178, a fls. 54.
4 – No terreno adquirido pelo embargante encontra-se implantada a moradia unifamiliar que foi penhorada.
5 – Construção essa que é clandestina.
6 – A compra efectuada pelo embargante incluiu a moradia acima descrita.
7 – O embargante come, dorme e recebe os seus amigos na moradia penhorada.
8 – E fá-lo sem oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente e agindo como sendo seu proprietário.
6.
Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
Nos termos do artigo 668º, nº1 al.d) do CPC: É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…
Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 156º e 660º do CPC, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 156º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº660º.
Como é doutrina e jurisprudência pacíficas não se devem confundir «questões» a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.
A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, III, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.
No caso vertente é evidente que o Sr. Juiz a quo se pronunciou sobre a questão central (e única) que emerge deste recurso.
Pois que expressamente expendeu: «Ora, no caso em apreço, o embargante alicerçou a tempestividade dos embargos na alegação de que havia tido conhecimento da penhora apenas em 30/11/02, contudo não logrou fazer a respectiva prova, como resulta da resposta negativa ao artº 6º da base instrutória. Deste modo, desconhecendo-se a data do efectivo conhecimento por parte do embargante da diligência de penhora, sendo certo que a data por ele alegada não resultou provada, e sendo esse um elemento de facto constitutivo do seu direito, não nos resta se não concluir que o embargante não demonstrou, como lhe cabia, a tempestividade dos embargos e, em consequência, concluir pela respectiva caducidade».
Ou seja, resulta claro que ao exprimir que o ónus da prova pertencia ao embargante, naturalmente que, pelo menos «a acontrario sensu», tem de concluir-se que é do entendimento que tal ónus não pertence ao executado/embargado.
O que, desde logo, afasta a tese da nulidade por falta de pronúncia e coloca a questão em sede de (I)legalidade da decisão, como infra se analisará.
6.2.
Segunda questão.
Nos termos do artº353º nº2 do CPC:
«O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes aquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas».
Estatuindo ao artº 354º do mesmo compêndio legislativo:
«Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante»:
E nos termos do artº 343º nº2 do CC
«Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignadas na lei».
(realce nosso).
No domínio do Código de Processo Civil anterior à revisão de 1995 entendia-se que, sendo o prazo da instauração dos embargos de terceiro um prazo de caducidade, e não se tratando de matéria não excluída da disponibilidade das partes, estava vedado o seu conhecimento oficioso, por força do disposto no artigo 333º nº 2 do CC.
Mais se entendia quea não expiração do prazo não era um elemento constitutivo do direito do embargante, porque apenas se traduzia na inexistência de uma causa extintiva dele e que cabia ao embargado a alegação e a prova do seu decurso, nos termos do 342º nº 2 do CC.
No regime processual vigente a redacção dada ao artigo 354º deixa claro que no juízo de viabilidade liminar da pretensão do embargante a efectuar na fase introdutória dos embargos de terceiro deve conhecer-se oficiosamente da tempestividade da sua dedução, devendo a petição ser liminarmente indeferida, se em face do alegado e dos elementos constantes dos autos, emergir inequivocamente – vg. Quando o embargante não invoca a superveniência subjectiva do conhecimento da diligência que afectou o seu direito e dos autos resulta, perante a data da diligência, que a sua pretensão é extemporânea - a sua intempestividade.
Trata-se, aliás, de uma solução que se conforma com o disposto no artigo 496º CPC, segundo a qual o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado - Neste sentido, cfr. Miguel Mesquita in Apreensão de Bens em processo Executivo e Oposição de Terceiro,, Almedina, 2001., p.117, Salvador da Costa, in Os Incidentes Da Instância, p.195 e196 e Ac. Relação de Lisboa de 03.02.2005, in dgsi.pt, p.467/2005-6.
Mas se o embargante invoca tal superveniência subjectiva, ou seja, o conhecimento do acto lesivo da sua posse, posteriormente aos trinta dias subsequentes aquele em que a diligência foi efectuada, dúvidas se poderão levantar quanto ao ónus da prova da efectiva e concreta data de tal conhecimento.
Para uns tal ónus impende sobre o embargado, competindo ao embargante apenas alegar tal conhecimento superveniente – Cfr. Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.108, Miguel Teixeira de Sousa, A Acção Executiva Singular, 1998, p.314 e Ac. da Relação de Lisboa de 10.04.2006, dgsi.pt,p.2783/2006-6.
Para outros tal ónus tem de ser suportado pelo embargante o qual terá de alegar e provar a data do de tal conhecimento superveniente – cfr. Ac. Da Relação de Lisboa de 16.03.2006, dgsi.pt, p.11249/2006-6, Ac. Do STJ de 21.05.2002, in Sumários, 5/2002 e José Lebre de Freitas, in A Acção executiva, 4ª ed. p.295.
Propendemos para esta posição perante a redacção das disposições aplicáveis.
Efectivamente o artº 353º nº2 do CPC, reportando-se exclusivamente á (in)tempestividade dos embargos, expressamente estatui que o embargante deve, desde logo, oferecer todas as provas.
Expressão esta que, lógica e teleológicamentre interpretada, clama a conclusão que deve o embargante provar a tempestividade, pois que se sobre ele não recaísse tal ónus, desnecessária (pelo menos tendencialmente, salva a perspectiva da contra prova ou prova em contrário) seria tal asserção, já que nenhuma consequência negativa o afectaria no caso de as não apresentar na medida em que o ónus recairia sobre o embargado.
Por outro lado do artº 354 resulta que, ainda antes de se produzir prova sobre a viabilidade substancial dos embargos, importa averiguar da sua tempestividade : «sendo apresentada em tempo…».
O que inculca a ideia que é o embargante que tem de convencer de tal, já que nos encontramos numa fase liminar ou introdutória em que o embargado nem sequer ainda tem conhecimento da acção, pois que só é notificado para os contestar depois de eles serem recebidos – artº 357º do CPC.
Nem se podendo defender a tese contrária com o argumento de que: « …o embargante goza da presunção de respeito do prazo de dedução de embargos.» – Miguel Teixeira de Sousa, ob. e lo. cits.
Presunção baseada em que factos e realidades, sendo certo em que nos encontramos perante interesses materiais de cariz privado e em que os egoísmos pessoais emergem com acuidade?!
O que vale por dizer que efectivamente os referidos preceitos – artº 353º nº2 e 354º do CPC – consagram uma excepção à regra do artº 343º nº2 do CC, tal como na parte final deste segmento normativo é permitido.
O que é – de jure constituto – ou seria, (se assim não fosse ou não se entenda) - de jure constituendo – defensável, na perspectivação de que os embargos de terceiro, constituem, até certo ponto, uma perturbação por elemento estranho, n/da lide executiva já em curso, pelo que a afectação desta deverá apenas verificar-se em casos liminar e inequivocamente atempados e consistentes, devendo tal ser demonstrado pelo embargante, o qual, aliás, em melhor posição se encontra para provar o alegado, não fazendo recair no embargado ónus probatórios que, pelo menos em alguns casos, poderiam constituir uma «diabólica probatio», com postergação ou compressão dos princípios da justa repartição dos ónus processuais e da igualdade de armas dos litigantes.
7. Decisão. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 2007.06.12
Carlos António Moreira
Isoleta Almeida Costa
Maria do Rosário Gonçalves