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RAI
PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO
FALTA DE INQUÉRITO
Sumário
Em obediência ao principio do acusatório, não pode ser requerida a abertura da instrução contra pessoa que não foi investigada no inquérito - sob pena de nulidade insanável por falta de inquérito [art. 119.º, al. d), do CPP].
Texto Integral
Processo nº 9348/10.5TAVNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Central – 1ª Secção Instrução Criminal – J4
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
No processo de inquérito que, com o n.º 9348/10.5TAVNG, correu termos pelos Serviços do Ministério Público da Comarca do Porto – 2.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Vila Nova de Gaia, foi proferido despacho onde se concluiu pelo arquivamento dos autos relativamente aos factos constantes de queixa apresentada pela sociedade comercial B…, Lda., contra a sociedade comercial C…, SA, D…, E… e F…, por se entender que não se registam indícios suficientes da prática do crime denunciado – violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos previsto e punível pelo artigo 322º do Código da Propriedade Industrial. B…, Lda., constituída Assistente nos autos, requereu a abertura da instrução.
Distribuído o processo ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Central – 1ª Secção Instrução Criminal – por decisão judicial proferida em 28 de Janeiro de 2016, foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução.
Inconformada com esta decisão, a assistente interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
«a) B…, Lda., Assistente, através despacho v/Referência 363153672 viu indeferida a sua pretensão de Requerer a Abertura de Instrução relativamente ao processo 9348/10.5TAVNG, que corre termos no T.J.C. Porto-Porto-Inst. Central-1ª Sec.Ins.Criminal-J4, despacho que ora recorre e pretende ver substituído. b) Nos termos do nº 3 do art.º. 287º, o Meritíssimo Juiz de Direito considerou como legalmente impossível o RAI interposto pela aqui Recorrente, esgrimindo para tal os seguintes fundamentos:
i. Do RAI não constar uma descrição factual do ilícito que se pretende ver averiguado de forma perceptível ao tribunal e ao visado, ou seja, o mesmo não descrever os factos indiciadores do crime previsto no art.º. 322º do CPI.
ii Nem a sociedade G… nem H… foram constituídos arguidos no decorrer do Inquérito, como tal ao estar-se a admitir abertura da instrução estar-se-ia a lesar o direito de defesa do arguido. c) A aqui Recorrente insurge-se nesta sede contra ambos os argumentos, pretendendo que se veja revogado e substituído o referido despacho e, consequentemente, que seja determinada a respectiva abertura da instrução e subsequente tramitação processual, com a produção dos actos de instrução pertinentes. d) Vejamos, e) De qualquer RAI deverá constar uma “verdadeira acusação”, nele deverão estar presentes os mais elementares requisitos apregoados pela jurisprudência nacional, no caso:
i. “Nos termos do disposto no artº 287º, nº 2 do CPP, o requerimento de abertura da instrução “não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283º”
ii. “E assim sendo, o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente há-de conter “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” (al. b)do nº 3 do artº 283º) e “a indicação das disposições legais aplicáveis” (al. c) idem)”
iii. Conforme o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 12/4/2011 (Pr. 700/06.1TASTB.E1). f) No RAI que viria a ser indeferido foram descritos os factos indiciantes suficientes em ordem a integrar o elemento subjectivo do crime imputados aos arguidos, correspondendo às exigências postuladas pela jurisprudência e pelo CPP, mais concretamente nos artigos 287º nº 2 e 283º, nº 3, alíneas b) e c), conforme aqui transcreve a Recorrente:
i. “ A. Em 19-12-2008 a assistente efectuou o registo comunitário referente a um desenho de candeeiro de tecto, também designado de suspensão, junto do Instituto de Harmonização do Mercado Interno sediado em Alicante (Espanha)., com o n.º 001060370-0005, tendo sido publicado no Boletim Europeu de Desenhos n.º 2009/008 em 15/01/2009. B. Em finais de 2009 a assistente teve conhecimento que um candeeiro semelhante ao que tinha sido registado pela assistente encontrava-se a ser vendido pela empresa C… junto dos seus espaços comerciais. (…) E. Não obstante a assistente ter entrado em contacto com representantes da sociedade C… a mesma decidiu não retirar qualquer artigo. F. Em 22 de Fevereiro de 2011 foi efectuada uma apreensão pela ASAE num dos espaços comerciais tendo sido apreendidas duas unidades do aludido produto. G. Foi apurado que o referido produto é em todo semelhante ao produto da assistente, o que pode facilmente trazer confusão e era vendido a um preço mais reduzido. H. I… foi o responsável directo pela comercialização do produto pela sociedade C… S.A. desde início de 2010 até Março de 2013. I. Não tendo o referido arguido aferido se os bens em causa violavam normas comunitárias. J. Não obstante a apreensão ter sido realizada em 22 de Fevereiro de 2011, e a sociedade C… S.A. ter conhecimento da violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos a mesma persistiu na sua conduta, não tendo retirado o produto das suas lojas e/ou site de comércio electrónico. K.O fornecedor deste produto é a sociedade G… com sede na …, ZARAGOZA L. A sociedade G… e o seu legal representante H… tinham plena consciência que estavam a vender um produto mais barato o qual se encontrava registado o seu modelo e/ou desenho a favor da sociedade assistente M. A sociedade C… S.A. não tomou as medidas necessárias para aferir se o produto em apreço não era susceptível de violar normais comunitárias. N. Ademais pelo menos desde o dia 22 de Fevereiro de 2011 que a sociedade C… S.A. tinha plena consciência que os artigos por si vendidos violavam normais legais em vigor e que eram alvo de protecção. O. A C… e o seu colaborador I… tinham plena consciência que a sua actuação era passível de ser punida por lei, contudo ignoraram a referida situação pelo simples propósito de obter um produto por um preço mais baixo.” P.A G… e o seu legal representante H… tinham plena consciência que o seu produto era passível de confusão com o da sociedade assistente e que o modelo estava abrangido por normas de protecção comunitárias. Q.Com esta conduta os arguidos incorreram na prática de crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos previsto no artigo 320º, 322º do C.P.I.” g) Em momento algum a aqui Recorrente se poderia abster de recorrer, quando os factos ora transcritos (condutas de exploração, divulgação, importação, distribuição e venda de um produto com um desenho devidamente registado e sem a autorização do legítimo proprietário do direito exclusivo)em tudo se subsumem ao postulado nos artigos 320º e 322º do CPI: “Violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelosÉ punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias quem, sem consentimento do titular do direito: a) Reproduzir ou imitar, totalmente ou em alguma das suas partes características, um desenho ou modelo registado; b) Explorar um desenho ou modelo registado, mas pertencente a outrem; c) Importar ou distribuir desenhos ou modelos obtidos por qualquer dos modos referidos nas alíneas anteriores.” h)Mas não é tudo, i) O Meritíssimo Juiz de Direito conclui ainda no supradito despacho:
i. Por da Queixa-Crime desencadeadora do procedimento criminal não constar referência a H… e da G…:
ii. e não tendo os visados sido constituídos arguidos e interrogados no inquérito,
iii. ao estar-se a admitir o requerimento de abertura de instrução, estar-se-ia a diminuir as garantias de defesa do arguido, ao substituir-se a fase de inquérito pela instrução, sem dar oportunidade ao arguido de se defender j) A aqui Recorrente, mais uma vez, tende a não concordar! k) E mais uma vez, socorrer-se-á da jurisprudência nacional para demonstrar os seus pontos de vista, que os são:
i. Nada obsta a que, face a determinados pressupostos posteriormente conhecidos, o procedimento criminal se torne extensivo a outras pessoas, singulares ou colectivas, não constantes da queixa-crime.
ii.Nada obsta a que, face a determinados pressupostos, sejam constituídos arguidos em fase de julgamento ou de instrução e que dessa constituição não resultam violações as garantias de defesa dos arguidos. l) Ora, corroborando o pensamento da Recorrente:
i. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto referente ao processo 0613252 relatado pela Veneranda Juíza Desembargadora ÉLIA SÃO PEDRO que ora se transcreve: “Havendo vários comparticipantes no crime, basta a apresentação de queixa contra um deles para que o procedimento criminal se torne extensivo a todos. Não é pois necessário que o arguido apresente queixa contra todos; uma vez apresentada queixa contra qualquer um deles, o M.P. tem legitimidade para prosseguir a acção penal e acusar aqueles contra quem se vierem a verificar os indícios da prática do crime.”.
ii. E o Acórdão da mesma Relação referente ao processo 0712170, cujo relator foi o Venerando Juiz Desembargador Guerra Banha: “Em todo o caso, se no decurso da instrução se viesse a constatar que os factos haviam sido cometidos, em comparticipação criminosa, por outras pessoas para além dos requeridos, ainda que não denunciadas, a consequência jurídica a retirar não era, nunca, a da extinção do procedimento criminal contra todos, mas, antes, a da extensão dos efeitos da queixa tempestivamente apresentada aos comparticipantes não denunciados e/ou não requeridos, nos termos do disposto no art. 114º do Código Penal. O que em sede de instrução, não podendo a pronúncia incidir sobre quem não é arguido nela interveniente (arts. 288º, nº 4, 303º, nº 3, 308º, nº 1, e 309º, nº 1, todos do CPP), se resolve com a comunicação ao Ministério Público para os fins previstos no nº 3 do art. 303º do Código de Processo Penal. Tal e qual como se resolve se esse conhecimento ocorrer em sede de audiência de julgamento (art. 359º, nº 1, do CPP).” m) Nunca foi intuito da Recorrente prejudicar o direito de defesa de quem quer que seja, n) sendo sua única vontade que fossem tomadas todas as diligências necessárias para o apuro da verdade material, conforme resulta do RAI que se volta a transcrever:
i.“Mais se requer ao abrigo do disposto no artigo 287º/2 do C.P.P. que sejam tomadas declarações das seguintes pessoas que deverão ser notificadas para comparecer em juízo: (….) H…, legal representante da sociedade G… com sede na …, ZARAGOZA que deverá responder à seguinte matéria da presente peça processual pontos 18, 19, 20, 27, 28, 66, 73, 76.”
ii. E, só posteriormente, quando os visados já tivessem sido constituídos arguidos no decorrer da instrução e tendo tido oportunidade se defender nas condições salvaguardadas constitucionalmente, é que a Recorrente pretenderia que, conforme se transcreve do RAI, fosse “admitido despacho de pronúncia contra os arguidos C… S.A., I…, G… e H…, e em consequência submete-los a julgamento pela prática do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos previsto no artigo 320, 322º do C.P.I..” o) Pelo que, tendo em conta o supra exposto, impõe-se agora que se veja revogado e substituído o referido despacho e, consequentemente, p) que seja determinada a respectiva abertura da instrução e subsequente tramitação processual, com a produção dos actos de instrução pertinentes, q)mais concretamente que, após a abertura da instrução, sejam constituidos como arguidos a sociedade G… e H… mediante a comunicação ao ministério público para os fins previstos no nº 3 do art. 303º do código de processo penal, conforme proclama a jurisprudência supra citada! r) Tal como foi sempre a vontade da Recorrente, tal como resulta do RAI que a mesma apresentou. s) De todo o modo, mantendo-se as coisas como estão, i. é, o indeferimento da abertura de instrução e o desvalor da acção penal investigatória e acusatória do MP ao não alargar a queixa da ofendida (rectius, já assistente) à sociedade G… e H…, manter-se-ão afectados os art.ºs 114.º do CP, 322.º do CPI e, mais grave, as normas processuais da iniciativa processual do MP (art.º 49.º CPP) e, a contrario, dos art.ºs 277.º (arquivamento) e 283.º (acusação pelo MP) do CPP. Contudo, norma de charneira violada é a do art.º 287.º.3 do CPP, porquanto que é às avessas do catálogo legal das condições de rejeição do requerimento de abertura de instrução que este, o nosso, foi rejeitado. E de falta de competência, extemporaneidade ou inadmissibilidade legal da instrução são coisas, estamos cientes, de que nunca se falou ou arguiu sob o ensejo de refute que nos moveu a recorrer. Assim se cumpre, no espaço das conclusões de recurso, com o que preceitua o art.º 412.º do CPP, ou seja, a indicação das normas jurídicas violadas e a menção do que se entende dever ser o seu recto juízo hermenêutico. Motivo porque deve o presente recurso merecer total provimento, devendo alterar-se o despacho recorrido e assim sendo: Seja determinada a respectiva abertura da instrução e subsequente tramitação processual, com a produção dos actos de instrução pertinentes, mais concretamente que, após a abertura da instrução, para além dos já arguidos C… SA e I…, sejam também constituídos como arguidos a sociedade G… e H… mediante a comunicação ao ministério público para os fins previstos no nº 3 do art. 303º do código de processo penal, conforme proclama a jurisprudência nesta sede apresentada.»
*
Admitido o recurso o Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao mesmo, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«Primeira:
O nosso entendimento nesta matéria, como vimos defendendo, é o que resulta do Acórdão do STJ, de 12 de Março de 2009: I. A instrução é uma fase processual destinada a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento. II. A inadmissibilidade legal constitui uma das três formas legalmente previstas de rejeição do requerimento para abertura de instrução. III. Um dos princípios que presidem às normas processuais é o da economia processual, entendida esta como a proibição da prática de actos inúteis, conforme estabelece o art. 137.9 CPC, aplicável ao processo penal nos termos do art. º do CPP, por o princípio que lhe serve de substrato se harmonizar em absoluto com o processo penal. IV. Há afloramentos deste princípio em diversas normas do CPP, nomeadamente no art. 311.9, ao permitir ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada, e no art. 420.9, que prevê a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência. V. Dado o paralelismo entre a acusação e o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente, deve aquilatar-se da possibilidade de aplicação ao requerimento para abertura da instrução do disposto no art. 311.º, que considera manifestamente infundada a acusação: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as prova que a fundamentam; d) se os factos não constituírem crime. VI. Se o requerimento para abertura de instrução requerida pelo assistente não contém a identificação do arguido, ainda que por simples remissão para o local no processo onde ela consta, a instrução será inexequível e constituirá uma fase processual sem objecto se o assistente deixar de narrar os factos e de indicar as disposições legais aplicáveis. VII. De igual modo, se, pela simples análise do requerimento para abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se dever concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à aplicação duma pena, estaremos face a uma fase instrutória inútil, por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia. VIII. No conceito de «inadmissibilidade legal da instrução», haverá, assim, que incluir, além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de actos processuais em geral. Segunda:
Concordamos com a fundamentação do douto despacho recorrido:
Deve por isso o RAI conter a descrição factual do ilícito que se pretende ver averiguado e imputado de forma percetível ao tribunal (JIC) e ao visado (arguido) - Ac. Rel. Porto de 19.11.2014, proc. 794/07.2TASTS, relator Dr.ª Maria Deolinda Dionísio.
O que de todo não acontece. O RAI não descreve os factos indiciadores do crime do art.º 322º do CPI que imputa.
E como como refere o Prof. Germano Marques da Silva: "o requerimento do assistente tem de conter ruma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele resultar falta de tipicidade da conduta - Curso de Processo Penal, III, pg.134.
Mais.
Como se diz no Ac. Rel. Porto, proc. 3485/07.0TAVNG.P1 nos crimes de natureza semipública e de natureza particular: "A queixa delimita o procedimento criminal quer relativamente aos factos quer relativamente à autoria na mesma indicados, não cobrindo as alterações eventualmente ocorridas relativamente a esta."
Tanto mais que nem a sociedade G…, nem H… foram visados nos autos e como tal sequer constituídos arguidos. Neste caso, estar-se a admitir o requerimento de abertura de instrução, estar-se-ia a diminuir as garantias de defesa do arguido, ao substituir-se a fase de inquérito pela instrução, sem dar oportunidade ao arguido de se defender. Estar-se-ia a lesar o direito de defesa do arguido, e seria uma porta aberta para a omissão da fase de inquérito.
Tal importaria uma violação clara de um direito constitucionalmente consagrado, o que é inadmissível, art.º 32º, nº 6 e 202º, nº 2 da C.R.P. - cfr.ac. Relação do Porto de 30.01.2008, Nº Convencional JTRP00041003, Relator Dr. Francisco Marcolino.
Ora, no conceito de "inadmissibilidade legal da instrução", haverá que incluir, além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de atas processuais em geral - Ac. STJ, proc. 08P3168 de 12-03-2009, pelo que é o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente legalmente impossível, pelos princípios, que norteiam o processo penal não só da legalidade, como da contraditoriedade e dos direitos de defesa do arguido, art.º 61º do CPP e 32º da Constituição, pelo que, em consequência, é rejeitado nos termos do nº 3 do art.º 287º do citado diploma legal. Terceira:
Em função do exposto, afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, negando provimento ao recurso, Vossas Excelências farão, como sempre, JUSTIÇA»
*
Ao recurso apresentado respondeu, igualmente, a arguida C…, S.A., apresentando as seguintes conclusões (transcrição).
«1. O recurso apresentado pela ora Recorrente, a Assistente B…, Lda., (daqui em diante, apenas “Recorrente” ou “Assistente”) está inelutavelmente votado ao insucesso.
2. De facto, o despacho recorrido procede a uma correta e adequada apreciação da inadmissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução (doravante “RAI”), não merecendo, por isso, qualquer censura, devendo ser integralmente confirmado em sede de recurso.
3. As considerações jurídico-processuais tecidas acerca da posição da sociedade G… e do Senhor H…, quer pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, quer pela Assistente na motivação do seu recurso (artigos 20.º a 45.º da sua motivação e nas conclusões i) a s)),são, nesta fase e para efeitos da presente Resposta, relativamente indiferentes para a Recorrida.
4. Não obstante, não pode deixar de tecer umas breves considerações sobre o ponto, em primeiro lugar, para fazer constar que se concorda em absoluto com a decisão do despacho ora em crise, na medida em que procede a um correto enquadramento da questão, aplicando e salvaguardando princípios fundamentais e garantias constitucionais do processo penal.
5. Em segundo lugar, para realçar que os “considerandos” da Recorrente constantes dos artigos 27 e 28 da motivação, mais não são do que isso mesmo: considerações subjetivas resultantes da perspetiva ─ necessariamente parcial ─ da Recorrente.
6. Com efeito, dos elementos constantes do inquérito, resulta apenas que os Arguidos se limitaram a relatar os factos de que tinham conhecimento sobre a matéria a que foram inquiridos, não tendo sido imputada a prática de qualquer crime seja a quem for, nem tão pouco houve o alegado “sacudir de culpas”, não tendo qualquer sustentação factual a afirmação conclusiva vertida no artigo 27.º, alínea C).
7. Por último, a peticionada aplicação do artigo 303.º, n.º 3 do CPP parece descontextualizada e até contrária ao ponto que a Recorrente pretende demonstrar.
8. Com efeito, do acórdão citado para este efeito pela Recorrente resulta apenas, em suma, que como em sede de instrução, não pode a pronúncia incidir sobre quem não é arguido nela interveniente, a circunstância de, no decurso da instrução, se constatar que os factos haviam sido cometidos, em comparticipação criminosa, por outras pessoas não denunciadas, implicaria a comunicação ao Ministério Público para os fins previstos no n.º 3 do artigo 303º do CPP (na redação da norma vigente à data do acórdão, que não é a atual), isto é, para que abrisse inquérito contra tais pessoas.
9. Não se percebe como é que a Recorrente pretende retirar desta norma e desta consequência jurídica (que, repete-se, à luz da redação atual da norma, hoje não seria idêntica, constituindo mera denúncia) um qualquer conteúdo útil que justifique a abertura de instrução contra quem não é Arguido, nem foi sequer ouvido no processo.
10. Não é esse, claramente, o sentido do Acórdão, nem a consequência jurídica à luz das normas vigentes, pelo que este argumento da Recorrente cai pela base, improcedendo igualmente a tentativa de justificação deste seu pedido formulada no artigo 45 da motivação do Recurso.
11. Pelo exposto, deve manter-se inalterada a decisão do Tribunal a quo que (também) pelo motivo ora em análise e ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n,º 3 do CPP, rejeitou o RAI por ser legalmente impossível.
12. Por outro lado, no que diz respeito à inadmissibilidade legal do RAI por não conter a tipicidade ─ objetiva e subjetiva ─ da conduta que a Assistente pretende imputar aos Arguidos, é manifesto que cabe inteira razão ao Tribunal a quo e que o alegado pela Recorrente (nos artigos 7.º a 19.º da motivação do recurso e nas conclusões e) a g)) improcede, não podendo a decisão em crise vir a ser revertida.
13. Como é sabido, a instrução visa, como dispõe o artigo 286º, n.º1, do CPP, a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
14. Como conclui o Supremo Tribunal de Justiça, por imposição da estrutura acusatória do processo, “O requerimento de abertura da instrução constitui, pois, o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz na instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução.” (acórdão do STJ de 24/09/2003, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, proc. nº 03P2299, disponível em www.dgsi.pt).
15. É que, como se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Évora (com data de 12.04.2011, proferido no processo 700/06.1TASTB.E1, disponível em www.dgsi.pt) “não compete ao juiz perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes.”
16. Por isso mesmo é que, o requerimento do assistente para abertura de instrução tem de obedecer aos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 287º e nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 283.º do CPP.
17. É por este motivo que o STJ, no acórdão acima mencionado, conclui que “o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui uma verdadeira acusação, que é a acusação que o assistente entende que deveria ter sido deduzida pelo Ministério Público (cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, "Curso de Processo Penal", vol. III, pág,141)” (com sublinhado e sombreado nossos).
18. Tendo em conta a estrutura acusatória do processo penal e os princípios constitucionais e legais vigentes, o assistente que pretende a abertura da instrução não pode perder de vista que a prática de um ilícito criminal importa o preenchimento de um tipo de ilícito que integra não só um elemento objetivo, mas também um elemento subjetivo, este que por sua vez ainda se subdivide nos elementos cognitivo e volitivo.
19. E por isso ao assistente, no requerimento de abertura de instrução, cabe descrever e imputar aos Arguidos factos donde resulte a existência dos dois elementos referidos, na sua integralidade, factos esses que têm que vir claramente discriminados e circunstanciados no tempo, modo, lugar, motivação e grau de participação dos agentes, para que o acusado deles se possa defender.
20. O RAI formulado pela Assistente não participa das características de uma acusação em sentido material, não respeitando, por isso, as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo artigo 287.º, n.º 2 e pelas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 283.º, ambos do CPP.
21. Desde logo, como resulta da decisão do Tribunal a quo, a Recorrente não apresentou factos que, indiciados, ou presumivelmente indiciados no inquérito, pudessem (e devessem) ter levado o Ministério Público a deduzir acusação, limitando-se, ao contrário, a formulações, genéricas umas, conclusivas outras, sem nenhuma valia em termos processuais.
22. Com efeito, resulta manifesto que a Recorrente não referiu, com a necessária identificação e rigor, os factos que constituiriam uma atuação contra o direito por parte dos Arguidos, o tempo e lugar, os motivos por que a atuação teria sido dolosamente praticada, quais os fundamentos de facto, indiciados ou presumivelmente indiciados, que permitiriam a conclusão sobre a alegada intenção específica de prejuízo da Recorrente (tudo elementos do tipo objetivo e subjetivo descrito no artigo 322.º do CPI que imputa aos Arguidos).
23. Desde logo, quanto ao tipo de ilícito, não é possível retirar do RAI qual é, das condutas ilícitas descritas nas alíneas do artigo 322.º do CPI, aquela pela qual a Assistente pretende especificamente acusar cada um dos Arguidos e, ao que parece, a sociedade G… e a Senhor H….
24. Por outro lado, parece evidente que os factos imputados no RAI, e da forma como estão descritos, não são manifestamente suficientes para preencher, quanto aos Arguidos, os elementos do tipo objetivo e subjetivo descrito no artigo 322.º do CPI, seja qual for a alínea deste normativo em causa.
25. De facto, não só a Recorrente recorreu a formulações genéricas e conclusivas, sem sustentação factual visível e consequentemente de nenhuma valia processual, como tais elementos nem estão sequer circunstanciados no tempo e lugar (basta ler os pontos E., G., I., J., K., L., M., do artigo 10,º da motivação do recurso), ficando assim claro que não se encontra no RAI sequer preenchido o elemento objetivo do tipo de ilícito.
26. Por outro lado, no RAI nem sequer se elencam devidamente factos relativos ao elemento subjetivo do tipo, que como evidenciou o MP na decisão de arquivamento “No que concerne ao elemento subjetivo do tipo-de-ilícito, apenas no caso de se poder afirmar o dolo do agente, poderá a descrita conduta preencher o tipo legal em causa.(...)Assim, e no que ao presente caso importa, exige-se, desde logo, que o agente tenha conhecimento que o produto que fabrica, explora importa ou distribui viola um direito registado exclusivo relativo ao respetivo desenho.”.
27. Assim, é evidente que para preencher este elemento não basta, como faz a Assistente no RAI, imputar ─ de forma não circunstanciada, no tempo, modo e lugar, ─ uma conduta aos Arguidos e dizer que a partir da data em que “foi efectuada uma apreensão pela ASAE num dos espaços comerciais tendo sido apreendidas duas unidades do aludido produto” os mesmos tinham “plena consciência” que a mesma é ilegal.
28. São necessários, desde logo e como exige a lei, factos concretos devidamente circunstanciados dos quais releve o preenchimento do elemento objetivo do tipo de ilícito, o conhecimento dessa factualidade típica pelos Arguidos, a motivação dolosa da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e, por fim, a vontade do agente dirigida à produção do resultado típico, o que no RAI está manifestamente em falta.
29. Note-se finalmente que, relativamente à eventual responsabilização da Arguida C…, no RAI não constam quaisquer elementos factuais relativos ao concreto vínculo existente entre o Arguido pessoa singular e a Arguida sociedade, de modo a que se possa estabelecer, nos termos das disposições legais pertinentes, se a alegada infração foi cometida por um “órgão ou representante” e muito menos em “nome e no interesse colectivo” da Arguida C…, sendo claramente insuficiente, para esse efeito, o que foi reproduzido no ponto H. do artigo 10.º da motivação do recurso.
30. Assim, o RAI não contém os elementos essenciais à função processual a que se encontra destinado, não sendo processualmente prestável para tal finalidade.
31. Aliás, após a leitura do RAI apenas se pode concluir que a Recorrente parece esquecer que a instrução não tem por finalidade direta a fiscalização ou complemento da atividade de investigação e recolha de prova realizada no inquérito, sendo atualmente uma atividade materialmente judicial e não de investigação ou materialmente policial ou de investigações.
32. Por isso, a admissibilidade da instrução nos termos do RAI implicaria uma violação grave de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória.
33. Face a tudo o que ficou dito, dúvidas não restam de que o RAI é legalmente inadmissível, uma vez que não obedece à estrutura acusatória do processo, nem assegura as garantias de defesa dos Arguidos, estando em clara violação do disposto no artigo 283.º, número 3, alíneas b) e c), do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 287.º, número 2, do mesmo diploma, sendo o seu objeto impossível e consequentemente inexistente.
34. Pelo exposto, deve manter-se inalterada a decisão do Tribunal aque, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, número 3, do Código de Processo Penal, rejeitou o RAI, por, atento o conteúdo do mesmo, se verificar uma inadmissibilidade legal da instrução. Termos em que, admitida a presente Resposta, deverá o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o despacho recorrido, com o que se fará a necessária e esperada Justiça.»
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Não foi feito uso da faculdade consagrada no n.º 4 do artigo 414.º do Código de Processo Penal.
Neste Tribunal a Digna Procuradora Geral Adjunta, louvando-se no teor da decisão recorrida e resposta do Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso por manifesta improcedência.
Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.
Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
Posto isto, o objeto do recurso reconduz-se a saber se é ou não admissível o requerimento para a abertura da instrução formulado pela Assistente B…, Lda., ou seja, se tal requerimento contém descrição dos factos indiciadores do crime imputado e se pode ser formulada contra quem não é arguido no processo, a fim de ser dado posterior cumprimento pelo juiz de instrução ao disposto no artigoº 303º nº 3 do Código Processo Penal.
A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição):
«Não se conformando com os fundamentos que determinaram por parte do Mº Pº o arquivamento dos autos, veio a assistente B… requerer a instrução pugnando pela pronúncia de C…, SA, H…, G…, e de H… pelo crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, nos termos do art.º 320º e 322º do CPI.
Cumpre apreciar.
Os presentes autos tiveram início face à queixa apresentada pela assistente B…, Ld.ª, com sede na Maia, contra a sociedade comercial C…, SA, com sede em …, Caiscais, D…, E… e F…, administradores desta, por factos indiciadores do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, da previsão do art.º 322º do CPI, aprovado pelo DL 36/2003 de 5/3, com as alterações decorrentes do DL n.º 318/2007 de 26/09, DL n.º 360/2007 de 02/11, Lei n.º 16/2008 de 01/04, DL n.º 143/2008 de 25/07, Lei n.º 52/2008 de 28/08 e Lei n.º 46/2011 de 24/06. De acordo com a queixa, a denunciada tinha expostos à venda nas suas lojas, fez constar dos seus catálogos disponibilizados ao público e do site http://www.B...pt/index.php/, pelo menos desde meados de Agosto de 2010, candeeiros iguais a um candeeiro sobre o qual a queixosa detém direito de propriedade industrial registado; o desenho de tal candeeiro encontra-se registado no Instituto de Harmonização do Mercado Interno sediado em Alicante (Espanha) com o nº 001060370-0005, tendo sido publicado no Boletim Europeu de Desenhos nº 2009/008 em 15/1/2009; o direito detido pela queixosa é exclusivo e válido em toda a União Europeia, sendo que o registo do desenho confere à queixosa o direito exclusivo de o utilizar e de proibir a sua utilização por terceiros, sem o seu consentimento; com a queixa, foram juntos documentos comprovativos da factualidade ali descrita. De acordo com o requerimento de instrução “a assistente teve conhecimento que um candeeiro semelhante ao que tinha sido registado pela assistente encontrava-se a ser vendido pela empresa C… junto dos seus espaços comerciais”. Por sua vez dispõem assim o art.º 322º do CPI: “é punido com pena … quem, sem consentimento do titular do direito: reproduzir ou imitar … um desenho ou modelo registado, explorar um desenho ou modelo registado, mas pertencente a outrem …, importar ou distribuir desenhos ou modelos obtidos por qualquer dos modos referidos …”.
A vinculação temática do tribunal constitui a pedra angular de um efetivo e consistente direito de defesa do arguido – sem o qual o fim do processo penal é inalcançável –, que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da atividade cognitiva e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência - Ac. STJ, proc. 08P2044 de03-09-2008. Isto é, o juiz de instrução está limitado na sua ação pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução.
Deve por isso o RAI conter a descrição factual do ilícito que se pretende ver averiguado e imputado de forma percetível ao tribunal (JIC) e ao visado (arguido) – Ac. Rel. Porto de 19.11.2014, proc. 794/07.2TASTS, relator Dr.ª Maria Deolinda Dionísio. O que de todo não acontece. O RAI não descreve os factos indiciadores do crime do art.º 322º do CPI que imputa.
E como como refere o Prof. Germano Marques da Silva: “o requerimento do assistente tem de conter uma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele resultar falta de tipicidade da conduta - Curso de Processo Penal, III, pg. 134.
Mais.
Como se diz no Ac. Rel. Porto, proc. 3485/07.0TAVNG.P1 nos crimes de natureza semipública e de natureza particular: "A queixa delimita o procedimento criminal quer relativamente aos factos quer relativamente à autoria na mesma indicados, não cobrindo as alterações eventualmente ocorridas relativamente a esta."
Tanto mais que nem a sociedade G…, nem H… foram visados nos autos e como tal sequer constituídos arguidos. Neste caso, estar-se a admitir o requerimento de abertura de instrução, estar-se-ia a diminuir as garantias de defesa do arguido, substituir-se a fase de inquérito pela instrução, sem dar oportunidade ao arguido de se defender. Estar-se-ia a lesar o direito de defesa do arguido, e seria uma porta aberta para a omissão da fase de inquérito.
Tal importaria uma violação clara de um direito constitucionalmente consagrado, o que é inadmissível, art.º 32º, nº 6 e 202º, nº 2 da C.R.P. – cfr.ac. Relação do Porto de 30.01.2008, Nº Convencional JTRP00041003, Relator Dr. Francisco Marcolino.
Ora, no conceito de “inadmissibilidade legal da instrução”, haverá que incluir, além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de atos processuais em geral - Ac. STJ, proc. 08P3168 de 12-03-2009, pelo que é o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente legalmente impossível, pelos princípios, que norteiam o processo penal não só da legalidade, como da contraditoriedade e dos direitos de defesa do arguido, art.º 61º do CPP e 32º da Constituição, pelo que, em consequência, é rejeitado nos termos do nº 3 do art.º 287º do citado diploma legal.
Custas pela assistente, fixando a taxa de justiça em 1 UC.
Notifique.»
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Conhecendo.
Assentando o nosso processo penal numa estrutura acusatória - artigo 32.º nº 5 da
Constituição da República Portuguesa – o inquérito é a única fase legalmente prevista destinada, especificamente, a "investigar a existência de um crime, determinar os' seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas" – artigo 262.°, nº 1 do Código Processo Penal. A direção do inquérito, nos termos do disposto nos artigos 53º, nº 2 e 263º do mesmo diploma legal e sem prejuízo dos atos da competência exclusiva do juiz de instrução a que se referem os artigos 268º e 269º do Código Processo Penal, encontra-se conferida ao Ministério Público. «O princípio acusatório (…) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório). (…).» Gomes Canotilho e Vital Moreira In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, Coimbra Editora, 2007, a página 522.
Encerrado o inquérito (ressalvadas as hipóteses previstas para os crimes particulares - artigos 50º e 285º - e para as situações especiais a que aludem os artigos 280º e 281º do Código Processo Penal), o Ministério Público terá de decidir quanto aos factos objeto de investigação e a participação nos mesmos de cada um dos agentes sobre a qual aquela foi dirigida, proferindo despacho de arquivamento, na hipótese de ter sido recolhida prova bastante de se não ter verificado o crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser inadmissível o procedimento ou se não tiver sido possível obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes – artigo 277º, nºs 1 e 2 do Código Processo Penal – ou, deduz acusação, caso tenham sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente – artigo 283º do Código Processo Penal.
Seja qual for a decisão do Ministério Público (de arquivamento ou de acusação), a mesma encontra-se sujeita a controlo judicial através do recurso à fase da instrução.
Com efeito, estatui o nº 1 do artigo 286º do Código Processo Penal que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
No caso arquivamento do inquérito e não sendo requerida a instrução, o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente tem ao seu dispor outro mecanismo alternativo de controlo previsto no artigo 278º do Código Processo Penal, suscitando a intervenção do superior hierárquico do magistrado do Ministério Público, para que este determine que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam.
Optando o assistente pela abertura da instrução, o requerimento para o efeito, como estatui o artigo 287º, nº 2 do Código Processo Penal “não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º.”
Este artigo 283.º reporta-se à acusação formulada pelo Ministério Público.
E do seu n.º 3 refere-se: “A acusação contém, sob pena de nulidade: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. c) A indicação das disposições legais aplicáveis. (...)”.
Retornando ao artigo 287.º do Código de Processo Penal, e nos termos do disposto no seu n.º 3, resulta que o requerimento de abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
É, por isso mesmo essencial e ademais exigido pelo n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal que, à semelhança do que se mostra exigido para a acusação pública ou particular, o requerimento para a abertura da fase processual da instrução contenha uma descrição clara dos factos adequados de conduzir à responsabilidade criminal – ou seja, uma descrição competente da factualidade resultante do comportamento de alguém que preencha todos os requisitos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime que deu origem ao processo.
A respeito do o requerimento do assistente para abertura de instrução, refere Germano Marques da Silva in Código Processo Penal III, págs 130/135, que tal requerimento «consubstancia uma acusação que, nos mesmos termos que a acusação formal, condiciona e limita a actividade de investigação do juiz e a decisão instrutória o que significa que, não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo, e que fundamente a aplicação aos arguidos de uma pena» (…) «o requerimento do assistente tem de conformar uma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele resultar falta de tipicidade da conduta ou a falta de inimputabilidade do arguido, porque é o próprio procedimento que não pode prosseguir por falta dos pressupostos do objecto, de arguido. Faltando no processo o objecto ou o arguido o processo é inexistente».
Com efeito e tal como acontece com a acusação, o requerimento para a abertura da instrução delimita o thema probandum da atividade desta fase processual.
No caso vertente, insurge-se a recorrente contra o despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal aludida no nº 3 do artigo 287º do Código Processo Penal.
Vejamos então se lhe assiste razão em tal discordância.
É do seguinte teor o requerimento de abertura de instrução, cuja transcrição, na parte que interessa, se segue: «Nestes termos e nos melhores de direito do douto suprimento requer a Vª. Exl.ª digne admitir o requerido proferindo despacho de pronúncia contra os arguidos C…, SA., I…, G… e H…, e em consequência submete-los a julgamento pela prática do crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos previsto no artigo 320º, 322º do C.P.I.. Para julgamento em tribunal singular, dos arguidos já identificados nos autos, C…, SA., I…, G… e H…, nos seguintes termos e fundamentos: A. Em 19-12-2008 a assistente efectuou o registo comunitário referente a um desenho de candeeiro de tecto, também designado de suspensão, junto do Instituto de Harmonização do Mercado Interno sediado em Alicante (Espanha)., com o n.º 001060370-0005, tendo sido publicado no Boletim Europeu de Desenhos n.º 2009/008 em 15/01/2009. B. Em finais de 2009 a assistente teve conhecimento que um candeeiro semelhante ao que tinha sido registado pela assistente encontrava-se a ser vendido pela empresa C… junto dos seus espaços comerciais. C. O produto era vendido por um preço mais baixo do que ao que era praticado pela assistente. D. Essa situação acarretou graves prejuízos para a sociedade assistente, tendo a mesma perdido encomendas não só em Portugal Continental mas igualmente em toda a Europa. E. Não obstante a assistente ter entrado em contacto com representantes da sociedade C… a mesma decidiu não retirar qualquer artigo. F. Em 22 de Fevereiro de 2011 foi efectuada uma apreensão pela ASAE num dos espaços comerciais tendo sido apreendidas duas unidades do aludido produto. G. Foi apurado que o referido produto é em todo semelhante ao produto da assistente, o que pode facilmente trazer confusão e era vendido a um preço mais reduzido. H. I… foi o responsável directo pela comercialização do produto pela sociedade C… S.A. desde início de 2010 até Março de 2013. I. Não tendo o referido arguido aferido se os bens em causa violavam normas comunitárias. J. Não obstante a apreensão ter sido realizada em 22 de Fevereiro de 2011, e a sociedade C… S.A. ter conhecimento da violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos a mesma persistiu na sua conduta, não tendo retirado o produto das suas lojas e/ou site de comércio electrónico. K. O fornecedor deste produto é a sociedade G… com sede na …, ZARAGOZA. L. A sociedade G… e o seu legal representante H… tinham plena consciência que estavam a vender um produto mais barato o qual se encontrava registado o seu modelo e/ou desenho a favor da sociedade assistente. M. A sociedade C… S.A. não tomou as medidas necessárias para aferir se o produto em apreço não era susceptível de violar normais comunitários. N. Ademais pelo menos desde o dia 22 de Fevereiro de 2011 que a sociedade C… S.A. tinha plena consciência que os artigos por si vendidos violavam normas legais em vigor e que eram alvo de protecção. O. A C… e o seu colaborador I… tinham plena consciência que a sua actuação era passível de ser punida por lei, contudo ignoraram a referida situação pelo simples propósito de obter um produto por um preço mais baixo. P. A G… e o seu legal representante H… tinham plena consciência que o seu produto era passível de confusão com o da sociedade assistente e que o modelo estava abrangido por normas de protecção comunitárias. Q. Com esta conduta os arguidos incorreram na prática de crime de violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos previsto no artigo 320, 322º do CPI.»
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Do teor do requerimento dúvidas não subsistem pretender a recorrente que sejam pronunciados H… e a sociedade comercial G… imputando-lhes a prática do crime p e p. pelo artigo 322º do Código da Propriedade Industrial.
Porém, das suas conclusões de recurso entende a recorrente dever o juiz de instrução proceder às diligências necessárias tendentes à constituição de arguidos dos referidos H… e a sociedade comercial G… e, após tal ocorrer, proceder à comunicação ao Ministério Público para os fins previstos no nº 3 do artigo 303º do Código de Processo Penal.
Assim, no requerimento de abertura de instrução que apresenta, a recorrente imputa aos referidos agentes a prática do crime. Mas, na verdade, o que parece pretender é ver efetuadas diligências investigatórias por parte do juiz de instrução, com vista ao apuramento da responsabilidade penal dos aludidos H… e G….
Em defesa da sua tese, a recorrente chama à colação os Acs. desta Relação do Porto referentes aos processos números 0613252 e 0712170. Contudo, o teor de tais arestos em nada permite retirar as consequências jurídicas pretendidas pela recorrente, como sejam, a pronúncia ou a investigação por parte do juiz criminal para posterior comunicação ao Ministério Público nos termos do artigo 303º, nº 3 do Código Processo Penal.
Como claramente se extrai do artigo 286º nº 1 do Código Processo Penal, a finalidade e âmbito da fase processual da instrução destina-se, exclusivamente, à comprovação judicial das decisões de acusação ou de arquivamento formuladas pelo Ministério Público no processo. A instrução não constitui um suplemento investigatório ou de sindicância da atuação do Ministério Público ao longo do inquérito a cargo de um juiz de instrução criminal, destinando-se apenas a comprovar o acerto da decisão tomada pelo Ministério Público de acusar ou arquivar o inquérito.
Competindo a direção do inquérito ao Ministério Público, «não é curial que o juiz possa intrometer-se na actividade de investigação e recolha de provas, salvo se se tratar de actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais. A direcção do inquérito pertence ao Ministério Público e só a ele compete decidir quais os actos que entende dever levar a cabo para realizar as finalidades do inquérito» - Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal III, 2.ª edição, pág. 80.
A fase de instrução não se destina, como parece confundir a recorrente, a investigar eventual existência de crime ou, no caso, de responsabilidade criminal do agente ou agentes do mesmo, para posterior comunicação (valendo como denúncia) do resultado ao detentor da ação penal – o Ministério Público. O artigo 303º do Código Processo Penal não tem o alcance e aplicação que a recorrente pretende dar-lhe, sendo incompreensível a sua alusão. Aliás, tal situação configuraria uma total transmutação do papel de juiz de instrução, o que a lei não permite.
Realce-se, antes de mais, que durante o inquérito não foram realizadas quaisquer diligências investigatórias de molde a fundamentar a responsabilização criminal dos referidos H… e G… contra os quais a requerente veio requerer a instrução.
Daí que o Ministério Público não acusou, nem arquivou o processo quanto aos identificados agentes. Pura e simplesmente não apreciou, nem tomou posição sobre factos adequados a gerar a sua responsabilidade criminal.
Ora, do que vem sendo dito e ao contrário do que defende a recorrente, em obediência ao princípio do acusatório, não pode ser requerida a abertura da instrução contra qualquer pessoa que não foi investigada, sob pena de nulidade insanável prevista no artigo 119º al d) do Código Processo Penal, por ausência de inquérito. Neste sentido se pronunciou Figueiredo Dias e Nuno Brandão in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 19º, nº 4 pags. 663 a 668 «Com efeito, a admissão de uma instrução requerida pelo assistente contra alguém que não foi objecto da investigação na fase do inquérito e não viu a sua hipotética responsabilidade penal apreciada pelo Ministério Público, ou ainda mesmo contra pessoa formalmente acusada pelo Ministério Público, mas relativamente a factos estranhos aos descritos na acusação, implicaria a assunção pelo juiz de instrução criminal de um papel "primário" de autêntico investigador; e não apenas "subsidiário" ou "supletivo", como está pressuposto no modelo do processo penal português e vem de há muito sendo vivamente acentuado pelo primeiro subscritor desta anotação. Um tal juiz de instrução abandonaria o papel recatado que a lei lhe reserva, o de escrutinar a decisão do Ministério Público com que é encerrado o inquérito, e transformar-se-ia num investigador criminal que tem por missão apurar “ex novum” a hipótese delituosa que lhe é sugerida pelo assistente no seu requerimento de abertura da instrução e que não chegou a ser admitida ou explorada pelo Ministério Público na fase processual azada para o efeito, o inquérito. Que daí resultaria uma transfiguração funcional do juiz de instrução criminal e uma autêntica subversão da estrutura acusatória do processo penal português, imposta constitucionalmente (art. 32.°-5 da CRP) e plasmada na regulação legal das fases do inquérito e da instrução, é coisa de que não pode duvidar-se. Motivo pelo qual, aliás, como veremos infra, um processo penal que nessas condições começasse a correr contra certa pessoa estaria viciado por nulidade insanável, decorrente da falta de inquérito num caso em que a lei determina a sua obrigatoriedade (art.119.0/d), do CPP). E se assim é, não resta senão repudiar “in limine” a admissibilidade de uma instrução requerida contra quem não foi investigado em inquérito e não foi abrangido por despacho de acusação ou de arquivamento, por frontalmente contrária às regras legais que conformam as fases do inquérito e da instrução e ao modelo acusatório de que as mesmas constituem expressão».
Na mesma linha de pensamento, ou seja, defendendo a inadmissibilidade da instrução, se refere, Maia Costa in Código de Processo Penal Comentado, 2014 - Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça – anotação 9 pag. 1003.
Igualmente a jurisprudência v.g. Ac. RP de 30/1/2008 Proc. nº 0716298, in www.dgsi.pt « a falta de inquérito, nos casos de processo comum, como é dos autos, constitui nulidade insanável - alínea d) do art. 119.° do Código de Processo Penal. Argumentar-se-á que os presentes autos têm um inquérito. Trata-se de falácia que importa refutar. «Correr inquérito contra determinada pessoa», tem um preciso significado: a existência de fortes indícios da prática de crime pelo imputado, dos quais resulta, consequentemente, a realização do conjunto das diligências probatórias a que se refere o art. 262.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, dirigidas contra essa pessoa concreta, determinada, enquanto tenham por finalidade comprovar a imputação do crime a essa pessoa». Ainda, TRG de 11/7/2013 Proc. nº TABRG-A.G1, in www.dgsi.pt.
Ademais e como bem refere o despacho recorrido «estar-se a admitir o requerimento de abertura de instrução, estar-se-ia a diminuir as garantias de defesa do arguido, substituir-se a fase de inquérito pela instrução, sem dar oportunidade ao arguido de se defender. Estar-se-ia a lesar o direito de defesa do arguido, e seria uma porta aberta para a omissão da fase de inquérito. Tal importaria uma violação clara de um direito constitucionalmente consagrado, o que é inadmissível, art.º 32º, nº 6 e 202º, nº 2 da C.R.P. (…)».
A conclusão diversa importaria, na hipótese de o Ministério Público ter proferido um despacho de arquivamento contra pessoa que, embora não constituída arguida no inquérito tivesse sido visada e objeto de investigação nessa fase processual. A disposição constante do artigo 57.º n.º 1 do Código do Processo Penal ao determinar a assunção automática da qualidade de arguido de todo aquele contra quem for requerida instrução num processo penal, admite implicitamente a possibilidade de a instrução ser dirigida contra quem no inquérito não tenha sido investido nesse estatuto processual – cfr Figueiredo Dias e Nuno Brandão in op. cit - «será admissível um requerimento de abertura de instrução deduzido pelo assistente contra a(s) pessoa(s) em relação à(s) qual (ais) a investigação tenha sido conduzida e cuja eventual responsabilidade criminal em virtude da comissão dos factos investigados, haja sido ponderada no despacho de arquivamento, mesmo que a pessoa em causa não tenha sido formalmente constituída arguida».
Porém e como se deixou referido, não é o que ocorre in casu. H… e G… contra quem a recorrente requereu abertura de instrução, jamais foram investigados pelo que, pelas razões expostas, não é admissível a abertura daquela fase processual quanto aos mesmos.
Vejamos agora se, relativamente aos arguidos C… SA. e I…, se encontram descritos, no requerimento de abertura de instrução, os factos indiciadores do crime do artigo 322º do Código Processo Penal que a recorrente lhes imputa.
Estatui o artigo 322.º. do Código da Propriedade Industrial: “É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias quem, sem consentimento do titular do direito: a) Reproduzir ou imitar, totalmente ou em alguma das suas partes características, um desenho ou modelo registado; b) Explorar um desenho ou modelo registado, mas pertencente a outrem; c) Importar ou distribuir desenhos ou modelos obtidos por qualquer dos modos referidos nas alíneas anteriores.”
O artigo 173º do Código da Propriedade Industrial define que “o desenho ou modelo designa a aparência da totalidade, ou de parte, de um produto resultante das características de, nomeadamente, linhas, contornos, cores, forma, textura ou materiais do próprio produto e da sua ornamentação. Possuem aptidão para ser registados os desenhos ou modelos novos, que não tenham sido divulgados ao público dentro ou fora do País e que tenham carácter singular, ou seja, se a impressão global causada pelo desenho ou modelo submetido a registo, difira da impressão global causada por qualquer desenho ou modelo anteriormente divulgado ao público. E possuem ainda capacidade para ser registados, os desenhos ou modelos que não sendo inteiramente novos, realizem combinações novas de elementos conhecidos. O criador do desenho ou modelo goza do direito exclusivo de dispor desse desenho ou modelo”
O uso exclusivo do desenho ou modelo registado é um dos direitos conferidos ao seu titular e compreende o direito ao fabrico, à exploração e à distribuição dos produtos. Daí, que comete o crime de Violação dos Direitos Exclusivos quem, sem autorização do titular: alínea a) reproduza ou imite; alínea b) explore e, alínea c) importe ou distribua.
Ainda, em relação à responsabilidade das pessoas coletivas, o Código da Propriedade Industrial remete - artigo 320º - para a lei da criminalização e punição das atividades delituosas contra a economia nacional, o Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro. De acordo com o n.º 1 do artigo 2º deste diploma legal, constatamos que quem agir voluntariamente, como representante de uma pessoa coletiva, sociedade, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será responsabilizado e punido pelas atividades delituosas que pratique e serão ainda punidas de acordo com o n.º 1 do artigo 3º, as pessoas coletivas, sociedades e meras associações de facto, pelas infrações previstas naquele diploma legal quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse coletivo.
Acresce ser exigível o dolo como elemento subjetivo para a prática do ilícito.
Com todo o respeito, não se vislumbra que o requerimento de abertura de instrução contenha os necessários elementos objetivos e subjetivos para a imputação aos arguidos da prática do crime p. e p. pelo artigoº 322º do Código Propriedade Industrial.
Esclarecendo:
De acordo com a alínea a), verifica-se a ação típica do ilícito não só quem reproduza na íntegra os elementos constitutivos da totalidade do desenho ou modelo mas ainda quem reproduza parte dos elementos que definem a sua aparência ou, ainda, quem imite total ou parcialmente o desenho ou modelo. Nenhum facto é invocado pela recorrente que integre tal alínea; Nos termos da alínea b) existe uma ação típica quando alguém, sem o consentimento do seu titular, explore um desenho ou modelo registado, ou seja, estamos em presença de um crime quando é fabricado um produto em que o desenho ou modelo foi incorporado sem o consentimento do seu titular. Igualmente, nenhuma factualidade é imputada pela recorrente a qualquer dos dois arguidos (sociedade e C… e I…) como integradora do conceito de exploração. A alínea c) estabelece que as ações de importar e distribuir são ações típicas. A introdução em território nacional de produtos que reproduzam ou imitem um desenho ou modelo registado, provenientes de outro país, preenche a ação típica; a distribuição reflete as sucessivas fases pelas quais os bens passam, através dos diferentes agentes económicos, desde a sua produção até a sua colocação no mercado para os consumidores. Também a recorrente não alega, nem a prática de atos de importação, nem de distribuição integradores da alínea c).
Da análise efetuada não se vê alegada factualidade que integre ação típica do ilícito imputado, designadamente, atos de imitação, reprodução, exploração, importação ou distribuição a que se reportam as alíneas a), b), e c) do mencionado preceito legal, como também sequer se mostram devidamente elencados factos relativos ao elemento subjetivo do tipo, como sejam o conhecimento que o produto que reproduzissem, imitassem, explorassem, importassem ou distribuíssem violasse um direito registado exclusivo relativo ao respetivo desenho.
Como também não constam do requerimento quaisquer elementos factuais relativos ao concreto vínculo existente entre o arguido I… (pessoa singular) e a arguida sociedade comercial C…SA. (pessoa coletiva), de modo a que possa estabelecer-se, nos termos das disposições legais pertinentes, se a alegada infração foi cometida por um “órgão ou representante” e muito menos em “seunome e no interesse coletivo” da arguida sociedade comercial.
Ora, sendo o requerimento de abertura de instrução que fixa o objeto do processo – artigo 309º do Código Processo Penal –, o mesmo tem de conter a descrição factual do ilícito que se pretende ver averiguado e imputado de forma a ser devidamente percecionado pelo tribunal e pelo arguido, pois só assim será alcançada a dupla função que desempenha, ou seja, a delimitação dos poderes de cognição do juiz de instrução (artigo 288º nº 4 do Código Processo Penal) e o pleno direito de defesa do arguido contido no artigo 61º do Código Processo Penal.
Tal desiderato não é alcançado se o requerimento de abertura de instrução se mostrar vago, genérico ou confuso. Nesta hipótese é inadmissível a abertura da instrução.
Do que se vem expondo, conclui-se que os factos imputados pela assistente da forma como se encontram descritos mostram-se confusos e carecem de suficiência para preencher, quanto aos arguidos, os elementos do tipo objetivo e subjetivo descrito no artigo 322.º do Código da Propriedade Industrial, pelo que a decisão recorrida se mostra correta. O Tribunal Constitucional, no acórdão nº 385/2004, de 19 de Maio de 2004, assim se pronunciou: “a estrutura acusatória do processo penal …. Impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e precisão adequados em determinados momentos processuais, ente os quais se conta o momento em que é requerida abertura da instrução”.
E, tal como supra já se mostra referido incumbia à assistente, no seu requerimento de abertura de instrução respeitar as exigências essenciais de conteúdo impostas pelos artigos 287.º, n.º 2 e 283.º,nº 3 do Código Processo Penal. A este propósito e no sentido expendido, vêm proclamando de modo praticamente pacífico a jurisprudência e doutrina v.g Acs. STJ de 24/09/2003, Proc. nº 03P2299 e de 12/3/2009, Proc. nº 08P3168; TRE de 12/4/2011, Proc. nº 700/06.1TASTB.E1; Ac RP de 19/11/2014, Proc. nº 794/07.2TASB.P1 disponíveis em www.dgsi.pt.; Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, pág. 737) que, em nota 2 ao art. 286º, inclui na enumeração dos casos de inadmissibilidade legal, o requerimento do assistente que não contém a narração dos factos ou não indica as disposições legais violadas e bem assim o requerimento do assistente que contém factos que não constituem crime (artigo 311, n.º 3, al. c), por identidade de razão); Vinício Ribeiro (Código de Processo Penal – Notas e Comentários, pág.
590) refere, por seu turno, que «o não descrever factos, ou descrever factos que não constituam crime, não pode deixar de conduzir à mesma solução, isto é, à inadmissibilidade legal do RAI do assistente por falta de requisitos legais».
Em síntese, entendemos não merecer censura o despacho recorrido, não se mostrando violados os preceitos aportados pelos recorrentes.
Improcede, pois, o recurso interposto.
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III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente que se fixam em 4 Ucs.
Porto, 7 de Dezembro de 2016
Maria Ermelinda Carneiro
Raul Esteves