DEFENSOR OFICIOSO
SUBSTITUIÇÃO
Sumário

1. O art. 66º, nº 3 CPP para concretizar e levar à prática comando constitucional contido no art.º 32º, n.º3 CRP determina que “o tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por justa causa”. A expressão usada “sempre” só pode significar em qualquer altura ou fase do processo sendo esta a maneira mais eficaz de dar conteúdo ao dito comando.
2. Assim, não se impõe que a substituição de defensor, a pedido da arguida tenha de ser formulado no âmbito do pedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de honorários, sob pena de se secundarizar o princípio constitucional em detrimento de um burocrático meio de acesso ao direito de resultado incerto.

Texto Integral


1. – No âmbito do inquérito 62/07.0JELSB a arguida R. requereu a substituição da defensora oficiosa que lhe fora nomeada e que estivera presente no primeiro interrogatório de arguida detida, Sra. dra. T. por uma outra da sua especial confiança, Sra. dra. M.
A Sra. juíza de instrução considerou que a substituição em causa se bem que permitida pelo art. 66º, nº 3 CPP teria de ser conjugada com as actuais regras do apoio judiciário. E considerando que primeiramente deveria ser pedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de honorários para então ser ponderada a possibilidade de substituição decidiu não apreciar o requerimento por falta de competência legal.

O magistrado do Ministério Público interpôs recurso concluindo na sua motivação que:
- O despacho recorrido violou os arts. 61º, nº 1, al. d), 66º, nº 3 CPP; 32º, nº 3 CRP, 39º, nº 1 e 40º, nº 1 da Lei nº 34/04, de 29 de Julho.
-Porque a arguida tem direito à assistência defensor e à sua escolha.
- Direito esse que exerceu fundamentando o seu pedido na especial relação de confiança estabelecida com a advogada que pretende que lhe seja nomeada.
Pede, assim, que o despacho seja substituído por outro que nomeia defensora à arguida a advogada que aquela indicou.
A Sra. Juíza manteve o despacho recorrido.
Neste Tribunal, a Sra. procuradora-geral adjunta deu parecer de que o recurso merece provimento.
Foram colhidos os vistos legais.


2. – Dos autos resulta o seguinte:
2.1. – A arguida R. foi ouvida em primeiro interrogatório de arguida detida em 2007.02.16. Foi assistida pela Sra. Dra. T. que aceitou a nomeação.
2.2. – Em 2007.02.26 a arguida em requerimento por si assinado pediu a substituição da defensora oficiosa nomeada por outra da sua especial confiança como referido supra.
2.3. – Foi proferido o despacho sob recurso e a seguir o Ministério Público interpôs recurso. No interesse da arguida apoiando a sua pretensão.
2.4. – O recurso foi admitido sendo-lhe fixado o regime de subida eem separado.
2.5. – Autuado o apenso e aberta conclusão a Sra. juíza proferiu o seguinte despacho: “Solicite á Ordem dos Advogados a nomeação de Defensor à arguida. Anexe cópia de fls. 9 para que essa Ordem, caso assim o entenda, tome em consideração o pedido formulado pela arguida.”
2.6. – A Ordem dos Advogados, respondeu nos seguintes termos: “… comunicamos a V.Exa. que, em substituição da Senhora Advogada: Dra. T. se indica a Sra. Advogada Dra. M. ”.
2.7. – A seguir a Sra. juíza proferiu o seguinte despacho: “Nomeação de defensor: Nomeio defensora ao arguido a Dra. M. (cfr. fls 18). Notifique. Notifique a Senhora defensora ora nomeada nos termos do art. 411º, nº 5 e 413º, nº 1 ambos do C.P. Penal”.
2.8. – Perante este despacho a Secção de processos, além de notificar a defensora oficiosa nomeada Sra. Dra. M., notificou a Sra. Dra. T. de que “foram cessadas as suas funções, uma vez que foi nomeada à arguida outra defensora”.
2.9. – A Sra. Dra. M. apresentou “resposta” à motivação do Ministério Público e a Sra. juíza manteve a decisão recorrida.

3. – Salvo o devido e efectivo respeito a existência do presente recurso é um elucidativo exemplo de como se complica escusadamente o andamento de um processo.
Atentemos em primeiro lugar na substância do recurso.
O artigo 32º da Constituição tem o expressivo título “Garantias de processo criminal” e o seu nº 3 dispõe que “o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos de processo …”. Ao dizer-se “por ele” quer naturalmente dizer-se pelo defensor que o arguido tem o direito de escolher e não pelo que o tribunal entenda dever ser.
E o art. 66º, nº 3 CPP para concretizar e levar à prática este comando constitucional determina que “o tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por justa causa”.
Pode sempre, claro está, porque esta é a maneira mais eficaz de dar conteúdo ao dito comando. Por isso se diz, há muito, que o processo penal é direito constitucional aplicado. E a expressão “sempre” só pode significar em qualquer altura ou fase do processo.
Ora, na decisão recorrida a opção tomada foi a da secundarização deste princípio em detrimento de um burocrático meio de acesso ao direito de resultado incerto.
Em primeiro lugar porque não pode ser esquecido que estamos perante uma situação de arguida detida e cidadã estrangeira com naturais dificuldades em cumprir, por exemplo, o formalismo imposto pelo art. 22º da Lei nº 34/2004; em segundo lugar porque nada permite ter por seguro que recorrendo ao pedido de apoio judiciário como proposto no despacho recorrido ele seja deferido.
Sendo o pedido de apoio judiciário indeferido, como pode ser abstractamente em muitas situações, de que modo se compatibiliza essa situação com o direito especial que assiste ao arguido de que o tribunal lhe nomeie um defensor (art. 61º, nº 1, al. d) CPP) e com o direito de substituição ambos constitucionalmente consagrados?
Por isso se crê que, perante o requerimento da arguida, outra alternativa não restava à Sra. juíza do que nomear a Sra. advogada indicada para substituir aquela estava que em funções. Porque nem sequer consta que tivesse sido nomeada exclusivamente para o primeiro interrogatório de arguida detida.


3. – De resto, do ponto de vista processual, as decisões tomadas no apenso de recurso apontam, afinal, para a aceitação da substituição.
Desde logo o recurso foi interposto pelo Ministério Público no interesse da arguida. Para defender um seu interesse legítimo [art. 400º, nº 1, al. a), parte final, CPP]. Ora, assim sendo, de nenhum interesse se reveste a nomeação de outro(a) defensor(a). A posição da arguida é a de “recorrente” embora por interposta pessoa, digamos.
Deste modo, a conclusão a tirar é a de que a nomeação da Sra. Dra. M., tal como a Ordem dos Advogados a entendeu foi não para os termos do recurso para os quais não era necessária, como se salientou supra, mas para os termos do processo. E isso mesmo foi entendido pela Secção ao proceder à notificação da Sra. Dra. T. dando-lhe a conhecer que as suas funções tinham cessado.
Qual seria o sentido de existirem no processo duas defensoras oficiosas? Uma para o processo e outra para o recurso…
Assim, para o que tudo aponta, razoavelmente, é para uma situação de inutilidade superveniente do recurso visto que a nomeação da Sra. Dra. M. apenas pode ser entendida como abrangendo todos os termos do processo, recurso incluído.
Por conseguinte, é apenas pela questão puramente prática de evitar que de se venha a argumentar com a possibilidade de entendimento diferente no tocante à substituição que se entende proferir decisão a conhecer do recurso.


4. – Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que aprecie o pedido formulado pela arguida.
Sem tributação.


Feito e revisto pelo 1º signatário.