MANDATO
RENÚNCIA
NOTIFICAÇÃO À PARTE
Sumário

1. A notificação à parte (autor) da renúncia ao mandato do seu advogado tem uma função meramente informativa e não convocatória, máxime para a prática de acto pessoal.
2. Assim, tal notificação não tem de ser pessoal, ou seja, por carta registada com aviso de recepção, podendo e devendo fazer-se, pelo modo normal ou regra, i.e. por via postal com carta registada – artº 254º nº1 e 255º nº1 do CPC.
3. Destarte, tendo acontecido a notificação por este modo, ela operou os seus efeitos, ou seja, o mandato extinguiu-se, pelo que, sendo obrigatória a constituição de advogado, e não tendo o autor constituído novo mandatário, deveria ter sido prolatado despacho a declarar suspensa a instância - artº 39º nº3 do CPC.
4. Tal não se tendo verificado, sobrevém nulidade processual, por omissão de acto ou formalidade que a lei prescreve e que influi na decisão da causa – artº 201º do CPC – o que implica a anulação dos actos praticados ulteriormente à data em que o mandato se extinguiu.
(C.M.)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1.
MARIA instaurou contra o Centro Nacional de Pensões acção declarativa, de condenação, com processo ordinário.

Pediu a condenação do réu a satisfazer-lhe uma pensão de sobrevivência por ter vivido em união de facto com um beneficiário seu, entretanto falecido.

No seguimento do processo a ilustre advogada por si constituída como mandatária renunciou ao mandato em 05.12.2005.
A autora/mandante foi notificada da renúncia, para a sua morada indicada nos autos, por carta registada de 13.12.2005.
A qual foi devolvida com a menção de “não reclamado”.
Estando marcada audiência de discussão e julgamento para o dia 14.12.2005, a Sra. Juíza adiou-a, com a anuência do ilustre mandatário da ré, para o dia 30.01.2006.
Nesta audiência a Sra. Juíza despachou no sentido de não considerar ainda ter a renúncia operado os seus efeitos, ordenou o prosseguimento da mesma e, constatando que nem a advogada da autora nem as testemunhas por esta arroladas se encontravam presentes, deu como não provados todos os artigos da base instrutória e, julgando a acção improcedente, absolveu o réu do pedido.

2.
A autora arguiu a nulidade de tal despacho a qual foi indeferida por despacho que reiterou não ter ainda a renúncia operado os seus efeitos porque o artº 39º nº2 do CPC exige a notificação pessoal ao mandante a qual não se encontrava efectivada, pelo que o mandato da advogada renunciante se mantinha, com os legais efeitos.

3.
Inconformada agravou a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I) A anterior mandatária da A. renunciou ao mandato no dia 5 de Dezembro de 2005;
II) Esta renuncia foi notificada à A. por carta registada de 13 de Dezembro de 2005 pelo que a notificação se presume no dia 16 do mesmo mês de Dezembro por força do disposto no artº. 253, 255 e 254º. Do CPC.
III) A notificação para os termos do nº. 2 do artº. 39º. do Código de Processo Civil deixou, com a nova redacção do artº. 256º. de estar abrangida pelo regime deste artigo mas antes pelo regime do nº. 2 do artº. 254;
IV) Da notificação feita à A. constava que deveria constituir novo mandatário no prazo de 20 dias sob pena de suspensão da instancia;
V) Este prazo terminou no dia 18 de Janeiro de 2006;
VI) Não obstante a Mma Juíza realizou a audiência de julgamento que se encontrava marcada para o dia 30 de Janeiro de 2006 sem que a A. tivesse constituído novo mandatário;
VII) A realização desta audiência de julgamento em processo ordinário em que a A. não estava representada por advogado, constitui nulidade nos termos do nº. 1 do artº. 201º. do CPC porquanto a irregularidade cometida influiu necessariamente na decisão da causa.
VIII) Pelo que deve esse Venerando Tribunal conhecer da mesma e, consequentemente, anular todos os actos processuais realizados posteriormente a 19 de Janeiro de 2006 e, nomeadamente, a audiência de julgamento de 30 de Janeiro de 2006.

4.
Sendo que, por via de regra – de que o presente caso não constitui excepção – o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:
Tinha, ou não, à data de 30.01.2006, a renúncia ao mandato, operado os seus efeitos.

5.
Os factos a considerar são os emergentes do relatório supra.

6.
Apreciando.
As notificações às partes - quer constituam, quer não constituam mandatário - em processo pendentes, são, por via de regra, efectivadas via postal, ou seja, por carta registada – artº 254º nº1 e 255º nº1 do CPC.

E só em casos excepcionais a notificação é pessoal.
Na verdade este tipo de notificação apenas é exigível nos casos em que ela se destina a chamar a parte ao tribunal para a prática de acto pessoal ou quando a lei expressamente a prevê - cfr. Alberto do Reis, Comentário, 2º, 727, com ensinamento que ainda hoje, perante a lei que temos, se mantém válido.
E apenas nos casos da parte não ter constituído mandatário.
Pois que se ela tiver constituído advogado, mesmo que a notificação se destine a chamá-la para a prática de acto pessoal, apenas é exigido – para além da notificação daquele - que a parte seja notificada mediante aviso registado – artº 253º nº2 do CPC.

Presentemente e desde a reforma de 1995, os casos de exigência de notificação pessoal vêm literalizados no artº 256º do CPC.
O qual, sob a epígrafe de Notificação pessoal ás partes ou seus representantes, estatui:
Para além dos casos especialmente previsto, aplicam-se as disposições relativas à citação pessoal às notificações a que aludem os artigos 12º n4, 23º nº3 e 24º nº2.
Sendo que, nestes casos, a notificação deve efectivar-se, por via de regra, mediante carta registada com aviso de recepção – artº 233º nº2 al.a) do CPC.

No caso vertente…
Ele não se inclui nas hipóteses expressa, directa e imediatamente previstas no citado artº 256º.
Assim apenas se a norma atinente, a saber o artº 39º nº2, imperativamente nesse sentido estatuísse, seria exigida a notificação pessoal da autora da renúncia ao mandato da sua advogada.
O que não acontece.
E bem se compreende, pois que tal notificação não se destina a chamá-la ao tribunal para a prática de acto pessoal.
Mas apenas a dar-lhe conhecimento de uma actuação da sua mandatária, para, ela própria, querendo, desenvolver um procedimento processual no sentido de constituir novo mandatário, o qual se consubstanciaria pela singela junção aos autos de novo instrumento de procuração.
Na verdade as notificações às partes podem exercer duas diferentes funções - informativa e convocatória.
Dentro da segunda, há que distinguir a convocação para a prática de acto que possa ser praticado por intermédio de mandatário da que se destina chamar a parte para praticar acto pessoal, isto é, que só por ela possa ser praticado – cfr. Ac. do STJ de 15.12.1998, dgsi.pt, p.98B1087.
No caso vertente é evidente que a notificação tem mera função informativa.
Consequentemente, a notificação pessoal, para além de legalmente inexigível, revelar-se-ia, ainda desnecessária e improfícua – na perspectiva dos interesses da autora que em nada fica prejudicada pela comunicação por carta registada sem o aviso de recepção - e sorvedoura de trabalho e custos acrescidos.
E mesmo que assim não fosse ou não se entenda, e se considerasse que estamos perante um caso de necessidade da notificação pessoal, sempre ele cairia na previsão do citado nº2 do artº 253º, pois que, aquando da notificação da renúncia, a autora estava ainda representada pela mandatária renunciante, na medida em que, nesta data sim, aquela ainda não tinha produzido os seus efeitos, pelo que bastaria que á autora fosse enviado – como foi - aviso registado.
E tendo ela sido notificada para a morada que indicou nos autos, irrelevante se mostra a devolução da carta com a menção de: “não reclamado” – atento o disposto no artº 254º nº3 – e sendo certo que, mesmo que ela tivesse mudado de residência, competia-lhe – perante o princípio geral da actuação com boa fé, o qual engloba os deveres de informação e de colaboração – cfr. artºs 266º e 266º-A - de comunicar ao tribunal tal mudança.
Sendo que o tribunal constitucional não julgou inconstitucional – pela afectação da garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela jurídica efectiva: artº 20º da Constituição - o complexo normativo estabelecido pelas normas dos artºs 253º e 254º nº3, pois que a mudança de residência não comunicada ao tribunal é acto que é imputável a título de violação dos deveres de colaboração e de informação – cfr. Ac. nº226/98 de 04.03.1998 e 13/99 de 12.01.1999, in Acs. do TC. 39º, 373 e 42º, 101.
Se o não fez e no caso de com tal ficar prejudicada, sibi imputet.

Assim sendo e tal como invoca a autora, ora recorrente, tem de considerar-se legal e bastante a notificação da renúncia por carta registada que lhe foi feita em 13.12.2005.
Presumindo-se ela notificada no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – artº 254º nº3 – o que, in casu, ocorreu em 16.12.2005.
O que vale por dizer que não constituindo a autora novo mandatário e sendo nestes autos tal constituição obrigatória – artº 32º nº1 al. a) - o mandato se extinguiu em 18.01.2006, devendo a instância ser declarada suspensa com efeitos a partir do dia 19, só podendo praticar-se, a partir daí, os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável – artºs 39º nº3, 276º nº1 al.d) e 283º nº1.
Não tendo assim actuado e realizando o julgamento – acto não urgente - em 30 de Janeiro, é evidente que a Sra. Juíza omitiu um acto ou formalidade que a lei prescreve, cuja omissão inequivocamente influiu, e de um modo determinante, como resulta dos autos, na decisão final da causa – artº 201º.
Assim se concluindo que o recurso merece provimento.

7.
Decisão.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, destarte, se declara a nulidade por omissão de pronúncia quanto á suspensão da instância por falta de constituição de advogado por parte da autora, com efeitos a partir de 19.01.2006, anulando-se todos os actos praticados no processo a partir desta data.
Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 2007.06.19.
Carlos António Moreira
Isoleta Almeida Costa
Maria do Rosário Çonçalves