CONTRATO DE MEDIAÇÃO
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
DENÚNCIA
Sumário

I- A nulidade do contrato de mediação imobiliária, que advém do facto de o contrato de mediação ter sido assinado pela ré mulher, mas não pelo réu marido que é o proprietário do imóvel, é afastada ocorrendo abuso do direito devendo, em consequência, considerar-se válido o contrato (Decreto-Lei n.º 77/99, de 16 de Março e artigo 334.º do Código Civil de 1966).
II- Deve considerar-se que ocorre, com a aludida invocação de nulidade, abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, quando o réu marido, não obstante não ter assinado o contrato de mediação, veio a comunicar por escrito à mediadora que não pretendia continuar a recorrer aos seus serviços, assinando a carta de denúncia, tendo assinado anteriormente o documento de reserva subscrito também pela mulher e por terceiro interessado na aquisição angariado pela mediadora.
III- E tendo os RR celebrado escritura de compra e venda com esse interessado, a prévia denúncia nao afasta a obrigação de pagamento de comissão, verificando-se que coinstitui mero expediente por parte dos contraentes de se eximirem a esse pagamento.

(SC)

Texto Integral

APELAÇÃO nº 4604/07


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


 I - RELATÓRIO


P.[…] Ldª, intentou contra Marta […] e marido Rui […] acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, proveniente de processo de injunção, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 5.050,00 , a título de capital, acrescido de € 78,36 a título de juros de mora, à taxa supletiva de juros moratórios, relativamente aos créditos de que são titulares empresas comerciais, entre 16/8/2005 e a data da entrada do requerimento de injunção (18/11/2005), alegando ter celebrado com os réus um contrato de mediação imobiliária em que ficou acordado o pagamento pelos réus à autora da comissão de 5% do valor da venda do imóvel para o qual a autora encontrasse comprador. A autora encontrou um interessado a quem os réus venderam o imóvel em questão pelo preço de € 101.000,00.

Os réus deduziram oposição, invocando ser inválido o contrato de mediação imobiliária por ter sido assinado apenas pela ré Marta quando o imóvel pretendido vender era bem próprio do réu Rui, por serem casados um com o outro segundo o regime da separação de bens. Deste modo, a ré Marta não tem legitimidade para assinar o contrato em questão,  porque não tinha poderes de representação do réu Rui, o que sempre foi do conhecimento da autora.

Mais alegam que a autora não prestou aos réus qualquer serviço de mediação imobiliária, não tendo tratado de qualquer documentação e sendo os réus quem tratou da mesma, levando-os a tentar contactar a autora para obter a clarificação, mas sem sucesso, e assim informando a autora por escrito que não estavam interessados nos seus serviços, tendo o réu vendido o imóvel por € 100.000,00 ao interessado que a autora havia levado a visitar o imóvel, mas porque o mesmo entrou em contacto consigo e juntos trataram de toda a documentação necessária.

Concluem pela improcedência da acção com a absolvição do pedido, requerendo ainda a condenação da autora como litigante de má fé em multa e em indemnização correspondente às despesas e prejuízos sofridos pelos réus com a acção.
 
 Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e absolvidos os réus do pedido, não condenando a autora como litigante de má fé.

Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - A sentença sub judice fez uma errada apreciação da prova produzida, não tendo tido em consideração os documentos que a apelante juntou em sede de audiência de julgamento, devendo, por isso, e nos termos do artigo 712° do C.P.C., a matéria de facto ser alterada.
2ª – Com efeito, o Mmo. Juiz a quo não podia ter considerado provada a matéria constante dos n°s 11 e 13 dos factos assentes.
3ª - Do documento de "reserva" que foi junto pela apelante em audiência de julgamento, e cuja veracidade não foi impugnada pelos apelados, consta a assinatura do ora apelado marido Rui […], assinatura essa que também não foi impugnada.
4ª - Assim, nunca poderia o Mmo. Juiz a quo ter decidido (como fez no ponto 11 dos factos assentes) que, quando o apelado marido regressou de viagem e tomou conhecimento do documento de reserva, comunicou à autora que não aceitava o mesmo.
5ª - Deste modo, deverá ser alterado o ponto 11 dos factos assentes, passando o mesmo a ter a seguinte redacção: "Do documento de reserva do imóvel consta a assinatura de Marta […] e de Rui […]".
6ª - Da mesma forma, não poderia o Mmo. Juiz a quo ter dado como provado o facto constante do ponto 13 dos factos assentes de que a apelante não promoveu qualquer contacto entre o apelado marido e o comprador S.[…]
7ª - Como resulta do ponto 9 dos factos assentes, o apelante promoveu em 25.5.2004 uma visita à casa, objecto do contrato de mediação, por forma a que a mesma fosse visitada pelo referido S.[…], sendo certo que o apelado marido só não esteve presente por ter estado ausente no estrangeiro.
8ª - Assim, não podia o Mmo. Juiz a quo, ter dado como provado a matéria constante do ponto 13, pelo que o mesmo deverá ser suprimido.
9ª – O contrato de mediação imobiliária não pode ser considerado inexistente, por não estar assinado pelo apelado marido, sendo certo que, de toda a factualidade provada (nomeadamente do ponto 16 dos factos assentes) resulta claro que o apelado marido tinha perfeita consciência de que tinha celebrado o contrato de mediação imobiliária com a apelada.
10ª- Estando provado, como está, que o apelado marido comunicou à apelante que não tinha mais interesse na manutenção dos serviços de mediação imobiliária, é inequívoco que o Apelado marido tinha perfeito conhecimento de que tinha celebrado o contrato de mediação em causa e que estava vinculado ao mesmo e que tal contrato existia e era válido.
11ª - Por outro lado, o facto de o apelado marido ter assinado o documento de reserva vem também confirmar que o mesmo tinha perfeito conhecimento de que tinha celebrado o contrato de mediação com a apelada.
12ª - Mesmo que se considerasse que o contrato de mediação entre a apelante e o apelado nunca tinha sido reduzido a escrito, essa falta de forma teria sempre como única consequência a nulidade do contrato de mediação e não a sua inexistência – cfr. n° 8 do artigo 20º do Decreto-Lei 77/99, de 16 de Março.
13ª - Mas, mesmo que se considerasse que o contrato de mediação celebrado entre apelante e apelado marido era nulo – o que não se concede - sempre teria que se considerar que essa nulidade não eximia, e não exime, o apelado marido da obrigação de pagar à apelante a comissão devida pela mediação.
14ª - Como resulta dos factos provados, o negócio só não se finalizou com a intervenção da apelante, porque os apelados, denunciaram o contrato.
15ª - Não é lícito que os apelados aleguem que nada devem à apelante, porque denunciaram o contrato, quando é certo e está provado nos autos (pontos 20 e 21 dos factos assentes) que os apelados venderam a casa objecto do contrato de mediação ao interessado angariado pela apelada – S.[…]!
16ª - Foi a apelante que angariou o referido interessado na compra da casa e foi a esse interessado que a casa veio a ser vendida, pelo que sempre teria, e tem, a apelante direito à sua retribuição. Assim, a apelante tem direito a haver dos apelados à retribuição que reclama.
17ª - Entender de modo diverso, levaria ao resultado absurdo de que todos os clientes das mediadoras, depois de estas terem angariado o interessado na compra, denunciassem os contratos de mediação, para não terem que pagar a retribuição às mediadoras!
18ª - Os apelantes agem, pois, em abuso de direito ao pretenderem não proceder ao pagamento à apelante da sua retribuição.
19ª - A sentença sub judice violou, pois, entre outros, os artigos 19º e 20º n ° 8 do Decreto-Lei77/99, de 16 de Março, devendo ser revogada e devendo a presente acção ser julgada totalmente procedente
 
A parte contrária pede que seja negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A- Fundamentação de facto
Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
1º - A A. tem por objecto e função a prestação de serviços de mediação e promoção imobiliária.
2º - No exercício de tal actividade acordou por escrito com a R., em 27/11/2003, a mediação e promoção para venda da fracção autónoma sita […] Oeiras, nos termos que constam do documento de fls. 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3º - Nos termos desse acordo a A. comprometeu-se a promover a venda da fracção pelo preço de € 105.000,00, recebendo como contrapartida uma comissão de 5% do preço pelo qual o negócio se concretizasse, acrescido de IVA à taxa legal, devida caso a A. conseguisse interessado que concretizasse o negócio, nos termos e com as excepções previstas no art° 19° do 77/99, de 16/3, e a pagar na data da celebração do respectivo contrato promessa de compra e venda.
4º - Ficou ainda estabelecido que o acordo em causa vigorava por 180 dias contados da data da sua celebração, renovável automaticamente por iguais períodos.
5º - Ficou ainda estabelecido que a R. se obrigava a colaborar com a A. na entrega de fotocópias simples de plantas, da licença de utilização, da caderneta predial, da escritura e dos registos, no prazo de 10 dias a contar da data da assinatura do acordo.
6º - A Ré é casada com o Réu. segundo o regime da separação de bens.
7º - Aquando da celebração do acordo referido em 2º mostrava-se inscrita a favor do Réu a aquisição, por compra, da fracção ali identificada.
8º - Foram entregues à A. fotocópias da certidão predial de teor e encargos da fracção, da escritura pública, da planta de localização e do imóvel e da licença de utilização.
9º - Com data de 25/5/2004, e na sequência de uma visita à fracção marcada pela A., S.[…] e a R. subscreveram um documento pré-intitulado de "reserva", ali declarando que estavam de acordo em celebrar contrato promessa de compra e venda da fracção acima identificada no prazo de 60 dias, sendo o valor da compra de € 101.000,00 e sendo o valor do sinal a entregar de € 10.100,00, tendo na mesma data sido entregue pelo S.[…] um cheque no valor de € 2.500,00 à ordem da R. mas que ficou em poder da sociedade de mediação imobiliária "[…]", declarando o mesmo e a R. que tal montante constituía caução e reserva da fracção de que era proprietária a R., sendo devolvido no acto do contrato promessa de compra e venda.
10º - Ao tempo em que tal documento foi subscrito o R. estava ausente no estrangeiro em trabalho.
11º - Quando o R. regressou do estrangeiro e tomou conhecimento que tal documento havia sido assinado pela R. contactou a A., a quem comunicou que não aceitava o mesmo.
12º - Ainda assim o R. tentou junto da A. clarificar a situação numa tentativa de concretizar a compra e venda ali referida.
13º - (Eliminado).
14º - E não deu qualquer resposta ao R. até ao fim de Agosto de 2004, relativamente à concretização da compra e venda.
15º - Não tendo também tratado de qualquer documentação relativa à fracção autónoma.
16º - Assim, com data de 1/9/2004, os RR comunicaram por escrito à A. que "não pretendemos continuar a recorrer aos vossos serviços com vista à venda do andar […], mais lhe comunicando que "a esta data há muito ficou sem qualquer efeito a reserva de 60 dias datada de 25 de Maio de 2004".
17º - Em consequência de tal comunicação a A. devolveu na mesma data os documentos referidos em 8º.
18º - Durante o mês de Setembro de 2004, o S.[…] procurou os RR na residência destes, propondo a compra da fracção acima identificada.
19º - Aquando de tal contacto, o S.[…] não tinha tido quaisquer notícias da A. relativamente à concretização da compra e venda.
20º - Uma vez que da parte do R. continuava a existir interesse na venda da fracção, acordou então o mesmo com o S.[…] na outorga, em 23/9/2004, do contrato promessa de compra e venda com o teor que consta do documento de fls. 68 a 70 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
21º - E posteriormente foi celebrada a respectiva escritura pública de compra e venda, tendo o preço acordado pelos intervenientes sido de € 100.000,00 e mostrando-se a aquisição inscrita no registo predial a favor do S.[…] pela apresentação provisória n° […], convertida em definitiva pela apresentação n° […].
22º - Para a concretização de tal negócio trataram os RR. e o S.[…] de toda a documentação necessária para o efeito.
 23º - O réu R.[…] assinou o documento intitulado “de reserva” referido em 9º - doc. fls 60.

B- Fundamentação de direito

A apelante começa por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, entendendo que a sentença fez uma errada apreciação da prova produzida, não tendo tido em consideração os documentos que juntou em sede de audiência de julgamento.

Entende a apelante que a sentença não deveria ter dado como provada a matéria do nº 11º.

Antes de mais importa referir que a audiência não foi gravada, pois as partes não requereram a respectiva gravação, conforme o disposto no artigo 3º nº 3, do DL 269/98 de 1 de Setembro, na redacção do DL nº 107/2005, de 1 de Julho.
Sendo assim, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto não pode proceder quanto ao nº 11, sob pena de violação do disposto no artigo 690º -A do Código de Processo Civil.

Além disso, no domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação das provas – artº 396º do CC - segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto – artº 655º, nº1 - sem embargo, naturalmente, do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida – artº 653º, nº 2, do CPC.
Sendo assim, mantém-se a redacção dos nºs 11 e 13º da matéria de facto.

Todavia, a apelante refere, e bem, que o documento de reserva a que se refere o nº 9º da fundamentação de facto foi assinado pelo réu.
Este facto não se mostra provado e deveria tê-lo sido, pois o réu nem sequer impugnou a veracidade da sua assinatura. A força probatória do mesmo decorre do disposto no artigo 374º do Código Civil.

Assim, adita-se à matéria de facto um número com a seguinte redacção:
“23º - O réu Rui […] assinou o documento intitulado “de reserva” referido em 9º - doc. fls 60.”

No que respeita ao nº 13º, entende ainda a apelante que o mesmo não pode ser dado como provado.
O nº 13º da fundamentação de facto tem a seguinte redacção:
“A A. não promoveu no entanto qualquer contacto entre o R. e o S.[…]”.

O argumento da apelante é simples e exprime-se no facto de se ter dado como provado que a autora e o comprador S.[…] terem visitado a casa do réu, tendo sido na sequência dessa visita que foi assinado o documento de reserva.

É evidente que a autora promoveu o contacto entre o réu e o comprador, pois se não fosse assim, nunca teria sido assinado o documento de reserva. A apelante promoveu uma visita à casa, objecto do contrato de mediação, por forma a que a mesma fosse visitada pelo comprador S.[…].
Essa visita ocorreu em 25 de Maio de 2004, tendo estado presente a ré mulher e o comprador S.[…] – Cfr. nº 9 da fundamentação de facto.

Deste modo, não pode dar-se como provada a matéria do nº 13º da fundamentação de facto, que será eliminado.

A questão fundamental que agora importa apreciar no presente recurso consiste em saber se a autora cumpriu a sua obrigação resultante do contrato de mediação imobiliária que celebrou com os réus, a fim de se apurar se estes têm a obrigação de lhe pagar a respectiva comissão.

Segundo o nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 77/99 de 16 de Março, em vigor à data da vigência do contrato, a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ou na venda de bens imóveis ou na constituição de quaisquer direitos reais sobre os mesmos, bem como para o seu arrendamento e trespasse, desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos respectivos imóveis.

E o subsequente nº 2 acrescenta que no âmbito dos contratos de mediação imobiliária as empresas podem ainda prestar serviços relativos à obtenção de documentação conducente à concretização dos negócios visados e que não estejam legalmente atribuídos em exclusivo a outras profissões.
 
Através deste contrato de mediação imobiliária, o mediador (aqui autora) obriga-se a promover por conta de outrem (aqui réus) o negócio da venda do identificado imóvel com autonomia e de modo estável, praticando os actos normais de angariação de clientes através de publicidade, contactos e visitas adequadas, de modo a pô-los em contacto para a conclusão do e formalização do negócio promovido, recebendo uma contrapartida retributiva chamada comissão sobre o preço da venda.

Trata-se de um contrato bilateral, sinalagmático na medida em que vincula as duas partes, criando obrigações recíprocas e relacionadas entre si por um nexo de correlatividade num regime de contrapartida.

O contrato de mediação imobiliária está sujeito à forma escrita – nº 1 do artigo 20º.
 
O contrato deve ser assinado em duplicado, sendo um exemplar entregue ao interessado e destinando-se o outro a arquivo – nº 7

 O incumprimento do disposto no nº 1 gera a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela entidade mediadora – nº 8.

A sentença recorrida entendeu que o contrato de mediação imobiliária é inexistente, por estar assinado apenas pela ré mulher, sendo a casa objecto do contrato apenas propriedade do réu marido e de só ser devida a remuneração pela mediação se o negócio se tivesse realizado com a intervenção da autora, ora apelante.

No tocante ao facto de o contrato estar assinado apenas pela ré mulher, não há dúvidas de que o contrato em causa teria, com base nas disposições legais acima mencionadas, de ser considerado nulo por não ter sido assinado pelo réu.
Mas tal nulidade conduzirá necessariamente à improcedência da acção?

Vejamos.

Segundo ensinou Mota Pinto, não deve admitir-se a invocação da nulidade com fundamento em vício de forma, quando essa invocação por uma das partes constitua um abuso do direito[1].

Também a jurisprudência vem entendendo que a figura do abuso do direito é invocável para afastar a nulidade decorrente da falta de forma legalmente prescrita[2].

Improcede a arguição de nulidade de um contrato por falta de forma legal quando esta arguição configura um abuso do direito, como sucederá nos casos em que a nulidade formal é arguida pelo contraente que a provocou ou levou dolosamente o outro a não formalizar o contrato ou procedeu de modo a criar nesse outro contraente a convicção de que não seria invocada a nulidade, procedendo, assim, de modo iníquo e escandaloso[3].

Para que se verifique o abuso do direito é necessária uma contradição entre o modo e o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.

Na verdade, ficou provado sob o nº 16º que os réus, com data de 1/9/2004, comunicaram por escrito à autora que não pretendiam continuar a recorrer aos serviços dela com vista à venda do andar e que há muito ficou sem qualquer efeito a reserva de 60 dias datada de 25 de Maio de 2004.

Isto significa que o réu marido tinha perfeito conhecimento de que tinha celebrado o contrato de medição imobiliária e que se encontrava vinculado ao mesmo, tanto mais que assinou o documento de reserva e, quando pretendeu pôr fim ao contrato de mediação, assinou, juntamente com a ré mulher, a carta de denúncia do contrato de mediação e entrou diversas vezes em contacto com a autora, por causa da venda do imóvel. – nºs 11, 12, 16 e 23.

O contrato, como já se disse, é inválido por falta de forma, nos termos do nº 8 do artigo 20º do DL 77/99, sendo que essa nulidade não exime o réu marido da obrigação de pagar à autora a comissão devida pela mediação.

«Ninguém pode exercer um direito em contradição com o seu anterior procedimento se este, considerado objectivamente, justificar a ilação de que não mais fará valer o direito ou o seu exercício posterior for, por causa da conduta anterior do titular, contrário aos bons costumes ou à boa fé – “venire contra factum proprium”[4]

No caso concreto e de acordo com a matéria de facto provada, não há dúvida que o réu marido, com a sua conduta contraditória, invocou ilegitimamente a nulidade, devendo o contrato considera-se válido, vinculando as partes.

A invocação da nulidade resultante do vício de forma constitui abuso do direito, por violar a confiança, criada pelos réus na autora, de que, cumprido por esta o contrato – como aconteceu – lhe seria paga por aquela a remuneração acordada.

Na verdade, tendo os réus incumbido a autora de promover a venda do imóvel, foram cumpridas as obrigações que advieram do contrato, designadamente, em relação à autora (mediadora).

Ora, a nosso ver, a autora cumpriu a sua obrigação resultante do contrato que celebrou com os réus, já que foi ela que conseguiu interessado para o pretendido negócio, apresentando-o aos réus.

Se não fosse a actividade de mediação da autora, os réus nunca teriam conhecido o comprador S.[…] e o negócio nunca se tinha concretizado.

O contrato de compra e venda celebrado entre os réus e o S.[…] foi na sequência e por efeito das diligências levadas a cabo pela autora.

Tem sido entendimento da nossa jurisprudência que o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente, ela contribuiu para a sua realização, bastando que se tenha limitado a dar a conhecer o nome de uma pessoa disposta a fazer determinado negócio[5].

Consideramos, assim, que, no caso dos autos, resulta da matéria de facto apurada que a autora teve uma influência decisiva na conclusão do negócio, existindo, pois, uma relação de causalidade entre esta e a actividade de mediação.

Assim, sendo em princípio admissível a denúncia do contrato de mediação, não podem valer os seus efeitos no sentido de a parte que interveio no contrato de mediação se querer eximir ao pagamento estipulado quando, pelas circunstâncias do caso, se verifique que a denúncia não constituiu senão um expediente, porventura grosseiro, destinado a dar ao denunciante a aparente liberdade negocial de contratar com a pessoa angariada sem qualquer responsabilização face ao mediador angariante[6].

A questão dos presentes autos reconduz-se, pois, à comprovação do nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida pela mediadora e a verificação do resultado contratualmente previsto, não importando considerar-se a denúncia válida ou inválida.

O negócio só não se finalizou com a intervenção da autora, porque os réus denunciaram o contrato. Todavia, tal denúncia permite-nos verificar que não teve outro escopo senão aquele que ficou descrito, pelo que subsiste o direito da autora à remuneração.

Podemos, pois, concluir que os réus denunciaram o contrato de mediação imobiliária com a finalidade de se eximir às suas responsabilidades contratuais ( o pagamento da retribuição), utilizando tal direito que, sendo excepcional (artigo 406º do Código Civil), não é licitamente exercitável  para possibilitar desvios aos princípios da boa fé e à observância do princípio da lealdade e cumprimento das obrigações livremente assumidas.

Não é lícito que os réus aleguem que nada devem à autora, porque denunciaram o contrato, sendo certo que venderam a casa objecto do contrato de mediação ao interessado angariado pela autora.

Como muito bem refere a apelante nas suas alegações, “ entender-se de modo diverso, levaria ao resultado absurdo de que todos os clientes das mediadoras, depois de estas terem angariado o interessado na compra, denunciassem os contratos de mediação, para não terem de pagar a retribuição às mediadoras”.

Merecem, pois, proceder todas as conclusões das alegações da apelante.

 III - DECISÃO

Pelo exposto, julgando-se procedente a apelação, revoga-se a sentença recorrida e julga-se a acção procedente e provada e condenam-se os réus a pagar à autora a quantia de de € 5.050,00, a título de capital, acrescido de € 78,36, a título de juros de mora, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que são titulares empresas comerciais, entre 16.8.2005 e a data da entrada do requerimento de injunção (18.11.2005).
Custas pelos apelados.

Lisboa, 28 de Junho de 2007

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes

__________________________________________________________________


[1] Teoria Geral, 2.ª edição, pág. 435.
[2] (vide, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 21-11-1995, BMJ 451, pág. 506, desta Relação de Lisboa, de 4-7-1996, CJ, 1996, 4.º, pág. 93 - que entendeu que age contra a boa fé aquele que invoca a ausência de forma apenas para obter um proveito violador de uma confiança legítima alheia -, do STJ, de 12-11-1998, BMJ 481, pág. 458, e CJ/STJ, 1998, 3.º, pág. 110 e desta Relação, de 20-5-1999, CJ, 1999, 3.º, pág. 104).
[3] Ac STJ de 02.07.1996 – Procº nº 136/96, in www.dgsi.pt.
[4] In Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 1991, Proc. n.º 080039, disponível na página da DGSI na Internet.
[5]  Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 18/3/97, CJ, I/97.158, de 31/3/98 e de 31/5/01, CJ,  II/01.108.
[6] Ac. RL de 11.11.2004 procº nº 5439/04, (Salazar Casanova) in www.dgsi.pt