REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
Sumário

Não se suscitando dúvidas sobre a autenticidade do documento emitido pelas autoridades australianas que certifica que a sentença de divórcio proferida pelo Tribunal daquele Estado em 17 Janeiro de 2006 produziu efeitos a partir de 18 Fevereiro de 2006, documento que aquele Estado emite destinado a comprovar o divórcio decretado judicialmente e não competindo, em sede de revisão de sentença, o controlo de mérito da decisão, está assegurada a observância do disposto no artigo 1096º.º,alínea a) do Código de Processo Civil, impondo-se conceder a revisão e confirmação da sentença proferida pelas autoridades australianas (ver artigo 365.º do Código Civil e Convenção da Haia sobre Revisão de Sentenças de Divórcio e de Separação de 1 de Junho de 1970)

Texto Integral

Revisão de sentença nº 3908-06

I - RUI […]
requereu contra
LUÍSA […]
a revisão da decisão que decretou o divórcio de ambos.

A requerida foi citada e não deduziu oposição.

II - Pelo relator a quem o processo foi distribuído, foi determinada a notificação do requerente para juntar certidão da sentença de divórcio.

Este veio declarar, porém, que, não obstante as diligências efectuadas, não lhe foi possível obter, relativamente ao divórcio que foi decretado pelas autoridades australianas, documento diverso do certificado de divórcio com que instruiu o requerimento inicial. Concretamente, alegou que não conseguiu obter qualquer certidão de uma sentença formal, uma vez que no ordenamento jurídico australiano apenas se prevê a emissão do referido certificado.

De novo notificado para o mesmo fim, para comprovação da mesma situação de impossibilidade, o requerente juntou um documento oficial emitido pela “Federal Magistrates Court of Austrália” no qual se declara que “a prática dos Tribunais passando decretos com a anotação de que o decreto é absoluto terminou há alguns anos. Em vez disso, o Tribunal, em conformidade com a Secção 56ª da Lei da Família de 1975, passa certificados indicando a data em que a decisão de divórcio tem efeito”. Mais se refere que “o certificado é o único documento passado pelo Tribunal que tem valor de prova que o casamento terminou” (sublinhado nosso).

Em tal documento transcreve-se a referida norma jurídica cuja tradução é a seguinte: “Um certificado passado na subsecção constitui, em todos os tribunais (com ou sem jurisdição federal) e para todos os fins, prova dos assuntos especificados no certificado”.

O Ministério Público não se opôs à revisão da decisão de divórcio.

Houve alegações por parte do requerente.

Cumpre decidir.

II – Está provado que:
- O requerente e a requerida contraíram casamento em 4-2-1976;
- O requerente juntou um documento emitido pelas Autoridades da Austrália onde se exara o seguinte:
No casamento entre RUI […] e LUÍSA […], em relação ao casamento celebrado a 4 de Fevereiro de 1976, certifico que a sentença de divórcio proferida pelo Tribunal em 17 de Janeiro de 2006 tem efeito a partir de 18 de Fevereiro de 2006”;
- Nenhum outro documento relativo ao divórcio emitido por Autoridades Australianas foi possível obter pelo requerente.

III – Decidindo:
1. O processo especial de revisão de “sentenças estrangeiras”, regulado nos arts. 1094º e segs. do CPC, pressupõe naturalmente a apresentação de um documento a que seja atribuído o valor de sentença.

Nos termos do art. 1096º, para que a sentença possa ser confirmada, é necessário, além do mais, que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença, nem sobre a inteligibilidade da decisão, que a mesma tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida, que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e que não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.

2. Ao nosso ordenamento jurídico parece estranha a reduzida informação que se extrai do documento emitido pelas autoridades australianas relativamente ao modo como se processou o divórcio que aí foi decretado e que o requerente pretende rever e confirmar para ser levado ao Registo Civil Nacional.

No entanto, o requerente justificou devidamente por que, não obstante as diligências por si realizadas, está impossibilitado de dar cumprimento ao que lhe foi ordenado pelo Exmº Relator inicial, não lhe sendo, de modo algum, imputável a circunstância de as Autoridades Australianas apenas certificarem as sentenças de divórcio nos concretos termos constantes do documento que por si foi apresentado.

Neste contexto, tal facto não o poderá penalizar, tanto mais que não se levantam dúvidas sobre a autenticidade do documento com que instruiu o requerimento inicial e que incorpora materialmente o resultado da decisão revidenda. Também não se suscitam dúvidas sobre a inteligibilidade do seu conteúdo, de onde se extrai inequivocamente que, perante as autoridades competentes da Austrália, correu um processo de divórcio que terminou com uma decisão que determinou a extinção do casamento que existia entre o requerente e requerida.

3. Nos termos do art. 365º do CC, os documentos autênticos passados em país estrangeiro, em conformidade com a respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.

Por conseguinte, ainda que no nosso ordenamento jurídico e noutros congéneres a documentação que pode ser reunida para sustentar um pedido de revisão de sentença seja bem mais completa do que a que no caso concreto está sob análise, não é às autoridades portuguesas que cabe definir as regras que devem ser respeitadas noutros países no que concerne à certificação de actos, nem cabe aos tribunais portugueses sindicar a tramitação de processos de divórcio que correm nos tribunais de outros países.

Importante é que sejam assegurados os requisitos mínimos previstos no art. 1096º, entre os quais se contam o respeito pelo contraditório e a não violação de princípios de ordem pública internacional, de modo algum confundíveis com princípios de ordem pública ou outras regras que apenas vigoram na ordem jurídica interna.

4. Para o efeito há que ponderar ainda que o art. 1094º ressalva o que estiver previsto em Convenções Internacionais, sendo que tanto Portugal como a Austrália são partes na Convenção da Haia sobre Revisão de Sentenças de Divórcio e de Separação, de 1-6-70, aprovada para ratificação pela Resolução da AR nº 23/84, de 27-11.[1]

Ora, segundo o art. 1º, tal Convenção aplica-se ao reconhecimento de divórcios e separações de pessoas obtidos na sequência de um processo judicial ou outro oficialmente reconhecidos e que aí produzam efeitos legais.

Por seu lado, nos termos do art. 6º, na revisão de sentenças não pode, em regra, proceder-se a qualquer exame relativo ao mérito das decisões.

5. A concreta situação assemelha-se, aliás, à que foi objecto do Ac. do STJ, de 12-7-05, Rel. Moitinho de Almeida (www.dgsi.pt/jstj), no âmbito da revisão e confirmação de uma sentença de divórcio decretado pelas autoridades da Ucrânia, tendo por base a junção de um certificado semelhante ao que está junto a este processo, emitido pelos serviços competentes do Registo Civil, onde se declara que o casamento fora dissolvido por divórcio. O Supremo Tribunal de Justiça, revogando a decisão desta mesma Relação, concedeu-lhe a pretendida revisão e de confirmação.

A mesma orientação do STJ já fora adoptada no Ac. desta mesma Relação, de 12-5-83, Rel. Lopes Bento (www.dgsi.pt/jtrl), incidindo sobre uma situação idêntica, ou seja, sobre um pedido de divórcio com base na apresentação de um mero certificado do divórcio emitido pelas autoridades da Austrália.

Corresponde também ao entendimento que, depois de larga justificação, a que inteiramente aderimos, transparece de outro Acórdão mais recente desta Relação, de 14-11-06, Rel. Rosa Maria Ribeiro Coelho (www.dgsi.pt/jtrl), sobre um pedido de revisão relacionado com divórcio decretado no Canadá.

Trata-se, pois, de orientação que, salvaguardando as regras procedimentais e os princípios essenciais, valoriza, ao nível do ordenamento jurídico interno, acto oficialmente praticado pelos serviços competentes de outros Estados Soberanos.

Assim se evita que, tal como ocorreu num outro Acórdão desta Relação, de 3-11-05, Rel. Carlos Valverde (www.dgsi.pt/jtrl), se sobrevalorizem aspectos de ordem formal que acabam por prejudicar os particulares, que, sem razões fortes, se vêem obrigados a retomar em Portugal a dissolução do casamento que pelas competentes autoridades de outros Estados já tenha sido decretada.

5. Neste contexto, verifica-se, por um lado, que estão assegurados os requisitos prescritos pelas als. a) e f) do art. 1096, que, de acordo com o art. 1101º, devem ser objecto de análise oficiosa.

Por outro lado, não se suscitam quaisquer questões que incidam sobre os demais requisitos das als. b) a e) do mesmo artigo.

O documento apresentado pelo requerente integra, com suficiência, os elementos materiais que devem ser ponderados num processo de revisão e de confirmação de sentença estrangeira.

IV - Pelo exposto, decide-se conceder a revisão e confirmação da sentença das Autoridades Australianas que decretou o divórcio entre o requerente RUI CASTELO BRANCO GUIMARÃES e a requerida LUÍSA MARIA RAMALHO VENTURA GUIMARÃES, datada de 17 de Janeiro de 2006, com efeitos a partir de 18 de Fevereiro de 2006.

Custas pelo requerente.

Oportunamente comunique à CRC.

Lisboa, 3-7-07


António Santos Abrantes Geraldes

Maria do Rosário Oliveira Morgado

José David Pimentel Marcos com a declaração que segue:


Revisão de Sentença Estrangeira n° 3908/06.

Voto de vencido.

Tal como constava do meu projecto de acórdão não concederia a revisão da sentença.

E isto pela simples razão de que não foi junta qualquer sentença que possa ser revista.

O requerente juntou apenas uma certidão em que se afirma: "em relação ao casamento celebrado no quarto dia de Fevereiro de 1976, certifico que a sentença de divórcio proferida pelo Tribunal no décimo sétimo dia de Janeiro de 2006 tem efeito a partir do décimo oitavo dia de Fevereiro de 2006".

Salvo o devido respeito, não pode ser revista uma sentença cujo conteúdo se desconhece em absoluto. Como poderá o tribunal averiguar se se verifica qualquer dos requisitos necessários à revisão? Como poderá afirmar-se que não se levantam dúvidas sobre a autenticidade do documento ou sobre a inteligência da decisão ou que a mesma não se mostra contrária aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português?

Diz o requerente que, segundo informação recebida do Tribunal australiano, nesse país não existe "uma sentença que decrete o divórcio, existe apenas o certificado já devidamente junto aos autos".

E na verdade, no "documento" junto refere-se que "o certificado é o único documento passado pelo tribunal que tem valor de prova de que o casamento terminou". Também se declara nele: "a prática dos Tribunais passando decretos com a anotação de que o decreto é absoluto terminou há alguns anos. Em vez disso, o Tribunal, em conformidade com a Secção 56a da lei da família de 1975, passa certificados indicando a data em que a decisão de divórcio tem efeito".

Mas, salvo melhor entendimento, não se afirma que não são proferidas sentenças. O que se diz é que não são passados outros certificados, o que é muito diferente. E até se compreende que assim seja para "efeitos internos". Mas já será muito diferente quando se pretende rever (apurar) o conteúdo dessas mesmas sentenças.

Compreendo a posição do requerente (a ser exactamente assim).

A verdade é que não vejo qualquer sentença a rever (mais ou menos formal não importaria certamente, mas rever o que se desconhece é que não!). Aquele certificado apenas nos diz que foi decretado o divórcio. Nada mais. É esta a "sentença" a rever?

Não ignoro que se trata de uma revisão formal (que não se mérito). Ainda assim, a sentença tem de ser "mostrada" para poder ser "vista".

Parece-me não haver dúvida de que para ser certificado que foi decretado o divórcio houve qualquer decisão nesse sentido. É o que falta! Aliás, na certidão junta pelo requerente refere-se expressamente que foi proferida uma "sentença de divórcio". Portanto, esta existe.

Não ponho em causa a autenticidade do doc. junto, nem o que nele se afirma. Mas não se pede a esta Relação que reveja e confirma esse mesmo certificado.

Lisboa, 03.07.2007.

Pimentel Marcos


__________________________________________________________


[1] Quanto à Austrália, a informação extrai-se do trabalho de Marques dos Santos, intitulado Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras, inserido nos Aspectos do Novo Processo Civil, pág. 112, nota 33.