I - A obrigação de prestar contas por parte do administrador do condomínio deve ser realizada perante a assembleia de condóminos enquanto entidade que protagoniza os interesses comuns dos condóminos.
Não tem, por isso, cada condómino isolado, o direito de exigir a prestação de contas pelo administrador.
II – O condómino que não aprove as contas prestadas pelo administrador perante a assembleia de condóminos (tendo ou não estado presente) pode apenas impugnar a respectiva deliberação por vício de forma ou de substância interpondo para o efeito acção com processo comum, carecendo pois de legitimidade para interpor acção especial de prestação de contas.
(G.A.)
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I – M veio interpor contra a ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO EM CASCAIS a presente acção com processo especial para prestação de contas, alegando em síntese que, sendo dono da fracção autónoma correspondente ao 1º andar esquerdo do referido prédio, não foi notificado de qualquer convocatória para as assembleias gerais de condóminos dos anos de 2003, 2004 e 2005, nem lhe foi comunicado o teor das respectivas actas, caso hajam tido lugar, nem, por conseguinte, recebeu a conta corrente que haja sido aprovada, desconhecendo por isso o montante da sua comparticipação nas despesas, nem a forma como foram calculadas as mesmas.
Requereu a notificação judicial avulsa da administradora, a qual teve lugar, e em cuja sequência recebeu uma resposta, continuando, porém, sem obter satisfação do que nela lhe era dito ser enviado, isto é, as cópias das actas, os elementos de contabilidade, apenas lhe tendo sido comunicado um montante de dívida, sem que tivesse havido qualquer verificação das contas.
Não tendo, pois, a R. prestado ainda contas da sua administração, apesar de a tal estar vinculada, e de para tal ter sido interpelada, requereu a sua citação para apresentar as contas relativas aos anos de 2003 e seguintes, ou contestar a acção, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o Autor apresente.
Citada, veio a R. contestar, dizendo que sempre o Autor, que vive a maior parte do ano na Suíça, foi convocado para as assembleias gerais, tendo recebido as convocatórias de 2003 e 2005 e não tendo recebido a de 2004 por a não ter levantado, que a nenhuma delas compareceu, mas que sempre lhe foram enviadas as actas respectivas.
Apesar do que alega, o Autor pagou as quotas relativas a 2203, o que só pode advir do conhecimento do seu montante.
Por mera cautela, juntou as contas de 2003, 2004 e o orçamento para 2005, por cujo teor pode o Autor apurar quanto deve ao condomínio e assim pagar o que continua em débito.
Acrescenta que os documentos de suporte estão desde Fevereiro de 2005 à disposição do Autor para consulta, peritagem ou outra forma de consulta na sede da actual administração.
Notificado, veio o Autor reconhecer ter recebido a convocatória para a assembleia de 2003, e reafirmar que não recebeu as seguintes e que também nunca recebeu as actas de qualquer das três assembleias.
Após junção de vários documentos e da apresentação pela R. de certidão notarial do livro de actas, na parte que engloba as assembleias de 2004 e 2005, e da sua notificação ao Autor, foi proferida sentença, a fls. 146-148, que, além de sanear os autos, decidiu, como questão prévia, que o Autor não tem, em princípio, o direito de exigir contas à administração do condomínio, que somente está vinculado a prestá-las à assembleia de condóminos, e que, tendo as mesmas sido prestadas perante tal assembleia (conforme se pode alcançar das actas juntas a fls. 130 a 141, bem como dos documentos juntos a fls. 57 a 84) e aí sido aprovadas, ao Autor apenas restava atacar as deliberações de aprovação das contas.
Assim, julgou apresentadas as contas, visto que de acordo com o direito substantivo aplicável as mesmas foram prestadas, e, concluindo, julgou a acção improcedente e absolveu a R. de prestar contas ao Autor.
Interpôs o Autor recurso de apelação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a) a sentença recorrida carece, em absoluto, de fundamentação de facto, em termos geradores da sua nulidade, à luz do art. 668°, n° 1, al. b) do Cod. Proc. Civil;
b) não suprindo tal nulidade a invocação genérica de elementos interpretativos da lei, sendo que a única afirmação de facto que consta da sentença recorrida - a de que as contas foram aprovadas em assembleia por unanimidade - carece, em absoluto, de motivação, contrariando o consignado no art. 653°, n° 2 do Cod. Proc. Civil;
c) não foi ao A. efectuada qualquer comunicação sobre as contas a aprovar, em violação dos arts. 1432° e 1433° do Cod Civil;
d) e mesmo que tivesse sido, nunca o A. aceitou quaisquer contas apresentadas extra-judicialmente, desde logo por delas, por motivo que lhe não é imputável, não ter tido conhecimento;
e) o que sempre legitimaria o recurso ao meio consagrado no art. 1014° do Cod. Proc. Civil;
f) revelam-se, pois, salvo melhor opinião, violados os preceitos legais invocados nas presentes conclusões.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
Foram apresentadas contra-alegações, que sustentam o bem fundado da sentença impugnada.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II – QUESTÕES A DECIDIR
Das conclusões das alegações do recorrente, que definem o objecto do recurso (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 4 do Código de Processo Civil), resulta que cumpre saber se:
a) A sentença enferma de nulidade, por falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto – artigo 668º, nº 1, alínea b) daquele Código.
b) A sentença enferma de erro de direito, por o alegado não conhecimento das contas alegadamente apresentadas e aprovadas em assembleia mas não aceites pelo recorrente o legitimar a exigir a sua prestação judicial.
III – A NULIDADE DA SENTENÇA
Arguiu o apelante a nulidade da sentença por absoluta falta de fundamentos de facto, e dizendo que não supre tal omissão a invocação genérica de elementos interpretativos da lei, sendo que a única afirmação de facto que consta da sentença recorrida - a de que as contas foram aprovadas em assembleia por unanimidade - carece, em absoluto, de motivação.
No corpo das alegações, que não nas conclusões, chega a invocar ser inconstitucional a interpretação do artigo 668º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil no sentido, correntemente defendido na jurisprudência, de que só a absoluta falta de fundamentação constitui essa nulidade, dizendo que desse modo se viola o comando do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Como, porém, só as questões que sejam vertidas nas conclusões devem ser objecto de conhecimento em sede de recurso (artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil), trataremos da aludida nulidade face ao dispositivo legal tout court [1].
Com efeito, entende comummente a jurisprudência [2], tal como a doutrina [3] que só a total omissão de fundamentação de facto e não a sua insuficiência ou incompletude geram tal nulidade.
Vejamos a presente situação.
Manifestamente a decisão não contém uma parte destacada em que se alinhem sequencialmente os factos e se faça uma apreciação global da prova relativa a todos os factos invocados pelas partes.
Mas deve ter-se em consideração que a decisão incidiu sobre a questão substantiva, processual e logicamente prévia de apurar se o Autor tem o direito de exigir prestação de contas da R. e se esta está onerada com o dever de prestar contas perante aquele.
Para o efeito, e à luz dos preceitos em vista, a decisão contém sem dúvida os factos relevantes e a sua motivação.
Com efeito, além de ter invocado o artigo 1436º, alínea j) do Código Civil, que define entre as funções do administrador do condomínio resultante da constituição de um prédio em regime de propriedade horizontal a de prestar conta à assembleia, a sentença refere que as assembleias de 2003, 2004 e 2005 tiveram lugar, que nelas foram discutidas e aprovadas as contas e que o foram pela unanimidade dos presentes.
E motivou a prova de tal facto nos documentos dos autos, com indicação concreta dos mesmos – actas juntas a fls. 130 a 141, bem como dos documentos juntos a fls. 57 a 84 – pelo que nem sequer existe falta ou insuficiência de indicação de factos e da fundamentação deles.
Padece a sentença, é certo, de alguma deficiência de técnica, pois que a boa ordem processual aconselharia que, ainda que de forma sintética e simplificada, como a natureza da questão impunha, se desse destaque em separado à decisão sobre os factos e à sua fundamentação.
Mas ainda que tal crítica se possa fazer com algum fundamento, sempre a questão seria de deficiência técnica e não de insuficiência de factos e de motivação.
Aliás, do contexto das alegações se pode claramente ver que o recorrente entendeu perfeitamente em que factos a decisão se fundou.
Unicamente não concorda com a falta de motivação da sua prova – questão que já não respeita à prova em si, mas ao acerto da decisão de considerar determinados factos provados.
E se não há a menor menção aos factos que profusamente o Autor alegou, no sentido de fundamentar o seu direito de exigir a prestação de contas a si – como o não ter recebido convocatórias para as assembleias de condóminos ordinárias de 2003, 2004, e 2005, não ter recebido cópia das respectivas actas e não lhe terem sido facultados os documentos de suporte das contas porventura aprovadas – tal não constitui nulidade, pela razão de que tais factos são em absoluto irrelevantes em face das regras de direito aplicáveis à questão prévia ou primeira de saber se a R. estava ou não obrigada a prestar contas ao Autor.
Não padece, assim, a sentença de falta de fundamentação, nem absoluta nem parcial, pelo que a primeira das questões suscitadas nas conclusões merece ser julgada improcedente.
IV – OS FACTOS
Do contexto da sentença extrai-se terem sido dados como provados (embora sem a explicitação integral do seu conteúdo) os seguintes factos, com base nos documentos dos autos:
- Em 11 de Janeiro de 2003, reuniu a assembleia de condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal sito em Cascais com a presença dos condóminos do 5º Dto, 4º Dto, 3º Dtº, 2º Dto, r/c Dto, r/c Esq, e o 3º Esq por procuração, perfazendo 58,5% das quotas, dela tendo sido lavrada a acta nº 15, documentada nos autos a fls. 30-31, de cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos consta a aprovação de contas do ano 2002, adiante constando que as mesmas foram aprovadas por unanimidade;
- Em 17 de Janeiro de 2004, reuniu a assembleia de condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal sito em Cascais com a presença dos condóminos do 5º Dto, 5º Esq, 3º Dtº, 3º Esq, 2º Dto, r/c Dto, r/c Esq, perfazendo 65,26% das quotas, dela tendo sido lavrada a acta nº 17, documentada nos autos a fls. 131-132, de cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos consta a aprovação de contas do ano 2003, adiante constando que as mesmas foram aprovadas por unanimidade;
- Em 8 de Janeiro de 2005, reuniu a assembleia de condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal sito em Cascais com a presença dos condóminos do 5º Esq, 4º Dto, 3º Esq, 3º Dtº, 2º Dto, r/c Dto, r/c Esq, e por procuração os 4º Esq e 5º Dto perfazendo 77,20% das quotas, dela tendo sido lavrada a acta nº 18, documentada nos autos a fls. 135-138, de cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos consta a aprovação de contas do ano 2004, adiante constando que as mesmas foram aprovadas por unanimidade.
De referir que os documentos que contêm as ditas actas não foram objecto de impugnação, sendo que os dois últimos são certidões notariais do livro de actas (fls. 130).
V – O DIREITO
Como também é referido na sucinta decisão impugnada e já acima se referiu, o artigo 1436º do Código Civil contém a enumeração das funções legalmente atribuídas ao administrador do condomínio (para além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, como a própria parte inicial do mencionado artigo refere) e entre elas, na alínea j) consta a de prestar contas à assembleia.
De facto, sendo as atribuições de gestão atribuídas ao administrador referentes ao condomínio e às partes comuns do prédio, deve considerar-se que a sua prestação de contas deve ser realizada perante quem protagoniza os interesses comuns dos condóminos, que é a assembleia de condóminos, que, aliás, é o órgão que compõe juntamente com ele a administração das partes comuns (nº 1 do artigo 1430º), sendo certo que é a assembleia que o elege e exonera (nº 1 do artigo 1435º).
Não tem, por isso, cada condómino isoladamente considerado direito de exigir do administrador do condomínio que lhe preste contas, pois que as mesmas são devidas ao órgão colegial constituído pelos próprios condóminos em assembleia.
Sendo as contas prestadas perante a assembleia, o que o condómino que as não aprove, tenha ou não estado presente, e simultaneamente considere haver motivos para arguir a nulidade ou anulabilidade da deliberação (já que a lei não exige unanimidade) deve fazer é impugnar a deliberação, por vícios de forma ou de substância que entenda assacar-lhe.
Mas tal deve ter lugar em acção com processo comum, em que formule o pedido de anulação da deliberação em causa, por estar ferida de vícios que a invalidem, e não em acção com processo especial de prestação de contas, já que nesta apenas cabe discutir, em primeiro lugar, se quem demanda tem o direito de exigir as contas de quem é demandado e, caso tal questão prévia seja favoravelmente decidida, e após oferecimento das contas pelo R. ou pelo Autor, se tais contas devem ser validamente julgadas e finalmente, se for caso disso, condenar o primeiro no pagamento do saldo favorável ao segundo.
É evidente que, se a assembleia nem mesmo teve lugar ou se nela o administrador não apresentou as contas ou se, tendo-as apresentado, elas não foram aprovadas [4], configura-se, então sim, a possibilidade de os condóminos intentarem uma acção para prestação de contas, contra o administrador.
Assim tem sido entendido em vários arestos, de que citamos os Acórdãos da Relação do Porto de 19.1.2006, Proc. 6833/05, publicado na Colectânea de Jurisprudência ano XXXI, tomo I, 2006, pág. 163-164 e de 24.9.2002, Proc. 0220852, em http://www.dgsi.pt, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.6.1988, Proc. 076215, sumariado em http://www.dgsi.pt, havendo mesmo quem sustente que existe litisconsórcio necessário activo em caso de ter lugar a prestação de contas por via judicial [5].
No caso dos autos, as contas foram prestadas perante a assembleia e aí aprovadas, pelo que, salvo declaração de nulidade ou anulação da deliberação que as aprovou, não há mais lugar a nova prestação de contas.
Tendo assim decidido, fez a sentença apelada correcta aplicação das regras legais, designadamente do artigo 1436º, alínea j) do Código Civil e do artigo 1014º do Código de Processo Civil, devendo por conseguinte julgar-se improcedente a apelação.
VI – DECISÃO
Nestes termos e em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 5 de Julho de 2007
António Neto Neves
Maria da Graça Mira
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