Provando-se que as infiltrações de águas residuais de esgotos provenientes do exterior e que se introduzem na garagem de imóvel não resultam de defeitos de construção do próprio imóvel, ou de outros a que alude o artigo 1225.º do Código Civil, o empreiteiro não pode ser responsabilizado.
(SC)
Alegam os AA que são proprietários da garagem n.º 6 do prédio designado por “lote 2”, […]prédio este construído pela 1.ª R, bem como o prédio designado.
Os 3.ºs RR são demandados na qualidade de proprietários da garagem n.º 6 do “lote 3”.
A garagem nos AA situa-se ao nível da cave, sendo que a parede direita, para quem entra na garagem, confina com terras e pedras na zona das fundações do lote 3, e foi construída a tijolo, de 15 cm.
Nos termos do RGEU a espessura dessa parede não podia ser inferior a 60 cm.
Em 1996 a A. reclamou junto da 1.ª R do facto da sua garagem estar a sofrer infiltrações de águas residuais vindas das instalações do prédio contíguo, a R mandou proceder a algumas reparações mas as infiltrações persistiram; em 1997 a A. reclamou de novo e a R voltou a proceder a reparações no lote 3, mas as infiltrações não forma eliminadas.
O departamento de habitação da CMS efectuou vistoria tendo concluído pela responsabilidade do construtor do lote 3.
Também a autoridade de saúde efectuou vistoria concluindo pela existência de perigo para a saúde.
Os SMAS vistoriaram também o local tendo concluído que as águas não era provenientes das suas tubagens, mas sim de rupturas na canalização interna das águas residuais do lote 3.
Os AA encontram-se impedidos de utilizar a sua garagem.
Concluem assim que as infiltrações que afectam a sua garagem provenientes do lote 3 e devem-se à má construção da suas canalizações de esgoto, ou à má conservação ou manutenção das canalizações dos esgotos da garagem propriedade dos 3.º RR.
A 1.ª R responde pelos defeitos verificados no lote 3 que construiu, nos termos dos art.º 483.º e 1225.º n.º4 do CC;
Os 2.º RR porque são obrigados e eliminar os defeitos existentes nas instalações de esgoto da sua garagem;
O 3.º R , por ter o dever de conservar as partes comuns do lote 3 e logo tem obrigação de indemnizar os AA e eliminar os defeitos do lote 3.;
Todos os RR são solidariamente responsáveis pelos danos.
Conclui pedindo a condenação :
a) - dos RR a reparar a instalação das canalizações dos esgotos do lote 3, de modo a que deixe de haver infiltrações na garagem dos AA;
b) – da 1.º a construir uma parede de separação entre a garagem dos AA e o lote 3, com uma espessura de 60 cm, em alvenaria hidráulica;
c) – dos RR a pagar aos AA, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 10.000$00, por cada dia de atraso após o trânsito da decisão;
d) - dos RR no pagamento de quantia de 215.000$00, a título de indemnização pela não utilização da garagem, acrescida de 1000$00 por dia desde 30/4/2000 e até à reparação efectiva.
Os RR José […] e mulher contestaram, mas posteriormente os AA vieram desistir do pedido em relação a tais RR, desistência essa já homologada.
A R E.[…] Lda. contestou alegando, em síntese que:
a) – não pode ser legalmente responsabilizada pelas infiltrações em causa, ao abrigo da responsabilidade contratual, pois esta só pode ser exigida pelo dono da obra ou pelo adquirente ao empreiteiro ou construtor, donde, os AA, como proprietários da garagem do lote 2 não podem accionar a R como construtora do lote 3;
b) - também não podem accionar a R com base em responsabilidade extracontratual, pois esta já está prescrita;
c) - a R diligenciou por descobrir a causa das infiltrações, procedeu a reparação da tubagem dos esgotos enterrados, para obviar a transvasamentos pela tampa da caixa de visita da garagem 6 do lote 3;
d) como as infiltrações persistissem, a R alterou o traçado das canalizações, eliminando as caixas de visita internas e fazendo a ligação directa daquelas às caixas de visita exteriores;
e) na realização dessa obra, acompanhada pelos AA, verificou-se que não havia qualquer ruptura na canalização substituída ou nas caixas de visita tornadas inactivas, por onde pudessem escapar as águas que apareciam na garagem;
f) Como aquela não era a origem das infiltrações e estas se mantivessem a R remeteu ao condomínio do lote 3 uma carta onde reiterou a impossibilidade das infiltrações terem origem nas tubagens daquele lote e apontou para a hipótese das mesmas serem provenientes do lote 4, que confina com o lote 3, pois a R tomou entretanto conhecimento de que esse lote 4 já havia apresentado problemas com os esgotos que nunca foram resolvidos,
g) as vistorias realizadas, por acção deliberada dos AA, confinaram-se aos lotes 3 e 2 quando deveriam também ter abrangido também o lote 4.
Conclui assim pela falta de legitimidade substantiva para ser demandada e pela ausência de responsabilidade pelas infiltrações ocorridas, dado as canalizações do lote 3 se encontrarem em perfeitas condições.
Pede a condenação dos AA como litigantes de má-fé
O 3.º R contestou excepcionando a sua ilegitimidade para a acção e impugnou os factos alegando que só deles tiveram conhecimento com a vistoria da CMS; não tiveram conhecimento da carta que constitui o doc. 9 junto com a p.i. – carta da E.[…] ‘Lda. dirigida a Administração do Condomínio R.
Mais alegam que as infiltrações não decorrem da má manutenção das canalizações do lote 3 mas sim de defeitos de construção, da responsabilidade da 1.ª R.
*
Os factos assentes são os seguintes:
A) Os AA., no dia 19 de Maio de 1995, no […] Cartório Notarial de Lisboa, por escritura pública, compraram à 1ª R., a fracção autónoma individualizada pela letra "F", correspondente à garagem n° 6 sita na Cave, do prédio urbano designado por "Lote 2",[…] afecto ao regime de propriedade horizontal, encontrando-se a transmissão da citada fracção registada a favor dos AA., pela inscrição G-6.
B) Este prédio foi construído pela 1ª R., conforme alvará de licença de obras n° […], emitido em 12 de Maio de 1995, pela Câmara Municipal […]. A 1ª R. era dona e legítima possuidora deste prédio, encontrando-se registada a seu favor o direito à propriedade, pela inscrição G-5.
C) A 1ª R., também construiu o prédio urbano designado por "Lote 3" […] e afecto ao regime de propriedade horizontal.
D) A 1ª R. era também dona e legítima possuidora deste prédio, encontrando-se registado a seu favor pela inscrição […].
E) 0 3.ºR. é o administrador do condomínio do prédio descrito em C).
F) Os 2.º RR. são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra "F" correspondente à garagem n° 6 do prédio urbano descrito em C), encontrando-se a transmissão registada a seu favor pela inscrição […]
G) A garagem propriedade dos AA., pertence ao prédio designado por Lote 2, […] situa-se ao nível da cave e tem acesso pelas traseiras do prédio.
H) A garagem, propriedade dos 2.°s RR. é uma fracção autónoma pertencente ao prédio designado por Lote 3, […] que se situa ao nível do R/c e tem acesso pelas traseiras do prédio.
I) O prédio Lote 3 tem, ao nível do R/c, 6 garagens com portas para o exterior, pertencendo a garagem n° 6 aos 2.°s RR.
J) O prédio Lote 2 tem 5 garagens ao nível do R/c, com portas para o exterior e 10 garagens ao nível da cave, todos com acesso a um átrio comum que dá acesso ao exterior por uma rampa e por uma única porta .
K) A parede de separação entre a garagem dos AA. e o prédio Lote 3 foi construída a tijolo, com cerca de 15 cm.
L) Em 28/9/99 o Departamento de Habitação da CMS procedeu a uma vistoria tendo sido elaborado o auto junto a fls. 41.
M) A Autoridade de Saúde, a requerimento dos condóminos do lote 2, efectuou uma vistoria tendo elaborado o relatório junto a fls 44.
N) Desde 12/3/99 que a garagem dos AA está a ser afectada directamente por infiltrações de resíduos de esgotos que se acumulam na garagem e no átrio comum do parqueamento, o que impede que os AA se utilizem da garagem, para aí recolherem o seu automóvel, o que lhes causa prejuízos e incómodos.
O) A parede do lado direito de quem entra na garagem dos AA. confina totalmente com terras e pedras da zona das fundações do prédio do lote 3.
P) No ano de 1996 a A Anabela reclamou junto da 1.ª R o facto da sua garagem estar a ter infiltrações de águas residuais vindas da instalação dos esgotos do prédio contíguo.
Q) A 1.ª R mandou proceder a algumas alterações na rede de esgotos enterrados do lote 3, que passavam por baixo das garagens 4, 5 e 6 desse lote, sendo que após essas alterações as águas residuais continuaram a afectar a garagem dos AA.
R) Em 1997 a A Anabela efectuou idêntica reclamação junto da 1.ªR, conforme carta junta com a p.i. como doc. 8.
S) A 1.ª R voltou a efectuar alterações na rede de esgotos enterrada, agora nas garagens 1, 2 e 3 do lote 3. Esclarecendo-se que as alterações aqui referidas e em 4. consistiram na eliminação de todas as caixas de visita do lote 3, sitas no interior das garagens, fazendo ligação directa ao colector de esgoto da caixa exterior do prédio. Apenas o colector da prumada das 4 cozinhas dos andares frente (lote3), foi encaminhado para o colector, até aí principal, sito no interior da garagem n.º 3, do lote 3, tendo sido eliminada a respectiva caixa de visita. Este colector, que até aí recolhia os esgotos de todas as prumadas do prédio, passou assim a recolher apenas os esgotos da prumadas das cozinhas-frente, do wc da garagem n.º3 e de dois wc das caves das lojas do mesmos lote, sendo que esses wcs à data da p.i. e até à data da perícia judicial não eram utilizados.
T) Este colector está a 2,5 a 3 metros de profundidade e está ligado à mesma caixa exterior do prédio, atrás referida, sendo a ligação feita por um tubo com cerca de 12 metros de comprido, a essa mesma profundidade, tubo esse composto por duas varas ligadas entre si.
U) Em 21/1/99 a 1.ª R enviou a carta junta como doc. 9 aos condóminos da 3.º R.
V) Em 10 de Março o condomínio do lote 2 requereu à CM […] uma vistoria às partes comuns do prédio, conforme doc. 10 e 11.
W) Para melhor exame e estudo da origem da tais águas a 1.ªR mandou demolir parte da parede entre a garagem e as terras por baixo do piso térreo do lote 3.
X) As águas residuais que afectam a garagem dos AA entram nela através da parede identificada em L) e a uma altura de cerca de 50 cm a contar do solo da garagem.
Y) A parede direita da garagem dos AA não tem qualquer contacto directo com o exterior do edifício.
Z) Ocorreram vários entupimentos nas caixas de visita das garagens do lote 3, sendo que alguns desses entupimentos foram causados por sacos de plástico fechados e outros objectos indevidamente canalizados pelos esgotos.
AA) Após os desentupimentos e reparação acima referidas as infiltrações na garagem dos AA. continuaram a verificar-se.
BB) Como os AA insistissem em atribuir as infiltrações de águas residuais na sua garagem a uma alegada deficiente execução pela 1ª R. da montagem dos esgotos do lote 3, esta, para acabar uma vez por todas com as dúvidas, procedeu, mais uma vez com o conhecimento dos AA., ao exame daqueles, tendo optado, por alterar o traçado das mesmas, eliminando as caixas de visita internas e fazendo a ligação directa daquelas às caixas de visita exteriores.
CC) Durante a execução dessa obra, durante o ano de 1998, também acompanhada pelos AA., confirmou-se, uma vez mais, que não havia quaisquer roturas na canalização substituída, ou nas caixas de visita tornadas inactivas, por onde se pudessem escapar as águas residuais que apareciam na garagem dos AA.
DD) Após a realização das alterações à rede de esgotos levada a cabo pela R E.[…] e atrás descritas, a garagem dos AA. continuou a apresentar a mesma patologia.
EE) A 1° R. remeteu ao condomínio do lote 3 a carta junta como documento n° 9 à p.i., na qual reiterou a impossibilidade de as infiltrações terem origem nas tubagens daquele lote e apontou para a hipótese de as mesmas serem provenientes do lote 4, que confina com o lote 3.
FF) O lote 4 teve problemas com os esgotos, mais que uma vez, sendo visível os esgotos a saírem pela porta da garagem desse lote, que fica encostada ao lote 3, e a correm pela via pública, tendo uma dessas ocorrências tido lugar antes da 1.ª alteração da rede de esgotos efectuada pela 1.ºR, no lote 3 e atrás descrita.
Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente provada e procedente, condenando a Ré E.[…] a proceder às diligências e obras que se mostrarem necessárias para pôr fim às infiltrações que a garagem dos AA vem sofrendo, devendo colocar a parede em causa no estado em que se encontrava antes das infiltrações.
Inconformada, recorre a Ré, concluindo que:
- Na petição inicial a causa de pedir é o facto de a Ré ter construído um prédio (lote 3) cujas instalações de esgotos se encontram com defeitos, permitindo a infiltração de águas residuais do prédio contíguo, onde se situação a garagem dos AA.
- O tribunal, na decisão, alterou tal causa de pedir, o que lhe está vedado.
- Com efeito, confundiu o conceito de “infiltrações” com o de “defeitos”, ignorando a exigência da lei no sentido de especificar a causa e tipo dos defeitos existentes.
- Por outro lado, o Tribunal errou ao decidir que aos AA bastava alegarem a aquisição de um prédio e provarem padecer o mesmo de infiltrações, para que se tivessem por verificados os requisitos da responsabilidade prevista no art.º 1218º e ss. do CC.
- Foi violado o art.º 1225º do CC que expressamente exige que o lesado prove a existência de defeitos no prédio e a génese dos mesmos.
- Foram igualmente violadas as disposições relativas à repartição do ónus da prova.
- Uma vez que os AA não provaram que as infiltrações resultem de defeitos de construção do prédio, não se verifica um nexo causal adequado que possa levar à condenação da Ré.
- A excepção de prescrição invocada pela Ré não foi apreciada pelo tribunal.
Os AA defenderam a manutenção da sentença recorrida.
*
Cumpre apreciar.
Começaremos pela alegada nulidade resultante de o tribunal não ter tomado posição expressa sobre a excepção de prescrição, supostamente invocada pela Ré.
Ora, o certo é que a Ré não invocou a prescrição. Limitou-se, no art.º 25º da contestação, a referir que:
“Acresce que os AA também já não podiam accionar a ora Ré com base numa eventual responsabilidade extracontratual, relativamente à qual não foram articulados quaisquer factos pelos AA na p.i. uma vez que há muito ela estaria prescrita nos termos do art.º 498º do CC.”
Ou seja, limitou-se a Ré a suscitar, de passagem, uma mera questão hipotética.
A sentença recorrida, apreciou a acção, exclusivamente, na base da responsabilidade contratual.
Logo, não faria sentido que o Mº juiz a quo fosse apreciar a prescrição numa situação de responsabilidade civil extracontratual, que não estava em causa nos autos.
Não tendo sido, assim, cometida qualquer omissão ou nulidade.
A presente apelação assenta em duas razões cruciais:
Na primeira, entende-se que o tribunal tomou a decisão com base numa causa de pedir diversa da articulada pelos AA.
Na segunda, discute-se o modo como na sentença foi efectuada a repartição do ónus da prova.
Quanto ao primeiro ponto.
Os AA invocaram na petição inicial a existência de infiltração de águas residuais, pela parede da sua garagem, provindas das canalizações dos esgotos do prédio designado por Lote 3. Invocam ainda, no tocante à Ré ora recorrente, que a parede de separação não tem a espessura exigida por lei.
Daí que formulem, contra a Ré E.[…] Lda., o pedido de reparação das instalações das canalizações dos esgotos do prédio designado por Lote 3 e ainda a respectiva condenação a construir uma parede de separação entre a garagem dos mesmos AA e o prédio Lote 3, com uma espessura de 60 cm em alvenaria hidráulica, resistente e impermeável.
Juridicamente, configura-se pois a existência de defeitos de construção, nos termos do art.º 1225º nº 4 do CC, expressamente mencionado pelos AA.
Note-se que o prédio foi construído pela ora recorrente, que o vendeu aos AA. A recorrente é igualmente a construtora do prédio contíguo, designado por Lote 3.
A recorrente entende, contudo, que os defeitos de construção invocados pelos AA se reportam ao prédio contíguo, Lote 3, e não ao seu próprio prédio.
Ou seja, as infiltrações não seriam reportadas a defeitos de construção no prédio que os AA compraram à Ré, mas sim no prédio contíguo de onde provêm as águas residuais que se infiltram na garagem.
Esquece a recorrente que os AA alegaram que a parede divisória entre a sua garagem e o prédio contíguo era de uma espessura inferior à legalmente exigida. Daí que, no pedido, pretendam a condenação da E.[…] a construir nova parede, desta vez com 60 cm de espessura e utilizando materiais impermeáveis.
Não é assim verdade que, como alega a recorrente, os apelados nunca tenham dito que a garagem que lhe adquiriram tenha defeitos de construção.
É evidente que as infiltrações provêm de águas residuais de outro prédio, mas também é evidente que os AA entendem que a espessura da parede divisória impede uma protecção adequada contra tais infiltrações.
Daí que requeiram a condenação da Ré a construir uma nova parede com maior espessura.
Trata-se aqui, a nosso ver, de uma causa de pedir complexa, que integra por um lado a existência de defeitos de construção no prédio designado como Lote 3, contíguo ao dos AA, e por outro lado a insuficiência da espessura da parede divisória, esta sim inserida na garagem dos AA e construída pela Ré.
Nesta medida, e sem abordar por ora a questão relativa à adequação da condenação ao pedido, o tribunal não alterou a causa de pedir formulada na petição inicial, ao considerar invocados defeitos de construção no prédio dos AA e no prédio contíguo.
Se assim não fosse, o pedido formulado pelos AA em segundo lugar, na alínea b), estaria inteiramente desprovido de causa de pedir. E, como vimos, não é isso que se passa, face ao teor dos arts. 14º e 15º da petição inicial.
*
Existe contudo um aspecto, que de certo modo decorre das doutas alegações do recurso, que nos parece relevante e talvez não suficientemente ponderado na decisão recorrida.
A existência de defeitos num edifício não significa necessariamente que se trate de defeitos de construção. Estes, tal como refere o nº 1 do art.º 1225º do CC, são os ocasionados por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos.
Ora, que uma garagem sofra infiltrações de águas residuais provenientes do exterior do prédio, que constituam uma verdadeira ameaça à saúde pública e tornem inutilizável tal garagem, constitui um óbvio defeito, no sentido de anomalia, de algo que se verifica e não deveria verificar-se, tendo em atenção a finalidade do imóvel.
Mas que isso resulte de vício de construção é uma coisa completamente diferente.
É que não ficou provado que a espessura da parede divisória da garagem seja a causa das infiltrações. Pelo contrário, na sentença recorrida, o Mº juiz a quo afastou a hipótese peticionada de construção de outra parede com maior espessura, por entender que isso não iria resolver o problema.
Porém, a questão da espessura da parede divisória enquanto elemento da causa de pedir é indissociável do problema das infiltrações.
Nem nos parece seguro que se possa assacar à recorrente qualquer responsabilidade no tocante à espessura da parede da garagem: com efeito, nos termos do art.º 29º do RGEU, a espessura mínima de 60 cm é exigida para paredes de caves “consideradas habitáveis”. E esta última qualificação não consta dos factos provados nem sequer tendo sido alegada.
Mas, o que assume a nosso ver maior relevância, é que, existindo como dissemos uma causa de pedir complexa, a questão da parede acaba por ser meramente instrumental relativamente às infiltrações. O que os AA pretendem é que cessem as infiltrações na garagem e tais infiltrações têm origem no exterior do prédio. Ou seja, a causa das infiltrações não é um defeito de construção, na medida em as mesmas provêm de outro prédio e não se prova que uma parede de maior espessura as impedisse definitivamente. Como se sublinha na sentença recorrida, mesmo com uma espessura de 60 cm, a parede, submetida constantemente ao contacto com as águas residuais do exterior, acabaria, mais cedo ou mais tarde, por permitir novas infiltrações.
O problema são pois as infiltrações. Estas não resultam de qualquer defeito de construção no prédio que a recorrente edificou e vendeu aos AA. Poderiam resultar de deficiente canalização do prédio contíguo, designado por Lote 3, igualmente construído pela Ré. Mas isso não ficou provado.
Há que dizer, de passagem, que contrariamente ao que é habitual nestes casos, a Ré E.[…] não se poupou a esforços para detectar algum defeito no aludido Lote 3 e todos aqueles com que deparou, mesmo que aparentemente alheios à sua actuação enquanto construtora, reparou-os e resolveu-os. Contudo, as infiltrações mantiveram-se no prédio dos AA.
Nos autos está referenciada a possibilidade de tais infiltrações provirem de deficiente canalização num outro prédio, designado por Lote 4, e alheio às partes. Mas também esta possibilidade não resultou suficientemente provada.
Em suma, não se sabe exactamente qual a causa das infiltrações. Sabe-se que se trata de águas residuais provindas de um prédio que não o dos AA, mas tanto poderá ser do Lote 3, apesar de parecer pouco provável, depois das diversas obras de reparação levadas a cabo pela Ré, como do Lote 4, com o qual, tanto quanto resulta dos autos, a ora recorrente nada tem a ver.
É perante isto, que retomamos a distinção entre “defeitos” e “defeitos de construção”. O prédio dos AA, na garagem, tem defeitos, na medida em que está a ser infiltrado por águas residuais, nauseabundas, que impedem a utilização dessa garagem. Mas esses defeitos, anomalias, são-no em função do fim normal a que se destina o imóvel afectado e não em função de qualquer vício do solo ou da construção imputáveis à recorrente.
Não se provou, mesmo na lógica da sentença recorrida, qualquer defeito de construção no prédio dos AA.
Ora, o Mº juiz a quo refere, apesar disso, que tendo os AA feito prova dos defeitos era à Ré construtora que incumbia o ónus de provar que tal defeito não resultava de vício na construção.
O raciocínio do Exºmo julgador torna-se bem explícito quando afirma:
“Os AA alegaram e provaram que a garagem sofre das infiltrações e que a mesma foi construída e vendida pela 1ª Ré. Fizeram, pois, a prova que lhes era exigível.”
Ora, em nosso entender, e salvo o devido respeito, não basta alegar e provar que a garagem sofre de infiltrações. Só por si, estas não são necessariamente defeitos de construção, nomeadamente quando são os próprios AA a alegar que as infiltrações de águas residuais provêm “da instalação dos esgotos do prédio contíguo” - arts. 16º, 18º, 26º, 31º, 32º e sobretudo 33º da petição inicial. No art.º 33º dizem os AA:
“As águas residuais que afectam a garagem dos AA são provenientes do Lote 3 e devem-se à má construção das suas canalizações de esgotos, ou à má conservação ou manutenção daquelas, pelo respectivo condomínio, ou à má conservação e manutenção das canalizações dos esgotos da garagem propriedade dos 3ºs outorgantes” (supõe-se que se quis dizer Réus e não “outorgantes”).
Como se vê, os defeitos de construção, mesmo na visão dos AA, situam-se noutro prédio, não no seu. Em relação a este só se poderia mencionar a espessura da parede, mas como vimos, não só não resulta que tal parede devesse, nos termos legais, ter espessura superior como não se prova que o problema esteja na espessura das paredes mas sim na causa das infiltrações. E esta, insiste-se, nada tem a ver com o modo como o prédio dos AA foi construído. Tem a ver, presumivelmente, com um dos prédios próximos, o Lote 3 ou o Lote 4.
É assim que na sentença recorrida se julgou improcedente o pedido dos AA relativamente à construção de nova parede com a espessura de 60 cm.
Ao invés, condenou-se a 1ª Ré, ora recorrente, “a proceder às diligências e obras que se mostrarem necessárias para pôr fim às infiltrações que a garagem dos AA vem sofrendo, devendo colocar a parede em causa no estado em que se encontrava antes das infiltrações”.
Contudo, não fora este o pedido formulado pelos AA.
O que os AA pretendiam – para lá da questão da espessura da parede – era que a Ré fosse condenada a reparar a instalação das canalizações dos esgotos do prédio designado por Lote 3, de modo que deixe de haver infiltrações para a garagem dos AA.
Tendo-se apercebido que não se prova que as infiltrações provenham do tal prédio Lote 3, o Mº juiz a quo optou por uma condenação bem mais abrangente. Mas, pergunta-se: e se as infiltrações provierem do prédio Lote 4 ou de qualquer outra razão estranha ao prédio dos AA e à Ré enquanto construtora/vendedora? A que título poderá a Ré efectuar tais obras em propriedade alheia e sem que os respectivos proprietários tenham sido partes nos autos?
A questão, para nós, tem de ser resolvida noutra base. Mesmo que o respectivo ónus incumbisse à Ré, nos termos do art.º 342º nº 2 do CC, entendemos ter sido feita prova de que as infiltrações não resultam de defeito de construção no prédio que a Ré construiu e vendeu aos AA. Aliás – e mais uma vez se exceptua a questão da espessura das paredes – tal defeito de construção nem sequer foi alegado pelos AA. Alegaram isso sim um defeito de construção no prédio contíguo, o Lote 3.
Neste caso, contudo, já não estamos perante uma situação de responsabilidade contratual. E a presunção a que alude o Mº juiz deixa assim de ser aplicável uma vez que passaríamos a estar no âmbito da responsabilidade civil, onde é ao lesado que incumbe a prova do dano e do nexo de causalidade, já para não falar da culpa (art.º 487º nº 1 do CC).
Contudo, mesmo no âmbito da responsabilidade civil, e esquecendo a questão da prescrição, não foi feita qualquer prova que ligue os danos a uma qualquer conduta ou omissão da Ré.
Temos de concluir que, do modo como foi alicerçada a petição inicial, a sentença recorrida vai além do objecto do pedido, no sentido do art.º 668º nº 1 e) do CPC.
Mas pior que isso, afigura-se-nos que, tendo julgado improcedente a única parte do pedido e causa de pedir dos AA que se poderia reportar a defeitos de construção – a espessura da parede – a condenação da Ré deixa de fazer sentido. Não provindo o defeito ou anomalia de qualquer aspecto relativo à construção do prédio dos AA e que a Ré construiu e lhes vendeu – e, perdoe-se-nos a insistência neste ponto, mas nada foi alegado neste sentido – a Ré não pode responder enquanto construtora e vendedora.
A partir do momento em que se indefere o pedido de construção de uma parede divisória com 60 cm de espessura, por se entender que em nada iria contribuir para solucionar o problema, não tendo havido recurso dessa parte da decisão, não vemos a que título pode a 1ª Ré ser condenada.
Mais: a condenação, nos termos em que foi, obrigaria a Ré a reparar qualquer defeito de construção, nomeadamente a nível da canalização de esgotos, que se verificasse em prédios por si construídos ou em prédios com os quais nada tivesse a ver, como construtora ou vendedora; só não o fará no prédio dos AA, ou seja o único que estaria abrangido pela previsão do art.º 1225º. E não o fará porque a única parte do prédio relativamente à qual os AA pediam efectiva intervenção da Ré foi descartada na sentença recorrida.
Perante o exposto, entendemos que a sentença incorreu na nulidade prevista no art.º 668º nº 1 e) do CPC.
E face àquilo que foi dado como provado – e também àquilo que foi articulado pelos AA – não vemos qualquer motivo que permita, no âmbito da responsabilidade contratual ou no da extracontratual, condenar a Ré E.[…]
Acorda-se assim em julgar procedente a apelação, absolvendo-se a apelante do pedido.
Custas pelos apelados.
LISBOA, 5/7/2007
(António Valente)
(Ilídio Sacarrão Martins)
(Teresa Pais)