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PROCURAÇÃO
Sumário
1. Quando o advogado, ao praticar em juízo determinado acto em nome da parte, protesta juntar procuração justifica-se que o juiz não desencadeie logo o referido mecanismo. Há-de, naturalmente, o juiz mandar notificar apenas o advogado para juntar a procuração em falta, sem sujeição imediata à cominação prevista na segunda parte do nº 2 do citado artº 40º. 2. Deixando o advogado de juntar a procuração no prazo concedido, então sim, seja qual for o motivo, deverá o juiz aplicar o referido regime legal, por tudo se passar como se não haja mandato.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
No processo comum singular nº 67/03.0GTSTR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, do despacho de 19-01-07 (fls. 23), que indeferiu o pedido de prorrogação do prazo formulado para junção de procuração forense e deu sem efeito todo o processado, concretamente o recurso apresentado da sentença proferida nos autos, e por com o mesmo não se conformar, recorreu o arguido A..
Da motivação do recurso extraiu as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a Quo condenou o Recorrente a uma pena unitária de dez meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos.
B. Inconformado com tal sentença o Arguido, através do seu mandatário, apresentou em tempo o requerimento de recurso, a motivação e o comprovativo de pagamento da taxa de justiça.
C. O despacho em crise indeferiu pedido de prorrogação do prazo para junção de procuração forense, apresentado pelo ora e então signatário, e deu sem efeito o recurso apresentado, com base nos arts. 35º e 40º n° 1 e 2 do CPC.
D. Tendo o Tribunal a Quo considerado verificar-se falta de mandato, em fase processual que exigia a constituição de mandatário, poderia e deveria ter notificado directamente o Recorrente para, querendo, juntar procuração a favor do signatário, sob pena de ficar sem efeito o requerimento de interposição de recurso (art. 62° n° 1 e 64° n° 1 al. d) C.P.P.).
E. Interpretando e aplicando incorrectamente o Direito, o Tribunal a Quo vislumbrou uma lacuna (art. 4° CPP) que supriu com base nos arts. 35° e 40° nºs 1 e 2 do CPC, declarando sem qualquer efeito o recurso interposto pelo ora signatário.
F. Para que se possa aplicar as regras do processo civil ao processo penal o art. 4° CPP exige sucessivamente a verificação da existência de uma lacuna, a inaplicabilidade, por analogia, das disposições do C.P.P. e a necessária harmonização das normas de processo civil com o processo penal.
G. É obrigatória a constituição de mandatário para apresentar um recurso ordinário, pelo que se o arguido não o tiver constituído ou constituir “o juiz nomeia-lhe advogado ou advogado estagiário” (sendo aplicáveis os arts. 64° n° 1 al. d) e 62° n° 2 ambos do CPP), inexistindo qualquer lacuna.
H. Ainda que existisse uma lacuna, seria suprível, em primeiro lugar, por analogia com as regras do processo penal, aplicando-se os arts. 62° n° 2 e 64° n° 4 do CPP.
I. Assim não se considerando, o art. 4° do C.P.P. impunha o recurso às regras de processo civil harmonizáveis com o processo penal.
J. Harmonizáveis com o processo penal e ajustados à questão em apreço são os art. 265º n° 2 do CPC que assente na justiça material exorta o titular do processo a suprir a falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos indispensáveis à regularização da instância e especificamente o art. 33° do CPC que perante circunstâncias que exigem a constituição obrigatória de Advogado incumbem o tribunal de notificar – in casu o Arguido – para constituir mandatário sob pena (...) de não ter seguimento o recurso ou (neste caso) de ficar sem efeito a sua defesa.
K. Nem um, nem outro preceito foram aplicados, entendendo-se aplicar o art. 40° n° 1 e 2 do CPC com os efeitos atrás descritos.
L. Mais do diminuição no presente processo ocorreu uma supressão das garantias do Recorrente, ao aplicar-se o art. 40° n° 1 e 2 do CPC, extinguindo o direito do Recorrente ao recurso de uma sentença que o condenou a 10 meses de prisão.
M. Infringiram-se os referidos arts. 62 n° l e 2, 64° n° 1 al. d) todos do CPP, mas também os arts. 265° n° 2 e 33° do CPC, e, consequentemente, o art. 32° n° 3 da CRP que reconhece ao arguido o direito de escolher o seu defensor e ser pelo mesmo assistido em todos os actos do processo.
N. Desrespeitou-se também o art. 32° n° 1 da CRP, pois obnubilou-se o direito do Recorrente ao recurso (art. 64º n° 1 al. d) e 399° CPP).
O. Assim, errou o Tribunal a Quo ao fixar as normas aplicáveis, socorrendo-se dos arts. 35° e 40° do CPC, quando deveria ter aplicado os arts. 62° n° 1 e 2 e 64° n° 1 al. d) do CPP, ou quanto muito os arts. 265° n° 2 e 33° ambos do CPC.
P. Acresce que o Tribunal a Quo não fundamentou devidamente a aplicação analógica das normas do CPC, nos seus diferentes requisitos atrás indicados, invalidade que também se argúi (art. 97° n° al. b) e n° 4 do C.P.P.).
Deve, assim, o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente:
A) Ser revogada a decisão recorrida de dar sem efeito o requerimento de recurso apresentado nos presentes autos, e substituída por outra que admita a junção aos mesmos da procuração forense em anexo e o prosseguimento dos autos para apreciação por parte do Tribunal da Relação de Lisboa;
B) Ser revogada a decisão de condenação em 1 UC a título de custas a cargo do signatário do requerimento de prorrogação do prazo a fls. 291.
Respondeu a Exma. Procuradora- Adjunta, concluindo:
1. A resposta à questão de saber que normas se aplicam à situação em que o arguido em processo penal já tem um defensor nomeado - por imperativo legal, desde logo decorrente do disposto no art. 64°, maxime n° 4, do Código de Processo Penal - e um outro advogado intervém no processo, juntando, por exemplo umas alegações de recurso, e protestando juntar procuração
2. Nestes casos, não pode o Tribunal nomear defensor porque o mesmo já foi nomeado nos autos, não tendo aplicação o disposto no n° 2 do art. 62° do Código de Processo Penal.
3. A solução da questão não se encontra expressa no Código de Processo Penal, verificando-se uma verdadeira lacuna, havendo, por isso, que recorrer ao disposto no art. 4° do Código de Processo Penal.
4. Seguindo os critérios legais desse art. 4° referentes à integração de lacunas verifica-se que não existe nenhuma norma processual penal que possa aplicar-se a tal situação de forma análoga, designadamente os arts. 64°, n° 1, al. d), e n° 4, e 62°, n° 1 e n° 2, ambos do Código de Processo Penal.
5. Tem antes aplicação directa o preceituado no art. 40° do Código de Processo Civil, cuja epígrafe é justamente: “Falta, insuficiência e irregularidade do mandato.”, segundo o qual a falta de procuração pode ser oficiosamente suscitada pelo Tribunal, fixando o juiz um prazo para a sua junção àquele que a protesta juntar - o subscritor do primeiro recurso junto aos autos -, findo o qual e não sendo a mesma junta “fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário”, na medida em que o prazo concedido pelo Tribunal configura um prazo peremptório.
6. Ora, foi justamente o que sucedeu no caso dos autos. Perante a não junção da procuração que havia sido protestada juntar o Tribunal recorrido notificou aquele que o havia protestado fazer e, como este veio, sem fundamento e sem apresentar qualquer justificação, pedir a prorrogação do prazo, ficou sem efeito o que havia praticado - o recurso da sentença por ter sido indeferida a prorrogação do prazo da junção.
7. Assim, apesar da procuração ter sido junta a 9 de Fevereiro de 2007, aí constando uma data anterior (10 de Novembro de 2006) à da entrada do recurso da sentença (13 de Novembro de 2006) e a ratificação de todo o processado por parte do arguido, o certo é que o prazo de 10 dias concedido pelo Tribunal a quo a fls. 288 é peremptório e, assim sendo, o mesmo já se havia extinto muito antes da junção da procuração, não podendo, por isso, a mesma ser agora valorada, nem a ratificação que na mesma consta.
8. Tendo lugar a aplicação do art. 40° do Código de Processo Civil fica afastada a aplicação ao caso em apreço do disposto no art. 33° desse mesmo Código porquanto o campo de aplicação de ambos é perfeitamente distinto: o primeiro aplica-se aos casos em que, como o dos autos, tenha intervindo nos autos advogado sem procuração ou com procuração insuficiente ou irregular, e o segundo aos casos em que a parte não fez intervir nos autos advogado, o que não é o caso.
9. Pelo exposto, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser mantida na íntegra, porquanto a mesma não violou nenhuma norma jurídica, designadamente os arts.64°, n° 1, al. d), e n° 4, e 62°, n° 1 e n° 2, ambos do Código de Processo Penal, os arts. 265°, n° 2, e 33°, ambos do Código de Processo Civil, e o art. 32°, n° 3, do Constituição da República Portuguesa, tendo feito, isso sim, uma correcta aplicação do preceituado no art. 40° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 4° do Código de Processo Penal.
10. Consequentemente, deve considerar-se em efeito, como decidiu o Tribunal recorrido, o recurso interposto da sentença proferida nos autos.
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida, Vas. Exas. farão, como sempre, a costumada justiça.
A Mma. Juiz “a quo” manteve a decisão recorrida.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador- Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. É objecto do presente recurso, com o que se pede a revogação da decisão do tribunal “a quo”, o despacho que indeferiu o pedido de prorrogação do prazo formulado para junção de procuração forense e deu sem efeito todo o processado, concretamente o recurso apresentado da sentença proferida nos autos.
Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes elementos:
- Por sentença prolatada em 26-10-06, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, nas penas de 8 e 4 meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
- O arguido tinha como sua defensora oficiosa, a Drª S., a qual foi nomeada no início da audiência de julgamento;
- Em 10-11-06, o arguido interpôs recurso da sentença, tendo a respectiva motivação sido subscrita pelo advogado Dr. A.e nela, além do mais, se protestou juntar procuração;
- Em 13-12-06, foi proferido o seguinte despacho: “Notifique o subscritor da motivação do recurso de fls. 264 para, em dez dias, juntar a procuração que o constitui defensor do arguido, rectificando o processado se de tal for...”;
- Em 15-12-06, foi enviada carta registada ao advogado signatário do recurso, notificando-o do despacho antes referido;
- Em 11-01-07, veio o advogado signatário do recurso requerer que fosse concedida a prorrogação do prazo para a entrega da procuração forense que protestara juntar;
- Em 19-01-07, foi proferido o despacho recorrido, do seguinte (transcrito) teor: “Dispõe o artº 62º, nº 1, do CPP que o arguido pode constituir defensor/advogado em qualquer altura. O mandato através do qual se constitui advogado tem lugar nos termos do artº 35º, do CPC. O subscritor da motivação do recurso não juntou a procuração que o constituía advogado do arguido quando juntou a referida motivação. Protestou fazê-lo. Verificando-se que não o fez – ao contrário do que sucedeu com o pagamento da taxa de justiça – foi o mesmo notificado para juntar o referido instrumento no prazo de dez dias. Decorrido tal prazo não se encontra junta qualquer procuração e vem o subscritor requerer a prorrogação do prazo para juntar a procuração. Limita-se a requerer a prorrogação não justificando qual o motivo de a não ter junto no momento próprio, nem posteriormente, nem qual a razão de necessitar de mais prazo. Assim, inexistindo qualquer fundamento para a prorrogação do prazo que havia sido concedido indefere-se o requerido. Nos termos do disposto no artº 40º, nº 2, do CPC – ex vi do artº 4º, do CPP – declaro de nenhum efeito todo o processado realizado pelo subscritor do requerimento que antecede. Custas do incidente pelo subscritor de fls. 291 fixando-se a taxa de justiça em 1 UC. Notifique”;
- Em 9-02-07, o arguido veio requerer a junção de procuração forense com ratificação do processado.
2. É este circunstancialismo que há-de ser considerado, fundamentalmente, para bem decidir o recurso.
Apreciemos:
Segundo o recorrente, o tribunal “a quo” não deveria ter recorrido ao CPC uma vez que a solução da questão em apreço está contida no próprio CPP, devendo, por isso, ser aplicados os arts. 64º, nº 1, al. d) e 62º, nºs 1 e 2, ambos do CPP. Caso assim não se entenda, defende o recorrente que deveria ter lugar a aplicação do artº 33º, do CPC e nunca o artº 40º, deste diploma.
Vejamos.
Como supra se referiu, ao arguido já havia sido nomeado defensor oficioso por imperativo legal (artº 64º, do CPP).
Tendo o arguido defensor nomeado, e não tendo sido este quem interpôs recurso mas sim um outro advogado, é óbvio, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, que o tribunal não tenha nomeado defensor ao arguido na sequência da falta de junção da procuração por parte do subscritor do recurso.
Daqui decorre que não tem aplicação o disposto no nº 2, do artº 62º, do CPP.
Como bem refere a Exma. Procuradora- Adjunta na sua resposta, “do que se trata verdadeiramente é de uma situação em que o arguido tem um defensor e é apresentado um recurso em seu nome por parte de um outro advogado sendo de esperar que a sua constituição como advogado do arguido – o que só sucede com a junção de procuração aos autos – venha a suceder-lhe por forma a cessar, de seguida, e nos termos do nº 2 do citado artº 62º, as funções do defensor.
Ora a questão é: e quando o novo advogado não junta a procuração que ele próprio protestou juntar? Que normas se aplicam?
A resposta a esta questão não foi contemplada pelo legislador no âmbito das normas de processo penal, verificando-se, por isso, a existência de uma verdadeira lacuna”, a suprir mediante o recurso às normas do processo civil, nos termos do artº 4º, do CPP.
Neste particular, entende o recorrente que deveria ter sido aplicado o disposto no artº 33º, do CPC.
Não tem razão.
O arguido não tinha que ser notificado para suprir a falta de procuração.
Esta notificação só seria de exigir nos casos de ser ele mesmo a apresentar o recurso sem constituir advogado, como decorre cristalinamente do disposto no citado artº 33º, do CPC.
Não no caso presente, em que o Sr. Advogado se apresentou em juízo no nome do arguido, sem estar munido de mandato que o habilitasse a representá-lo, protestando apresentar posteriormente a procuração.
Quando um advogado pratica em juízo determinado acto em nome da parte sem que esta o tenha autorizado a tal por um dos modos estabelecidos no artº 35º, do CPC dá-se falta de mandato.
Tal vício pode, em qualquer altura, ser arguido pela parte contrária e suscitado oficiosamente pelo tribunal.
Verificada a falta de mandato, há-de o juiz fixar o prazo dentro do qual ela deve ser suprida e ratificado o processado, sendo que a não regularização da situação implica que fique sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa (artº 40º, nº 2, do CPC).
Quando o advogado, ao praticar em juízo determinado acto em nome da parte, protesta juntar procuração justifica-se que o juiz não desencadeie logo o referido mecanismo.
Há-de, naturalmente, o juiz mandar notificar apenas o advogado (cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 27-05-99, CJ, Ano XXIV, Tomo III, pág. 114) para juntar a procuração em falta, sem sujeição imediata à cominação prevista na segunda parte do nº 2 do citado artº 40º.
Deixando o advogado de juntar a procuração no prazo concedido, então sim, seja qual for o motivo, deverá o juiz aplicar o referido regime legal, por tudo se passar como se não haja mandato.
No caso em apreço, o Sr. Advogado signatário do recurso, no final, protestou juntar procuração. Porém, não a juntou.
Assim sendo, bem andou a Mma. Juiz “a quo” em desencadear o mecanismo previsto no citado artº 40º, nº 2.
O despacho recorrido é absolutamente legal, não violando nenhuma norma jurídica, designadamente as referidas pelo recorrente.
III – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juizes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em:
Negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.