MANDATO COMERCIAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I- Na responsabilidade contratual fundada em mandato comercial o A tem de alegar e provar que praticou os actos de comércio de que emerge a obrigação de pagamento estipulada que deles decorre para a contraparte (artigo 342.º do Código Civil e 231.º do Código Comercial
II- Assim, se o agente é remunerado por meio de comissão calculada sobre os contratos de compra e venda por ele angariados para o principal, impõe-se ao agente, que reclama o pagamento das comissões, o ónus de provar (artigo 342.º do Código Civil) que os contratos foram celebrados o que pode fazer por via directa ou por via indirecta,  neste último caso, com sucesso, através da facturação da empresa, se ao agente couber a exclusividade na contratação.
III- O pedido de condenação da ré no pagamento das comissões devidas até à revogação do contrato ou o pedido de indemnização, no caso de revogação injustificada do contrato (artigo 245.º do Código Comercial) correspondente ao interesse contratual positivo traduzido no recebimento de todas as comissões que seriam devidas se o contrato não tivesse sido revogado, não se confundem com a indemnização de clientela que pretende atribuir ao agente a compensação do esforço despendido com a angariação de clientela de que passou a beneficiar o principal, findo o contrato de agência.
S.C.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. G. […]  demandou D. […] Lda. pedindo que

a) Se declare incumprido, pela ré, o contrato aqui e agora sujeito, cuja execução ela fez cessar, em princípios de 1981, à revelia de toda a justa causa, sem retorno prático, causando ao A. os danos apontados
b) Condenar-se a ré a pagar ao A. as expostas e especificadas importâncias de 581.657$00, 45.555.530$90 e 9.284.136$28 correspondentes às especificadas parcelas dos danos pela A. sofridos
c) Condenar-se a Ré a pagar ao A., em execução de sentença, o montante não liquidado das comissões devidas às quais se reporta 100 b) e
d) Condenar-se, finalmente, a ré a pagar juros de mora à taxa legal máxima, com eventual correcção  no futuro, sempre para o máximo permitido pela lei a contar da citação.

2. A acção foi julgada parcialmente procedente tendo a ré sido condenada a pagar a quantia supra referida de 581.657$00, com juros à taxa de juros comercial, vencidos desde 30-6-1997, data da citação, até integral pagamento.

3. Da decisão foi interposto recurso pelo A.

4. Nas suas alegações sustenta o recorrente que da prova produzida resultou que o A. exerceu em exclusividade a actividade a que se obrigara de promover os produtos da ré até 1981, ano em que o contrato cessou.

5. A facturação da ré foi sempre aumentando tendo as vendas promovidas após 1975 aumentado consideravelmente.

6. Tem, assim, o A. direito às comissões acordadas considerada a facturação da ré nesse período.

7. Ora - prossegue o recorrente - encontrando-se apurado, no facto 50, não ter a ré procedido ao cumprimento da obrigação contratual de pagamento das comissões devidas ao A., nem tendo logrado fazer prova de que a ausência desse cumprimento não procedia de culpa sua, dúvidas não restam de que deverá a ré ser condenada a pagar ao A. as comissões devidas por todos os contratos por ele celebrados em Portugal no período 1975/1981, tenham eles sido promovidos ou não pelo A. já que o mandato comercial era exercido em regime de exclusividade.

8. Não podendo ser averiguado o valor exacto das comissões devidas nesses períodos, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites provados (566.º/3 do Código Civil) não sendo justo nem correcto imputar-se ao A. o  ónus de fazer prova da facturação da ré.

9. Compete ao autor provar a existência de relação contratual, a obrigação de pagamento de retribuição, o não cumprimento dessa obrigação contratual e, consequentemente, a existência de um dano, prova que foi alcançada pelo autor.

10. E foi ainda dado como provado que em Setembro de 1976 decorreu nos tribunais alemães um processo onde se pretendeu a condenação da ré no pagamento das comissões devidas ao A., no qual foi junta toda a facturação daquelas duas sociedades, tendo sido indicada a facturação respeitante aos anos de 1976 a 1979.

11. Não cabe ao A., em sede de prova, quantificar ou determinar a facturação da ré, pois, se assim não fosse, fácil seria ao principal omitir ou ocultar elementos da sua facturação prejudicando intencionalmente os interesses os seu agente comercial.

12. Existindo um direito às comissões, e não tendo estas sido pagas, então provado está ter-se gerado um dano na esfera jurídica do autor digno de ser indemnizado.

13. Devem ser ponderadas as facturas juntas aos autos como documentos 132 a 179, 189 a 239 e 240 a 245 que apresentam um valor total de facturação no montante global de 10.046.461$00 referentes apenas a um cliente da ré.

14. Podem ser considerados também  os valores declarados pela ré em sede de processo que correu termos na Alemanha.

15. No que respeita aos danos resultantes da abrupta cessação do vínculo contratual que o A. mantinha com a ré, há que considerar o prejuízo causado ao mandatário comercial pela não observância de qualquer pré-aviso no termo da relação contratual, prejuízo  que poderá consistir numa quantia calculada com base na remuneração média auferida pelo A. no período de vigência da presente relação contratual multiplicada por um prazo considerado razoável para a sua adequação ao não exercício da actividade.

16. Nessa indemnização - prossegue o recorrente - poderia ainda ser englobada uma quantia atribuída a título de compensação devida ao mandatário comercial, após a cessação do contrato, pelos benefícios que o mandante auferiu e continua a auferir com a clientela angariada por aquele

17. Tal indemnização deve ser fixada equitativamente nos termos os artigo 566.º/23 do Código Civil

18. Factos provados:
1- O A. é um empresário  que tem como actividade principal a agência  de comércio grosso misto (A)
2- A Ré dedica-se à produção de bens eléctricos e electrónicos. (B)
3- No início da década de 70, o A. firmou um acordo com a sociedade alemã D. […] GMBH & Co KG (doravante designada D. […] KG) por força da qual se obrigou a promover, à conta desta última, mas de modo autónomo, a celebração de contratos de compra e venda do material produzido pela mesma para todo o território de Portugal (C)
4- Em contrapartida, D. […] KG obrigou-se a retribuir , mediante o  pagamento de comissão sobre o valor de cada um dos contratos efectivamente celebrados (D)
5- E a não utilizar, na zona do A., outras entidades no ramo (E)
6- Como a não intervir aí ela própria (F)
7- No limbo desta realidade, o A., desde os primórdios, sempre procedeu de boa fé (G)
8- Zelando, assim apoiado no seu engenho e dedicação, no seu profundo conhecimento do negócio, em geral, dos bens atinentes, e na excelente posição que já detinha no mesmo, pelos interesses de D. […] KG em perspectivas de actuação, de cooperação, de informação e de lealdade (H)
9- Através de medidas adequadas à plena realização do fim correlato (I)
10- Todavia, apesar do peso e da intensidade da sua conduta, os resultados não foram encorajadores (J)
11- Pois, uma vez que os materiais da D. […] KG eram produzidos na Alemanha, as enormes barreiras alfandegárias portuguesas de então, aquando da respectiva importação, com extraordinária demora e custos elevadíssimos, sobremaneira prejudicavam a competitividade dos preços, em relação aos da concorrência (L)
12- E tal determinou, directa, exclusiva e necessariamente, um fraco índice de contratação entre D. […] KG e terceiros, por intermédio do A., no e para o território fixado (cfr. supra, 3) (M)
13- Em face deste factor objectivo - bilateralmente pouco ou mesmo não ponderado na altura da formalização do acordo (cfr. supra 3 a 6)- a todas as luzes inviabilizante, directa, exclusiva e necessariamente, duma eficaz e proveitosa entrada de produtos seus no mercado português, D. […] KG, para torneá-lo, constitui uma sociedade por quotas em Portugal (N)
14- Com o escopo de aqui produzir o seu material numa unidade fabril adrede montada (O)
15- O A. assumiu aqui papel preponderante não só ao nível das formalidades jurídicas atinentes à constituição da aludida sociedade (P)
16- Como ainda em tudo o que respeitava à construção da instalação industrial (v.g. compra do terreno onde a mesma se ergueu) (Q)
17- Surge assim a Ré (R)
18- Que, em termos de participações sociais, foi composta por uma quota da D. […]  (99%) e por uma outra do principal sócio desta, Ang. […] , a esgotar o restante 1% (S)
19- O controlo de D. […]  KG sobre a Ré era, pois, na prática e desde o início, total (T)
20- Tratava-se, contudo, de entidades juridicamente diversas pelo que o A., tal com fizera com D. […] KG, firmou acordo com  a Ré a 31 Jul. 1973 por força do qual se obrigou a promover, por conta daquela, mas de modo autónomo, a celebração  de contratos de compra e venda de material produzido pela mesma, para todo o território de Portugal (U)
21- Em contrapartida a Ré obrigou-se a retribuir, mediante pagamento de comissões, às taxas de 10% no geral e de 1% tão só para 3 identificados clientes, sobre a facturação por ela mesma emitida, em relação a todos os contratos promovidos através do A. e no concreto celebrados (V)
22- A Ré obrigou-se a não intervir na zona do A. (X)
23- No âmbito desta nova realidade, o A. sempre procedeu tal e qual como ficou referido em 7) a 9) (Z)
24- Na carta com o timbre da D. […], dirigida ao A, datada de 16-9-1975, pode ler-se: […Conforme concordância mútua, V.Exª mantém como territórios de venda o centro e o sul de Portugal assim como todos os territórios do  Ultramar… Para o Norte de Portugal continuará a receber comissões para todas as encomendas recebidas até 31-12-1976, no entanto só 5% para produtos confeccionados, 2,5% para fios…][AA)
25- A Ré, antes de contratado entre si e o A., nunca havia tido um promotor em Portugal (BB)
26- E, por isso, mesmo não tinha um único cliente português (CC)
27- O A. formou um contrato com a empresa alemã D.[…] KG e um outro com a Ré (DD)
28- Por força dos quais, atentas a sua função em ambos, tinha direito a receber comissões calculadas sobre o volume da facturação de cada uma daquelas, relativamente, a contratos de compra e venda celebrados pelas mesmas, com terceiros, sob sua promoção ou intermediação, no e para o território português (EE)
29- As comunicações escritas dirigidas ao A. respeitantes a assuntos ligados ao seu contrato com a Ré eram quase sempre subscritas pelo Sr. Ang. […], sócio de ambas as sociedades, em papel timbrado daquela ou em papel timbrado da D. […]  KG (FF)
30- Uma vez que a recusa de pagamento de comissões foi total, repercutindo-se nos dois contratos de agência, o A. achou por bem instaurar acção contra a empresa-mãe (D. […] KG) a pugnar pelo recebimento das comissões vencidas e vincendas no que concerne à facturação respectiva e à da sua “filha”- a Ré - sobre contratos de compra e venda efectivamente celebrados em e para Portugal(GG)
31- Tudo começou a 30-9-1976 junto do Tribunal de 1ª instância de Karlsruhe com a instauração do processo (HH)
32- Que veio a merecer juízo de improcedência parcial (II)
33- Inconformado com esta decisão, o A. interpôs recurso para o Tribunal de 2ª instância de Karlsruhe onde obteve provimento (JJ)
34- Desta feita a D. […] KG recorreu para a derradeira instância alemã (LL)
35- Só que o seu recurso não foi admitido pois o valor da acção não o permitia (MM)
36- D. […]  KG, todavia, não aceitou de ânimo leve este fechar de portas e requereu, no Tribunal de 1ª instância de Karlsruhe, que aquele fosse fixado em 50.000 marcos alemães (NN)
37- Para tanto alegou que, no respeitante aos créditos de comissões invocados pelo A., estava em causa não só toda a facturação da D. […] KG como também toda a facturação da ré (OO)
38- Contudo, apesar destas preciosas informações, veiculadas por D. […] KG, relativamente à ré, por si controlada e dirigida, em absoluto, através da mão do seu sócio., Sr. Ang.[…] , o acesso à última instância judicial alemã persistiu vedado (PP)
39- O A. viu, assim, a sua qualidade de agente comercial em definitivo confirmada na via judicial (QQ)
40- D. […] KG teve de conformar-se com a decisão mencionada e enviou ao A. uma carta, a 19-1-1981, com o firme propósito de anular, sem prazo, o contrato que ainda a vinculava a este e englobando no respectivo efeito rescisório o contrato celebrado entre o A. e a Ré (RR)
41- A  acção principal atingiu o seu desfecho por transacção (SS)
42- Em cuja base o A. recebeu de D. […]  KG uma quantia de 180.000 marcos (TT)
43- Só que tal transacção só resolveu o litígio entre o A. e D. […] KG (UU)
44- Pois a justiça alemã entendeu que tudo quanto estivesse relacionado com a Ré sociedade lusitana, deveria ser discutido nos tribunais portugueses (VV)
45- A. e Ré acordaram que esta não utilizava na zona do A. outras entidades para o  mesmo ramo (1)
46- O índice de celebração dos contratos de compra e venda entre a Ré e terceiros ficou inteiramente nas mãos da actividade promocional do A (2)
47- A Ré, a partir das promoções que o A. levou a cabo, celebrou contratos com terceiros, no e para o mercado português, no segundo semestre de 1973 e nos anos de 1974 e 1975 (3)
48- O A. cedeu, com efeitos a partir de 1-7-1975, parte da zona da sua intervenção, o norte do país (5)
49- Sem embargo de, até 31-12-1976, conforme o acordado com a ré, continuar a receber desta comissões sobre a facturação da ré, no tocante aos contratos por esta celebrados com terceiros da zona cedida, às taxas de 5% e de 2,5% (para mercadorias confeccionadas e para fios, respectivamente) (6)
50- A ré enviou ao A. em 18-2-1976, uma carta subscrita pelo Sr. Ang. […] na qual lhe propôs redução das taxas aplicadas no cálculo das comissões , respeitantes às mercadorias confeccionadas até 5% e, em relação aos fios, até uns 3%, o que não foi aceite pela Ré (7)
51- A Ré continuava a não pagar ao A. as comissões no âmbito do mencionado em 49, caso o A. não aceitasse estas proposta da Ré (8)
52- Tais comissões devidas, em fins de 1975, apresentavam um saldo 581.675$00 a favor os A (9)
53- Foi o A. que angariou todos os clientes que passaram a constituir a carteira da Ré (10)

Apreciando:

19. Nestes autos está em causa saber se o A. tem direito a receber as comissões reclamadas relativas ao contrato de mandato comercial (artigo 231º e seguintes do Código Comercial de 1888) que celebrou com a ré no dia 31-7-1973 (20) e que findou por revogação não justificada da ré no dia 19-1-1981 (40).

20. O A. calcula o valor das comissões a que tem direito a partir da facturação da ré.

21. Alegou o A.(artigo 84º da petição inicial) que a facturação da ré nos anos de 1976 a 1979 foi a seguinte:
1976… 8.651.505$00
1977… 95.216.635$00
1978…160.363.800$00
1979…191.323.369$00

22. Estes factos, que deram origem ao quesito 11.º, não se provaram ( ver fls. 965).

23. Alegou ainda o A. que não conhece o valor da facturação da Ré respeitante ao biénio 1980/1981(ver artigo 108.º da petição).

24. Para cálculo das comissões respeitante a este biénio o A., considerando uma facturação de 8.651.505$00 em 1980, que foi o valor mínimo do quinquénio 1976/1980, alcança uma média  anual de 9.248.136$28 de comissões.

25. Quanto às comissões de 1975, o Tribunal julgou-as provadas: ver 52 supra.

26. A reapreciação da matéria de facto, porque não houve impugnação nos termos do artigo 690.º-A do Código de Processo Civil nem podia ter havido visto que a prova não foi registada, circunscreve-se, na parte que releva, ao disposto no artigo 712.º/1 do C.P.C.

27. Os documentos juntos aos autos, designadamente  os referenciados pelo recorrente - docs. 132 a 179, 189 a 239, 240 a 245 ( ver fls. 582/608, 609/629, 690/695) foram juntos em audiência para prova dos quesitos 9º e 10º da base instrutória (ver fls. 697) quando, para o caso, importava o quesito 11º.

28. Tais documentos foram impugnados ( ver fls. 704 e segs).

29. No que respeita ao quesito 11º houve produção de prova testemunhal que o Tribunal não valorizou por forma a responder positivamente ao quesito formulado.

30. Não pode, portanto, este Tribunal considerar provada a matéria atinente ao quesito 11.º, ainda que parcialmente, a partir da análise e consideração de documentos cujo valor probatório foi posto em causa e que nem sequer foram indicados para prova desse quesito; ultrapassar-se-ia, alterando a resposta com base no que consta de tais documentos, a convicção negativa do Tribunal recorrido fundada em depoimentos prestados que incidiram sobre esse quesito

31. Os referidos documentos não assumem  um valor probatório que seja insusceptível de ser destruído por quaisquer outras provas (artigo 712.º/1, alínea b) do Código de Processo Civil).

32. O A., agora já num plano de direito, sustenta que o ónus, que lhe assiste, de provar os factos constitutivos do seu direito não se estende à prova da facturação.

33. O A. - importa sublinhar que estamos no domínio da responsabilidade contratual - tem de provar que dispõe de um crédito sobre a sociedade ré.

34. A prova desse crédito não se preenche apenas com a prova de que foi outorgado entre as partes um contrato de mandato comercial.

35. O Autor tem de provar que praticou os actos de comércio compreendidos no mandato. As comissões deles são a contrapartida.

36. Resulta, aliás, do contrato celebrado isso mesmo.
Veja-se:
- o A., tal como fizera com D. […]  KG, firmou acordo com  a Ré a 31 Jul. 1973 por força do qual se obrigou a promover, por conta daquela, mas de modo autónomo, a celebração  de contratos de compra e venda de material produzido pela mesma, para todo o território de Portugal (U).
- Uma vez que a recusa de pagamento de comissões foi total, repercutindo-se nos contratos de agência, o A. achou por bem instaurar acção contra a empresa-mãe (D. […] KG) a pugnar pelo recebimento das comissões vencidas e vincendas no que concerne à facturação respectiva e à da sua “filha” - a Ré - sobre contratos de compra e venda efectivamente celebrados em e para Portugal(GG).

37. Ora o A. não provou que tivesse celebrado ou promovido, naqueles períodos, contratos de compra e venda em Portugal.

38. Pretendia o A., de forma indirecta, atingir o mesmo objectivo: provando-se a facturação da ré, pressuposta a situação de exclusividade do A., concluir-se-ia que essa facturação respeitava aos contratos de compra e venda celebrados em Portugal.

39. Essa exclusividade não pode, no entanto, ser pressuposta para todo o período que o A. tem em vista e, por isso, um tal meio de prova, relevante sem dúvida no caso de exclusividade, teria de ser complementado com outros meios de prova destinados a demonstrar a efectiva intervenção os agente nos contratos ou, pelo menos, a realização destes na sua zona de intervenção.

40. De facto, se é verdade que A. e Ré acordaram que esta não utilizaria na zona do A. outras entidades para o mesmo ramo (1) e que o índice de celebração dos contratos de compra e venda entre a Ré e terceiros ficava inteiramente nas mãos da actividade promocional do A.(45 e 46), esta situação de exclusividade alterou-se a partir de 31-12-1976 (24) pois deixou o A. de receber comissões para todas as encomendas posteriores referentes ao Norte de Portugal, zona que cedeu a partir de 1-7-1975(48).

41. Por isso, pelo menos até 1-7-1975, a facturação da ré constituiria índice seguro de que todos os contratos resultavam da actividade exercida pelo A.

42. No entanto, a partir do momento em que o A. deixou de ser o agente para todo o território nacional, a prova de que os contratos tinham sido celebrados numa das zonas de intervenção do autor seria indispensável, como se disse, não bastando já recorrer-se à facturação global da ré para daí se inferir que ela teria na sua génese necessariamente os contratos promovidos pelo autor.

43. Ao A. não basta, para provar que dispõe de crédito sobre a ré, provar a sua qualidade de agente comercial. Por si, ela não lhe confere direito à retribuição. As comissões são o sinalagma, a contrapartida dos actos comerciais praticados pelo A. no exercício da sua actividade.

44. O A tem de provar o facto constitutivo do crédito, ou seja, a realização dos actos comerciais, em princípio os contratos de compra e venda dos produtos da ré com clientes angariados pelo autor,  e essa prova tanto a poderia fazer por via da facturação relativamente ao período em que era o agente único em Portugal, como por via dos contratos celebrados  ulteriormente pois por eles se veria se os mesmos respeitavam à zona de intervenção do A que, a partir da referida data de 1975, ficou limitada ao Centro e Sul de Portugal.

45. Não se deve confundir o meio de prova com a prova do facto, ou seja, no caso, os meios de que o A. se tentou valer para provar que a ré vendeu os seus produtos aos clientes angariados pelo A. com a efectiva prova dessa venda.

46. A mera prova da facturação global da ré, para o período posterior a 31-12-1976, sempre seria susceptível de criar a dúvida sobre se ela respeitava a contratos promovidos pelo A. ou, pelo menos, promovidos na sua zona de intervenção ou a contratos promovidos pela Ré ou por agente comercial por ela entretanto constituído para a zona Norte.

47. Ora, na responsabilidade contratual, cabe ao credor provar o facto constitutivo do respectivo crédito   do qual emerge a obrigação do pagamento

48. A prova do cumprimento da obrigação é que constitui ónus do devedor por se tratar de facto extintivo do direito do credor, presumindo-se que a falta de cumprimento ou o comportamento defeituoso procedem de culpa do devedor (artigo 798.º do Código Civil); não ilidida a presunção, o devedor é responsável pelos prejuízos causados ao credor (artigo 798.º do Código Civil).

49. Assim, “no domínio da responsabilidade contratual recai sobre o credor que vai a juízo reclamar indemnização com fundamento na violação do seu direito, o ónus da alegação e prova de que se constituiu um vínculo creditório a seu favor, que este sofreu violação por parte do devedor, que sofreu prejuízos e que tais prejuízos são consequência da violação do referido vínculo” [Ac. do S.T.J. de 4-12-2003 - Santos Bernardino - revista nº 2742/2003 da 2ª secção. Ou, numa outra formulação,” em matéria de responsabilidade civil contratual, a presunção não vai além da culpa do obrigado à reparação do dano, sendo o ónus de prova de que do ilícito contratual resultou o prejuízo e do nexo de causalidade entre este e aquele de quem exerce o direito de indemnização em juízo: ver Ac. do S.T.J. de 21-9-2006 8Salvador da Costa) - P. 2739/2006.

50. No entanto, reclamando-se o pagamento de comissões, não se trata aqui de uma questão de indemnização fundada na responsabilidade contratual, mas do próprio cumprimento de uma obrigação contratual. Sucede que essa obrigação, no mandato, não resulta do contrato em si, mas dos actos praticados em execução do mandato.

51. A maior ou menor dificuldade em concreto de produção de prova não determina a inversão do ónus da prova (artigo 344.º do Código Civil); no caso em apreço, o A. não podia ignorar as dificuldades probatórias respeitantes a factos ocorridos nos anos de 1976/1981 a partir do momento em que demandou a ré em 1997 e, tal como a ré refere, também as dificuldades lhe são extensivas, no plano do contraditório, considerando que não tem ela já de dispor para efeitos fiscais da documentação respeitante àqueles períodos.

52. O A., nas conclusões, reclama indemnização pela revogação não justificada de mandato comercial. Dano traduzido em ver frustradas as expectativas de negócio por si encetadas em promoção dos produtos da ré, indemnização que lhe parece ser a conjugação das actuais indemnizações pela resolução sem pré-aviso e de clientela.

53. Considera o A que nessa indemnização se inclui o dano correspondente à reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

54. Também aqui se imporia a prova da existência de danos independentemente da prova do seu montante.

55. Ponderou-se, na decisão recorrida, desconhecer o Tribunal “ quaisquer perdas e danos sofridos pelo A. De facto, relativamente ao período de 1977 a 1981 os autos são omissos do ponto de vista fáctico, desconhecendo Tribunal se o  A. deixou de auferir as comissões porque previamente havia que ter o A. alegado ter promovido os contratos que davam origem às comissões. O direito à retribuição pela ré ao A. não operava independentemente da actividade desenvolvida pelo A. Ao invés, dependia da actividade por este desenvolvida que se viesse a  concretizar em contratos e o Tribunal desconhece, por não ter sido sequer alegado, qualquer actividade do A.”.

56. Registe-se que o A. a este propósito - o dos prejuízos derivados da revogação injustificada do mandato comercial (artigo 245.º do Código Comercial - limitou-se a alegar ( ver artigo 102º da petição) que “ deixou de beneficiar , injustamente, da correlata fonte de receitas, a qual se integrava, de natureza, no produto da sua actividade profissional”.

57. Registe-se ainda que, no pedido, não se deduz um efectivo pedido de indemnização pelos danos derivados dessa injustificada revogação.

58. Na alínea a) do pedido (ver fls. 32) o A., de facto, declara que a cessação do contrato em 1981 causou ao A.” os danos apontados” mas fê-lo sem pedir a condenação  no pagamento desses danos genericamente referidos no artigo 102º da petição; é que os danos que são objecto de pedido de indemnização ( ver alínea b) do pedido) são afinal outros, são os danos referidos em b), ou seja, aqueles que resultam da perda de comissões devidas calculadas a partir da facturação indicada (que não se provou). Estes danos não derivam da revogação do mandato, derivam do incumprimento das obrigações contratuais.

59. Ora não poderia o Tribunal condenar em danos que afinal não são pedidos.

60. Abstraindo desta razão, os danos que o A., sem concretizar e sem, quanto a eles, formular pedido de condenação, como já se disse, tem em vista, com o artigo 102º da petição, seriam as comissões que o A. auferiria se o contrato não tivesse cessado; trata-se de uma indemnização contratual positiva, pois o A. visaria receber as comissões que auferiria se o contrato não tivesse sido revogado.

61. Importaria, para tal, que se soubesse se a ré auferiu receitas no período subsequente a 1981 a admitir-se a ressarcibilidade de tais danos

62. Pretende a recorrente que o A. no artigo 102º da petição está a considerar a indemnização de clientela - a esta indemnização se refere expressamente nas conclusões do recurso - mas a indemnização de clientela não corresponde à ressarcibilidade integral das comissões devidas pelas vendas. Não há, portanto, pedido deduzido no tocante à indemnização de clientela.

63. A indemnização de clientela não se bastaria, aliás, com uma alegação tão genérica. Há-de, no mínimo, alegar-se que a ré continuou a aproveitar-se da clientela o que acaba por passar pela determinação de que a ré manteve ulteriormente actividade com base na carteira de clientes do A. ( ver Ac. do S.T.J. de 3-5-2000- (Silva Paixão) - C.J. Ano VIII, Tomo II, pág. 45; Ac. do S.T.J. de 12-10-2000 - Óscar Cratola - C.J., Ano VIII, Tomo 3, pág. 77)

64. Quanto a este ponto apenas temos suposições abstractas, o que francamente nos parece inaceitável para se condenar o principal.

65. Como se referiu no Ac. do S.T.J. de 9-11-2004 (Nuno Cameira) (revista nº 2737/2004) “ a finalidade da norma que atribui ao agente a indemnização de clientela prevista no art. 33 do DL 178/76, de 03-07, é compensá-lo pelos benefícios de que o principal continua a usufruir findo o contrato e que devam creditar-se à actividade do agente na vigência do contrato. Não há lugar à indemnização referida […] se os factos apurados não permitirem concluir que destino tiveram os clientes angariados enquanto o contrato durou, nomeadamente, e em especial, se ficaram ou não fidelizados ao principal após a cessação daquele em consequência do trabalho que o concessionário realizou na sua vigência”

66. Se a indemnização de clientela tem em vista compensar o agente pelos benefícios que, da sua actividade, advieram para o  principal, alguma coisa se há-de alegar e saber quanto ao destino da clientela, quanto ao que se passou depois de findar o contrato de agência.

67. Não é de atribuir indemnização de clientela a partir apenas do facto de que o agente angariou clientela (53).

68. E, do ponto de vista de facto, a situação que temos está assim circunscrita.

Concluindo:

I- Na responsabilidade contratual fundada em mandato comercial o A tem de alegar e provar que praticou os actos de comércio de que emerge a obrigação de pagamento estipulada que deles decorre para a contraparte (artigo 342.º do Código Civil e 231.º do Código Comercial
II- Assim, se o agente é remunerado por meio de comissão calculada sobre os contratos de compra e venda por ele angariados para o principal, impõe-se ao agente, que reclama o pagamento das comissões, o ónus de provar (artigo 342.º do Código Civil) que os contratos foram celebrados o que pode fazer por via directa ou por via indirecta,  neste último caso, com sucesso, através da facturação da empresa, se ao agente couber a exclusividade na contratação.
III- O pedido de condenação da ré no pagamento das comissões devidas até à revogação do contrato ou o pedido de indemnização, no caso de revogação injustificada do contrato (artigo 245.º do Código Comercial) correspondente ao interesse contratual positivo traduzido no recebimento de todas as comissões que seriam devidas se o contrato não tivesse sido revogado, não se confundem com a indemnização de clientela que pretende atribuir ao agente a compensação do esforço despendido com a angariação de clientela de que passou a beneficiar o principal, findo o contrato de agência.
Decisão: nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente
Lisboa, 13 de Setembro de 2007

(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)