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CONTRATO DE CONSÓRCIO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
TERCEIROS
Sumário
I - Consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas que exerçam uma actividade económica, se obrigam, entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir um determinado objectivo. II – Cada um dos integrantes do consórcio mantém autonomia quanto à forma como há-de realizar a prestação a que se obrigou, podendo, designadamente, socorrer-se da contribuição de terceiro; III – Em tal caso, a responsabilidade contratual perante esse terceiro é restrita ao membro do consórcio que com ele contratou. (F.L.)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
S. apresentou em 15.02.2005 no Tribunal Judicial da Amadora, requerimento de injunção, posteriormente distribuído como acção ordinária, contra M. e O., pedindo a condenação das RR a pagarem-lhe a quantia de € 19.435,32 por trabalhos de construção civil que lhes prestou, a que acrescem € 609,31 a título de juros de mora, mais € 222,50 de taxa de justiça paga.
Apenas a Ré O. contestou, negando a sua responsabilidade na dívida, que disse ser da exclusiva responsabilidade da Ré M., com quem a contestante celebrou um contrato de consórcio com vista à empreitada de reabilitação de uma ETAR, sendo que os trabalhos cujo preço a Autora pretende cobrar foram com ela Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
contratados pela Ré M. Deve, pois, ser absolvida do pedido.
Saneado o processo e realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo a Ré O. pedido, e condenando a Ré M. a pagar à Autora a quantia de € 20.267,13 acrescida de juros de mora vincendos sobre a quantia de € 19.435,32 calculados às taxas em vigor desde 2005-02.15, até integral pagamento.
Irresignada, a Autora apelou tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª. Os contratos de consórcio e de empreitada celebrados pela “M…Lda” e “O…Lda”, tiveram por objecto a realização concertada da reabilitação da ETAR de …e construção das ETAR de … .
2ª. A execução dos trabalhos era conjunta, não tendo sido discriminados, em nenhum dos mencionados contratos, quais desses trabalhos competiam a um ou outro membro.
3ª. Por força do disposto nas cláusulas 6ª, 7ª e 9ª do contrato de consórcio celebrado entre as RR, a responsabilidade daquelas era conjunta, no que a terceiros se refere, na proporção da respectiva participação, salvo se houvesse prova quanto à responsabilidade exclusiva de uma das consorciadas quanto à sua parte do fornecimento.
4ª. Nos autos em causa, tal como ficou expressamente consignado na sentença em crise, não foi alegado nem tão pouco efectuada prova que os trabalhos realizados pela ora Apelante respeitassem à parte do fornecimento exclusivo da Ré M.
5ª. Não foi igualmente provado que a Ré O…Lda. desconhecesse os trabalhos realizados pela ora Apelante, tanto mais que lhe cabia chefiar e fiscalizar o andamento dos mesmos em obra e representação do consórcio perante terceiros.
6ª. Os trabalhos levados a cabo pela Apelante aproveitaram a ambas as consorciadas e destinaram-se à realização cabal do empreendimento que ambas se comprometeram a executar de forma conjunta.
7ª. Assim, deve a sentença em crise ser revogada na parte em que absolveu a Ré O …Lda, do pedido contra ela formulado.
8ª. …sendo substituída por um outra que declare que aquela é responsável pelo pagamento da quantia peticionada pela Autora/Apelante, nos exactos limites da sua participação no consórcio (48%).
Contra alegou a Apelada O. pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Fundamentação.
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Com data de 2004.02.02, as RR outorgaram um contrato denominado “Consórcio”, o qual tinha por objecto a realização concertada da empreitada de “Reabilitação da ETAR (…) e Construção das ETARs de… (alínea A dos factos assentes).
2. Em 2004.02.17, as RR, em consórcio, celebraram com a sociedade “Águas… SA” um contrato de empreitada de obras públicas respeitante à reabilitação da ETAR de …e Construção das ETARs … (alínea B).
3. A Ré “M…. Lda” solicitou à Autora trabalhos de cofragem normal para betão a revestir em fundações, em muros redondos, em muros cofrados nas duas faces, em muros redondos um só face, no montante total de € 19.435,32 (resposta ao art. 1º da base instrutória).
4. Tais trabalhos foram prestados e não pagos (resposta ao art. 2º).
5. Foram trabalhos de construção civil, a cargo da “M… Lda”, solicitadas apenas por esta à Autora (resposta ao art. 3º).
O direito.
O objecto do recurso é delimitado, como se sabe, pelas conclusões do recorrente (art.s 684º/3 e 690º/1 do CPCivil). Assim, visto as conclusões da Apelante a questão essencial colocada no recurso prende-se com a improcedência da acção quanto á Ré “O…”, decisão com que não concorda a Recorrente.
Para julgar a acção improcedente quanto à Ré “O…Lda” a sentença considerou não ter esta Ré celebrado com a Autora qualquer contrato, e que no contrato de consórcio as partes mantêm a sua autonomia, contratando com terceiros em seu próprio nome, não se presumindo a solidariedade passiva entre os membros do consórcio nas relações com terceiros – art. 19º/1 do DL nº 231/81 de 28 de Julho.
Vejamos.
As Rés celebraram um contrato de consórcio com vista à realização de uma obra de construção civil. O consórcio assim constituído celebrou com a sociedade “Á… SA” um contrato de empreitada que consistiu na reabilitação de uma ETAR e na construção de duas outras.
A lei define contrato de consórcio como aquele “pelo qual duas ou mais pessoas singulares ou colectivas que exerçam uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte” (art. 1º do DL nº 231/81 de 28 de Julho).
A justificar o interesse social que está na base desta modalidade contratual lê-se no preâmbulo daquele diploma: “…quando várias empresas se reúnem para a execução de uma importante obra pública ou privada, é tão absurdo forçá-las a constituir entre si uma nova sociedade...como tendo elas afastado voluntariamente esse tipo de enquadramento, pretender que afinal foi uma sociedade – ainda por cima irregular – que elas efectivamente constituíram”.
Manuel António Pina, in “Contrato de Consórcio”, Revista de Direitos e Estudos Sociais, ano XXX, nº 2, pag. 202, refere que, diferentemente do que sucede no contrato constitutivo dos agrupamentos complementares de empresas em que as partes se vinculam a exercer em comum uma actividade, no contrato de consórcio as partes querem vincular-se a concertar actividades, que serão exercidas individualmente. No consórcio há apenas colaboração entre empresas”.
O consórcio pode ser interno ou externo, consoante nas relações estabelecidas com terceiros, os seus membros ocultam ou invocam essa qualidade (Ac. do STJ de 24.02.1999, CJ AcSTJ, I, pag. 124).
Com efeito, o consórcio diz-se externo “quando as actividades ou bens são fornecidos directamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade” (nº2 do art. 5º do citado decreto lei).
No consórcio externo – é deste tipo o contrato constituído pelas Rés, veja-se o documento de fls. 20 - é obrigatória a designação de um dos seus membros como chefe, incumbindo a este o exercício das funções internas e externas que contratualmente lhe forem atribuídas (art.12º do mesmo diploma).
No que tange às relações dos membros do consórcio externo com terceiros, o art. 19º/1 do citado DL 231/81, prescreve que não se presume o regime da solidariedade, seja ela activa ou passiva, .
É que como escreve o autor do estudo supra citado:
“O DL 231/81 regula um contrato obrigacional. Dele nascem direitos e obrigações para as partes contratantes, dando origem a uma associação interna. Pretendeu-se apagar toda a relevância que tal grupo poderia ter face a terceiros. Estabelecendo-se normas derrogadoras do regime geral, especialmente o regime da solidariedade…São os membros que individualmente estabelecem relações com terceiros…Dada a função económica e social do consórcio, o legislador estabeleceu um regime privilegiado, derrogador do direito comum, afastando soluções jurídicas protectoras dos interesses de terceiros mas limitadoras dos interesses individuais dos membros do consórcio, especialmente a solidariedade passiva”.
Neste sentido decidiu o Acórdão do STJ de 22.05.96, CJ AcSTJ, IV, tomo 2, pag. 262:
“No consórcio externo a obrigação de indemnizar terceiros é restrita ao membro a que, por lei, essa responsabilidade for imputável.”
Estes os traços essenciais do contrato de consórcio, tal como a lei o define.
Neste tipo de contrato, e bem assim no caso dos autos á luz da matéria de facto provada, não pode dizer-se, como o faz a Apelante que “a execução dos trabalhos é conjunta”. O que o caracteriza é a colaboração entre empresas na execução de uma obra.
Sustenta a Apelante não se ter provado que os trabalhos realizados pela Apelante respeitassem ao fornecimento da ré M. pelo que ambas as Rés respondem pela dívida em face do teor das cláusulas 6ª, 7ª e 9ª do contrato de consórcio.
Vejamos se é fundada esta alegação.
Dispõe-se naquelas cláusulas:
6ª:Participação dos membros A participação dos membros é de acordo com os itens constantes da minuta da proposta base apresentada no respectivo concurso: O…, Lda - € 451.675,48. M.…Lda - € 623.098,13
7ª.Encargos dos membros Os encargos emergentes de necessidades comuns ao Consórcio e outras despesas necessárias ao objecto do consórcio, são em partes proporcionais à sua participação.
9ª. Responsabilidades
“1. As consorciadas são solidariamente responsáveis perante o dono da obra caso assim resulte da lei ou dos termos do contrato de empreitada com este celebrado; 2. Porém, a parte que der causa a qualquer situação de incumprimento é responsável pelos respectivos prejuízos perante a outra parte, que terá direito de regresso; 3. Cada membro é, porém, única e inteiramente responsável, perante o outro membro e perante terceiros por tudo o que respeitar à execução da sua parte do fornecimento.”
Em face do que se dispõe nas cláusulas 7ª e 9ª pode afirmar-se que são encargos dos membros do consórcio, na proporção da sua participação, os emergentes de necessidades comuns ao consórcio e outras despesas necessárias ao seu objecto; e são da responsabilidade de cada um dos membros as obrigações assumidas perante terceiros na execução da sua parte do fornecimento.
Ora o que nos diz a matéria de facto apurada?
Apenas que os trabalhos cujo pagamento é pedido foram solicitados à Apelante pela M. e que se trata de trabalhos de construção civil que estavam a cargo desta Ré (respostas aos artigos 1º e 3º da base instrutória).
Assim, para além da Ré “O…Lda” não ter assumido qualquer obrigação perante a Autora, provou-se que os serviços prestados pelo terceiro – a Apelante - respeitavam à parte da M. na execução da empreitada, pelo que nos termos do contrato (cláusula 9ª/3), e também do disposto no art. 19º/1 do DL 231/81, apenas a ré M. é responsável pelo seu pagamento à Apelante.
Não tendo a Apelada celebrado qualquer contrato com a Apelante, cabia a esta alegar e provar factos reveladores da co-responsabilidade daquela na contracção da dívida à luz do estabelecido no contrato de consórcio, o que, manifestamente, não fez.
Improcedem as conclusões da Recorrente não merecendo censura a decisão impugnada. Decisão.
Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e confirma-se a sentença.
Custas pela Recorrente.