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PODERES DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Sumário
I – Pode o Tribunal da Relação, no uso da sua competência em matéria de facto, recorrer a presunções judiciais para com base nelas desenvolver a matéria de facto fixada na 1ª instância, mas não pode por essa forma dar como provado o que nas respostas ao questionário ou à base instrutória foi considerado não provado, quando relativamente a esses factos foi produzida prova testemunhal e documental. II – A abertura de conta surge-nos como o negócio bancário nuclear, marcando o início duma relação bancária complexa entre o banqueiro e o seu cliente, sendo os actos concretos de transferência de fundos actos de execução do contrato de giro bancário, contrato este correspondente a uma variedade de mandato sem representação - o banco, em nome e por conta do cliente desenvolve a actividade necessária a cumprir uma instrução que aquele lhe dirige, referente à colocação de fundos à disposição de um terceiro. III – Não tendo o A. logrado provar a desconformidade entre a conduta do R./Banco e o programa emergente do contrato uma vez que não resultou provado que o A. não é o autor da carta contendo a instrução de transferência e que não ordenou ou autorizou aquela operação, desconhecendo os seus intervenientes e a sua razão de ser, a acção naufraga. (M.J.M.)
Texto Integral
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - F E M intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra «Banco » o qual, no decurso do processo, foi incorporado por fusão no «Banco E », ora R..
Alegou o A., em resumo:
O A. é cliente habitual da R., mantendo, há vários anos um relacionamento no quadro de serviços desta, conservando abertas várias contas bancárias, nomeadamente a conta à ordem. O A. não tem residência permanente em Portugal e, para a resolução dos assuntos bancários com a R. envia correspondência vária à sua gestora de conta, correspondência essa que apresenta sempre uma estruturação idêntica, nomeadamente no que se refere à identificação do destinatário, ao seu nome, à data e ao conteúdo.
Em 17-05-2002, a R. realizou uma transferência bancária da conta de que o autor é titular para uma conta no estrangeiro, no valor de € 150.000,00, a favor de B G, operação que comportou vários encargos, nomeadamente de uma comissão de € 63.00 e de imposto de selo no valor de € 2,52. O A. nunca ordenou ou autorizou o R. a proceder a tal operação de transferência bancária, desconhecendo os intervenientes da mesma.
O A. comunicou à R. a desconformidade de tal transferência com a sua vontade e nega a realização, autoria, assinatura e envio da carta apresentada pela R. e que serviu de fundamento à transferência bancária
Toda a situação tem causado estados de grande ansiedade ao autor, deixando-o nervoso, angustiado e desgastado psicologicamente.
Pediu o A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 150.065,52, acrescida de juros de mora calculados desde que o referido montante foi indevidamente debitado até efectivo pagamento, sendo os já liquidados até 30-04-2003, no montante de € 17.169,14, bem como a condenação da R. a pagar ao autor uma indemnização por danos morais de montante a liquidar em execução de sentença e que, desde já, computa num mínimo de € 14.963,95.
Após contestação do R. o processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Da sentença apelou o A., concluindo pela seguinte forma a respectiva alegação de recurso:
1. O Apelante fez prova bastante dos factos constitutivos do seu direito, seja por via de prova testemunhal, seja por via de prova documental.
2. O Apelante provou que a carta de 11 de Maio de 2002 não é da sua autoria., não foi por si assinada e que, portanto, não deu a ordem para a realização da transferência bancária litigada.
3. No despacho de resposta aos factos controvertidos, na identificação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal é afirmado que: «O Tribunal respondeu negativamente aos factos controvertidos 4°, 5°, 7° e 15° da base instrutória, por não ter sido realizada qualquer prova, quer documental quer testemunhal ... concreta e convincente que permitisse ao Tribunal concluir que a assinatura aposta no documento de fls. 139 (crê-se que aqui existe um lapso porquanto a carta de 11 de Maio de 2002, em causa, consta dos autos a fls. 32 e não a fls. 139), a autoria do mesmo documento, a ordem expressa no documento foi ou não realizada pelo autor ou por terceiro por ordem deste ou por terceiro das relações do autor mas sem que este tivesse conhecimento ou por qualquer pessoa, uma vez que se, por um lado temos uma carta enviada pelo correio diferente das que o autor normalmente enviava para o banco, que nos leva a não imputar a carta de fls. 139 dos autos ao autor, por outro temos uma carta a ordenar uma transferência bancária onde constam todos os elementos pessoais do autor, que nos leva a imputar a carta ao autor.» (cfr. despacho em causa).
4. Na primeira sentença que foi proferida em primeira instância e sancionada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi referido que: «sem dúvida que o autor logrou fazer prova que a referida carta que fundamentou a transferência bancária não tinha a estrutura que o autor habitualmente usava em comunicação com o banco (cfr. resp. Facto 1°, 2°, 3° 8° a 14° da base instrutória), que a assinatura constante da mesma apresenta diferenças por comparação com a dos documentos usados pelo autor (cfr. respo. facto 6° da base instrutória). Porém ... os referidos indícios são insuficientes para considerar que o autor logrou provar que não ordenou ou não autorizou a referida transferência ou que não é da sua autoria a identificada carta ... como também alguém poderá, propositadamente e com o intuito de burlar o banco, utilizar uma estrutura igual de carta, por saber que as mesmas não são tidas em consideração, e utilizou uma estrutura diferente numa carta que ordena uma transferência para uma conta no estrangeiro em nome de terceiro conluiado, para depois fazer uso dessa situação em seu abono, negar carta e obter indemnização do banco.» (cfr. sentença).
5. O facto de a carta de 11 de Maio de 2002 ter uma estruturação diferente das cartas que o Apelante costumava enviar ao Apelado é um indício suficientemente forte para permitir um juízo de que essa carta não é imputável ao Apelante.
6. Este indício, positivamente identificado pela Meritíssima Juíza, tem toda a razão de ser exactamente porque quando se está em sede de determinação da autoria de um documento a uma pessoa, um dos primeiros elementos tomados em linha de conta é exactamente o de verificar até que ponto esse documento é passível de ser identificado com o estilo que caracteriza a forma de escrever de uma pessoa.
7. A confrontação da estrutura da carta de 11 de Maio de 2002 com a estrutura das cartas que o Apelante enviava para o Apelado é um elemento de importância extrema nestes autos, do mesmo modo que é a verificação de que a carta de 11 de Maio contém erros de português e uso de linguagem que não tem qualquer correspondência com o estilo de linguagem adoptado pelo Apelante.
8. Uma das provas que tinha necessariamente que ser feita e foi-o era exactamente a de que a carta de 11 de Maio de 2002, pelas diferenças que apresenta em face da correspondência enviada pelo Apelante ao Apelado leva a concluir pelo facto de não ter sido este quem a redigiu e de a transferência ter sido feita à sua revelia, não se podendo utilizar este elemento para, a seguir, se tecer uma rede de hipóteses vendo-se uma tentativa de burla, na qual o Apelante que foi burlado, passa por burlador.
9. O Apelante fez prova cabal dos factos constitutivos do seu direito, provou e juntou documentos e existem indícios que permitem a conclusão de que o Apelante não é o autor da carta de 11 de Maio de 2002, não assinou a mesma, não ordenou a transferência bancária litigada.
10. O relatório junto aos autos, após ter sido proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa apenas refere que não se pode: «formular uma conclusão segura quanto à possibilidade de a assinatura aposta na ordem de transferência ... poder ter sido, ou não, da autoria de F E M.»
11. Este relatório nada adianta em sede de prova, relativamente à prova que foi feita em audiência, seja prova testemunhal, seja prova documental e, esse conjunto de prova permite concluir que o Apelante fez prova dos factos constitutivos do seu direito.
12. Tendo o Apelante feito prova dos factos constitutivos do seu direito e, ainda que se admitisse a inexistência de culpa do Apelado, por aplicação do artigo 1149° do Código Civil decorre necessariamente que a restituição do dinheiro transferido tornou-se impossível «por causa não imputável ao mutuário» mas, sim por acção de um terceiro pelo que, a cargo do Apelado, fica a obrigação de repor o dinheiro transferido.
13. No que respeita ao dever de diligência do Apelado, na sentença proferida nestes autos a Meritíssima Juíza considerou que o Apelado fez prova da sua conduta diligente, o que é absolutamente contraditório, na medida em que a prova feita pelo Apelado se resume, neste caso, à comparação por semelhança dessa assinatura com a ficha de assinaturas. Ora, a Meritíssima Juíza, tendo utilizado o mesmo método que o banco, concluiu pela diferença de assinaturas.
14. Numa instituição bancária, estando em causa uma relação de confiança entre banco e cliente em grau bastante elevado, resulta que o dever de diligência daquele tem que aportar uma consistência que não permita ocorrerem situações em que um juiz verifica diferenças de assinaturas que o funcionário da instituição bancária não verificou (cfr. resposta positiva ao quesito 24° da base instrutória) e cuja existência devia ter verificado.
15. Impende sobre o Banco Apelado o cumprimento de um nível de diligência adequado ao conteúdo da cláusula do best effort.
16. Ainda que o funcionário do banco tivesse verificado a existência de diferenças na assinatura e tivesse tido um raciocínio de que havia uma hipótese dessas diferenças serem decorrentes do facto de uma pessoa não assinar sempre da mesma maneira, a verdade é que, tratando-se de uma ordem de transferência bancária e sendo também o valor envolvido muito elevado (correspondente a mais de 30 anos de percebimento de salário mínimo), a sua conduta só poderia ser qualificada como diligente se tivesse tomado medidas no sentido de confirmar junto do Apelante se essa ordem de transferência havia sido dada por ele.
17. Na conferência da assinatura, só pode ter havido uma conduta negligente do Apelado o que decorre da própria sentença e da constatação de facto aduzida pelo próprio Tribunal, nos termos supra expostos.
18. Do artigo 799° n° 1 do Código Civil, decorre uma presunção de culpa, ilidível pelo Apelado, devedor aqui do dever de diligência.
19. A culpa deve ser apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, tornando-se por base a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art. 487°, n° 2 do Código Civil).
Teria assim o Apelado que provar que foi diligente, que usou de todas as cautelas e de todo o zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família.
20. A prova do Apelado de que cumpriu com o dever de diligência centra-se na comparação entre a assinatura da carta que deu origem à ordem de transferência bancária dos autos e a ficha de assinaturas que, como já supra referido, a Meritíssima Juíza entendeu serem diferentes, pelo que, logo aqui, não poderá considerar-se que o Apelado cumpriu com o ónus de prova do dever de diligência, na medida em que o simples facto da Meritíssima Juíza ter verificado a existência de diferenças entre as assinaturas, impede a conclusão de que o Apelado agiu com diligência na comparação das mesmas.
21. Não era ónus do Apelante a prova da negligência do Apelado.
22. Assim, aferida a culpa do Apelado, sempre terá o Apelante direito a ser indemnizado no termos legais.
23. Nestes termos foram violadas, pela sentença recorrida, as normas dos artigos 1205°, 1206°. e 1149° do Código Civil, bem como as normas dos artigos 798°, 799°, 487, n° 2 do Código Civil.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - O autor é cliente habitual do réu, mantendo há vários anos com este banco relacionamento comercial no quadro dos serviços por este prestados, designadamente tendo várias contas abertas nessa instituição bancária. (Factos assentes A);
2 - No dia 13/3/2000 o autor acordou com o réu em abrir uma conta de depósitos à ordem a que foi atribuído o n.°… e de que o autor era titular. (Factos assentes B);
3 - Essa conta tinha agregadas outras contas, onde tinha as suas aplicações financeiras e poupanças. (Factos assentes C);
4 - Todos os assuntos que se referiam às movimentações bancárias que o autor efectuava eram tratados junto da gestora de conta, a D. C G, tendo em atenção que o autor não tinha a sua residência em Portugal e por isso a resolução dos seus assuntos bancários com o réu eram feitos por correspondência com a gestora de conta. (Factos assentes D);
5 - Ao longo do tempo que o autor e o réu têm mantido relacionamento profissional, este tem recebido inúmera correspondência do autor, como por exemplo a que consta de fls. 23 a 25. (Factos assentes E);
6 - Em 17 de Maio de 2002, o Banco C, , realizou uma transferência bancária de € 150.000,00 da conta n.°…, da titularidade do autor, para uma conta no estrangeiro, que tinha por destinatário o D Bank , sendo a transferência a favor de B G e banco beneficiário da mesma o B B, cfr. doc. de fls. 26. (Factos assentes F);
7 - Tal operação comportou encargos vários, traduzidos na cobrança, por parte do réu ao autor, de uma comissão no valor de € 63,00 e de imposto de selo no valor de € 2,52, que foram debitados directamente na conta, cfr. cit. doc. (Factos assentes G);
8 - Posteriormente à realização dessa operação, o réu expediu para o autor toda a documentação na qual lhe transmite todos os elementos identificadores da transferência realizada, cfr. doc. de fls. 27 a 29, mencionando que procedeu ao débito "de acordo com instruções recebidas", cfr. doc. de fls. 26. (Factos assentes H);
9 - Em 5 de Junho de 2002, o réu enviou ao autor, via fax, a cópia duma carta, datada de 11 de Maio de 2002, que lhe era endereçada, na qual, figurava o nome de "F E M", autorizando uma ordem de transferência da conta n.°…, no valor de € 150.000,00, que tinha como beneficiário Bi G, banco beneficiário B B, cfr. doc. de fls. 32. (Factos assentes I);
10 - O autor enviou, ainda no dia 5 de Junho de 2002, uma carta ao réu, na qual nega a autoria da carta de 11 de Maio de 2002 junta a fls. 32, cfr. doc. de fls. 30 a 31 cujo teor aqui se dá por reproduzido. (Factos assentes J);
11 - A carta de fls. 32 com base na qual o réu justificou a transferência bancária realizada contém erros de português. (Factos assentes L);
12 - Em 4 de Julho de 2002, o autor, através do seu mandatário, enviou uma carta ao réu, na qual reafirma que é completamente alheio à transferência bancária sobre a sua conta, solicitando reunião para esclarecimento cabal da situação, cfr. doc. de fls. 33. (Factos assentes M);
13 - Em Agosto de 2002, o réu envia comunicação ao autor, na qual informa que foi debitado na conta n.°…, de que o autor é titular, e sobre a qual recaiu a transferência bancária acima referida, o montante de € 75,00 referente a custos directamente relacionados com tal transferência, cfr. doc. de fls. 34 a 35. (Factos assentes N);
14 - Em 5 de Dezembro de 2002 o mandatário do autor enviou ao réu a carta junta a fls. 36, onde dizia não ter recebido resposta aos pedidos esclarecimentos e que iria intentar acção contra o réu, cfr. cit. doc. (Factos assentes O);
15 - Em 26 de Dezembro de 2002 o réu, através do seu mandatário, veio dizer que foram cumpridos todos os procedimentos habituais seguidos para as transferências bancárias, pelo que assumiram que a operação em causa havia sido autorizada pelo autor, cfr. doc. de fls. 38 e 39. (Factos assentes P);
16 - Como a conta do autor, a partir da qual foi feita a transferência em causa, ficava com saldo negativo, o réu, para suprir esse saldo, procedeu à desmobilização duma aplicação financeira, que identifica por "B Curto Prazo", no valor de € 142.808,76, que provisionou a conta dos autos com os montantes necessários à efectivação da transferência, cfr. doc. de fls. 40. (Factos assentes Q);
17 - O réu não repôs na conta n.° … a quantia de € 150.065,52 que nela debitou na sequência da operação de transferência bancária mencionada. (Factos assentes R).
18 - A correspondência que o autor enviava ao réu para proceder às movimentações bancárias da sua conta apresentava sempre uma estruturação idêntica à que consta de fls. 23 a 25, nomeadamente quanto à identificação do destinatário — o réu, na pessoa da sua gerente de conta — sempre colocado no canto superior esquerdo do papel; a referência ao nome do autor nunca consta como identificação autónoma feita no cabeçalho, vindo somente no final do documento, sob a sua assinatura; o seu nome é sempre inscrito em letras maiúscula; a data é colocada por baixo da identificação do destinatário; e o conteúdo da correspondência apresenta-se homogéneo e sem desvios. (Resp. facto controv. 1°);
19 - A correspondência enviada pelo autor ao réu não contém erros ortográficos, é redigida em português fluente, sem utilização de expressões estrangeiras ou de palavras soltas redigidas em língua que não a portuguesa. (Resp. facto controv. 2°);
20 - O autor quando quer autorizar transferências bancárias dirige-se ao réu através de correspondência com as características referidas em 1° e 2°, nunca tendo adoptado um estilo de carta diferente. (Resp. facto controv. 3°);
21 - A assinatura constante do documento de fls. 32 apresenta diferenças por comparação com as dos documentos de fls. 23 a 25. (Resp. facto controv. 6°);
22 - O autor nunca utilizou, para identificação do seu nome, "F E M". (Resp. facto controv. 8°);
23 - O autor nunca escreveu o seu nome em letra minúscula. (Resp. facto controv. 9°);
24 - O autor nunca se dirigiu ao réu sem ser na pessoa da sua gerente de conta. (Resp. facto controv. 10°) ;
25 - A data da carta é sempre indicada uma única vez e por baixo da identificação do réu. (Resp. facto controv. 11°);
26 - O autor nunca coloca em filas seguidas e sucessivas, a identificação dos beneficiários quando autoriza transferência bancárias, fazendo-o sempre no correr de um parágrafo. (Resp. facto controv. 12°);
27 - O autor nunca utilizou a expressão "OBS: DATA VALOR", quando autoriza transferências bancárias. (resp. facto controv. 13°);
28 - O autor nunca utiliza a expressão «cordeais saudações», mas sim «Sem outro assunto, ATENTAMENTE». (Resp. fato controv. 14°);
29 - A transferência bancária operada pelo réu determinou que a conta n.° 0108 7440 0147, titulada pelo autor, ficasse com um saldo contabilístico negativo. (Resp. facto controv. 16°);
30 - Às cartas referidas em J) e M), o réu apenas respondeu com a carta referida em P). (Resp. facto controv. 18°);
31 - Toda esta situação deixou o A. nervoso. (Resp. facto controv. 20°);
32 - A ordem de transferência de fls. 32 com data de 11 de Maio de 2002 foi recebida pelo réu por carta, em original, tendo a assinatura dela constante sido reconhecida por semelhança com a constante da respectiva ficha de assinaturas, sem que se tivesse levantado qualquer suspeita sobre a autoria da mesma. (Resp. facto controv. 24°);
33 - A aplicação financeira "B – Curto Prazo" que provisionou a conta do autor com os montantes necessários à transferência bancária a que os autos se reportam tinha vencimento no dia 17/5/2002, o que permitia a transferência ordenada a 18/5/2002. (Resp. facto controv. 25°);
34 - O crédito na conta à ordem do autor da aplicação "B – Curto Prazo" não necessitava de prévia autorização do autor para possibilitar a realização da transferência bancária dos autos. (Resp. facto controv. 26°).
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III - São as conclusões das alegações do apelante que definem o objecto do recurso, consoante decorre dos arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC.
Face ao teor daquelas conclusões são essencialmente as seguintes as questões colocadas nos presentes autos:
- qual a matéria de facto em que poderemos basear a decisão;
- se estão demonstrados os factos constitutivos do direito que o A. pretende fazer valer.
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IV – 1 – Antes de mais, haverá que esclarecer se a matéria de facto em que nos basearemos é a que se encontra transcrita na decisão recorrida ou, antes, se aquela é susceptível de alteração.
Efectivamente, nas conclusões por si formuladas o apelante aparentemente pretende deverem considerar-se provados factos que assim não foram considerados pelo Tribunal de 1ª instância.
Assim, designadamente, na 2ª conclusão da alegação de recurso – depois de na 1ª ter referido que fez prova bastante dos factos constitutivos do seu direito, seja por via de prova testemunhal, seja por via de prova documental – afirma o apelante ter provado que a carta de 1 de Maio de 2002 não é da sua autoria, não foi por ele assinada e que, portanto, não deu ordem para a transferência bancária. E, no corpo da alegação, considera que «fez prova bastante dos factos constitutivos do seu direito, seja por via de prova testemunhal, seja por via de prova documental…O Apelante provou que a carta de 11 de Maio de 2002 não é da sua autoria, não foi por si assinada e que, portanto não deu a ordem para a realização da transferência bancária litigada».
Ora, perguntava-se, respectivamente nos arts. 4º e 7º da Base Instrutória: «O A. não ordenou ou autorizou o R. a proceder a operação de transferência bancária mencionada em F)?...» e «O A. não escreveu pelo seu punho a assinatura que consta da carta de fls. 32, datada de 1 de Maio de 2002?», tendo tais artigos obtido a resposta de não provados. Perguntando-se, igualmente, no art. 15 daquela peça processual: «O A. não é o autor da carta de fls. 32, com data de 11 de Maio de 2002?», tendo sido obtida a mesma resposta.
A afirmação do A. na aludida 2ª conclusão da sua alegação de recurso não se coaduna com o teor daquelas respostas à Base Instrutória.
Consoante resulta do art. 712, nº 1, do CPC a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do Artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso que nos ocupa ocorreu a gravação dos depoimentos prestados, tendo a prova testemunhal produzida abrangido a totalidade dos factos que integram a Base Instrutória e tendo o Tribunal de 1ª instância considerado essa prova nas respostas dadas.
Nos termos do nº 1 do art. 690-A do CPC quando impugne a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar – sob pena de rejeição: a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados – o que se traduz na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação realizados que impunham decisão diferente sobre os pontos da matéria de facto impugnados - o que se traduz no ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios que implicam decisão diversa da tomada pelo tribunal ( Lopes do Rego, «Comentários ao Código de Processo Civil», pag. 465. ).
Consoante o actual nº 2 do art. 690-A, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do nº 2 do art. 522-C – indicando, pois, onde se localizam na fita magnética ou áudio suporte da gravação, os depoimentos que, reapreciados, poderiam levar à alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Como foi decidido no acórdão do STJ de 1-7-2004 ( Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 04B2307.) «deve o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto indicar os segmentos da matéria de facto por ele considerados afectados de erro de julgamento, bem como os motivos da sua discordância, por via da concretização dos meios de prova constantes do auto, documento ou gravação implicantes de decisão diversa da recorrida e, no caso de esses meios probatórios só constarem de registo áudio ou vídeo, os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, e o início e o termo da gravação de cada um. Assim, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com um ónus específico de alegação do recorrente no que se refere à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação».
Ora, o apelante, defendendo, embora, ter feito «prova bastante dos factos constitutivos do seu direito, seja por via de prova testemunhal, seja por via de prova documental» não deu cabal satisfação a tais ónus, não sendo susceptível de alteração, com base na alínea a) do nº 1 do art. 712 do CPC, a matéria de facto provada.
Por outro lado, o art. 712, nº1-b) prevê a alteração da decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. Reporta-se esta disposição legal ao caso de o tribunal a quo ter desprezado a força probatória de um documento não impugnado nos termos legais, documento esse que faça prova plena de certo facto, ou de não ter considerado um facto sobre o qual recaiu confissão judicial escrita ( Ver Fernando Amâncio Ferreira, «Manual dos Recursos em Processo Civil», 4ª edição, pags. 202-203, Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado», vol. V, pags. 472-473.).
Também a tal não se reconduz a situação dos autos.
Como, igualmente, não foi junto aos autos qualquer documento novo superveniente (art. 712, nº 1-c), teremos de concluir, nesta abordagem, que não há qualquer alteração a produzir no que respeita à matéria de facto provada acima enunciada, fixada pelo Tribunal de 1ª instância.
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IV – 2 - Por outro lado, afigura-se pretender o apelante que se infira de alguns dos factos julgados provados, com base numa presunção judicial - art. 349 do CC - que não é autor da carta de 11 de Maio de 2002 e que não a assinou, não ordenando a transferência bancária.
Assim, refere o apelante na conclusão 5ª que «o facto de a carta de 11 de Maio de 2002 ter uma estruturação diferente das cartas que o Apelante costumava enviar ao Apelado é um indício suficientemente forte para permitir um juízo de que essa carta não é imputável ao Apelante», alude na conclusão 7ª a que a carta de 11 de Maio contém erros de português e defende na conclusão 9ª que «existem indícios que permitem a conclusão de que o Apelante não é o autor da carta de 11 de Maio de 2002, não assinou a mesma, não ordenou a transferência bancária litigada».
Vejamos.
A presunção judicial «consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido, e se chega a um facto desconhecido… A prova por presunções não tem autonomia processual. A presunção assenta sobre uma base (um facto) que tem de ser provada. E a prova deste facto há-de ser feita por qualquer dos procedimentos probatórios regulados na lei processual (documentos, arbitramentos, testemunhas ou inspecção judicial). A presunção não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes. Apenas altera o facto que ao onerado incumbe provar: em lugar de provar o facto presumido, a parte onerada terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção… O Tribunal da Relação pode lançar mão de presunções tirando conclusões da matéria de facto, desde que tais conclusões se limitem a desenvolvê-la, não a contrariando» ( Acórdão do STJ de 26-10-2004, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 04A3101.).
O apelante considera os seguintes factos, factos esses efectivamente provados nos autos:
a) A correspondência que o autor enviava ao réu para proceder às movimentações bancárias da sua conta apresentavam sempre uma estruturação idêntica à que consta de fls. 23 a 25, nomeadamente quanto à identificação do destinatário — o réu, na pessoa da sua gerente de conta — sempre colocado no canto superior esquerdo do papel; a referência ao nome do autor nunca consta como identificação autónoma feita no cabeçalho, vindo somente no final do documento, sob a sua assinatura; o seu nome é sempre inscrito em letras maiúscula; a data é colocada por baixo da identificação do destinatário; e o conteúdo da correspondência apresenta-se homogéneo e sem desvios.
b) A correspondência enviada pelo autor ao réu não contém erros ortográficos, é redigida em português fluente, sem utilização de expressões estrangeiras ou de palavras soltas redigidas em língua que não a portuguesa.
c) O autor quando quer autorizar transferências bancárias dirige-se ao réu através de correspondência com as características acabadas de referir, nunca tendo adoptado um estilo de carta diferente.
d) A assinatura constante do documento de fls. 32 apresenta diferenças por comparação com as dos documentos de fls. 23 a 25.
e) O autor nunca utilizou, para identificação do seu nome, "F E M", o autor nunca escreveu o seu nome em letra minúscula, o autor nunca se dirigiu ao réu sem ser na pessoa da sua gerente de conta, a data da carta é sempre indicada uma única vez e por baixo da identificação do réu, o autor nunca coloca em filas seguidas e sucessivas, a identificação dos beneficiários quando autoriza transferência bancárias, fazendo-o sempre no correr de um parágrafo, o autor nunca utilizou a expressão "OBS: DATA VALOR", quando autoriza transferências bancárias, o autor nunca utiliza a expressão «cordeais saudações», mas sim «Sem outro assunto, ATENTAMENTE».
Destes factos pretende o apelante que este Tribunal infira que não é o autor da carta de 11 de Maio de 2002 e que não a assinou, não ordenando a transferência bancária.
Todavia, como vimos, havia sido perguntado, respectivamente nos artigos 4º, 7º e 15º da Base Instrutória: «O A. não ordenou ou autorizou o R. a proceder a operação de transferência bancária mencionada em F)?...»; «O A. não escreveu pelo seu punho a assinatura que consta da carta de fls. 32, datada de 1 de Maio de 2002?»; «O A. não é o autor da carta de fls. 32, com data de 11 de Maio de 2002?». Sendo que todos estes artigos obtiveram a resposta de não provados.
Ora, constituindo jurisprudência corrente a de que é lícito ao Tribunal da Relação tirar conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, fazendo a sua interpretação e esclarecimento, também é entendimento adquirido que tal pressupõe a não alteração daquela matéria, antes nela se apoiando para a desenvolver.
Como expressamente o STJ recordou no seu acórdão de 24-5-2007 ( A o qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 07A979.
) «no que a presunções judiciais respeita, não podem as Relações, com fundamento nelas, alterar as respostas aos quesitos, nomeadamente considerando provados por inferência factos que a 1ª instância deu como não provados após contraditório e imediação da prova produzida. Podem as Relações, no uso da sua competência em matéria de facto, recorrer a presunções judiciais, instituto previsto nos arts. 349º e 351º do Cod. Civil, inclusive para com base nelas desenvolverem a matéria de facto fixada na 1ª instância declarando provado algum facto por ilação de algum outro facto dado por provado, ou para reforçarem a fundamentação da decisão recorrida, mas não lhes é lícito, por essa forma dar como provado o que nas respostas ao questionário ou à base instrutória foi considerado não provado ou por outra forma contrariar as respostas sobre a base instrutória… É lícito à Relação, com efeito, tirar ilações da matéria de facto, mas desde que não altere os factos provados, antes neles se baseando de forma a que os factos presumidos sejam consequência lógica destes».
No mesmo sentido se referindo no acórdão daquele Tribunal de 29-11-2005 ( Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 05B3162.): «… é entendimento jurisprudencial o de que não se pode suprir por via da presunção judicial a carência de prova de um facto sujeito a julgamento».
No caso dos autos, como atentámos, não teve lugar a alteração da matéria de facto no âmbito do disposto no nº 1 do art. 712 do CPC.
Neste circunstancialismo, e como acabámos de verificar, não pode este Tribunal considerar a alteração das respostas aos factos que integram a base instrutória através de inferências, de conclusões decorrentes de outros factos, utilizando para o efeito presunções judiciais.
Ora, a pretensão do apelante no sentido de este Tribunal valorar os indícios que assinala e que defende permitirem a conclusão de que o apelante não é o autor da carta de 11 de Maio de 2002, não assinou a mesma e não ordenou a transferência bancária litigada não é conciliável com as respostas negativas aos artigos 4º, 7º e 15º da Base Instrutória: acolher aquela pretensão contrariaria aquelas respostas à Base Instrutória, redundando no suprimento por este Tribunal, por via da presunção judicial, da falta de prova de tais factos em julgamento – factos relativamente aos quais foi produzida prova documental e testemunhal, bem como aos mesmos se referindo o relatório de exame à escrita proveniente do Laboratório de Polícia Científica, documentado a fls. 290-294, cuja junção foi determinada no âmbito do acórdão desta Relação de 12-1-2006.
Pelo que a matéria de facto provada em que nos poderemos basear é – tão só - a que foi fixada pelo tribunal de 1ª instância, constante da decisão recorrida.
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IV – 3 - Da matéria de facto provada resulta, desde logo, que sendo o A. cliente habitual do primitivo R., em 13-3-2000 acordou com este em abrir uma conta de depósitos à ordem a que foi atribuído o n.°…, conta de que o autor era titular e que tinha agregadas outras contas, onde o A. tinha as suas aplicações financeiras e poupanças.
A abertura de conta – contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, assumindo ambos recíprocos deveres relativos a diversas práticas bancárias – corresponde a um negócio tipicamente bancário.
Actualmente, consoante defende José Simões Patrício ( «Direito Privado Bancário», pags. 261 e seguintes.) interessa sobretudo considerar a operação de depósito como integrada na globalidade ou conjunto unitariamente considerado de uma complexa relação jurídico-bancária: o contrato principal deixou de ser o depósito e passou ser a conta. Registou-se «uma inversão de perspectivas: primeiro considerou-se o depósito como contrato principal e a conta-corrente como sua cláusula acessória; agora considera-se como principal o contrato de conta e o depósito como sua convenção anexa, entre outras». O depósito aparecerá como uma das operações integradas na conta bancária, sendo uma das formas de a conta ser movimentada a crédito e, logo, um movimento de conta. Um dos aspectos da conta revela-se no serviço de caixa – que é fundamentalmente um mandato de receber e pagar todos os fluxos de tesouraria do cliente.
Também Menezes Cordeiro ( «Manual de Direito Bancário», 3ª edição, pags. 412 e seguintes.) refere ser a abertura de conta o negócio bancário nuclear, marcando o início duma relação bancária complexa entre o banqueiro e o seu cliente e traçando o quadro básico do respectivo relacionamento, assentando, no essencial, nas cláusulas contratuais gerais dos bancos e nos usos bancários. Acrescenta que a abertura de conta prevê um quadro para a constituição de depósitos bancários que o banqueiro se obriga, desde logo a receber, regulando, ainda, dois aspectos de grande importância prática: a conta-corrente bancária (ficando assentes os termos em que a conta, em termos de crédito e de débito é movimentada) e o giro bancário (prevê regras sobre os seus movimentos, incluindo juros, comissões e despesas e sobre os extractos). Este mesmo autor ( Pag. 426.) refere que: a abertura de conta é um contrato nuclear de direito bancário, dando azo à relação bancária duradoura e complexa e integrando diversos elementos eventuais, como o depósito bancário, ou necessários, como a conta-corrente; na conta-corrente bancária trata-se de regras próprias do contrato de conta-corrente celebrado com um banqueiro e com determinadas especificidades, integrando-se no contrato mais vasto de abertura de conta; o depósito bancário é um depósito especial, celebrado com um banqueiro e sujeito a regras próprias e que, em geral, se incluiu na execução de um contrato de abertura de conta. O giro bancário – que pressupõe a prévia abertura da conta, com a inerente conta-corrente bancária – pode facultar operações de transferência bancária simples, pagamentos por conta bancária, cobranças por conta bancária, etc.
Para concluir, no que concerne à composição típica da abertura de conta - que traduz como «um contrato a se, misto, socialmente típico e com uma função nuclearmente bancária» - que ela envolve elementos da conta-corrente comercial, elementos do giro bancário, eventualmente elementos do depósito, da convenção de cheque e do cartão bancário.
Saliente-se que no que ao depósito bancário concerne o mesmo tem sido tendencialmente considerado um depósito irregular, por via do qual o banqueiro adquire a totalidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor ( Mas, também, tem sido qualificado como um mútuo ou como um depósito irregular sempre que haja possibilidade de movimentar a todo o tempo o capital, havendo um mútuo na hipótese contrária, como sucederia com os depósitos a prazo.). Menezes Cordeiro ( Obra citada, pag. 482.) mantém a perspectiva do «depósito bancário como figura unitária, típica, autónoma e próxima, historicamente do depósito irregular». Por seu turno, Menezes Leitão ( «Direito das Obrigações, vol. III, pags. 500-501. ) entende que o depósito bancário constitui «uma modalidade de depósito irregular, cuja especificidade resulta, apenas do facto de o depositário ser um banco, sendo-lhe aplicáveis, por força do art. 1206 do CC, as disposições relativas ao mútuo, designadamente a obrigação de restituição do tantundem eiusdem generis (art. 1142), mais os juros quando convencionados, e a transferência da propriedade sobre as espécies monetárias pelo facto da entrega (art. 1144). Como decorre do art. 407 do CCom os depósitos feitos em bancos «reger-se-ão pelos respectivos estatutos em tudo que não se achar prevenido neste capítulo e mais disposições aplicáveis» (defendendo Menezes Cordeiro que a menção aos “estatutos” deve ser convolada para uma referência aos usos), sendo, ainda, de ter em conta as disposições constantes do dl 430/91, de 2-11, que regula os depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito.
Já no que respeita ás transferências, os actos concretos de transferência de fundos não estão sujeitos a qualquer forma específica, sendo actos de execução do contrato de giro bancário, contrato este que é reconhecido como uma variedade de mandato sem representação (mandato comercial – art. 231 do CCom). O banco, em nome e por conta do cliente desenvolve a actividade necessária a cumprir uma instrução que aquele lhe dirige, referente à colocação de fundos à disposição de um terceiro (beneficiário).
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IV – 4 - Tecidas estas considerações genéricas cujo fundamental interesse está em melhor nos situarmos, revertamos para o caso dos autos.
Tendo o A., em 13-3-2000, aberto no B aquela conta n.°… acima aludida - assim tendo início a supra mencionada relação bancária complexa entre as partes - o R. veio a realizar uma transferência bancária de € 150.000,00 daquela conta da titularidade do A. para uma conta no estrangeiro, que tinha por destinatário o D Bank, sendo a transferência a favor de B G e banco beneficiário da mesma o B B, operação que comportou encargos vários.
Para o efeito de proceder à movimentação bancária da sua conta o A. – com morada no estrangeiro - enviava ao R. correspondência. Ora, aquela concreta transferência baseou-se na ordem escrita de transferência documentada a fls. 32, com data de 11 de Maio de 2002, recebida pelo R. por carta, em original, tendo a assinatura dela constante sido reconhecida por semelhança com a constante da respectiva ficha de assinaturas, sem que se tivesse levantado qualquer suspeita sobre a autoria da mesma.
Como vimos, no âmbito da relação que entre eles se estabelece, o banco, em nome e por conta do cliente desenvolve a actividade necessária a cumprir instruções que aquele lhe dirige, referente à colocação de fundos à disposição de terceiros, sendo os actos concretos de transferência de fundos actos de execução do contrato de giro bancário.
Aquela transferência bancária operada pelo R. determinou que a conta n.°, titulada pelo A., ficasse com um saldo contabilístico negativo; foi a aplicação financeira "B – Curto Prazo" que provisionou a conta do autor com os montantes necessários à transferência bancária, tendo a mesma vencimento no dia 17-5-2002, o que permitia a transferência ordenada para 18-5-2002 (sendo que para este efeito não era necessária prévia autorização do A.).
Convém salientar que nos presentes autos o A. pede uma indemnização por prejuízos patrimoniais e danos não patrimoniais sofridos, baseando-se na responsabilidade contratual do Banco que procedera àquela transferência indevidamente, sem autorização do A. e à sua revelia, violando os deveres de diligência a que estava adstrito.
Em causa está, essencialmente, a ordem de transferência: o banco desenvolveu actividade no sentido de cumprir uma determinada instrução, concretizando-a ao colocar fundos à disposição de um terceiro, retirando-os da conta do A.; este alega que não deu aquela instrução a qual lhe é completamente alheia.
O R. não teria, assim, cumprido os deveres para ele decorrentes do contrato celebrado com o A. - essencialmente na vertente giro bancário em que a instrução de transferência e respectiva execução se integrariam.
Nos termos do art. 799, nº1, do CC «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua». Como estamos em sede de responsabilidade civil contratual, sobre o banco R. impende aquela presunção de culpa – o que sempre sucederia quer olhemos para a questão na perspectiva do giro bancário, quer o façamos na perspectiva do depósito bancário.
Precedendo a culpa, mesmo no âmbito da responsabilidade contratual, teremos de concluir anteriormente pela existência da ilicitude, da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado.
O banco cumpriria a obrigação a que estava adstrito pelo contrato concretizando uma instrução de transferência que lhe fora dada pelo seu cliente; não a cumpriria quando a instrução dele não proviesse.
Ora, pese embora a presunção de culpa, é ao «credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento. Se, em lugar do não cumprimento da obrigação, houver cumprimento defeituoso, ao credor competirá fazer prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do seu direito à indemnização ou de qualquer dos outros meios de reacção contra a falta registada» ( Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», II vol., 3ª edição, pag. 98. ).
No caso que nos ocupa não logrou o A. provar a desconformidade entre a conduta do R. e o programa emergente do contrato uma vez que não resultou provado que o A. não é o autor da carta contendo a instrução de transferência e que o A. não ordenou ou autorizou aquela operação, desconhecendo os seus intervenientes e a sua razão de ser. Antes resultou que a ordem de transferência foi recebida por carta, tendo a assinatura dela constante sido reconhecida por semelhança com a constante da respectiva ficha de assinaturas, sem que se tivesse levantado qualquer suspeita sobre a autoria da mesma.
Não resultando dos autos que a assinatura aposta naquela carta fosse uma assinatura «falsa», perde relevância que a estruturação da mesma carta não fosse idêntica às que o A. antes enviara para idênticos fins, que a assinatura comportasse quaisquer diferenças relativamente à constante de outras cartas enviadas – os acima mencionados documentos de fls. 23-25 - que fossem utilizados estilos de linguagem diferentes ou que a carta, ao contrário do sucedido com outras, contivesse erros de português.
O A. não demonstrou um dos factos constitutivos do seu direito – não ser ele o autor da carta contendo a instrução de transferência, o que faz naufragar a sua pretensão. Indiferente se torna, assim, avaliar do grau de diligência do R. – sendo certo que a assinatura constante da carta foi reconhecida por semelhança com a constante da ficha de assinaturas, sem que se tivesse levantado qualquer suspeita, e a situação financeira do A. com referência ao banco R. era coadunável com a ordem recebida.
Nesta perspectiva, atento o disposto no art. 342, nº 1, do CC, conclui-se pela improcedência da acção.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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