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ARRENDAMENTO
INCÊNDIO
RESOLUÇÃO
Sumário
I - A forma como se encontra redigido o art. 1044º aponta no sentido de que a regra é a responsabilização do inquilino, salvo se ele provar que a perda ou deterioração não resulta de causa que lhe seja imputável, nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização. E o princípio enunciado neste normativo segue de perto a orientação do art. 799º do CC. II - Nos termos do art. 1038º, al. i) o inquilino está obrigado a entregar a coisa locada findo o contrato. Se há perda ou deterioração tem ele de provar que não teve culpa, pelo menos. III - Não provando o arrendatário que o incêndio causador das deteriorações ocorreu sem culpa sua, devendo-se a caso fortuito ou de força maior, situações em que o risco corre por conta do locador, ou a qualquer causa que lhe seja alheia, responde pela perda ou deteriorações no locado. IV - E, sendo as deteriorações consideráveis e não consentidas, o senhorio pode com tal fundamento resolver o contrato, nos termos do artigo 64º nº 1 al. d) do RAU. V - Não é lícito distinguir - para afastar a presunção - entre a responsabilidade civil pela reparação dos danos causados e a causa resolutiva de arrendamento. Num e noutro caso a presunção tem o efeito de imputar ao locatário a causa da deterioração e, consequentemente, no plano contratual, é inarredável o direito do locador resolver o contrato. F.G.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório: J, intentou, em 2 de Dezembro de 2003, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa acção de despejo contra E, alegando, em síntese, que foi celebrado um contrato de arrendamento em 23 de Agosto de 1949, com O, o qual faleceu, tendo ficado no locado a Ré. Que nele deflagrou um incêndio, em 15 de Agosto de 2003, de que resultou a perda total do locado e consequente caducidade do contrato de arrendamento. Não se entendendo que a perda foi total, têm de considerar-se consideráveis os danos causados no locado.
Terminou pedindo que fosse declarada a caducidade do contrato de arrendamento por perda total do locado ou, caso se entenda que a perda foi parcial, a resolução do contrato de arrendamento, com o consequente despejo do locado, pedindo ainda a condenação da Ré no pagamento da quantia a liquidar a título de indemnização pelos danos causados no locado e no prédio, não inferiores a € 25.000.
A ré contestou. Impugnou a factualidade constante da petição inicial, alegando que a deflagração do incêndio teve origem num curto-circuito e que não houve perda total ou parcial do locado, no qual continua a residir. Em sede de reconvenção pediu a condenação do autor no pagamento da quantia de € 25.000, valor estimado pelo autor para fazer face às despesas que os danos ocorridos provocaram.
Na réplica o autor respondeu à matéria de excepção e impugnou a matéria da reconvenção.
Tendo falecido o autor João Pedro de Freitas na pendência da causa, foram habilitados os seus herdeiros (…) para com eles prosseguirem os termos da acção.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e o pedido reconvencional improcedente e, em consequência:
a) declarou a resolução do contrato de arrendamento inerente ao 2.° andar direito do prédio n.° 2, sito na Rua 21, do Bairro de Alvalade, freguesia do Campo Grande, actualmente Rua Acácio Paiva, freguesia de S. João de Brito, em Lisboa;
b) condenou a Ré E a entregar aos autores (…) a referida fracção, livre e devoluta de pessoas e bens;
c) condenou a ré no pagamento aos autores, a título de indemnização, de quantia a liquidar até ao limite de € 25.000 pelos prejuízos decorrentes do incêndio que ocorreu na referida fracção e correspondente à parte dos danos não coberta pela indemnização decorrente do contrato de seguro;
d) absolveu os autores, do pedido reconvencional.
Inconformada, apelou a ré.
Alegou e, no final, formulou a seguinte síntese conclusiva:
1ª Os Recorridos deram de arrendamento para habitação à Ré o 2° andar (…), sito na Rua 21 do Bairro de Alvalade, actualmente Rua Acácio Paiva.
2ª No dia 15 de Agosto de 2003, pelas 4 horas e 30 minutos da madrugada, deflagrou um incêndio no referido prédio urbano.
3ª O mesmo sofreu inúmeros danos materiais, descritos e provados nos autos, sendo certo que a reparação do locado está estimada em cerca de € 25.000,00.
4ª O primeiro pedido deduzido pelos Recorridos traduzia-se na declaração de caducidade do contrato de arrendamento em virtude de perda total do imóvel locado, o qual foi julgado improcedente, uma vez que efectivamente e, em nosso entendimento, não houve perda total do locado. Isto porque,
5ª O imóvel continua a poder assegurar o fim a que se destina, continua a assegurar condições de habitabilidade para que a R. e o seu filho continuem a ter no imóvel a sua residência habitual.
6ª Quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento, começou o Tribunal a que por analisar o disposto no artigo 1044° do CC, o qual estabelece, desde logo, uma presunção legal de culpa sobre o locatário, neste caso a Recorrente.
7ª Neste artigo o legislador entendeu estabelecer uma presunção juris tantum, de culpa, por parte do locatário, no sentido de ser ele a responder pela perda ou deterioração da coisa, invertendo desta forma o ónus da prova, sendo certo que a presunção admite contraprova e prova do contrário.
8ª As presunções são ilações que o legislador retira de um facto conhecido para concluir outro desconhecido e, tal ilação resulta e funda-se nas regras práticas da experiência. Ora, pelas regras da experiência quem utiliza uma coisa em princípio será causador ou responsável pela sua deterioração. Pelo que,
9ª O locatário, ora Recorrente, terá de afastar a presunção de culpa, terá de demonstrar que a perda do locado se deve a outra razão que não por sua culpa, não exigindo a lei que alegue e prove a causa da perda.
10ª Os Recorridos, além de gozarem da referida presunção, alegaram ainda que o incêndio teve origem em velas, que alguém que habita no andar descrito teria deixado acesas e que atearam o fogo. Uma vez que não lograram provar tal facto, o mesmo foi levado à Base Instrutória, como quesito 11°, o qual foi considerado não provado.
11ª Ou seja a locatária, ora Recorrente, ilidiu a presunção legal de culpa que recaía sobre si, uma vez que provou que a causa do incêndio não lhe é imputável.
12ª O que a lei exige é que o locatário faça prova da sua "inocência", isto é que consiga demonstrar que não teve culpa na causa, motivo e origem da perda. E só isso! A lei não exige que o locatário faça prova da causa da perda mas, tão-somente, que ilida a presunção, afastando a culpa que a lei presume em relação ao locatário, ora Recorrente.
13ª Não ficou provada a causa do incêndio "...terá se ser considerada como desconhecida a causa do incêndio". Ora, se não ficou provada a causa do incêndio, e se a Recorrente fez prova que o incêndio não deflagrou em virtude de velas deixadas acesas no locado afastou a sua culpa.
14ª O que a lei exige é que o locatário prove, invertendo assim o ónus da prova, que a causa do incêndio não lhe é imputável, pelo contrário não exige que prove a causa da perda ou deterioração. Caso contrário, estaríamos perante uma dupla inversão do ónus da prova, o que de todo não corresponde nem à letra nem ao espírito da lei.
15ª Não podemos esquecer que as presunções têm carácter excepcional, são exactamente derrogações ao princípio geral da distribuição do ónus da prova, de acordo com o qual quem alega um facto terá de fazer prova do direito constitutivo desse facto. E,
16ª Não se diga que a impossibilidade de apurar a origem do incêndio se deveu à actuação ilícita da Recorrente, isto porque apenas resultou como provado que a Ré, ora Recorrente, efectuou limpezas que impediram o perito de analisar todos os elementos que estiveram na origem do incêndio (quesito 16° da Base Instrutória). Todavia,
17ª A Recorrente efectivamente procedeu a limpezas, mas estas destinaram-se apenas a permitir que a Ré, ora Recorrente, e o seu filho, continuassem a poder permanecer no locado. Não resulta de todo provado dos autos que a actuação daquela foi ilícita ou culposa no que respeita às limpezas efectuadas, nunca com o objectivo de impedir que se apurasse a origem do incêndio.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
Houve contra alegação, na qual os autores pugnaram, no essencial, pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. Fundamentos: 2.1. De facto:
Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos:
a) Por contrato de arrendamento, celebrado em 23 de Agosto de 1949, os então proprietários, (…), deram de arrendamento a O, para habitação, o 2. ° andar direito do prédio, sito na Rua 21 do Bairro de Alvalade, freguesia do Campo Grande, actualmente Rua Acácio Paiva, freguesia de S. João de Brito, em Lisboa (A).
b) O referido arrendamento foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início no dia 1 de Outubro de 1949, sucessivamente renovado por iguais períodos (B).
c) A renda mensal era, no início do arrendamento, de 855$00, sendo actualmente de 64,66 € (C).
d) O Autor é actualmente comproprietário do imóvel (D).
e) O faleceu há cerca de 4 anos, tendo ficado a habitar o referido a Ré (E).
f) Em 15 de Agosto de 2003, pelas 4 horas e 30 minutos da madrugada, deflagrou um incêndio no referido 2.° andar direito (F).
g) O Autor, em consequência do incêndio, mandou efectuar, por um perito, um relatório técnico (G).
h) Como resultado do incêndio verificou-se a destruição de todo o recheio da sala onde o incêndio deflagrou, com danos produzidos ao nível das respectivas alvenarias, especialmente paredes, bem como portas e uma janela totalmente consumidas pelas chamas (H).
i) Verificou-se, igualmente, a destruição do hall de entrada, adjacente à divisão onde teve início o incêndio, com as carpintarias consumidas pelo fogo e danos ao nível do reboco e estuque das paredes e tecto ( I).
j) Do referido incêndio resultou, ainda, a destruição do recheio e pinturas das paredes e tectos de todo o andar, pelo negro de fumo libertado e pela elevada temperatura registada (J).
k) Foram, ainda, produzidos danos na fachada do prédio que dá para a Rua Acácio Paiva e em estores do 3.° andar direito imediatamente superior, enquanto no 1.° andar direito abaixo se registaram infiltrações provocadas pela água utilizada na extinção do incêndio (K).
l) Verificou-se, igualmente, a destruição do sistema eléctrico do referido 2° andar direito (L).
m) A reparação do locado vai custar cerca de 25.000,00 € (M).
n) O locado tem água (3º e 13º).
o) A Ré, passados mais de três meses sobre a ocorrência do incêndio, não iniciou a reparação dos danos (5º).
p) Em consequência da água utilizada pelos bombeiros no combate ao incêndio, toda a madeira, especialmente do chão do 2.° andar direito, sofreu danos que terão de ser reparados (6º).
q) A Ré e o filho, aí dormem, aí tomam as suas refeições, aí recebem os seus amigos (12º).
r) A Ré efectuou limpezas e removeu destroços que impediram o perito de analisar todos os elementos que podiam esclarecer a origem do incêndio (16º).
s) Por óbito de J, ocorrido em 15 de Junho de 2005, (…), foram habilitados herdeiros (…), por sentença datada de 25 de Outubro de 2005, constante do Apenso A.
2.2. De direito:
Como é sabido, são as conclusões da alegação da apelante que delimitam o objecto do recurso (artigos 684 nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil).
Em face destas colocam-se como questões essenciais a decidir neste recurso saber se, tendo ocorrido a perda parcial do locado e devendo considerar-se as deteriorações nele verificadas consideráveis em consequência do incêndio ocorrido em 15 de Agosto de 2003, a ré, ora apelante, logrou provar que estas lhe não são imputáveis ou, pelo contrário, sendo-lhe imputáveis por aplicação do disposto no artigo 1044º do Código Civil, podem as mesmas integrar a causa de resolução do contrato prevista na al. d) do nº 1 do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro.
Não existe controvérsia nos autos sobre a natureza jurídica do contrato invocado como causa de pedir. Trata-se de um contrato de arrendamento urbano para habitação, atenta a noção inserta nos artigos 1022° e 1023° do Código Civil e no artigo 1° do Regime do Arrendamento Urbano, doravante designado por RAU.
O contrato de arrendamento impõe ao locatário, entre outras consignadas na lei, a obrigação de não fazer do locado uma utilização imprudente (artigo 1038º al. d) do Código Civil). Sobre o mesmo impende a especial obrigação de manter e restituir o locado no estado em que o recebeu, presumindo-se que este lhe foi entregue em bom estado de manutenção (artigo 1043º do Código Civil).
A lei consente, porém, as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, ou seja, os estragos decorrentes de uma prudente e normal utilização do locado de acordo com a finalidade a que destina e, bem assim, as pequenas deteriorações que se tornem necessárias para assegurar o conforto ou comodidade do locatário, devendo estas últimas, embora lícitas, ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, se não houver estipulação em contrário (artigos 1043º do Código Civil e 4º do RAU).
À luz do quadro legal vigente o arrendatário não pode fazer outras deteriorações para além das referidas e responde, de acordo com o disposto no artigo 1044º do Código Civil, pela perda ou deteriorações do arrendado que vão além daquelas, que são excepcionais, “salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dele”.
O arrendatário é, por conseguinte, responsável pela perda ou deteriorações do arrendado a não ser que prove que a causa daquelas lhe não é imputável, nem a terceiro a quem tenha facultado o seu gozo.
Segundo P. Lima e A. Varela, esta opção do legislador, que se desvia do regime geral do ónus da prova, justifica-se “…se atendermos a que o locatário é um possuidor precário, em nome alheio; ele sabe que a coisa não é sua. Note-se, aliás, que a expressão imputável ao locatário ou a terceiro, usada no artigo 1044º, significa apenas devida a facto do locatário ou de terceiro, pois não é necessário que haja culpa do locatário na perda ou deterioração da coisa; basta que elas sejam devidas ao locatário ou a qualquer pessoa a quem ele tenha autorizado a utilização”(1), estabelecendo como que uma espécie de responsabilidade objectiva.
Deste entendimento discordou, designadamente, o Acórdão do STJ, de 15.02.01, cuja doutrina se acolhe, no qual se afirmou que “O que está em discussão na questão em apreço não é a responsabilidade objectiva, porque se não sabe qual foi a causa do incêndio, mas a de saber a quem incumbe o ónus de prova da causa de perda ou destruição. E, neste aspecto, a forma como se encontra redigido o art. 1044º aponta no sentido de que a regra é a responsabilização do inquilino, salvo se ele provar que a perda ou deterioração não resulta de causa que lhe seja imputável, nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização. E o princípio enunciado neste normativo segue de perto a orientação do art. 799º do CC, nos termos do qual incumbe ao devedor provar que o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, porque se não fizer essa prova positiva de que não tem culpa, vigora o art. 798º que dispõe: «o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor». Nos termos do art. 1038º, al. i) o inquilino está obrigado a entregar a coisa locada findo o contrato. Se há perda ou deterioração tem ele de provar que não teve culpa, pelo menos”(2).
Assim, caso a perda ou deteriorações do arrendado não caiam na previsão dos artigos 1043º do Código Civil e 4º do RAU e sejam, portanto, ilícitas, a lei considera que são imputáveis a actuação do arrendatário, mesmo que praticadas por terceiro a quem tenha consentido a utilização do mesmo, cabendo-lhe provar que a perda ou as deteriorações ocorreram sem culpa sua.
Não provando o arrendatário que o incêndio causador das deteriorações ocorreu sem culpa sua, devendo-se a caso fortuito ou de força maior, situações em que o risco corre por conta do locador, ou a qualquer causa que lhe seja alheia, responde pela perda ou deteriorações no locado. E, sendo as deteriorações consideráveis e não consentidas, o senhorio pode com tal fundamento resolver o contrato, nos termos do artigo 64º nº 1 al. d) do RAU, o qual estabelece que é permitido ao senhorio resolver o contrato se o arrendatário “… praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043º do Código Civil ou 4º do presente diploma”.
Seguindo a doutrina do Acórdão do STJ, de 26.01.2006, que decidiu questão idêntica, entende-se que “não é lícito distinguir - para afastar aquela presunção - entre a responsabilidade civil pela reparação dos danos causados e a causa resolutiva de arrendamento. Com efeito, num e noutro caso a presunção tem o efeito de imputar ao locatário a causa da deterioração e, consequentemente, no plano contratual, é inarredável o direito do locador resolver o contrato.
Na verdade, estando o gozo do imóvel arrendado - o que naturalmente inclui o seu uso e fruição - na titularidade do locatário, não pode deixar de ser-lhe imputadas as vicissitudes que porventura venha a sofrer”(3).
A redacção daquele preceito no sentido de ser necessário para a resolução do contrato o arrendatário praticar actos que causem deteriorações consideráveis no arrendado não afasta este entendimento, podendo abranger tanto os actos positivos, como os actos negativos, já que também estes envolvem uma acção (comportamento).
Note-se também que a obrigação de o arrendatário reparar as deteriorações apenas aquando da restituição do locado ao senhorio se limita às deteriorações lícitas previstas no artigo 4º do RAU, sendo possível exigir a reparação das deteriorações que não caiam naquela previsão legal antes da cessação do contrato, sem embargo do direito à resolução do mesmo se as deteriorações forem consideráveis.
No caso, provou-se que no dia 15 de Agosto de 2003, pelas 4 horas e 30 minutos da madrugada, deflagrou um incêndio no locado - 2. ° andar direito do prédio n.º 2, sito na actual Rua Acácio Paiva, freguesia de S. João de Brito, em Lisboa
Em resultado do incêndio verificou-se a destruição de todo o recheio da sala onde o mesmo deflagrou, com danos produzidos ao nível das respectivas alvenarias, especialmente paredes, bem como portas e uma janela totalmente consumidas pelas chamas. Verificou-se, igualmente, a destruição do hall de entrada, adjacente à divisão onde teve início o incêndio, com as carpintarias consumidas pelo fogo e danos ao nível do reboco e estuque das paredes e tecto, bem como a destruição do recheio e pinturas das paredes e tectos de todo o andar, pelo negro do fumo libertado e pela elevada temperatura registada. O sistema eléctrico do referido 2° andar direito ficou ainda destruído e, em consequência da água utilizada pelos bombeiros no combate ao incêndio, toda a madeira, especialmente do chão do 2. ° andar direito, sofreu danos que terão de ser reparados.
A reparação do locado vai custar cerca de 25.000,00 €.
Foram, ainda, produzidos danos na fachada do prédio que dá para a Rua Acácio Paiva, e em estores do 3. ° andar direito imediatamente superior, enquanto no 1.° andar direito abaixo se registaram infiltrações provocadas pela água utilizada na extinção do incêndio.
Na ausência de critérios legais que facilitem a caracterização do que se entende por deterioração considerável para efeitos de resolução do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 64° n° 1, alínea d) do RAU, tem de considerar-se que a apreciação deve ser casuística e norteada por critérios de razoabilidade que possibilitem, até onde possível, o equilíbrio entre os interesses do senhorio e do inquilino(4).
Ora, em face do quadro factual traçado, que não sofreu qualquer impugnação das partes, os estragos resultantes do incêndio ocorrido no andar arrendado à ré, apelante, têm de qualificar-se, num juízo de razoabilidade, como consideráveis, não só pela extensão da destruição ao nível das madeiras, reboco e estuque das paredes e soalho, mas também pela destruição do sistema eléctrico que priva o andar arrendado de um equipamento que, objectivamente, constitui nos dias de hoje um requisito essencial e indispensável a qualquer habitação.
E a ré, ao contrário do que sustenta na sua alegação de recurso, não logrou demonstrar, como lhe competia, que o incêndio lhe não é imputável.
Da circunstância de não ter resultado provado que o incêndio teve origem em velas acesas no locado, tese defendida pelo autor, ou em curto-circuito, tese sustentada pela ré, extrai-se apenas que não ficou apurada qual a causa concreta do mesmo, não podendo concluir-se, como concluiu a ré, que a falta de prova de que este não teve origem em velas acesas no andar arrendado é bastante para se ter por ilidida a presunção de imputabilidade contida no artigo 1044º do Código Civil. Aliás, as limpezas e remoção de destroços efectuadas pela ré impediram o perito de analisar todos os elementos que podiam esclarecer a origem do incêndio e, porventura, evitar o recurso, sempre indesejável, à presunção de imputabilidade referida.
Sendo assim, tem de concluir-se pela procedência da acção nos termos em que foi julgada pela sentença recorrida, incluindo o segmento condenatório relativo à indemnização pelos danos, merecendo a mesma confirmação.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação da apelante, na totalidade.
3. Decisão: Assim, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pela apelante.
27 de Setembro de 2007
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes) – vencido nos termos da declaração que junta.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Resulta dos autos não ter havido fundamento para a extinção do contrato de arrendamento, por caducidade, dado não se ter verificado a perda da coisa locada, em consequência do incêndio.
Por outro lado, também não existe fundamento para a resolução do contrato, por efeito do disposto na alínea d) do n.° 1 do art.° 64.° do RAU.
Efectivamente, se é certo que a arrendatária é responsável pela reparação das deteriorações causadas no prédio arrendado pelo incêndio, por efeito da presunção (não ilidida) prevista no art.° 1044.° do Código Civil, já não lhe é imputável qualquer facto ilícito susceptível de justificar a resolução do contrato.
Diferentemente, está a admitir-se a resolução do contrato baseada em mero facto objectivo, alheio á vontade do respectivo contraente.
Este sentido, porém, não se harmonizando com o efeito associado à resolução do contrato e, também, com o fim pretendido assegurar com a norma plasmada na alínea d) do n.° 1 do art.° 64.º do RAU, é juridicamente inaceitável.
Por este motivo, exposto de forma sintética, votei vencido o acórdão, porquanto, concedendo provimento à apelação, absolveria a Ré do pedido formulado na acção.
(Olindo dos Santos Geraldes)
_________________________________
1 - In Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 381.
2 - In CJ/STJ, Ano IX, Tomo I, pág.121.
3 - Disponível em www.dgsi.pt/jstj, Processo: 05B2346.
4 - Cfr. Acórdão do STJ de 15.03.2003, acessível em em www.dgsi.pt/jstj, Processo: 03A2583.