SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CISÃO DE SOCIEDADES
FUSÃO DE EMPRESAS
Sumário

I - A cisão-fusão opera-se mediante o destaque de parte do património da sociedade cindida para a sociedade incorporante
II - Não ocorrendo a extinção da sociedade cindida e só sendo transmitida para a sociedade beneficiária uma parte dos bens daquela, eventualmente acompanhados de parte das suas dívidas, está excluído que deva ter lugar a suspensão da instância (ex vi da al. a) do nº 1 do art. 276º do CPC).
III - Se o direito litigioso figura no elenco dos bens da sociedade cindida transmitidos à sociedade beneficiária ou no conjunto dos débitos que acompanharam esses bens, nem por isso a sociedade cindida deixa de ter legitimidade para a causa, enquanto a sociedade beneficiária não for, por meio do incidente de habilitação especialmente regulado no art. 376º do CPC, admitida a substituí-la (art. 271º-1 do CPC).
F.G.

Texto Integral

Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA:
Inconformado com a decisão que, na acção declarativa de condenação intentada por A contra, entre outros Réus, BANCO, S.A., decidiu não admitir a intervenção nos autos do BANCO B S.A. (Sociedade Aberta) – nem do respectivo mandatário constituído -, como sucessor do primitivo Réu, o BANCO S.A. interpôs recurso da mesma, que foi recebido como de agravo, para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
“A) O processo de fusão de sociedades comerciais, nem sempre determina a extinção das sociedades fusionadas, nomeadamente quando tal fusão não for total, como é o caso da cisão parcial /fusão, através da qual há uma parte de determinada sociedade, que é cindida dessa mesma sociedade e posteriormente objecto de fusão numa outra nova ou préexistente, como resultado do processo de fusão.
B) Nos casos de Cisão parcial. ou por destaque/Fusão, a sociedade cindida continua a existir, sendo apenas fusionada na outra ou outras sociedades a parte cindida, pelo que a tais casos, aplica-se-lhes com as necessárias adaptações o regime previsto para a fusão de sociedades, pois que se tratam das designadas "operações assimiladas à fusão".
C) A lei processual aplicável, não determina para que haja substituição da parte, que esta se extinga, como erradamente se pretende na decisão recorrida, mas antes e apenas que a mesma seja objecto de processo de fusão, e é certo que a lei não distingue, se tal cisão/fusão é total, se parcial (cisão por destaque /fusão) como é o caso dos presentes autos.
D) No caso de fusão (aí se incluindo os casos de cisão/fusão – porque de operações assimiladas à fusão se tratam) de pessoa colectiva ou sociedade, parte na causa, a instância não se suspende, apenas se efectuando, se for necessário a substituição dos seus representantes.
E) O indeferimento da substituição da parte por via do processo de cisão/fusão enunciado, da parte cindida do Banco, S.A. no Banco B, SGPS, que deu origem ao actual banco B, S.A, salvo o devido respeito, não encontra fundamento nos factos nem lei – maxime os arts. 118°, 120°, 128° todos do CSC, e 274° n° 2 do CPC, que de resto viola de forma reiterada.
Termos em que, Com o douto suprimento de V. Exas deve a decisão agravada, ser Revogada, admitindo-se a requerida substituição do primitivo Réu, pelo actual Banco BPI, S.A, com os legais efeitos como é de esperada JUSTIÇA”.

A parte contrária não apresentou, tempestivamente, contra-alegações.

A Exmª Sra. Juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, no qual manteve inalterado o despacho objecto do presente recurso de agravo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A DECISÃO RECORRIDA
O despacho que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor :
“A Fls. 1623 foi formulado requerimento pelo Banco B, S.A. (Sociedade Aberta), alegando ter essa sociedade resultado da "(...) alteração de denominação do B – SGPS, S.A., que incorporou por fusão, o Banco B, SA, e por cisão fusão, o Banco, SA, tudo factos já sujeitos a registo e publicações legais (...)".
Juntou cópia da certidão emitida pela 1.° secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto relativa às inscrições respeitantes à Matrícula n.° 35.619/811.023, referente ao "Banco B S.A.".
Mais juntou procuração passada pelo Banco B S.A. a favor do subscritor do requerimento, o sr. Dr. J.
Nada sendo requerido a Fls. 1623, e limitando-se o subscritor da mesma a consignar a alteração da denominação da sociedade que incorporou por cisão – fusão a Ré Banco S.A., não viu a secção necessidade de sujeitar essa comunicação a apreciação do Juiz, conduta que não merece censura (art.°s 276 °, n.° 2, 161 °, n.° 1 e 2, do C.P.C.)
Por despacho de Fls. 1719 o Tribunal decidiu oficiosamente, e alertado pelo Procedimento Cautelar que descera a esta instância, averiguar o teor da alegada alteração de denominação social e incorporação por cisão – fusão da Ré Banco S.A., e deste modo apreciar a regularidade da intervenção processual do Banco B S.A. (Sociedade Aberta).
Nessa sequência foram juntos aos autos certidões da C.R.C. relativas à matrícula n.° 35.619/811.023, respeitante à Sociedade "Banco B S.A." (Fls. 1710 a 1797), e à matrícula n.° 52.258/951.130, respeitante à sociedade "Banco, S.A," (Fls. 1798 a 1808), e certidão da escritura lavrada em 19/12/2002 no 4.° Cartório Notarial do Porto (Fls. 1810 a 1827).
Da análise desses elementos resulta que por Apresentação 15/021220 foi registada junto da 2° secção da C.R.C. do Porto (Matrícula n.° 52.258/951.130) a cisão – fusão com destaque de parte do património da sociedade cindida para a sociedade incorporante, sendo sociedade incorporante "B. SGPS, S.A.", e sociedade cindida o "Banco Português de Investimento S.A", com redução do capital e alteração do artigo 4°.
Por seu lado da escritura pública que serviu de base a essa inscrição consta a declaração dos aí outorgantes de que procedem à "(...) cisão – fusão da sociedade B. (sociedade cindida), por incorporação de duas unidades económicas no património do B SGPS (Sociedade incorporante), e consequente redução do capital social da sociedade incorporada, nos seguintes termos:
a) – Destaque de duas unidades económicas cuja enumeração completa dos bens a transmitir é descrita nos anexos a esta escritura, com indicação dos respectivos valores, aí se fazendo a sua discriminação, conforme segue:
I – Conjunto patrimonial composto pelas participações sociais a destacar – Anexo 1;
II – Conjunto de activos e passivos afectos às funções de banco comercial presentemente desempanhados pelo B (Anexos 2, 3 e 4), no qual se inclui:
A transmissão dos bens do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo e do passivo que integram a referida unidade económica a cindir do B (anexo 2);
A transmissão dos trabalhadores afectos às unidades económicas a cindir do B (...); Todos os créditos hipotecários e todos os restantes créditos caucionados ou não do B sobre os trabalhadores constantes do anexo 3 (...)."
Apurados os factos impõe-se enquadrá-los juridicamente.
Dispõe o artigo 118.° , n.° 1, do Cód. Soc. Comerciais, que é permitido a uma sociedade:
a) destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade;
b) dissolver-se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinada a constituir uma nova sociedade;
c) destacar partes do seu património ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separados por idênticos processos e com igual finalidade.
Ora a cisão operada integra a previsão da alínea c) da norma acima citada, qualificando-se assim de cisão – fusão.
Como tal a "(...) sociedade cindida subsiste e só parte dos seus bens, eventualmente acompanhados de parte das suas dívidas é transmitida para a sociedade beneficiária." (in Raúl Ventura, "Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades", 1990, pág. 367).
Não tendo havido extinção da sociedade cindida, a Ré Banco Português de Investimento S.A., inexiste fundamento legal para a considerar substituída pela sociedade Banco B, S.A. como se de simples alteração de denominação na sequência de fusão se tratasse.
Aliás assim o considerou o Tribunal da Relação de Lisboa, embora limitando a sua pronúncia à questão da representação judiciária.
Nestes termos não se admite a intervenção nestes autos do Banco BPI S.A., nem do respectivo mandatário.
Não assumindo o Banco B S.A. a qualidade de parte não pode ser condenado como litigante de má fé, instituto só aplicável às partes (art.°s 456.° a 459.° e 268.°, C.P.C), ficando deste modo prejudicada a apreciação do pedido de condenação nesse sentido formulado pelo Autor.
No entanto o Banco B S.A. é responsável pelas custas do incidente anómalo a que deu azo, que se fixam em 10 unidades de conta.
Notifique, e oportunamente desentranhe o requerimento de Fls. 1623, e documentos que o acompanhavam, bem como dos demais requerimentos formulados por esta sociedade, e entregue-os ao apresentante.”.
O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º)(3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo ora Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma única questão: a de saber se o preceito do artigo 276º-2 do C.P.C., que, em caso de transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade, parte na causa, determina que se não suspenda a instância, apenas se efectuando, se tal for necessário, a substituição dos representantes, também é aplicável àquela modalidade de cisão-fusão de sociedades em que a sociedade cindida subsiste e só uma parte dos seus bens, acompanhada ou não de parte das suas dívidas, é transmitida para a sociedade incorporante.

FACTOS PROVADOS

Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo:
1) A acção declarativa de condenação que constitui o processo principal foi intentada por A contra, entre outros Réus, a sociedade BANCO S.A.;
2) O contrato de sociedade do BANCO S.A. foi registado, na Conservatória do Registo Comercial do Porto, em 30 de Novembro de 1995;
3) Em 12 de Setembro de 2002, foi registado, naquela Conservatória, o facto seguinte: "Projecto de cisão-fusão sob condição. Modalidade: destaque de parte do património da sociedade cindida para a sociedade incorporante. Sociedade incorporante: B-SGPS, S.A., com sede da Rua Tenente Valadim, 284, Porto. Sociedade Cindida: a própria sociedade. Alterações projectadas na incorporante: nenhuma Alterações projectadas na cindida: redução de capital em 155 180 000,00 € e alteração do artº 4º . Condições: a) que na mesma data ocorra a incorporação do "Banco BPI, S.A." com sede na Rua Sá da Bandeira, 20, Porto, na sociedade "B, SGPS, S.A.", com sede na Rua Tenente Valadim, 284, Porto e transformação desta em Banco com a simultânea alteração do objecto; b) prévio registo comercial da fusão por incorporação da "B Dealer – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A., com sede na Rua Tenente Valadim, 284, Porto, no "Banco, S.A.", com sede na Rua Tenente Valadim, 284, Porto ";
4) Em 20 de Dezembro de 2002, foi registado, na mesma Conservatória, o facto seguinte: "Cisão - Fusão com verificação da condição. Modalidade: destaque de parte do património da sociedade cindida para a sociedade incorporante. Sociedade incorporante: "B. SGPS, S.A.". Sociedade cindida: a própria, com a seguinte alteração: redução do capital e alteração do art° 4°. Capital: Euros 20.000.000,00, representado por 4.000.000 acções como valor nominal de € 5,00 cada uma ".
5) Da escritura pública que serviu de base a essa inscrição consta a declaração dos aí outorgantes de que procedem à "(...) cisão – fusão da sociedade B. (sociedade cindida), por incorporação de duas unidades económicas no património do B SGPS (Sociedade incorporante), e consequente redução do capital social da sociedade incorporada, nos seguintes termos:
a) – Destaque de duas unidades económicas cuja enumeração completa dos bens a transmitir é descrita nos anexos a esta escritura, com indicação dos respectivos valores, aí se fazendo a sua discriminação, conforme segue:
I – Conjunto patrimonial composto pelas participações sociais a destacar – Anexo 1;
II – Conjunto de activos e passivos afectos às funções de banco comercial presentemente desempenhados pelo BPI (Anexos 2, 3 e 4), no qual se inclui:
A transmissão dos bens do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo e do passivo que integram a referida unidade económica a cindir do B (anexo 2);
A transmissão dos trabalhadores afectos às unidades económicas a cindir do B (...);
Todos os créditos hipotecários e todos os restantes créditos caucionados ou não do BPI sobre os trabalhadores constantes do anexo 3 (...)."
6) Posteriormente, a sociedade "B SGPS, S.A." alterou a sua denominação para “Banco B, S.A.”.
O MÉRITO DO AGRAVO
O preceito do artigo 276º-2 do C.P.C. - que determina que, em caso de transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade, parte na causa, não se suspenda a instância, apenas se efectuando, se tal for necessário, a substituição dos representantes - também se aplica àquela modalidade de cisão-fusão de sociedades em que a sociedade cindida subsiste e só uma parte dos seus bens, acompanhada ou não de parte das suas dívidas, é transmitida para a sociedade incorporante ?
«Constituindo a personalidade judiciária da parte principal um pressuposto processual (geral e de cada acto processual […]), o seu termo, por falecimento da pessoa física ou extinção da pessoa colectiva (…) implica, com a excepção consignada no art. 162º CSC [Código das Sociedades Comerciais] (continuação da acção mediante substituição da sociedade pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários), a suspensão da instância até que se considerem habilitados os sucessores (art. 284º-1-a) ou a herança jacente (arts. 6º-a e 375º-4)» (5)(6).
Efectivamente, dispõe o art. 276º, nº 1 al. a), do C.P.C. que a instância se suspende “quando falecer ou se extinguir alguma das partes ” (7). O falecimento visa o caso de as partes serem pessoas físicas [ou singulares], a extinção o caso de serem pessoas colectivas.
«Se for parte na causa uma pessoa colectiva, que se extinga na pendência dele, a instância há-de suspender-se para poder habilitar-se o respectivo sucessor»(8). «A razão é a mesma que no caso de falecimento [de pessoa singular] : não é admissível que uma acção prossiga em nome ou contra pessoa colectiva que já não existe»(9). «Propôs-se, por exemplo, acção contra determinada sociedade comercial; no curso da causa a sociedade dissolve-se; o facto da dissolução importa a suspensão da instância até que se habilitem o sucessor ou sucessores da sociedade extinta, a fim de contra eles prosseguir a acção»(10).
Porém, o nº 2 do mesmo art. 276º distingue, da extinção, a “transformação” e a “fusão” de pessoa colectiva. Assim, «se em vez de extinção da pessoa colectiva, parte na causa, se verificar apenas a sua fusão ou transformação, a instância não se suspende, pois que a pessoa colectiva continua a existir, posto que modificada; o que terá de operar-se é a substituição, no processo, dos representantes da parte, se a nova pessoa colectiva passar, em consequência da fusão ou transformação, a ser representada por indivíduos diferentes»(11) (cit. art. 276º-2).
É que, «no caso de transformação ou fusão de pessoa colectiva há, simultaneamente, a extinção da pessoa colectiva anterior e a criação de uma nova; segundo a regra da alínea a) do nº 1 [do art. 276º], aquela extinção deveria produzir a suspensão da instância»(12). «Todavia, a lei optou por outra solução tendo em vista que, materialmente, a anterior pessoa colectiva se mantém na transformada ou na resultante da fusão não sendo por isso o acontecimento suficientemente importante para fazer entrar a instância em crise»(13). «Nesta hipótese, o processo prossegue normalmente os seus termos, apenas se tornando necessário providenciar pela substituição dos representantes da pessoa colectiva, se for necessário, isto é, se não forem as mesmas pessoas os representantes da anterior e da actual pessoa colectiva»(14).
Temos, pois, que «transformação ou fusão duma sociedade que seja parte, não fazem suspender a instância e, portanto, não determinam o incidente de habilitação; unicamente, os representantes da sociedade transformada ou fundida, se passarem a ser outros, terão de renovar o mandato para patrocínio judiciário ou constituir novo patrono»(15), devendo o juiz «marcar-lhes prazo para isso, nos termos do artigo 40º [do CPC], se o não fizerem espontaneamente»(16).
transformação duma sociedade quando esta adopta um tipo diferente daquele que tem no momento da transformação.
Assim, as sociedades constituídas segundo um dos tipos enumerados no art. 1º, nº 2, do Cód. das Sociedades Comerciais (sociedade em nome colectivo, sociedade por quotas, sociedade anónima, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por acções) podem adoptar posteriormente um outro desses tipos, salvo proibição da lei ou do contrato (art. 120º, nº 1, do C.S.C.).
Por seu turno, as sociedades civis constituídas nos termos dos arts. 980º e seguintes do Código Civil podem, posteriormente, adoptar algum dos tipos enumerados no cit. art. 1º, nº 2, do CSC.
A transformação duma sociedade, nºs termos dos nºs 1 e 2 do cit. art. 120º do CSC, não importa a dissolução dela, salvo se assim for deliberado pelos sócios (nº 3 do mesmo preceito).
«Existem, pois, no CSC duas espécies ou modalidades de transformação, conforme a sua estrutura jurídica: numa modalidade – que a redacção do referido nº 3 mostra te sido considerada a normal – a transformação não provoca a dissolução (extinção) da sociedade e, portanto, a sociedade é a mesma, antes e depois da transformação; noutra modalidade – excepcional, pois não resulta directamente da lei, como a primeira, dependendo de deliberação dos sócios – a sociedade sujeita a transformação dissolve-se (extingue-se), nascendo uma nova sociedade e operando entre ambos um fenómeno de sucessão universal»(17).
Distinta da transformação é a cisão de sociedades. «A essência da fusão de sociedades consiste em juntar os elementos pessoais de duas ou mais sociedades preexistentes, de tal modo que passe a existir uma só sociedade»(18).
Segundo dispõe o art. 97º, nº 4, do CSC, a fusão pode realizar-se:
a) Mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas desta;
b) Mediante a constituição de uma nova sociedade, para a qual se transferem globalmente os patrimónios das sociedades fundidas, sendo aos sócios destas atribuídas partes, acções ou quotas da nova sociedade.
«Para que tal fenómeno [a fusão de sociedades] se produza é, por natureza, indispensável que algumas sociedades se extingam: ou todas, se do processo resultar uma nova sociedade, ou todas as participantes, menos uma»(19). De facto, o art. 112º do CSC explicita do seguinte modo os efeitos da fusão: extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade (al. a)); os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade (al. b)).
Diversa da transformação e da fusão é a cisão de sociedades.
O art. 118º, nº 1, do CSC enumera as seguintes modalidades de cisão:
«a) Destacar parte do património da sociedade para com ela constituir uma outra sociedade. A esta modalidade chamam os artigos seguintes [123º e 124º] cisão simples.
b) Dissolver-se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinadas a constituir uma nova sociedade. Esta modalidade é designada na lei [arts. 126º e 127º do CSC] por cisão-dissolução.
c) Destacar partes do seu património ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade»(20).
«Designa a lei [arts. 128º e 129º-1 do CSC] esta [última] modalidade por cisão-fusão, que pode decompor-se em várias sub-modalidades:
1) Destacar parte do património da sociedade, sem dissolução desta, para fundir essa parte com sociedade já existente;
2) Destacar parte do património da sociedade, sem dissolução desta, para a fundir com parte do património de outra ou outras sociedades, separada por idêntico processo e com igual finalidade;
3) Dividir o património, dissolvendo-se a sociedade, em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes;
4) Dividir o património, dissolvendo-se a sociedade, em duas ou mais partes, para as fundir com partes do património de outras sociedades separadas por idêntico processo e com igual finalidade»(21).
Atendendo ao modo como a operação incide no património da sociedade que se cinde e, muito em particular, nas suas repercussões na estrutura dessa mesma sociedade, a principal distinção a fazer é entre cisão total e cisão parcial(22).
«Assim, na cisão total o património da sociedade é dividido e transmitido, na sua totalidade, a duas ou mais sociedades beneficiárias»(23). «Em resultado do desaparecimento do seu substrato patrimonial, a sociedade cindida extingue-se e os seus sócios recebem, em troca da participação que nela detinham, participações proporcionais nas sociedades beneficiárias»(24).
«Diversamente, na cisão parcial a transmissão é limitada a parte do património da sociedade e opera em favor de uma ou mais sociedades beneficiárias, participando os sócios da sociedade que se cinde proporcionalmente no capital destas»(25). «A realização da cisão parcial não põe assim em causa a existência da sociedade cindida, que prossegue a sua actividade com o património remanescente; pode, quando muito, implicar uma redução do seu capital»(26).
No caso dos autos, é patente que a cisão de que foi objecto a sociedade Ré no processo principal “BANCO S.A.”, operada em 20 de Dezembro de 2002 com a inscrição no registo da escritura pública dita de “cisão-fusão” (nos termos do art. 112º do CSC, aplicável à cisão por remissão do art. 120º do mesmo diploma), se integra na modalidade designada pela lei de cisão-fusão e prevista na al. c) do cit. art. 118º, nº 1, do CSC.
Efectivamente, a cisão operou-se mediante o destaque de parte do património da sociedade cindida (“BANCO S.A.”) para a sociedade incorporante ("B. SGPS, S.A."), nos seguintes termos:
a) – Destaque de duas unidades económicas cuja enumeração completa dos bens a transmitir é descrita nos anexos à escritura de cisão-fusão, com indicação dos respectivos valores, aí se fazendo a sua discriminação, conforme segue:
I – Conjunto patrimonial composto pelas participações sociais a destacar – Anexo 1;
II – Conjunto de activos e passivos afectos às funções de banco comercial presentemente desempenhados pelo BPI (Anexos 2, 3 e 4), no qual se inclui:
A transmissão dos bens do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo e do passivo que integram a referida unidade económica a cindir do B (anexo 2);
A transmissão dos trabalhadores afectos às unidades económicas a cindir do BPI (...);
Todos os créditos hipotecários e todos os restantes créditos caucionados ou não do BPI sobre os trabalhadores constantes do anexo 3 (...).
Ora, se, quanto àquelas modalidades de cisão que dão lugar à extinção da sociedade cindida (art. 118º, nº 1, alínea b) e parte da sua alínea c)), «é defensável que a suspensão da instância [ex vi da al. a) do nº 1 do art. 276º do CPC] não deva ter lugar, por via de interpretação extensiva do preceito do nº 2 [do mesmo art. 276º], fundada no art. 120º do CSC»(27), o problema coloca-se em termos radicalmente distintos naqueloutras modalidades de cisão em que a sociedade cindida continua a existir.
Nestas outras modalidades, não ocorrendo a extinção da sociedade cindida e só sendo transmitida para a sociedade beneficiária uma parte dos bens daquela, eventualmente acompanhados de parte das suas dívidas, está, evidentemente, excluído que deva ter lugar a suspensão da instância (ex vi da al. a) do nº 1 do art. 276º do CPC). E, se, porventura, o direito litigioso figura no elenco dos bens da sociedade cindida transmitidos à sociedade beneficiária ou no conjunto dos débitos que acompanharam esses bens, nem por isso a sociedade cindida deixa de ter legitimidade para a causa, enquanto a sociedade beneficiária não for, por meio do incidente de habilitação especialmente regulado no art. 376º do CPC, admitida a substituí-la (art. 271º-1 do CPC).
De facto, «utilizando (…) o conceito de legitimidade em sentido diverso do que está hoje consagrado no art. 26º-3, o nº 1 [do cit. art. 271º do CPC] mantém a legitimidade do transmitente até que o adquirente seja julgado habilitado»(28). «Trata-se duma consequência [inelutável] do carácter facultativo da habilitação por transmissão entre vivos (art. 376º-2 do CPC), inverso ao carácter obrigatório da habilitação em virtude de sucessão por morte ou extinção (arts. 278º e 284º-1-a))»(29).
Consequentemente, no caso dos autos, ainda mesmo que a situação litigiosa figure no elenco dos bens da sociedade cindida (“BANCO, S.A.”) transmitidos para a sociedade incorporante ("B.SGPS, S.A.", actualmente denominada “Banco B S.A. [Sociedade Aberta]”), aquela continua a ter legitimidade para a causa enquanto a segunda não for, por meio do incidente de habilitação especialmente regulado no art. 376º do CPC, admitida a substituí-la (cfr. o cit. art. 271º-1 do CPC).
Nada há, pois, a censurar ao despacho recorrido, ao não ter admitido a intervenção nos autos do BANCO BPI, S.A. (Sociedade Aberta) – nem do respectivo mandatário constituído -, como sucessor do primitivo Réu BANCO S.A.
O agravo não merece, pois, provimento.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao presente recurso de Agravo, mantendo consequentemente inalterada a decisão recorrida.
Custas do agravo a cargo do ora Agravante (art. 446º, nºs 1 e 2, do CPC).
Lisboa, 2/10/2007
Rui Torres Vouga (Relator)
José Gabriel Pereira da Silva (1º Adjunto)
Maria do Rosário Barbosa (2º Adjunto)
____________________________
1 - Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
2 - Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 - O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 - A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
5 - LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 1999, p. 494.
6 - «A ideia geral é a de que, em caso de morte (ou extinção de pessoa colectiva), a lei pretende que o processo não continue nem finde sem que se dê a habilitação, condição da regularidade do mesmo processo; [diversamente] em caso de transmissão entre vivos [do direito litigioso], a lei permite a habilitação, mas se ela se não fizer nem por isso o processo correrá menos regularmente até final» (CASTRO MENDES in “Direito Processual Civil”, II, 1980, p. 237.).
7 - «As partes a que o texto [legal] se refere são manifestamente as partes principais – o autor e o réu, no processo de declaração, o exequente e o executado, no processo de execução» (ALBERTO DOS REIS in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1946, p. 233). «Se falecer [ou se extinguir] pessoa que seja parte acessória na causa, o falecimento [ou a extinção] não importa a suspensão da instância» (ibidem).
8 - ALBERTO DOS REIS in “Comentário ao Código de Processo Civil” cit., vol. 3º cit., pp. 238-239.
9 - ALBERTO DOS REIS in “Comentário ao Código de Processo Civil” cit., vol. 3º cit., p. 239.
10 - ALBERTO DOS REIS, ibidem.
11 - ALBERTO DOS REIS, ibidem.
12 - ARY ELIAS DA COSTA – FERNANDO DA SILVA COSTA – JOÃO FIGUEIREDO DE SOUSA in “Código de Processo Civil Anotado e Comentado”, 3º Vol., 1974, p. 455.
13 - ARY ELIAS DA COSTA – FERNANDO DA SILVA COSTA – JOÃO FIGUEIREDO DE SOUSA in ob. e vol. citt., pp. 455-456.
14 - ARY ELIAS DA COSTA – FERNANDO DA SILVA COSTA – JOÃO FIGUEIREDO DE SOUSA in ob. cit., p. 456.
15 - EURICO LOPES CARDOSO in “Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil”, 1992, p. 302.
16 - EURICO LOPES CARDOSO, ibidem.
17 - RAÚL VENTURA in “Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades”, 1990, p. 417.
18 - RAÚL VENTURA in “Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades” cit., pp. 14-15.
19 - RAÚL VENTURA in “Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades” cit., p. 15.
20 - RAÚL VENTURA in “Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades” cit., p. 336.
21 - RAÚL VENTURA in “Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades” cit., pp. 336-337.
22 - Cfr., neste sentido, JOANA VASCONCELOS in “A Cisão de Sociedades”, 2001, p. 21.
23 - JOANA VASCONCELOS, ibidem.
24 - JOANA VASCONCELOS, ibidem.
25 - JOANA VASCONCELOS, ibidem.
26 - JOANA VASCONCELOS, ibidem.
27 - LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 495 in fine.
28 - LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 481.
29 - LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.