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OMISSÃO DE AUXÍLIO
Sumário
O dever de auxílio só é exigível quando está em causa uma grave necessidade que torne imperioso esse auxílio e que, nomeadamente, seja provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum que ponha em perigo a vida, a saúde, integridade física ou liberdade de outrem. A violação do dever de solidariedade que comporta o dever de prestar auxílio só constitui crime se houver grave necessidade e só se verifica uma situação de grave necessidade se houver sinais exteriores que levem qualquer pessoa a concluir que o ofendido necessita de ser socorrido sob pena de as consequências, para ele serem graves. Quem está lesionado sem afectação da sua capacidade de trabalho não está, manifestamente, numa situação de grave necessidade nos termos definidos supra.
Texto Integral
1. – No âmbito do inquérito 1007/04.4GCALM, desencadeado mediante queixa de P. e no qual foram constituídos arguidos J. e A., o Ministério Público deduziu despacho de arquivamento considerando não haver indícios da prática dos crimes de ofensa à integridade física simples do art. 143º, nº 1, do crime de ameaças do art. 153º, nº 1, do crime de dano do art. 212º, nº 1 e do crime d furto do art. 203º, nº 1 todos do C. Penal.
P. que se constituiu assistente requereu abertura de instrução e pediu a pronúncia de J. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples do citado art. 143º, nº 1 e de um crime de omissão de auxílio do art. 200º também do C. Penal.
Veio a ser proferida decisão instrutória que não pronunciou o arguido J. por este crime de omissão de auxílio e o pronunciou pelo crime de ofensa à integridade física simples.
A assistente recorreu concluindo, em síntese, utilmente, na sua motivação que:
- Foi agredida e depois abandonada pelo arguido;
- Na sequência da queixa o arguido confessou os factos;
- Foi cometido o crime de omissão de auxílio do art. 200º, nºs 1 e 2 do C. Penal.
O magistrado do Ministério Público apresentou resposta defendendo a improcedência do recurso.
Neste Tribunal, a Sra. procuradora-geral adjunta deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Cumprido o art. 417º, nº 2 CPP não houve resposta.
Foram colhidos os vistos.
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2. – A recorrente no seu requerimento de abertura de instrução enunciou, e bem, os factos que considerava que deveriam ter sido objecto de acusação. O certo é deles não constam quaisquer uns que, quer do ponto de vista objectivo quer do ponto de vista subjectivo, permitissem vir a ter por indiciado o crime de omissão de auxílio.
Só isso se seria o suficiente para que o juiz de instrução não pudesse levar em consideração a eventual pronuncia por esse crime.
Para além disso, como refere o despacho recorrido para que se tenha como preenchido o tipo legal de crime de omissão de auxílio é necessário algo (muito) mais do que a situação descrita pela assistente ao longo do processo.
O acento tónico, o suporte da incriminação, está no dever de auxílio que repousa em exigências indeclináveis de solidarismo e se funda de um ponto de vista ontológico na compreensão do homem como um “ser - com os outros” e um “ser para - os outros” como se defende no Acórdão do STJ de 90.3.7 citando-se a propósito o ensinamento de Figueiredo Dias (na RLJ 116º-53).
Bem se compreende nesta medida que o dever de auxílio só seja exigível quando está em causa uma grave necessidade que torne imperioso esse auxílio e que, nomeadamente, seja provocada por desastre acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum que ponha em perigo a vida, a saúde, integridade física ou liberdade de outrem.
Segundo o “Comentário Conimbricense do C. Penal”, Coimbra Editora, tomo I, p. 849, (citado, aliás, no despacho recorrido) “o conceito de ‘grave necessidade’ significa e exige que se trate de um risco ou perigo eminente de lesão substancial (grave)” dos bens jurídicos que se visam proteger: vida, integridade física e liberdade.
Segundo o Ac. STJ de 96.12.5 (BMJ 462-170) “ a expressão ‘grave necessidade’ não respeita à gravidade das consequências do acidente, calamidade, etc. mas às condições anormais em que surge a violação dos bens eminentemente pessoais do ofendido…”
Para o Ac. Rel Porto de 2005.05.18 (CJ 3/05-203) a violação do dever de solidariedade que comporta o dever de prestar auxílio só constitui crime se houver grave necessidade e só se verifica uma situação de grave necessidade e houver sinais exteriores que levem qualquer pessoa a concluir que o ofendido necessita de ser socorrido sob pena de as consequências, para ele serem graves.
É evidente que não foi o que se passou no caso presente.
Como resulta do que os autos indiciam e do que consta da pronúncia o arguido bateu na assistente e causou-lhe lesões que foram causa de doença por três dias “sem afectação da capacidade de trabalho em geral”.
Ora, quem está lesionado sem afectação da sua capacidade de trabalho não está, manifestamente, numa situação de grave necessidade nos termos definidos supra.
De resto como ela própria deu conta (cfr queixa em 2004.09.30), após a agressão de que foi alvo a assistente fugiu, passou pela PSP sem apresentar queixa e foi ao hospital no dia seguinte (o que a documentação clínica comprova).
O que confirma que as lesões sofridas não a colocaram sequer em situação de ter de receber com brevidade tratamento hospitalar.
Deste modo, é patente que se não mostra indiciada uma situação que permita ter por preenchido o crime de omissão de auxílio.
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3. – Pelo exposto decide-se negar provimento ao recurso.
Pagará a recorrente 4 UC’s de taxa de justiça.