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JOGO CLANDESTINO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
CONSTITUCIONALIDADE
CONDIÇÃO
ARGUIDO
DIREITO A RESERVA SOBRE A INTIMIDADE
RECURSO
Sumário
1 - Para o efeito de incriminação, por jogo ilícito, face ao art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, a diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos radica quer na temática do jogo quer na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar. Tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar. Contudo, é de atentar sempre que o não pagamento de qualquer tipo de prémio não afasta só por si a incriminação. 2 - Assim, a incriminação por jogo ilícito persiste, de igual modo, no caso de uma máquina que desenvolva quatro jogos de funcionamento em tudo análogo ao poker, e ao black jack 21, embora não atribua qualquer prémio, nem em dinheiro, nem em espécie, pois a ela subjaz o critério do tema (fortuna ou azar). Os jogos enumerados nos art. 4º e 161º nº 3 do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro apenas podem ser explorados em casinos (art. 3º). E, nesse elenco, encontra-se quer o “poker”, quer o “black jack 21”, jogos típicos de fortuna ou azar, explorados em casinos, e que o Estado quis chamar a si o monopólio sobre os mesmos. Assim, porque o tema dos jogos é, de facto, próprio dos de fortuna ou azar, a imputação criminal não pode deixar de operar. E, por isso, máquinas que desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar constituem sempre crime, independentemente do pagamento de prémio. 3 - Quanto à exploração de máquinas de jogos que, não sendo próprios (a sua temática) de jogos de fortuna ou azar mas que atribuam prémio em dinheiro, ou convertíveis em dinheiro, constituiu igualmente crime, nunca podendo constituir modalidade afim, porque o art. 161º nº 3, na sua parte final, expressamente os exclui ao referir que as modalidades afins de jogos de fortuna ou azar não podem desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (e exemplifica), nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos. Também, nesse sentido, a alínea f) do art. 4º o estabelece, dizendo que constituem jogos de fortuna ou azar os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas. 4 - Uma máquina de jogo com afectação inicial a modalidades afins de jogo de fortuna ou azar, mas que tenha nela incorporado um jogo de fortuna e azar não pode ser permitida, não sendo por acontecer poder ter em funcionamento também um jogo de modalidade afim que passará a não ser criminalmente ilícito o seu uso e exploração. 5 - Não é inconstitucional nem viola as regras de concorrência protegidas pela legislação comunitária e muito menos quaisquer decisões do TJCE, o monopólio (exclusividade) da promoção de jogos de fortuna e azar como aquele de que, aparentemente, desfruta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A detenção e exploração de máquinas com jogos de fortuna ou azar é ainda permitida em várias regiões da U.E. 6 - No ordenamento jurídico interno português faz-se regulação expressa sobre a questão das máquinas de jogos com apontamento claro das razões pelas quais se criou uma situação que pode caracterizar-se como de monopólio, em virtude de se haver pretendido controlar o mercado do jogo, justificado “num país como Portugal, em que, nas décadas de 80 e seguintes, houve necessidade de regular esse mercado, por forma a evitar a ruína de muitos cidadãos”. 7 - A factualidade dada como provada e relativa às condições pessoais (sócio-económicas do arguido) reportada a convicção formada pelo julgador na decorrência de perguntas em audiência feitas em violação da reserva da intimidade só poderia ser impugnada (de facto) em recurso se a prova em audiência tivesse sido documentada, documentação essa que fora, no entanto, prescindida. 8 - O interrogatório sobre tal matéria constituiria invasão de privacidade apenas se não tivesse sido consentida pelo visado. Estando o arguido informado formalmente do seu direito a poder reservar-se ao silêncio nos termos do art. 61º, n.º 1, al. c) do Cod. Penal e tendo optado por prestar voluntariamente declarações sobre essa matéria e com consciência do que se visava com tal, não podia invocar depois em via de recurso ter havido violação daquela reserva de intimidade pois que, se entendia que as questões postas a violavam, tinha sempre a seu favor a opção pelo uso da alternativa de ficar calado, postura essa que nunca poderia ser-lhe desfavorável*.
* Sumário da autoria do relator.
Texto Integral
ACORDAM EM AUDIÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL)
I-RELATÓRIO
1.1- No procº comum supra identificado ( e apensos em conexão) foi proferida a seguinte decisão final após audiência de julgamento:
“III. DISPOSITIVO
Por todo o exposto, este Tribunal decide julgar as acusações do Ministério Público procedentes, por provadas, e em consequência:
a) CONDENA o arguido (J) pela prática de cinco crimes de jogo ilícito, p.p. art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, pelos quais vinha acusado, na pena para cada um dos ilícitos de multa de 150 dias à razão diária de €5, totalizando cada uma das multas €750, e na pena de prisão de 5 meses, substituída por multa de 150 dias à razão diária de €5, totalizando a multa €750;
b) Efectuando o cúmulo jurídico, atenta a diferente natureza das penas CONDENA o arguido (J) na pena ÚNICA de multa de 500 dias à razão diária de €5, totalizando a multa €2500, e na pena de prisão de 1 ano e 4 meses, suspensa na sua execução pelo período de dois anos;
c) CONDENA o arguido (F) pela prática do crime de jogo ilícito, p.p. art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, pelo qual vinha acusado, na pena de multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando €600, e na pena de prisão de 4 meses, substituída por multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando a multa €600;
d) CONDENA o arguido (A) pela prática do crime de jogo ilícito, p.p. art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, pelo qual vinha acusado, na pena de multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando €600, e na pena de prisão de 4 meses, substituída por multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando a multa €600;
e) CONDENA o arguido(E) pela prática do crime de jogo ilícito, p.p. art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, pelo qual vinha acusada, na pena de multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando €600, e na pena de prisão de 4 meses, substituída por multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando a multa €600;
f) CONDENA o arguido (P) pela prática do crime de jogo ilícito, p.p. art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, pelo qual vinha acusado, na pena de multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando €600, e na pena de prisão de 4 meses, substituída por multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando a multa €600;
g) CONDENA o arguido (M) pela prática do crime de jogo ilícito, p.p. art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, pelo qual vinha acusado, na pena de multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando €600, e na pena de prisão de 4 meses, substituída por multa de 120 dias à razão diária de €5, totalizando a multa €600;
h) CONDENA, ainda, os arguidos no pagamento de 4 UC de taxa de justiça (atento o trabalho e tempo dispendido, assim como a situação económica dos condenados), em procuradoria de ¼ de taxa de justiça, acrescida de 1% para o Fundo de Apoio à Vítima, nos termos do art. 13º nº3 do DL nº 423/91, de 30/10, e nas custas do processo (art. 514º,1 CPP).
***
Determino a destruição do material de jogo apreendido, e que foi objecto de exame pericial, nos termos do art. 116º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro.
Declaro perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido.
(…)”
1.2- Apenas o arguido (J) recorreu desta decisão para este Tribunal da Relação. Apresenta as seguintes conclusões de recurso:
“
1) Primo e desde logo, a não obstante operosa e sapiente sentença apelada enferma involuntariamente de um gravíssimo lapso capaz de a comprometer de raiz e que radica quanto ao recorrente (J) na circunstância nela mencionada de o CRC deste anotar um delito em processo da mesma espécie do presente mas ainda não transitado;
2) Secundo e a despeito de estar enraizado nas praxes legais e jurisprudenciais desde tempos imemoriais , o interrogatório em audiência de discussão e julgamento sobre as condições económicas e sociais dos recorrentes revela-se sumamente inconstitucional por violação do seu direito fundamental à reserva pessoal da intimidade";
3) O n° 2 do artigo 4100 do Código de Processo Penal consagra o recurso com fundamento em qualquer das suas alíneas conjugadas com o aresto e as regras da experiência comum [ crendo-se que associadas mormente às presunções do artigo 349º do Código Civil e aos factos notórios do n° 1 do artigo 5140 do CPC.
4) Ora e como resulta das datas dos autos, as máquinas destes são antigas e sabe-se que não funcionavam senão por um sistema informático que, conhecendo contínuos desenvolvimentos tecnológicos, as iam tornando medievais e ele próprio se mostrava permeável aos habituais cortes de tensão eléctrica, pelo que
5) Merece crédito a versão alegada e testemunhada com o depoimento de um técnico de electrónica por parte dos recorrentes no sentido de que tais máquinas foram importadas com os jogos em causa e depois adaptadas à nossa legislação para o competente e existente licenciamento, mas a todo o momento desprogramavam e obrigavam a reiniciar o processo;
6) Sin embargo, a própria senhora juíza a quo reconhece que mesmo à época essas máquinas não davam dinheiro aos utentes [ e aos comerciantes apenas lucros minúsculos e risíveis e ainda por cima divisíveis por 2 ] e a lei aplicável ao caso é má e de difícil compreensão e por isso tem ocasionado posições doutrinárias e sentenças antitéticas entre si;
7) Ora, os recorrentes só têm a instrução elementar, pelo que e sem obrigação em contrário não possuem conhecimentos científicos para dominarem o sistema informático sensível e volátil que presidia às máquinas que eles apenas sabiam licenciadas e muito menos para interpretarem uma lei tão arrevesada e sobre a qual nem os juristas se entendem;
8) Não provocaram prejuízos a quem quer que fosse e se isso tivesse acontecido sê-lo-ia contra as suas fundadas expectativas ( cfr. o nº 2 do artigo 2350 do Código Penal );
9) Do exposto se segue não parecer estarmos perante máquinas de fortuna e muito menos de azar, face à sua evidente função de mero lazer descontraído em cafés de aldeia mediante a introdução de uma simples moeda de 50 cêntimos;
10) O que se afigura justo concluir é que os recorrentes agiram ao menos putativamente na convicção de estarem a actuar em conformidade legal, não devendo poder ver, as suas condutas consideradas ilícitas de um ponto de vista jurídico-penal, embora os seus comportamentos possam abstracta e eventualmente preencher um tipo legal de crime em sentido estrito;
11) Com efeito, tudo se conjuga aqui para que a sentença encontre o seu fundamento no direito e não apenas na lei, fazendo actuar causas de exclusão da ilicitude [ e da culpa ], tomando como ponto de referência os nºs 1 e 2 [ cuja enunciação não é definitiva ] do artigo 31º do Código Penal;
12) Aliás e com o devido respeito, o entendimento vertido em contrário no douto aresta parece violar elementares princípios constitucionais e até comunitários quanto ao monopólio por parte da Santa Casa;
13) Afigura-se que os jogos dos autos estão nos antípodas dos dos casinos e no limite apenas devem ser tidos como afins dos de fortuna e azar e daí como meras contra-ordenações, segundo a previsão do ° 1 do artigo 1590 do Decreto-Lei n° 422/89 de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n° 10/95 de 19 de Janeiro, que por sinal a acusação nem sequer referiu e
14) Os recorrentes devem ser absolvidos, pois assim se cumpre o direito e assim se faz justiça e sendo certo não obstante e de qualquer modo também parecer ter sido infringido o princípio constitucional da proporcionalidade quanto aos montantes das penas, tratando-se como se trata de cidadãos já com idades apreciáveis e que exibem inveterados comportamentos cívicos irrepreensíveis.
Nestes termos e nos restantes de direito e invocando o sapiente suprimento, tendo em conta o citado corpo do nº 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal e as suas alíneas e os falados pontos de facto menos correctamente apreciados e as normas jurídicas tidas por violadas e de igual modo atrás objecto de citação com o sentido com que devem ser aplicadas e sobretudo a ponderação da falta de consciência da ilicitude e de culpa, deve a nem por isso menos digna e nobre sentença ser revogada e substituída por outra que nos apontados moldes absolva os recorrentes, como é de direito.”
1.3- O MºPº na 1ª instância respondeu dizendo, em síntese:
“1. O recorrente não respeitou as formalidades do recurso, nomeadamente as previstas no art. 412º, n.º 2 do CPP, devendo, por isso, o mesmo ser liminarmente rejeitado.
2. Não existe qualquer violação de norma constitucional na sentença condenatória,
3. A decisão recorrida não padece de qualquer erro notório na apreciação da prova.
4. O arguido já tinha, à data da prolação de sentença, antecedentes criminais por factos análogos.
5. A justificação dada pela testemunha (D), em sede de audiência de discussão e julgamento, para o facto de as máquinas apreendidas nestes autos está gravada e a mesma não é credível, razoável, nem isenta, visto ser trabalhador do recorrente, o qual tem sobre o mesmo algum ascendente.
6.O Recorrente é comerciante e dedica-se à venda de máquinas de jogo há mais de 20 anos.
7. Em face da sua experiência profissional é óbvio que conhece bem as máquinas e respectivo funcionamento e bem sabia que as mesmas continham os jogos constantes da factualidade assente na sentença condenatória, bem como que não podia colocá-las em exploração fora dos locais legalmente aptos para o efeito, designadamente em cafés, como ocorreu no caso em apreço.
8. Não existe qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa que permita a sua absolvição.
10. Os tipos de jogos desenvolvidos pelas máquinas apreendidas nos autos são próprios de Casino.
11. A subsunção jurídica feita pela Mma Juiz do Tribunal “ a quo” para o caso em apreço foi feita correctamente.
12. Deve, por isso, a sentença condenatória ser mantida, nos seus precisos termos.”
1.4- Remetido o recurso a esta Relação e após o MºPº ( em vista nos termos do artº 416º do CPP) relegar a sua opinião final para alegações em audiência, o Relator convidou o recorrente a aperfeiçoar o mesmo e esclarecendo se o fazia também quanto à matéria de facto ( havia dúvidas sobre tal ) e com referência aos suportes técnicos ( artº 412º do CPP).
Na altura, por lapso manifesto, partira-se precipitadamente do pressuposto em como a prova oral produzida em julgamento fora gravada mas, agora, apercebemo-nos que tal não aconteceu e que, tal como se pode ler do texto da acta de audiência, se havia prescindido no respectivo início da documentação da prova.
No entanto, em resposta ao convite, e no que dela se lê mostrar-se útil e pertinente, veio o recorrente dizer tratar-se apenas de recurso em matéria de direito sem prejuízo das referências às regras da experiência (artº 410º nº 2 do CPP) e às arguições de inconstitucionalidade aludidas ( monopólio de jogos pela Sta Casa da Misericórdia e reserva de intimidade pessoal do arguido por ter sido sujeito no interrogatório a perguntas sobre a sua condição económica e social ) na peça alegatória inicial ( porém, sem alusão concreta dos preceitos alegadamente violados).
1.5- Designou-se então data de audiência e cumpriu-se a abertura dos vistos legais.
Cumpre conhecer e decidir.
II- CONHECENDO
2.1-O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso , cfr se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.)
Isto, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP [1]
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida[2].
Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis no âmbito dos poderes desta Relação.
2.2-Estão em apreciação , em síntese, as seguintes questões:
a)- Relativamente à matéria de facto, saber se a factualidade relativa às condições pessoais se reporta a perguntas feitas em violação da reserva da intimidade do arguido recorrente, se pode ser impugnada nos termos em que o foi visto que não foi efectuada a gravação da prova e, independentemente disso, face à posição ulterior do recorrente no sentido de esclarecer que pretendia impugnar apenas de direito sem prejuízo da invocação de vícios da decisão nos termos do artº 410º do CPP.
b)- De direito, saber se estamos perante inconstitucionalidade relativa a eventual violação de proibição de regime de monopólio de jogos, se no caso concreto as máquinas apreendidas tinham ou não em funcionamento jogos de fortuna e azar e, finalmente, se a pena aplicada foi ou não proporcional.
2.3- Começando pela matéria de facto.
a)-Diremos de antemão que a mesma deve considerar-se fixada em definitivo.
Além de não haver sido impugnada com referência aos suportes técnicos nem com as especificações previstas nas alª b) e c) do nº 3 desse dispositivo processual também o seu controle pelo tribunal de recurso , visto constar da acta de audiência que a documentação foi prescindida ( sendo no entanto de estranhar que o MºPº nas suas contra-alegações refira a gravação das declarações de uma testemunha) se mostraria assim de todo impossível.
Sem prejuízo pois do artº 410º em matéria de vícios, então, face ao que se determina e prevê no artº 431º do CPP, a matéria de facto não pode ser modificada.
E como a questão do dolo e conhecimento do ilícito a ela se contém, então nada mais haverá que dizer sobre tal, não obstante a impugnação referenciada a esse nível pelo recorrente.
Fosse como fosse, e com aquela salvaguarda, o que é certo é que, após o convite dirigido ao recorrente para aperfeiçoar as alegações, este referiu estar em causa apenas impugnação de direito , nos termos que antes tivemos já oportunidade de salientar.
b)- Em matéria de vícios:
Vejamos em primeiro lugar o que se escreveu quanto aos fundamentos de facto na decisão recorrida.
“
I. FACTOS PROVADOS:
Em julgamento, e com interesse para a decisão da causa, ficou provado o seguinte:
1. O arguido (F) explora o estabelecimento comercial, denominado (BA), sito... , em área desta comarca;
2. O arguido (A) tinha, no café (X), sito na ..., Sesimbra;
3. A arguida (E) explora o café (CA), sito ..., em Sesimbra;
4. O arguido (A) explora o estabelecimento comercial (CB), sito ... Sesimbra;
5. A arguida (M) explora o estabelecimento comercial, denominado (TC), sito ..., em área desta comarca.
6. O arguido (J) é representante legal da empresa denominada “(Z), Lda”;
7. No exercício dessa actividade e, por acordo verbal, com o arguido (J), fornecedor de máquinas de jogos, passaram os arguidos a manter no seu estabelecimento para utilização pública, desde data concretamente não apurada e até ao dia 1 de Fevereiro de 2005, uma máquina com as seguintes características: móvel de um só corpo, com estrutura metálica, dimensões aproximadas de 51 cm de largura x 40 cm de altura x 50 cm de fundo, de cor cinzenta e preta com frisos creme. A parte frontal é ocupada por um ecrã táctil com 28 cm de largura x 21 cm de altura e à direita deste está uma ranhura para a introdução da moeda;
8. As máquinas em apreço, em tudo similares, tinham um sistema de funcionamento como se fosse do tipo vídeo, com um ecrã táctil, em que o jogador, por toques com um dedo no ecrã, interage com a máquina, circunstância que dispensa a utilização de teclas e/ou botões;
9. Ligada a máquina à corrente eléctrica aparecem no ecrã vários ícones que permitem ao jogador optar por vários tipos de jogos de diversão e ainda pelos quatro seguintes “RF”, “(K)”, “(UC)” e “(RU)”;
10. Estes são jogos de cartas e os temas respectivos correspondem a lógicas de funcionamento que se passam a descrever:
I- No jogo designado “RF”, o ecrã apresenta uma figura geométrica quadrangular que ocupa mais de metade do seu lado esquerdo, cujos lados são divididos em cinco partes iguais ligadas por linhas paralelas entre si, de forma a criarem um conjunto de cinco fiadas de pequenos quadrados em disposição horizontal e outros tantos na vertical, os quais, preenchidos com cartas no decurso de jogo vão permitir formar mãos de poker, quer na horizontal, quer na vertical. No lado direito do ecrã aparece o plano de pagamento e as combinações premiadas, próprias do jogo de poker. O ecrã apresenta ainda a designação de “RF” e um baralho de cartas com uma ordenação inteiramente aleatória, que mostra sempre e apenas a primeira carta, a qual pode ser retirada digitalmente e colocada numa das fiadas de cinco quadrados, à escolha, com vista a conseguir uma combinação premiada. A operação repete-se para a ocupação dos quadrados disponíveis até ao seu total preenchimento. Se não for conseguida uma combinação premiada os pontos apostados são perdidos e descontados no respectivo visor. Se for conseguida uma combinação premiada então os pontos são creditados e acumulados aos demais existentes.
II- No jogo “(K)” começa-se por seleccionar uma stripper ou um stripper masculino. Em seguida aparece no lado esquerdo do ecrã a stripper seleccionada e à sua direita dois conjuntos de cinco cartas, bem como as palavras “hold” e “draw”. As cinco cartas do “dealer” permanecem fechadas e as cinco cartas do jogador aparecem abertas e então o jogador selecciona a ou as cartas que achar mais convenientes para formar uma combinação do jogo expressamente designado K, como: sequência real, sequência numérica, sequência de cor, fullen, trios, pares, etc.. Escolhidas as cartas a reter e tocando em “draw”, as cartas são substituídas por outras e a jogada decide-se, imediatamente, ao serem viradas as cartas da banca, fechadas. Se a combinação obtida pelo jogador for vencedora a stripper tira peças de roupa e são adicionados pontos ao “score”;
III- No “(RU)” aparecem cinco e quatro colunas, respectivamente e um baralho de cartas com uma ordenação inteiramente aleatória, que mostra sempre e apenas a primeira carta, a qual, o jogador coloca numa das colunas, na tentativa de, em cada coluna, obter o valor 21 ou o que sendo inferior mais se aproxime daquele. As cartas do baralho têm um valor numérico. O às vale 1 ou 11, as figuras valem 10 e as restantes o seu valor em face do número das respectivas pintas.
IV- No “(UC)”, a lógica de funcionamento é igual ao do “(RU)”, diferindo daquele apenas pelo facto das cartas serem representadas por símbolos”.
11. Estes tipos de jogo são em tudo semelhantes ao black jack 21 e ao poker dos casinos, em que o jogador não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o jogo e em que os resultados dependem única e exclusivamente da sua sorte;
12. Os arguidos exploravam directamente os jogos da máquina, deles obtendo proveito directo, em proporções iguais, sem estarem autorizados a explorar máquinas de fortuna ou azar;
13. Os arguidos representaram devidamente as regras dos jogos que exploravam e sabiam que o estabelecimento em causa não estava autorizado a explorar jogos de fortuna e de azar.
14. Agiram de modo livre e voluntário, com conhecimento de que as suas condutas não lhes eram permitidas por lei e constituía crime
15. No interior da máquina que se encontrava no estabelecimento do arguido (A) encontrava-se a quantia e €123, no da arguida (E) estava a quantia de €44 em moedas, no do arguido (P) encontrava-se cerca de €50, no da arguida (M), estavam cerca de € 17,00.
16. A acção de fiscalização foi efectuada no dia 1/2/2005 pelos agentes da Brigada Fiscal da GNR;
17. Havia ainda no estabelecimento comercial do arguido (F) um expositor contendo bolas de plástico em que cada moeda de €0,50 correspondia a um chocolate;
18. Todos os arguidos são comerciantes há diversos anos, sendo o arguido (P) há 8 anos e os demais há cerca de 20 anos.
19. O arguido (J) é comerciante, dedicando-se à venda de máquinas, auferindo mensalmente cerca de €750 a esse título;
20. Vive com a esposa e dois filhos maiores;
21. A esposa trabalha com ele e declara o ordenado mínimo nacional;
22. Tem dois filhos maiores, de 22 e 24 que trabalham na firma com o arguido;
23. Despende de pagamento mensal de crédito pessoal a quantia de €500;
24. Tem o 11º ano de escolaridade;
25. Do CRC do arguido consta declarada uma condenação transitada em julgado pela prática do crime de jogo ilícito em 80 dias de multa em substituição de prisão à razão diária de €5, e na multa de 80 dias à mesma razão diária;
26. O arguido (A) é casado, e ambos trabalham no estabelecimento comercial de sua pertença auferindo quantias concretamente não apuradas;
27. Tem duas filhas de 16 e de 8 anos partilhando as despesas das mesmas com a sua ex-mulher;
28. Tem o 11º ano de escolaridade;
29. Do CRC do arguido (P) nada consta declarado;
30. O arguido (F) é casado e ambos trabalham no estabelecimento comercial de sua pertença auferindo quantias concretamente não apuradas;
31. Tem dois filhos maiores que já não se encontram a seu cargo;
32. Despende de pagamento mensal de crédito pessoal a quantia de €600;
33. Tem a 4ª classe de escolaridade;
34. Do CRC do arguido (F) nada consta declarado;
35. A arguida (E) é comerciante por conta própria;
36. É divorciada e tem dois filhos de 16 e de 8 anos partilhando as despesas das mesmas com o seu ex-marido;
37. Despende a quantia mensal de €300 com o pagamento de empréstimo de aquisição de habitação;
38. Tem o 11º ano de escolaridade;
39. Do CRC da arguida (E) nada consta declarado;
40. O arguido (P) é comerciante e tem ainda um mini-mercado no qual trabalha conjuntamente com a sua esposa,
41. Tem dois filhos de 19 e 21 anos, os quais estudam, despendendo a quantia mensal de €370 para esse efeito;
42. Despende a quantia mensal de €380 com o pagamento de empréstimo de aquisição de habitação;
43. Tem a 4ª classe de escolaridade;
44. Do CRC do arguido (P) nada consta declarado;
45. A arguida (M) é comerciante e aufere mensalmente cerca de €650;
46. É casada sendo o seu marido industrial hoteleiro auferindo cerca de €1200/ €1500 mensais;
47. Tem dois filhos de 17 e 27 anos, os quais vivem com esta, estando a mais velha desempregada;
48. Despende a quantia mensal de €250 com o pagamento de renda de habitação;
49. Tem a 4ª classe de escolaridade;
50. Do CRC da arguida (M) nada consta declarado;
***
II. FACTOS NÃO PROVADOS:
Nenhum facto de relevante para a decisão da causa ficou por provar, excepto que as máquinas em apreço tenham desprogramado, fosse por bateria ou perda de tensão, e ao reiniciar tenha surgido com o programa inicial que continha os jogos em apreço.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A decisão sobre a matéria de facto supra indicada baseou-se, sobretudo, nas declarações dos arguidos quanto ao modo de funcionamento das máquinas e aos prémios.
Os arguidos quiseram veicular duas ideias, mas em nenhuma delas acreditou o Tribunal por não serem críveis e por haver elementos que as infirmavam. A primeira no sentido de nunca terem tido a curiosidade de saber que jogos tinham na máquina. E isso desde logo é estranho e desrazoável. É que não é normal que o dono de um estabelecimento não conheça o que tem no mesmo, incluindo a própria máquina, e por outro lado, um dos jogos, o strip poker, necessariamente dava nas vistas para um determinado público masculino. Aliás a arguida (M) foi aliás a única a admitir que os homens no seu estabelecimento comentavam o jogo, o que significa que este existia e não foi na situação esporádica do dia da fiscalização que ele estava em funcionamento. Em abono da verdade se diga que esta arguida foi a única cujas declarações foram inteiramente credíveis, e mais consentâneas com a realidade. Para prova das condições pessoais apenas as suas declarações relevaram, não se dando por provado o que os demais arguidos afirmaram que nesse particular chegaram ao absurdo de afirmar terem mais despesas que receitas.
O segundo aspecto que os arguidos quiseram fazer passar sem sucesso, residiu no facto de a máquina por vezes bloquear e reiniciar com novos jogos. Mas desde logo se estranhou esse facto, o que se tornava mais insólito quanto os arguidos não conhecendo os jogos pudessem de algum modo supor que reiniciava com novos jogos. No entanto, mesmo que esse conhecimento lhes tenha advindo posteriormente, por lhes ter sido dito, sempre o Tribunal formou a convicção contrária por dois motivos. Por um lado, a própria arguida admitiu por diversas vezes ouvir os homens comentar o strip poker, um dos jogos em apreço. Por ouro lado, mesmo que tendo sido aparentemente apagados dos discos (porque a maquina foi importada do estrangeiro), os jogos pudessem por qualquer motivo, ao reiniciar a máquina surgirem inesperadamente, a verdade é que isso teria sucedido na inspecção-geral de jogos aquando da emissão da primeira licença concedida. O arguido (J) foi claro em atestar que levou todas as máquinas para que lhes fossem concedidas licenças. E assim sendo, quando a máquina fosse posta em funcionamento necessariamente a Inspecção de Jogos daria por esse facto (porque a máquina se (re)iniciaria) e não deixaria incólume a conduta.
O funcionamento dos jogos, e o facto de o mesmo depender unicamente da sorte e não da perícia do jogador, e as suas semelhanças ao poker e ao black jack 21 foi claramente demonstrado pelo relatório de exame do jogo e confirmado pela testemunha G. Este explicou detalhadamente cada um dos jogos e por ele o Tribunal concluiu as semelhanças com o poker e com o black jack.
Os arguidos comerciantes há diversos anos, não obstante afirmarem desconhecer que a sua conduta era proibida sabiam, porque faz parte da sua profissão, que determinadas máquinas exigem licenças próprias (que fizeram questão de afirmar que tinham) e que outras não são passíveis de serem exploradas. E se a máquina em apreço continha jogos licenciados, outros já assim não sucedia, mas nunca os arguidos foram confirmar junto da lista das licenças (aliás caducas há algum tempo) se os jogos todos estavam autorizados.
Quanto aos antecedentes criminais relevou o CRC e para as condições pessoais as declarações dos arguidos na medida já referida.”
***
Lida e relida esta fundamentação de facto, não encontramos qualquer dos vícios entre os elencados no artº 410º do CPP. Do texto da decisão decorre uma preocupação patente em a ilustre julgadora explicar porque é que se convenceu pela forma como ali se delineou. E fá-lo, não temos dúvidas, de uma forma clara, objectiva, imparcial e que em nada fera as regras da experiência. Salienta as razões da falta de credibilidade das versões dos arguidos e muito bem. Não faz sentido, não é comum, recorrente ou frequente sequer que alguém com gestão ou domínio directo de um estabelecimento, visando lucros, não saiba, ignore ou sequer desconfie do valor e eficácia funcional do que contém no interior, nomeadamente quando se trate, como é o caso do recorrente, de máquinas de jogos com as características que ficaram esclarecidas documentalmente e em julgamento.
Quanto ao recorrente, acresce ainda a sua larga experiência e conhecimento de funcionamento das máquinas, pelo que vir alegar em seu favor a ignorância do que fazia em modo de via e perdoe-se-nos o plebeísmo, é no mínimo “querer tapar o sol com a peneira”
Alega o recorrente quanto à questão dos antecedentes criminais, que “Não podia a Mma Juiz “ a quo” dar como assente que o recorrente já tinha antecedentes criminais por factos análogos, sendo por isso reincidente, porquanto a sentença condenatória anterior ainda não transitara em julgado;”
O Tribunal “ a quo” deu como assente que o arguido já tinha antecedentes criminais por causa de factos idênticos .Do NUIPC 12/05.8FBSTB apenso aos presentes autos consta a fls.267 e segs o registo criminal do recorrente e do seu respectivo teor consta um antecedente criminal sobre factos idênticos. O registo é um documento com força probatória autêntica dos factos que atesta. Embora possa haver erros, mesmo nesta matéria, sucede que a experiência diz-nos que só são levadas ao registo criminal sentenças com nota de trânsito; as demais, ainda não transitadas e, por tal revestir eventualmente inutilidade, não são levadas ao registo criminal. Não padece, neste particular, a sentença condenatória de qualquer vicio que, pelo menos, se contenha em erro notório.
Quanto à avaliação do conhecimento de funcionamento das máquinas e dolo do recorrente, provou-se que este é comerciante e dedica-se à venda de máquinas de jogo há mais de 20 anos.
Em face da sua experiência profissional é óbvio que conhece bem as máquinas e respectivo funcionamento e bem sabia que as mesmas continham os jogos constantes da factualidade assente.
Muito estranho seria que andasse “enganado” sobre as características do produto que vendia ainda para mais sendo aquelas susceptíveis de assistência técnica periódica onde seguramente quaisquer anomalias relevantes como a desprogramação ou a repristinação de quaisquer jogos , ilícitos ou não, gravados originariamente em fundo ou background seriam facilmente detectados.
Portanto, não encontramos vícios que inquinem a decisão. Aliás, na verdade, o recorrente fala em vícios mas nem sequer se deu ao trabalho de apontar qual ou quais, talvez por distracção causada pela preocupação, a nosso ver desproporcional e com algum exagero, que parece ter tido com a “erudição” do discurso.
c)- Relativamente ao facto de se ter dado por assente matéria relativa às condições pessoais e económicas do arguido e o recorrente achar que tal é inconstitucional, sem referir a norma violada e o sentido em que tal violação ocorre, por visar matéria da sua intimidade, teremos que dizer apenas e sem rodeios que não passa, salvo devido respeito, de um absurdo, senão mesmo insólito, argumento sem fundamento.
O interrogatório sobre tal matéria constitui invasão de privacidade se não consentida pelo visado.
Por esse motivo, está legalmente prevista a hipótese de o arguido, caso assim o entenda, poder reservar-se ao silêncio, que é um direito que lhe assiste (cfr art. 61º, n.º 1, al. c) do Cod. Penal).
No caso ajuizado, o arguido ora recorrente foi advertido desse mesmo direito e mesmo assim, consentindo, pretendeu prestar declarações sobre a sua situação económica. Fê-lo voluntariamente e com consciência do que se visava com tal. Não pode vir agora invocar em seu benefício recursivo ter sido prejudicado com o que anuiu segundo postulados de legalidade que lhe foram devidamente explicados.
Se entendia que as questões postas violavam a sua intimidade, tinha uma solução que ninguém usaria contra si: a de ficar calado e não prestar quaisquer declarações.
Não ocorre, pois, qualquer violação de principio constitucional consagrado.
Por isso é que, em matéria de facto, nas afloradas questões de inconstitucionalidade e em matéria de vícios, não procedem os argumentos do recorrente.
2.4- Em matéria de direito: [ saber se estamos perante inconstitucionalidade relativa a eventual violação de proibição de regime de monopólio de jogos, se no caso concreto as máquinas apreendidas tinham ou não em funcionamento jogos de fortuna e azar e, finalmente, se a pena aplicada foi ou não proporcional]
a)- Da inconstitucionalidade das regras sobre monopólio de jogos a favor da Santa Casa da Misericórdia.
A questão fundamental subjacente a toda esta problemática pode enunciar-se desta forma simples e objectiva: nesta União Europeia que integramos, com toda a panóplia de regras e princípios que defendem e estimulam a concorrência, até que ponto é legítimo (e legal, face às normas de direito comunitário que protegem e estimulam esta) que existam privilégios (ou monopólios) de exclusividade na promoção de jogos de fortuna e azar como aquele de que, aparentemente, desfruta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Neste particular, embora se trate de questão sempre susceptível de melhor estudo e aprofundamento, o certo é que a detenção e exploração de máquinas como as dos presentes autos é permitida em várias regiões da U E e o recorrente não refere expressamente quais as normas comunitárias que versam sobre esta matéria e que em seu entender terão sido violadas.
No ordenamento jurídico interno português faz-se regulação expressa sobre a questão das máquinas de jogos com apontamento claro das razões pelas quais se criou uma situação que pode caracterizar-se como de monopólio, em virtude de se haver pretendido controlar o mercado do jogo.
Como bem se salienta ali e o relembra o MºPº, “ num país como Portugal, em que, nas décadas de 80 e seguintes, houve necessidade de regular esse mercado, por forma a evitar a ruína de muitos cidadãos”.
Não encontramos, logo por aqui, nenhuma inconstitucionalidade, a qual, aliás, a existir, o Recorrente não refere expressamente qual seja.
Aliás, esta questão na vertente lusa, foi também objecto de decisão por Acórdão do Tribunal de Justiça das CE de 11-09-2003, processo C-6/01. (Associação Nacional de Operadores de Máquinas Recreativas (Anomar) contra a República Portuguesa.) Decisão essa a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 2.° CE, 28.° CE, 29.° CE, 31.° CE e 49.° CE, e que se orientou no sentido de considerar que:
“Os jogos de fortuna ou azar constituem actividades económicas na acepção do artigo 2.° CE. A actividade de exploração de máquinas de jogos de fortuna ou azar, quer seja ou não dissociável das actividades relativas à produção, à importação e à distribuição dessas máquinas, deve receber a qualificação de actividade de serviços, na acepção do Tratado, e não pode, portanto, ser abrangida pelos artigos 28.° CE e 29.° CE, relativos à livre circulação de mercadorias.
Um monopólio de exploração de jogos de fortuna ou azar não se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 31.° CE.
Uma legislação nacional, como a legislação portuguesa, que limita a exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar às salas de casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei, e se aplica indistintamente a cidadãos nacionais e de outros Estados-Membros, constitui um entrave à livre prestação de serviços.
No entanto, os artigos 49.° CE e seguintes não se opõem a uma tal legislação nacional, tendo em conta as preocupações de política social e de prevenção da fraude nas quais se baseia.
A eventual existência, noutros Estados-Membros, de legislações que estabelecem condições de exploração e de prática dos jogos de fortuna ou azar menos restritivas do que as previstas pela legislação portuguesa não tem efeitos sobre a compatibilidade desta última com o direito comunitário.
No âmbito de uma legislação compatível com o Tratado CE, a escolha das modalidades de organização e de controlo das actividades de exploração e de prática dos jogos de fortuna ou azar, como a celebração com o Estado de um contrato administrativo de concessão ou a limitação da exploração e da prática de certos jogos aos locais devidamente autorizados para o efeito, incumbe às autoridades nacionais no quadro do seu poder de apreciação.”
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Posto isto, nem pela alegação de orientação jurisprudencial do TJCE se pode aconselhar definitivamente o recorrente para sustentar posição contrária pois a matéria parece ser controvertida e ainda não estabilizada ( tanto quanto conseguimos apurar até ao momento).
Em todo caso, não deixa de se salientar que a discussão se mantém em aberto e até tem sido alvo de acesa polémica ( sobretudo na sequência de casos julgados no TJCE sobre a legislação italiana de jogos de fortuna e azar- Acórdão Zenatti e do Acórdão Gambelli ) no âmbito da Comissão e também do Parlamento Europeu ( vide debate sobre a matéria[3] no PE em Estrasburgo - a 14.11.2006. e posições dos deputados Arlene McCarthy (PSE), Malcolm Harbour, em nome do Grupo PPE-DE, Donata Gottardi, em nome do Grupo PSE, Toine Manders, em nome do Grupo ALDE. – (NL)[4], entre outros e, ainda, de Charlie McCreevy, Membro da Comissão (EN) [5]
b)- Passando agora à questão de saber se, no caso concreto as máquinas apreendidas tinham ou não em funcionamento jogos de fortuna e azar cuja utilização seja qualificável como crime.
Na decisão recorrida lê-se: “
“Os arguidos vêm acusados da prática de um crime de jogo ilícito p.p. art. 108º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro.
O art. 115º do diploma referido, tem na sua epígrafe “Material de jogo”, sancionando aquele que sem autorização da inspecção geral de jogos transportar (entre outras condutas) material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à pratica dos jogos de fortuna e azar.
Dispõe o artigo 1º do diploma em apreço que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente pois assenta exclusiva ou fundamentalmente na sorte. ”O art. 3º, nº 1, preceitua que “a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes nas zonas de jogo permanentes ou temporárias, criadas por decreto-lei ou, em casos excepcionados nos artigos 6º a 8º“.
Tais casos excepcionados nos artigos 6º a 8º do referido diploma reportam-se à “exploração de jogos em percursos turísticos e aeroportos” e em “estabelecimentos hoteleiros ou complementares, em localidades em que a actividade turística seja predominante” sempre dependendo a respectiva exploração da concessão por parte do Governo, ouvida a Inspecção - Geral de Jogos e a Direcção Geral de Turismo. O artigo 8º refere-se ao “jogo do Bingo” a explorar nos termos de legislação especial.
Quanto ao artigo 4º, nº 1, alínea g), referindo-se aos tipos de jogos de fortuna e azar prevê que “nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar: jogos em máquinas que, não pagando directamente em fichas ou em moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”
Por fim, o artigo 108º, nº 1 do mesmo diploma pune quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados. Isto significa que a disciplina legal respeitante aos jogos pretendeu conciliar a vantagem de se conseguir receitas com utilidade social, explorando o jogo de fortuna e azar em moldes estritamente regulamentados, com a necessidade de impedir os efeitos socialmente perniciosos de uma liberalização de tais jogos.
Tem-se por actualmente assente que só nos jogos onde o factor da perícia do jogador intervém predominantemente, ou a par da sorte, é que se poderá considerar como afim do jogo de fortuna ou azar, e por isso sujeito à qualificação como mero ilícito de mera ordenação social (cfr.art.159º do Dec.Lei nº422/98, com a redacção que lhe foi conferida pelo Dec.lei nº10/95 de 19/01), pese embora, existisse como prémio de jogo uma "coisa com valor económico". O jogo não é de fortuna ou azar se o jogador puder, com a sua destreza e perícia, influenciar o respectivo resultado, cfr. Ac. da Relação do Porto, de 20/12/2000, in www.dgsi.pt.
Ainda assim, e a este respeito, sempre se dirá que o ganho ou perda económica não fazem parte do elemento do tipo, conforme sintetizou o Ac.Rel.Lx de 4/11/98 in "Col.Jur.", 1998, Tomo V, p.138 e 139: "Não é elemento do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna e azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica; basta que façam depender os resultados obtidos pelo jogador exclusivamente, de sorte, sem que o mesmo tenha possibilidade de os influenciar." Mas esta não pode deixar de ser considerada.
A situação dos autos versa sobre uma máquina que desenvolve jogos cujos prémio não é convertível em dinheiro e cujo funcionamento é em tudo semelhante ao poker e ao black jack 21.
Importa pois saber se este jogo pode ser encarados como sendo um jogo de fortuna ou azar ou uma modalidade afim tal como o legislador a colocou no seu art. 159º do diploma em apreço.
Ora, são modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, o que significa que também nas modalidades afins a esperança do ganho pode residir apenas na sorte. E isto mais não significa que a sorte não é o elemento distintivo entre o ilícito contraordenacional e o criminal.
A jurisprudência tem distinguido as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar a partir do tipo de operações oferecidas ao público. Com efeito, já se entendeu que uma operação é oferecida ao público quando existem prémios previamente fixados de que o público tenha conhecimento e para o qual seja solicitado pela forma como o jogo é apresentado, ainda que o risco de perda se limite ao preço pago para iniciar o jogo. Já se considerou que nas operações oferecidas ao público pode participar um número indeterminado de pessoas, sendo que nos jogos de fortuna ou azar, não só os prémios não são previamente fixados, como apenas pode jogar um número determinado de pessoas de cada vez (Ac. RL, de 6.11.90, CJ, 1990, V, 276).
Temos dois aspectos a considerar, como critérios legais. O primeiro reside no disposto no art. 159º nº 2 em que se considera serem casos de operações oferecidas ao público, e que consta do n.º 2 do art. 159º (rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos), enumeração essa meramente exemplificativa. O segundo critério, expresso no art. 161º nº 3 do mesmo diploma, preceitua que as modalidades afins “não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos”.
Do cotejo destes preceitos o que se impõe é aferir se o jogo em causa constitui crime, ou pelo contrário, contra-ordenação.
Esta não é uma operação simples pois pressupõe a interpretação de uma lei nem sempre clara e na qual a fronteira entre o ilícito penal e a contraordenação não resulta clara. Mas as normas apontadas são essenciais e ajudam na formação de um critério, por este Tribunal seguido, e que tem de ser alicerçada na lei. E esta consiste no (s) elemento (s) distintivo (s) entre o crime de jogo e a modalidade afim de jogo.
O primeiro critério que não se pode deixa de considerar reside no próprio elenco de jogos expressos no art. 4º e 161º nº 3. A lei é clara ao referir que os jogos cujos temas sejam de fortuna ou azar apenas podem ser explorados em casinos (ou lugares autorizados). E assim temos por certo que os jogos de bingo, as roletas francesas, o poker, entre outros exemplos, são sempre (crime de) jogo de fortuna ou azar, porque a sua temática é a própria dos jogos explorados pelo Estado. E note-se que existe quem defenda, e com muito sentido ao que cremos, que o bem jurídico protegido por esta legislação em apreço não consiste, em primeira mão nos jogadores/consumidores, mas sim apenas estes de forma reflexa, e de forma directa o bem jurídico visado reside na tutela do monopólio do Estado sobre a concessão dos jogos. E este é um argumento de peso. É que a legislação encontra-se em moldes que permitem concluir isso mesmo: é a tutela do monopólio estatal que subjaz a este diploma, e por esse motivo apenas os casinos e outras entidades autorizadas podem explorar estes jogos.
Assim sendo, temos que será sempre (independentemente do prémio atribuído) crime de jogo aquele que for constante do elenco do art. 4º (apenas permitida a sua exploração em casinos e também ele um elenco exemplificativo), e no art. 161º nº 3 do diploma em apreço, ou seja, jogos cuja temática é própria dos jogos de fortuna ou azar, em que o Estado tem o seu monopólio assegurado por essa via.
Por outro lado, importa considerar a natureza do prémio. É que o art. 4º, n.º 1, g), refere que constituem um dos tipos de jogos de fortuna ou azar, aqueles cuja exploração só é autorizada nos casinos (e outros locais devidamente autorizados), os “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” (sublinhado nosso). Esta alínea (única invocável no caso dos autos) surge na sequência de uma outra que define como um dos tipos de jogos de fortuna ou azar os “jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas”. Isto significa que na mente do legislador só poderão estar os jogos cujo prémio seja dinheiro ou fichas convertíveis em dinheiro: veja-se que na alínea g), depois de na alínea anterior se referirem jogos pagando directamente prémios em fichas ou moedas, se alude a jogos que não pagam directamente prémios em fichas ou moedas, ou seja, a jogos que, indirectamente, pagam prémios em fichas ou moedas.
Há uma nítida preocupação do legislador de acautelar que os jogos que envolvam o dispêndio e o pagamento de quantias avultadas só possam ser explorados em locais (os casinos) onde estejam assegurados a vigilância e o estrito cumprimento das regras de jogo, por forma a tornar efectiva a repressão das infracções mais graves (o crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar), por oposição às menos graves, a exploração ilícita das chamadas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar (cfr. o preâmbulo do DL 10/95, de 19/1, que alterou o DL 422/89, de 2/12).
Diga-se que o entendimento que propugnamos é corroborado pela circunstância de se ter estabelecido que as modalidades afins não podem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos, algo que o legislador quis reservar para os jogos de fortuna ou azar (art. 161º, n.º 3 do diploma em referência).
Posto isto, e face à definição legal de modalidades afins -«operações oferecidas ao público em que a esperança do ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem prémios com valor económico» (sublinhado nosso)-, temos então por certo que a diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos radica para além da temática do jogo, na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar: tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar.
Mas naturalmente que o primeiro pressuposto é que o tema desenvolvido não seja o da fortuna ou azar, pois encontra claramente o seu enquadramento como crime no elenco dos referidos art. 4º e 161º.
Ora, em causa temos duas máquinas (uma de chocolates apenas para um arguido e uma máquina que desenvolve quatro tipos de jogos comum aos demais arguidos): por um lado uma máquina – expositor que não desenvolve qualquer tema de jogo de fortuna ou azar, é na verdade um mero expositor, e que atribuir apenas chocolates. E essa não constitui ilícito penal mas sim meramente contra-ordenacional. Mas note-se que o arguido (F) vem acusado apenas da prática de um ilícito penal, pelo que a haver condenação não compete a este tribunal condenar por mais do que da acusação constava. Se o arguido vem acusado da prática de um crime, não se pode concluir pela prática de um crime e uma contra-ordenação, pelo que quanto a esta se determina a extracção de certidão para a entidade administrativa proceder em conformidade. Já quanto à máquina que desenvolve os quatro jogos em apreço, é de notar que se provou que o seu funcionamento é em tudo análogo ao poker, e ao black jack 21.
É certo que não atribui qualquer prémio, nem em dinheiro, nem em espécie, mas como já foi referido este é um outro critério legal. O primeiro, e aliás o único critério que se encontra claro é o que resulta do art. 4º e 161º nº 3. Os jogos que aí são enumerados apenas podem ser explorados em casinos (art. 3º). E nesse elenco encontra-se quer o poker, quer o black jack 21, jogos típicos de fortuna ou azar, explorados em casinos, e que o Estado quis chamar a si o monopólio sobre os mesmos. E por esse motivo, porque o tema dos jogos é de facto própria dos de fortuna ou azar a imputação criminal não pode deixar de operar.
E exactamente quanto ao poker que não paga prémios mas apenas pontos já o entendeu o STJ em 11/11/1998, inwww.dgsi.pt, em que é relator Leonardo Dias, ser um crime de fortuna ou azar, para uma máquina análoga em que o jogo é o poker, e o prémio pontos. Também o Tribunal da Relação de Lisboa em 17/12/1998, inwww.dgsi.pt, em que é relator Carmona da Mota, entendeu que uma máquina cujo jogo é o poker e o prémio pastilhas é crime de jogo. No mesmo sentido e para o jogo semelhante ao “joker” entendeu a mesma Relação, sendo relator Antunes Grancho, , inwww.dgsi.pt.
Isto significa que os jogos em apreço, desenvolvendo temas próprios dos jogos de fortuna (poker e black jack) ou azar, são sempre necessariamente crime de jogo de fortuna ou azar, cfr. art. 4º e 161º nº 3, independentemente do prémio que atribua, ou da sua inexistência. Em suma, máquinas que desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar constituem sempre crime, independentemente do prémio.
Resulta claro isso da lei e dos arts. 4º e 161º nº 3. Já quanto aos jogos que não sendo próprios (a sua temática) de jogos de fortuna ou azar mas que atribuam prémio em dinheiro, ou convertíveis em dinheiro, são igualmente crime, e nunca poderiam ser modalidade afim porque o art. 161º nº 3, na sua parte final, expressamente os exclui dizendo as modalidades afins de jogos de fortuna ou azar não podem desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (e exemplifica), nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos. Também nesse sentido a alínea f) do art. 4º o estabelece dizendo que constitui jogo de fortuna ou azar os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas.
Pelos motivos expostos, não se pode senão condenar os arguidos pelo crime de jogo ilícito pelo qual vêm acusados.
E nem se duvide do dolo dos arguidos que têm um estabelecimento aberto ao público, são todos comerciantes há largos anos, e há largos anos que se conhece a problemática do jogo proibido e permitido. Cita-se aqui a decisão da Relação de Lisboa de 2/12/2004, in dgsi. pt, onde se lê, citando por sua vez a sentença recorrida: dizer em Tribunal que se desconhece o funcionamento de máquinas e jogos o que se exploram em estabelecimentos comerciais não é de aceitar, sendo certo que quem explora um negócio e tem uma porta aberta se inteira de tudo o que vende e explora no estabelecimento, pelo que também aqui é a experiência comum que opera, não se podendo falar sequer em negligência e em matéria tão sensível.
E disso não tem também aqui o Tribunal dúvidas. Os arguidos não só não podiam ignorar a ilicitude da sua conduta, como não o fizeram, e se inexistem elementos para afirmar que agiram com dolo directo (com excepção do arguido (J) que sabia bem as máquinas que vende, conhecendo o seu funcionamento e disso faz modo de vida), agiram seguramente com dolo eventual, prevendo como possível a ilicitude do jogo, e conformaram-se com o resultado, actuando como a avestruz, escondendo-se, não querendo saber, e escudando-se no facto de não jogarem para tentar fundar um desconhecimento do jogo que exploravam. (…) “
Foi pois esta a fundamentação encontrada na decisão recorrida para afirmar a subsunção dos fatos ao crime imputado considerando de fortuna e azar o tipo de máquina de jogo apreendida dotada de programas de jogos equivalentes ao Poker e black Jack 21 próprios e em tudo semelhantes às dos casinos, independentemente de o prémio ser ou não convertível, nomeadamente em dinheiro ( artº 4º nº 1 g) da lei do Jogo- aprovada pelo DL 422/89 e com as alterações supervenientes-(- Declaração de 30 de Dezembro 1989;- DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro;- Lei n.º 28/2004, de 16 de Julho;- DL n.º 40/2005, de 17 de Fevereiro).
Nos termos do Artigo 108.º daquele diploma ( sob a epígrafe “exploração ilícita de jogo” )
« 1 - Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
2 - Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.»
Segundo o artº 159.º:
(Modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo)
«1 - Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.
2 - São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
3 - Sempre que qualquer modalidade afim do jogo de fortuna ou azar ou outras formas de jogo atinjam tal incremento público que ponham em perigo os bons costumes, ou esteja em causa a honestidade dos respectivos resultados, o membro do Governo responsável pela administração interna tomará as medidas convenientes à protecção dos interesses ofendidos, reprimindo ou restringindo a exploração e prática de tais modalidades.»
E finalmente, o Artigo 161º:
(…)
«3 - As modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159.º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.»
Logo por aqui se pode tirar a conclusão em como uma máquina de jogo com afectação de modalidade afim de jogo que tenha um jogo de fortuna e azar não pode ser permitida e não será por acontecer poder ter um jogo com essas características que passará a ser afim.
Pelas razões amplamente explicadas na decisão , que confirmamos pela sua justeza e acerto e sendo certo que os (parcos) argumentos do recorrente na tentativa de ajuizar os jogos detectados nas máquinas apreendidas como modalidades afins dos jogos de fortuna e azar, são claramente inconsistentes, não procede o recurso também nesta matéria.
C)- Por fim, a pena aplicada.
Vimos que, face aos critérios na sua determinação, o tribunal optou por multa ou substituição da prisão por multa nas penas parcelares e que optou por quantitativos diários baixos, quase perto do mínimo. Apresenta-se correcta a determinação, ponderada e proporcional às exigências de prevenção e censura. Mas entendemos que a pena de prisão resultante do cúmulo jurídico ( 1 ano e 4 meses) parece excessiva e desnecessária, desajustada das finalidades que com a mesma se visariam prevenir e salvaguardar. Assim, reduz-se aquela pena de prisão para um ano, mantendo-se porém suspensa na execução nos termos decididos, a qual porém, apenas será reduzida também a esse período de um ano por força da entrada em vigor do novo regime penal ( alterações ao CP introduzidas pela Lei 59/2007 de 4/9) em 15 de Setembro e que determina que o tempo de suspensão não possa ser superior ao tempo de pena aplicado.[6]
Deste modo, por se tratar de disposição mais favorável em concreto, ex vi do disposto no artº 2º nº 4 , 1ª parte do CP, a suspensão será de um ano.
III- DECISÃO
3.1.- Pelo exposto, julga-se o recurso apenas parcialmente procedente quanto à medida concreta da pena unitária a qual apenas se altera no limite da prisão (que se reduz a um ano) e no tempo de suspensão da respectiva execução (também reduzido a um ano), mantendo-se a decisão em tudo o mais.
3.2- Taxa de justiça a cargo do recorrente em 5 UC
(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator-artº 94º do CPP
Lisboa, 16 de Outubro de 2007
Os Juízes Desembargadores
Agostinho Torres
José Adriano
Vieira Lamim
_________________________________________________________________________ [1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95 [2] vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas. [3] Disponível em português e no site http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+CRE+20061114+ITEM-018+DOC+XML+V0//PT [4] Cuja intervenção resume bem o sentido do debate: “Senhor Presidente, gostaria de agradecer aos Comissários e aos meus colegas por se darem ao incómodo de discutir este assunto, que é, afinal, um assunto empolgante. Deixámos os jogos de azar e os jogos de azar “on-line” fora da Directiva relativa aos serviços, porque não ousamos tomar uma decisão sobre a matéria. Estes jogos são ainda abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 43º e 49º do Tratado e, neste momento – como os 11 processos de infracção também evidenciam – existe uma enorme incerteza jurídica entre os Estados-Membros e as empresas. Como poderemos resolver este problema?Congratulo-me com o facto de a Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores ter formulado esta pergunta oral, pois, afinal de contas, os problemas são reais. Por um lado, há o problema de esses jogos serem particularmente lucrativos para os Estados-Membros em termos de receitas fiscais, mas, por outro lado, eles também trazem consigo problemas sociais. No entanto, o principal problema é que, se num mercado onde é possível ganhar tanto dinheiro, não existir um quadro jurídico adequado, isso propicia inúmeras práticas ilegais em que as organizações criminosas são soberanas. Julgo, pois, que os políticos – e espero que o Comissário concorde comigo neste ponto – têm de aceitar este desafio e de ter a coragem de tomar decisões. Não podemos render-nos aos sábios juízes no Luxemburgo, que terão, então, de enfrentar esta complicada questão. Receio que, enquanto nós, políticos, não tomarmos as decisões correctas, muitos mais acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu irão seguir-se. Faço votos por que a Comissão e o Conselho acabem por conseguir solucionar o problema. Se assim não for, espero que o próprio Parlamento produza um relatório de iniciativa para garantir certeza jurídica, que é desesperadamente necessária atendendo aos problemas que existem - como a dependência, problemas de saúde pública, fundos ilícitos, branqueamento de capitais, e assim por diante. Temos de resolver este problema através de uma directiva tenaz e clara em matéria de jogos de azar e de jogos de azar “on-line”. [5] “ (…)Não há legislação comunitária específica que discipline o jogo. Por consequência, cabe aos Estados-Membros decidirem se e de que modo desejam regular os serviços de jogos de azar a nível nacional, regional ou local. Mas os princípios gerais do direito comunitário e o Tratado continuam em vigor e toda a legislação nacional deve impreterivelmente respeitá-los. A diversidade das abordagens nacionais pode gerar incerteza jurídica entre os prestadores de serviço e seus clientes, mormente nos casos em que a legislação nacional contrarie o direito comunitário. O debate desta noite é mais uma demonstração da diversidade de opiniões que existe a respeito dos serviços de jogos de azar. .(…)
[6] Com a referida alteração legislativa, passou agora a dispor o nº 5 do artº 50º do CP que “ — O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.”