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ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA DO LESADO
Sumário
I - A constatação de o condutor do veículo seguro, perante a evidência física, não fortuita, do placard publicitário, estar a impedir a passagem ao veículo que conduzia, em altura, ocupando parte da via, não sendo de todo algo inusitado pois o trânsito flui sob viadutos, pontes, faixas, e outros, ademais havendo obras a decorrer, sendo algo a que se deva estar atento, e que o condutor omitiu, não parando o veículo, e batendo na placard, é causa adequada à produção do embate e dos danos consequentes. II - Se a altura do placard estivesse sinalizada, era apesar de tudo possível que o embate ocorresse igualmente, apenas podendo diminuir as probabilidades de tal acontecer. O embate só não teria lugar se aquele corredor de trânsito não passasse por ali ou se o placard já tivesse sido removido. III - As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou a comodidade dos utentes das vias. O painel a ocupar parte do espaço da via considera-se um “obstáclo eventual” para os efeitos do artigo 3º-2 do CE, e como tal deve ser sinalizado. IV - Além disso deve ser removido o mais depressa possível devendo o proprietário que sabia que o painel tinha que ser retirado do local e não o tendo retirado no mais curto prazo possível, ficou ciente de que eventualmente o painel “estava a mais “, podia estorvar, sendo indesmentível que a sua permanência podia concorrer para a produção dos danos que ocorreram V – Se para a produção do acidente, para além do comportamento do condutor do veículo, concorreu a actuação do lesado, proprietário do placard, a situação deve ser apreciada à luz do disposto no art 570º- 1 do CCivil. F.G.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO
J. LDA., intentou acção declarativa de condenação com processo comum na forma ordinária contra COMPANHIA DE SEGUROS S.A., invocando sucintamente que se dedica à actividade publicitária, designadamente em suportes de publicidade de sua propriedade, instalados na via pública, denominados “MUPIS”. A A tinha instalado um “MUPI”, na Av. Júlio Dinis, em Loures, o qual no dia 21 de Novembro de 2001 foi embatido por um autocarro de passageiros, seguro na Ré, de que resultou a destruição total do “MUPI”, causando-lhe a perda de esc.: 3.901.456$00, correspondente a euros – 19.460,38. Invoca que o acidente se ficou a dever a culpa do condutor do veículo, que embateu num objecto de grandes dimensões, fixo, instalado no passeio, bem visível. Invoca a imperícia do condutor. Socorre-se da norma do artigo 483º- 1 do Código Civil, e também ainda da do artigo 503º- 1 do mesmo diploma. Demanda a Ré seguradora ao abrigo do disposto no artigo 8º do D.L. nº 522/85, concluindo pela condenação da Ré a pagar-lhe o aludido montante acrescido de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral e efectivo pagamento à taxa supletiva legal dos juros para as operações civis.
A Ré contesta, por impugnação.
Saneou-se o processo. Elencaram-se os factos assentes e teceu-se a base instrutória. Realizou-se o julgamento, com prova gravada.
Prolatou-se sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré da totalidade do pedido.
Inconformada, recorre a Autora, de apelação, recurso recebido, como efeito suspensivo.
Nas alegações de recurso apresenta a Autora as seguintes conclusões:
a)
1. O painel que sofreu o embate é um painel de grandes dimensões, que ocupava dois metros da faixa de rodagem por «onde seguia a viatura;
2. O painel era bem visível, não vindo provado que alguma coisa obstruísse a sua visibilidade;
3. A via encontrava-se em obras, e o condutor da viatura sabia-o, o que lhe impunha um especial dever de cuidado;
4. A A. não retirou o painel quando notificada para o fazer porque para tal é necessária a intervenção da EDP, e esta não compareceu no local para efeitos de remoção do painel, como o afirmaram as testemunhas em audiência;
5. A A. não teve culpa no acidente;
6. A falta de sinalização do obstáculo constituído pelo painel não contribuiu para o acidente, pois o painel era ele próprio mais visível do que qualquer eventual sinalização;
7. O condutor da viatura nada fez para evitar o obstáculo, não vindo provado que tenha diminuído a marcha ou procurado desviar-se ou passar com cuidado;
8. O condutor da viatura era obrigado a ter atenção aos eventuais obstáculos que pudessem existir desde o chão até à altura máxima da viatura por si conduzida;
9. O condutor da viatura violou os deveres gerais de diligência e atenção;
10. O condutor da viatura agiu, pois, com culpa efectiva;
11. A não se entender assim, então passa a ser livre embater em tudo o que se encontre imóvel na via, desde que não intencionalmente nem originado por violação a norma específica do Código da Estrada;
12. Decidindo como decidiu, a decisão recorrida violou os artigos 483° n° 1, 500°, 503° n° 1 e 570° n° 2, todos do Código Civil.
Conclui pela revogação da sentença recorrida, pela condenação da Ré no pedido, ou em parte deste se se entender que existe concorrência de culpas de outras entidades que não a Autora.
A Ré pugna pela bondade e manutenção do julgado.
II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
É entendimento pacífico ser pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo – artigos 690º- 1 e 684º- 3 do C.P.C., exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso - art. 660º - 2 – fim do mesmo diploma.
O tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas, dentro desse âmbito, para apreciação, com excepção das questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 660º - 2 -1ª parte do C.P.C..
É dominante o entendimento de que o vocábulo “ questões “ não abrange os argumentos, os motivos ou as razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja – entende-se por questões as concretas controvérsias centrais a dirimir – neste sentido o Ac. do STJ de 02-10-2003, in “ Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª secção “.
III - OBJECTO DO RECURSO
O Tribunal da Relação tem competência para conhecer tanto de questões de direito como de questões de facto.
Daanálise do conjunto das conclusões da Recorrente verifica-se que não indicou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como o artigo 690º A- 1 a) lhe impunha, nem cumpriu com o disposto na al. b) do mesmo artigo caso indicasse como fundamento o erro da apreciação das provas em julgamento.
O que a Recorrente faz é discordar do exame crítico da prova, bem como da indicação, interpretação e aplicação das normas que na 1ª instância se fez ( artigos 659º- 2 e 3 do C.P.C.).
Assim mantemos o factualismo provado na 1ª instância, como saído do julgamento, que o recurso não impugna.
Significa tal que o Tribunal ad quem assume a matéria de facto apurada na 1ª instância considerada relevante, podendo mediante presunções judiciais, fundadas nas máximas da experiência, nos princípios da lógica o nos juízos correntes de probabilidade, deduzir outros factos a partir dos factos apurados na 1ª instância, mas em regra não pode alterar as presunções aplicadas na 1ª instância - Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., pág. 229.
IV - A MATÉRIA PROVADA É ENTÃO A SEGUINTE:
1. A Autora dedica-se à exploração da indústria de publicidade sob todas as formas técnicas e comerciais possíveis - cf. certidão de fls. 69 e ss ..
2. A Autora tinha instalado, no passeio da Av. D. Dinis, em Loures, um "Mupi", modelo "Sénior Rue de La Paix Rotativo", a que deu o nº 20.
3. No dia 21 de Novembro de 2001, uma viatura pesada de passageiros da Rodoviária de Lisboa, com a matrícula 48-86-DE, embateu no "Mupi" da Autora.
4. A viatura era conduzida por J, funcionário da Rodoviária, que, na altura do embate, a utilizava no seu interesse.
5. Na altura do embate, a responsabilidade civil emergente da circulação da viatura com a matrícula 48-86- DE encontrava-se transferida para a Ré.
6. Por causa do embate, o "Mupi" ficou completamente destruído.
7. A Autora instou a Ré a pagar-lhe a quantia de Esc. 3.901.456$00, correspondente a 19.460,38 Euros, conforme documento de fls. 12.
8. Até agora, a Ré não entregou à Autora a quantia em causa.
9. Antes do embate, a viatura circulava na Av. D. Dinis, no sentido Patameiras/Odivelas.
10. A viatura 48-86-DE circulava num corredor criado na hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, o qual fora pavimentado e aberto à circulação rodoviária momentos antes do embate.
11. Antes do embate, a parte superior do painel publicitário (Mupi) ocupava dois metros do lado direito da hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo 48-86-DE.
12. O início da parte superior do painel publicitário (Mupi) distava, em altura, 2,3 metros do pavimento da hemi-faixa de rodagem direita.
13. O "Mupi" valia € 19.460,38 (Esc.: 3.901.456$00) -.
14. O corredor aberto à circulação, a que se alude em 9, estava delimitado por pinos (cones) de sinalização e estavam a decorrer obras de alargamento da via e de criação de novas zonas de estacionamento, quando se deu o embate.
15. A Autora foi avisada pela Câmara Municipal para remover
o painel ( MUPI) do local referido em 1.
V-AINDA O OBJECTO DO RECURSO
Daanálise do conjunto das conclusões da recorrente – artigos 684º, nº 3 e 690º do CPC, resulta que a apreciação do recurso se deve enquadrar no tratamento das questões seguintes:
1ª – a culpa da produção do acidente de viação deve-se ( ou não ) ao condutor do veículo – pontos 1 a 3, 7 a 9 das conclusões;
2ª – a culpa da produção do acidente não se ficou ( ou ficou ) a dever à Autora – pontos 4 a 6 das conclusões; (1)
VI - FUNDAMENTAÇÃO:
A presente acção destina-se a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco.
Fundamentalmente trata-se de um embate de um veículo pesado de transporte colectivo de passageiros, em circulação, com um painel publicitário, composto de uma parte aérea, suportada por outra ligada ao solo, sendo uma coisa amovível, numa via pública ( 2).
A responsabilidade civil emergente da circulação deste veículo por danos provocados a terceiros estava transferida, ao tempo - 21 de Novembro de 2001 -, para a Ré, por contrato de seguro, válido (3).
Na via em causa vigora o princípio da liberdade de circulação, com as restrições constantes do C.E. e legislação complementar – (4).
Pelo conjunto de factos provados, e em face do croquis, que não está em crise, podemos verificar a dinâmica do acidente assim:
A viatura 48-86-DE circulava num corredor criado o qual fora pavimentado e aberto à circulação rodoviária momentos antes do embate – facto 10.
O corredor aberto à circulação estava delimitado por pinos (cones) de sinalização – facto 14.
Estavam a decorrer obras de alargamento da via e de criação de novas zonas de estacionamento, quando se deu o embate – facto 14.
Antes do embate, a parte superior do painel publicitário (Mupi) ocupava dois metros do lado direito da hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo 48-86-DE – facto 11.
Pelo facto 12 se conclui que apenas era possível passar sob o painel um veículo com menos 2,3 metros de altura.
O autocarro embateu com a frente superior na parte inferior do painel propriamente dito que ocupava parte do espaço disponível no corredor de passagem. O painel ficou totalmente destruído, e caiu ao chão – facto 6 e croquis policial.
O poste que segura o painel estava fora do corredor de circulação criado – croquis de fls. 10.
O croquis do acidente – doc. que com o nº 1 foi junto com a petição - não está impugnado nestes elementos – ver artigo 14º da contestação.
O painel ficou totalmente destruído e valia – facto 13 - € 19.460,38 (Esc.: 3.901.456$00), sendo este o montante do dano apurado.
A Autora foi avisada pela Câmara Municipal para remover
o painel, que era da Autora, do local – facto 15, e que o não removeu antes do embate, e que igualmente não foi removido antes
de abrirem ao trânsito aquele corredor acabado de asfaltar,
momentos antes.
O artigo 24º - 1 do Código da Estrada em vigor à data do embate – (
2 ) dispõe que : o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo; à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa,em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever, e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente .(sublinhado nosso ).
Ora, o condutor do veículo sabia, ao circular no local, que decorriam obras, que aquele corredor estava aberto, delimitado por pinos, pelo aspecto do piso, côr, aderência, verificou que era muito recente; sabia certamente a altura do veículo que conduzia, tendo necessária e mentalmente assumido o espaço livre exigido pelas leis da física para o mesmo veículo caber, e, perante um objecto fixo, estacionário, com parte aérea no espaço de circulação, não fortuito, não vê o objecto na parte aérea, ou se o vê ignora o mesmo, não acciona os travões de modo a, com segurança, deter a marcha do veículo no espaço livre e visível à sua frente, não evitando bater no painel com a parte superior do veículo que conduzia.
É que duas coisas não cabem no mesmo espaço ao mesmo tempo.
O condutor do veículo seguro violou esta norma do Código da Estrada.
O painel não surgiu inopinadamente. Conta para a determinação do espaço livre e visível. Esta regra pressupõe que não se verifiquem condições anormais ou factos que alterem de súbito essa visibilidade, e o painel a impedir a passagem na totalidade na parte superior do veículo é uma circunstancia relevante a que a norma aludida manda ater. É o chamado excesso de velocidade relativa.
O Código Civil acolhe no artigo 653º a doutrina da causalidade adequada. Numa formulação positiva (5) entende-se que determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo, se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, esta acção ou omissão se mostra à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar.
A constatação de, segundo os factos apurados, o condutor do veículo seguro, perante a evidência física, não fortuita, do placard publicitário, estar a impedir a passagem ao veículo que conduzia, em altura, ocupando parte da via, não sendo de todo algo inusitado pois o trânsito flui sob viadutos, pontes, faixas, e outros, ademais havendo obras a decorrer, sendo algo a que se deva estar atento, e que o condutor omitiu, não parando o veículo, e batendo na placard, é causa adequada à produção do embate e dos danos consequentes.
Se a altura do placard estivesse sinalizada, era apesar de tudo possível que o embate ocorresse igualmente, apenas podendo diminuir as probabilidades de tal acontecer. O embate só não teria lugar se aquele corredor de trânsito não passasse por ali ou se o placard já tivesse sido removido.
No entanto é preciso olhar às condições concretas no momento em que o condutor conduzia o pesado de transportes colectivos, e não trabalhar em ambientes irreais.
Esta a transgressão causal do acidente – artigo 24º- 1 do C.E..
Se a transgressão a esta norma se não tivesse verificado – isto é, se o condutor do veículo tivesse cumprido a norma em causa, e consequentemente detido a marcha do veículo, o embate e os danos não teriam ocorrido.
Para a comissão do ilícito contravencional do Código da Estrada e seu normativo regulamentar basta a verificação da violação de um dever de cuidado, basta uma acção ou omissão negligentes.
Nas acções de indemnização por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante – artigo 487º- 1 do Código Civil – esta tarefa está aliviada com o recurso à chamada prova de primeira aparência, por presunções simples. O lesante é que tem de provar o facto justificativo ou os factos que façam criar a dúvida no espírito do juiz (6).
E essa contra-prova não está feita. Voltaremos ainda ao ponto ( artigo 572º do Código Civil).
Encontrada a responsabilidade por mera culpa, não há que averiguar a existência de responsabilidade pelo risco.
O montante dos danos está apurado. A responsabilidade civil para os danos de terceiros decorrente da condução do veículo em causa estava transferida para a Ré seguradora, sendo esta portanto obrigada a indemnizar o lesado pelos danos provocados – artigos 483º- 1 e 564º do Código Civil.
A versão da Ré na sua contestação parte do princípio de que após averiguações conclui pela inexistência de culpa do condutor do veículo seguro, uma vez que:
1- circulava a uma velocidade “ moderada “ de cerca de 30/40 Kms/H;
2- após ter passado um cruzamento foi surpreendido por um painel publicitário pertencente à Autora, sem que tivesse qualquer sinalização a indicar a existência e colocação do painel dentro da faixa de rodagem, pois que, segundo veio a apurar no local tinham decorrido obras de alargamento da via;
3- a Autora apesar de avisada pela Câmara Municipal de Loures, não procedeu à remoção do painel;
4-acrescenta que o painel encontrava-se não só a ocupar a via, como também distava do solo 2,30 metros, sem qualquer sinalização que permitisse ao condutor desviar-se em segurança, e atempadamente, motivo porque o condutor do veículo embateu no painel;
Pela matéria de facto apurada em 1ª instância verifica-se que este encadeamento lógico tem brechas.
Quanto ao ponto 1- à velocidade – para o caso não tem relevo, apenas que era essa, mesmo depois de passar um cruzamento, local onde deve ser especialmente moderada – artigo 25º al. f) do Código da Estrada (2). Por outro lado o facto não se provou – resposta à pergunta 2 – e de uma resposta negativa nada se tira.
Quanto ao ponto 2 alegada surpresa pela existência do sinal, não está circunstanciada, fundamentada em factos de onde a mesma possa ser extraída. Depois a parte onde se alega que, segundo veio a apurar no local existiam obras, não é compaginável com a prova que se fez, e igualmente já constava do croquis, da existência de um corredor de trânsito delimitado por cones de sinalização, pavimentado e aberto à circulação momentos antes. A existência dos pinos delimitadores do corredor, o piso novo que qualquer condutor verifica pela côr, pela aderência, e a existência de obras que decorriam, são factos verificáveis à passagem do local por um condutor atento ao trânsito, tanto mais que eram 12 horas e fazia bom tempo – ver fls. 8 e 9 – havendo luz natural.
As obras que decorriam no local tinham alargado a faixa de rodagem inclusivamente para uns espaços de estacionamento, de forma que o painel, que antes das obras se encontraria afastado da faixa de rodagem, com elas – e não tendo sido retirado - ficou “ em cima “ dela – croquis e facto 14 dos provados.
Sabemos que o painel não estava sinalizado, e que a Autora apesar de avisada pela CM Loures para retirar do local o painel não o tinha feito. Já o pormenor da segurança – do ponto 4 – em referir que não havia sinalização do painel que permitisse ao condutor do autocarro desviar-se atempadamente e em segurança sem nele lhe bater, fica por explicar. A oportunidade da defesa teve-a a Ré na contestação – artigo 489º do C.P.C. – e não há outros factos, de conhecimento mesmo oficioso, mesmo instrumentais que tenham resultado da instrução e julgamento da causa, que devem ser levados em conta – artigo 264º- 2 do C.P.C.
Analisando agora a sentença recorrida:
No tocante à indagação, interpretação e aplicação da norma – artigo 664º do C.P.C. o juiz está liberto de quaisquer constrangimentos impostos pelas partes-, na 1ª instância não se verificou a violação de qualquer norma estradal, ou fonte de responsabilidade civil por actos ilícitos ou pelo risco por parte do condutor do veículo seguro, nem presumida do comitente por via do disposto no artigo 503º- 3- 1ª parte do Código Civil, quer por falta de prova dos respectivos requisitos, quer – no tocante à culpa presumida – por se ter entendido que se provaram factos demonstrativos de circunstâncias anormais que levam a inculpar a Autora e terceiros pela eclosão do acidente.
O aresto recorrido acentua o facto de não se ter feito nenhuma prova no sentido da existência de sinalização de modo a prevenir o obstáculo, com que a partir dos 2,30 metros de altura, se deparou o condutor do autocarro ( e se depararia outro condutor ), contra o qual veio a embater. Esta actuação omissa é imputada ao dono da obra, ao empreiteiro da obra, que deveriam ter colocado sinalização adequada no local, e ainda à Autora, pois ficou provado que a Câmara Municipal de Loures a avisou para remover o painel publicitário do local onde se deu o embate.
Conclui pela imputação do acidente à própria lesada – Autora ou a terceiros ( a Câmara Municipal de Loures, o empreiteiro ), absolvendo a Ré do pedido.
Vejamos:
Os aludidos terceiros não estão demandados nestes autos, nem neles tiveram intervenção.
Provou-se em 15 que: A Autora foi avisada pela Câmara
Municipal para remover o painel ( MUPI) do local referido.
O painel não estava sinalizado. Portanto, a Autora igualmente não sinalizou de qualquer modo a sua existência.
A única maneira de evitar de todo embates como o dos autos passava por suas medidas: uma era a de não abrir aquele corredor de trânsito, uma vez que embora pavimentado, não estava retirado o painel, que tem algumas fundações de estrutura e ligações eléctricas. A outra medida seria a de abrir o corredor a veículos com altura inferior a 2,30 m, contando ainda com os pneumáticos das viaturas, e desviar dali a circulação de veículos de altura igual ou superior a essa.
Não foi feito.
O Código da Estrada em vigor – nota (2) – no artigo 3º- 2 dispõe que as pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou a comodidade dos utentes das vias.
Trazendo para o caso sub iudice o que a jurisprudência tem decidido sobre este texto legal temos que: O painel a ocupar parte do espaço da via considera-se um “obstáculo eventual” para os efeitos do artigo 3º -2 do CE e como tal deve ser sinalizado por tal forma que o trânsito a veículos de altura superior ao painel teria de ser desviado do corredor em que o painel estava; além disso deve ser removido o mais depressa possível devendo o proprietário usar todas as diligências para isso.
Nestas condições o proprietário tem de ser diligente na remoção, tem de sinalizar o obstáculo, de modo a analisar-se o estabelecimento ou não do nexo de causalidade adequada da sua acção ou omissão para aferir da responsabilidade do proprietário não diligente pelos danos causados.
A Autora, como proprietária do painel, apesar de avisada pela CML para retirar o painel, não o fez.
Embora a Autora alegue uma justificação – ponto 4 das conclusões das alegações de recurso - ( qual seja a de na hora marcada para tal os funcionários da EDP imprescindíveis não compareceram ), o certo é que nada se provou sobre se a Autora sabia se ia ser aberto por aquele local um corredor de trânsito, sem qualquer sinalização, que evitasse a veículos com mais de 2,3 m de altura circularem pelo mesmo local; nada se sabe sobre se a Autora foi ou não avisada da data prevista para a abertura do corredor; nada se sabe sobre se foi dado prazo à Autora para retirar o painel.
Mas, o mais relevante não é a omissão da Autora na retirada do painel mas sim a abertura do corredor de trânsito, sem se ficar a saber se foi ou não dado conhecimento à Autora que isso ia acontecer. Não se abrindo o corredor, o painel não fazia perigar o trânsito.
A simples omissão da Autora, tem as consequências do artigo 486º do Código Civil, mas há requisitos.
A omissão do comportamento devido em causa ( o de retirar o painel publicitário) por parte da Autora, objectivamente considerado, não chega para defenir a ilicitude. É necessário o aspecto subjectivo , que consiste na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente, de forma a poder formular-se a respeito da sua conduta o referido juízo de reprovação: numa palavra – exige-se a culpabilidade - Prof. Pessoa Jorge, in Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 69.
E este aspecto subjectivo, se o considerar-mos face ao disposto no artigo 3º- 2 do Código da Estrada, onde basta a negligência, não se prova, uma vez que – não se sabendo se a Autora sabia que ia ser Aberto no local um corredor de trânsito – o objecto por retirar não violava a norma, e o aspecto subjectivo, sem o objectivo, não chega para verificar a violação da norma, nem a Autora está a coberto de uma negligência presumida juris tantum (6). Este aspecto subjectivo se o considerarmos à luz do artigo 486º do Código Civil, igualmente não resulta provado.
Cabe verificar que os danos em causa não podem ser entendidos como provocados pelo painel, e cabe verificar que a actividade comercial da Autora não é perigosa para efeitos disposto no artigo 493º-1 e 2 do Código Civil.
VII -A NOSSA POSIÇÃO:
Não há presunções aplicadas na 1ª instância que cumpre respeitar – vd ponto 3 – objecto do recurso supra l.
Está provado em 15 dos factos que a Autora foi avisada pela C. M.Loures para retirar o painel e o não fez.
Já vimos que não encontramos uma norma do Código Estradal que tenha sido violada pela Autora, e que por isso, acarrete a tal omissão, por inerência uma presunção de negligência.
É inquestionável por outro lado que o lesado não retirou o painel, avisado para tal, e também não provou factos justificativos e ou atenuativos dessa sua omissão.
O artigo 570º -1 do Código Civil dispõe que: quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida, ou mesmo excluída.
O nº 2 do artigo está afastado por não haver presunção de negligência que penalize a Autora por via de eventual violação de regra estradal, ou outra.
Este dispositivo aplica-se ao instituto da responsabilidade civil como a todos os casos em que a lei imponha ao agente ou a terceiro o dever de indemnizar o lesado ( RLJ, 101º, 217).
A expressão acto culposo do nº 1 visa afastar os actos do lesado que embora contribuindo para a produção ou agravamento do dano não traduzam um comportamento censurável por não se poder afirmar que ele tenha agido com negligência – ( A. Varela, Obrigações, 667 ), isto é, o nº 1 aplica-se às situações não afastadas pelo nº 2.
Sobre o nº 1, socorrendo-nos da lição de Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, vol. 1º, 3ª ed. Coimbra Editora, pág. 556 e 557 - temos que a culpa do lesado não se presume; que a responsabilidade deve basear-se na culpa efectiva do agente segundo a regra geral do artigo 487º do C. Civil, e que as culpas do lesado e do responsável podem não ser simultâneas, podendo ser sucessivas.
A culpa é apreciada, à falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família.
A culpa, como noção, ( 7) deve considerar todos os aspectos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do lesado, olhando o lado individual, subjectivo, deste. Assim a Autora, com o facto provado 15, sabia que o painel jamais podia continuar naquele sítio, face às obras de requalificação em curso e não tendo retirado o painel no mais curto prazo possível, ficou ciente de que eventualmente o painel “ estava a mais “, podia estorvar, sendo indesmentível que a sua permanência concorreu para a produção dos danos que ocorreram, depois, num outro momento, e noutras circunstâncias alheias à actuação omissa da Autora, com a conduta do condutor do veículo seguro na Ré, após a abertura de um corredor de circulação automóvel por sob parte do painel demasiado baixo, para as necessidades do tráfego. Tendo em conta a culpa da Autora – diluída - e a infracção estradal do condutor do veículo seguro na Ré, para cuja comissão basta a negligência, - mas determinante para a produção dos danos -, nos termos do artigo 570º- 1 do Código Civil-, tudo ponderado, entende-se que a indemnização concedida à Autora, lesada, deve ser reduzida na percentagem de 25%, atento o seu peso na concorrência.
VIII – DECISÃO
Pelo que fica exposto, acorda este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se a Ré a pagar à autora a importância de euros 14.595,29, a que acrescem juros de mora vencidos desde a citação e vincendos, até integral e efectivo pagamento, à taxa supletiva legal para as operações civis – hoje 4% ao ano -, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.
Custas na 1ª instância e nesta em ¼ pela Autora e em ¾ pela Ré.
Lisboa, 16.10.2007
( Rui Correia Moura )
( Rui Torres Vouga )
( Azadinho Loureiro )
______________________________________________________
(1) – Os pontos 10 e 11 das conclusões são questões de direito.
(2) - Artigo 1º a) do Código da Estrada aprovado pelo Decreto Lei nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, quem entrou em vigor a 21-10-2001.
(3) – Certo é que a apólice do seguro não foi junta. Não o tendo sido pela Autora, deveria ser a Ré a fazê-lo. Porém, a Ré aceitou a existência e consequente validade do seguro. Com a juntada da apólice ter-se-iam evitado alguns lapsos sempre lamentáveis, tais como: 1- a fls. 51 o substabelecimento junto refere os poderes não da Ré mas sim da “ Império Bonança- Companhia de Seguros S.A”;2 – o próprio despacho judicial de fls. 84 refere esta outra seguradora e não a Ré.
(4) - Artigo 3º 1 do Código a Estrada.
(5) – Prof. Galvão Telles, Manual de Direito das Obrigações, 1957, vol. I, pág. 191, e por todos Manual d e Acidentes de Viação de Dário Almeida, Almedina, 2ª edição, fls. 82 e ss.
(6) - Ac.TRC, de 21-5-1985, in. Col. Jur., Tomo III, pág. 81. Idem:
Em matéria de responsabilidade civil resultante de acidente de trânsito, cujo dano foi provocado por uma contravenção ao Código da Estrada , existe uma presunção juris tantum por negligência contra o autor da contravenção - Ac. do S.T,J. de 3-3-1990, in B.M.J., 395, pág. 534.
(7)- No artigo 483º do C.Civil o dolo aparece ao lado da negligência ( mera culpa ) como uma das modalidades possíveis da culpa, do nexo de imputação do facto ilícito ao agente, e não como um elemento da descrição factual completa da acção - Antunes Varela, in das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª edição, Almedina, página 473. A ilicitude e a culpa são pressupostos distintos e autónomos da responsabilidade civil – página 483. Abrangem aspectos diferentes, embora em certos sentidos complementares, da conduta do autor. A ilicitude considera a conduta objectivamente, como negação de valores tutelados pela ordem jurídica. supra. A culpa considera todos os aspectos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do agente, olha ao lado individual, subjectivo, do facto ilícito, embora na apreciação da negligência a lei apele, para um padrão de carácter objectivo.