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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
JUROS DE MORA
TAXA DE JURO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
SOCIEDADE COMERCIAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
GERENTE
Sumário
I - Num contrato de prestação de serviço entre duas sociedades comerciais, a estipulação por escrito de uma taxa de juro, aplicável à mora no pagamento de honorários pela beneficiária do serviço, igual à taxa legal acrescida de 5%, significa que a taxa convencional é composta pela taxa de juro supletiva comercial mais o referido acréscimo percentual. II – Mas se o autor no seu requerimento de injunção pede juros a uma taxa inferior à acordada, segundo o princípio do dispositivo, é essa taxa que deve ser aplicada na sentença que venha a ser proferida no desenvolvimento do processo. III – A responsabilização dos gerentes, dos administradores ou dos directores perante os credores da sociedade comercial só é legalmente possível quando nos autos existam factos concretos que preencham dois requisitos cumulativos: a) o incumprimento culposo por aqueles das disposições legais ou contratuais protectoras dos referidos credores e b) a insuficiência do património da sociedade para a satisfazer os seus credores. J.A.P.
Texto Integral
Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
A, LDA., instaurou o presente procedimento especial de injunção, para cumprimento de obrigação pecuniária, nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, contra O, LDA., J, M, P e R, todos com domicílio na sede da 1.ª requerida.
Pretende a Requerente o pagamento pelos requeridos de Euros 4.257,75, quantia relativa aos serviços de contabilidade que a Requerente prestou à primeira requerida de Janeiro a Dezembro de 2003 e de Janeiro a Outubro de 2004, bem como impressos.
Os Requeridos deduziram oposição reconhecendo a existência do contrato de prestação de serviços entre a primeira requerida e a Requerente, mas impugnam o montante dos juros pedidos, reputando-os de ilegais, por a taxa legal ser de 4% ao ano e não 11%, acrescentando ainda que os restantes requeridos nada devem à Requerente.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção em parte procedente, condenando a 1.ª requerida a pagar à Requerente a quantia de Euros 3500,67, acrescida de juros vencidos, às taxas sucessivas de 9,09%; 9,05%; 9,25%; 9,83% e 10,58%, e vincendos até integral pagamento, à taxa legal. Mais foi a 1.ª requerida condenada a pagar à Requerente a quantia de 89 euros, a título de taxa de justiça paga. Os restantes requeridos foram absolvidos do pedido.
Inconformada, a Requerente apelou para este Tribunal pedindo, nas suas alegações, que a sentença recorrida seja substituída por outra que lhe conceda juros à taxa legal, acrescida de cinco pontos percentuais no pagamento de honorários para além do prazo de vencimento, a cargo de todos os requeridos.
Conclui, em síntese, o seguinte:
1. As partes convencionaram por escrito a taxa legal de juros acrescida de 5% aquando da celebração do contrato de prestação de serviços e de assessoria fiscal.
2. Pelo que o valor da dívida nesta data ascende a Euros 4.727,67, continuando a vencer juros à taxa legal acrescidos de 5% até efectivo pagamento.
3. Essa quantia deve ser liquidada pela sociedade O, devendo os seus sócios-gerentes ser vinculados ao pagamento dessa mesma importância, com juros até efectivo pagamento, mais Euros 89,00 a título de taxa de justiça paga, bem como o valor da taxa de justiça em recurso.
4. Os gerentes da sociedade por quotas são responsáveis em acção directa perante os credores da sociedade, quando o facto praticado constituir inobservância de disposição legal ou contratual destinada a proteger os credores sociais e quando o património social se tenha tornado insuficiente para satisfação dos créditos desses credores.
Os Requeridos contra-alegaram concluindo, em síntese, do seguinte modo:
1. A dívida dos autos resulta de falta de pagamento dos serviços prestados pela apelante à 1.ª recorrida, sendo-lhe aplicável a taxa de juros relativa às operações comerciais.
2. Como se vê da p.i., a requerente, ora recorrente, limita o pedido à condenação no pagamento da factura n.º 2401 e juros.
3. Não tendo invocado nem o património social da 1.ª R., nem o património “de elevado valor” dos sócios, nem as eventuais dívidas contraídas pela sociedade, nem a insolvência desta.
4. A 1.ª recorrida tentou a transacção em audiência, sem sucesso.
5. A sentença recorrida fez correcto apuramento dos factos e adequada aplicação do direito, devendo ser confirmada.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões que se retiram das conclusões da requerente: a) a taxa de juro aplicável à dívida em causa e b) a responsabilidade dos gerentes da ré por esta dívida.
Porém, a primeira questão encerra uma subquestão relacionada, por um lado, com a escassez de matéria de facto dada como provada e, por outro lado, com a existência de um documento titulando o contrato de prestação de serviços, que não foi tido em conta nos «factos provados», embora não tenha sido alvo de qualquer impugnação.
Na verdade, no acordo de fls. 6 a 8 dos autos, intitulado «Contrato de Prestação de Serviços de Contabilidade e Assessoria Fiscal» foi convencionada uma taxa de juro, quantificada pelos juros legais mais um acréscimo de 5%. Todavia, não obstante se encontrar reduzida a escrito, como a lei exige, na sentença recorrida não se deu como provada esta estipulação de juros, apesar de a ré confessar a existência do referido contrato de prestação de serviço entre ela e a autora e de não impugnar qualquer dos seus termos.
Impõe-se, portanto, nos termos do art.º 712.º, n.º 1, al. b) do CPC, proceder à ampliação da matéria de facto a ter em conta na decisão, a fim de se apurar da validade da referida estipulação de juros.
II – Fundamentação A – Factos provados.
1 – No âmbito da sua actividade comercial, a A. forneceu à R. Oeirastop os produtos referidos na factura n.º 2401, datada de 31-10-2004, e com vencimento nessa data, no valor de € 3500,67;
2 - A R. não efectuou o pagamento da quantia aludida em 1.
3 – Entre a ora Ré, como primeira outorgante, e a ora A., como segunda outorgante, foi celebrado um acordo pelo qual esta última se obrigou a, mediante retribuição, executar contabilidade da primeira outorgante, assumindo a competente responsabilidade técnica pelas áreas contabilística geral e fiscal não jurídica.
4 – Mais ficou estabelecido que «O pagamento de honorários acordados para além do prazo de vencimento expressa na nota de honorários ou factura, confere à Segunda Outorgante o direito de debitar juros, à taxa legal, acrescidos de cinco pontos percentuais, desde o termo do prazo estabelecido e o efectivo pagamento» - cláusula IX do documento de fls. 6 a 8. B - Apreciação jurídica
As partes celebraram um contrato de prestação de serviço, ou seja, um acordo pelo qual «uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» (art.º 1154.º do C. Civ.. No caso dos autos, como se viu, a ora autora e recorrente comprometeu-se a, mediante retribuição, executar contabilidade da primeira outorgante, ora ré, assumindo a competente responsabilidade técnica pelas áreas contabilística geral e fiscal não jurídica. E, prevendo a possibilidade de a beneficiária do serviço se poder atrasar no pagamento dos honorários acordados, estipularam também as partes uma obrigação de juros à referida taxa contratual. Ora, tendo-se verificado a constituição da devedora em mora, o que aliás ela própria admite, nas suas alegações, o dissídio está apenas na taxa a que devem ser calculados esses juros.
1. Taxa de juro aplicável
Perante o teor da referida cláusula contratual, resulta claro que as partes quiseram estabelecer entre si uma taxa de juros que não se limitasse à taxa supletiva legal, mas que a excedesse em 5%. Esta taxa, como não existe garantia real, está ainda ao abrigo de qualquer qualificação como usurária (art.ºs 102.º, § 2, do Cód. Com., 559.º-A e 1146.º do C. Civ.). Todavia, o Sr. Juiz do Tribunal recorrido entendeu aplicar apenas as sucessivas taxas supletivas legais de juro comercial, ignorando a taxa fixada por acordo, apesar de a referida cláusula obedecer à forma legal prevista o art.º 559.º, n.º 2, do C. Civ..
Os juros legais a que as partes se reportam no contrato têm de ser entendidos como os juros comerciais, pois trata-se de duas sociedades comerciais, sendo uma delas a titular do crédito. Com efeito, nos termos do n.º 3 do art.º 102.º do Código Comercial, a taxa de juro de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, é fixada por Portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça e não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1.º de Janeiro ou Julho, consoante se esteja perante, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7%. De acordo com as portarias e os avisos da Direcção-Geral do Tesouro, as taxas legais sucessivamente em vigor em matéria de juros comerciais, são as seguintes: 9,09%, de 1.1.2005 a 30.06.2005; 9,05%, de 1.7.2005 a 31.12.2005; 9,25%, de 1.1.2006 a 30.06.2006; 9,83%, de 1-7-2006 a 31.12.2006; 10,58%, de 1.1.2007 a 30.06.2007; e 11,07%, de 1.7.2007 a 31.12.2007. A estas taxas deverão, no caso sub juditio, acrescer os cinco por cento convencionados. Resultarão assim aplicáveis, sobre o capital em dívida nestes autos, respectivamente, as seguintes taxas convencionais:14,09%, 14,05%, 14,25%, 14,83%, 15,58% e 16,07%.
No entanto, a Autora, ora recorrente, na sua peça inicial de injunção pede apenas que a requerida lhe pague o capital de 3.500,67 euros, acrescido de 664,00 euros de juros de mora à taxa de 11% desde 31-10-2004 até «à presente data», ou seja até à entrada do requerimento injuntivo em juízo, a 4 de Julho de 2006. É este pedido que, por força do princípio do dispositivo, contido no art.º 661.º, n.º 1, do CPC, limita a condenação.
Por outro lado, o poder de cognição deste Tribunal de recurso está balizado pelas conclusões das alegações da recorrente e, assim sendo, cumpre-lhe apenas dilucidar as duas questões acima enunciadas, ou seja, a taxa de juro aplicável e a eventual responsabilidade dos recorridos pessoas singulares.
No que à taxa de juro diz respeito, verifica-se que a A., ora recorrente, tinha direito a receber juros de mora às aludidas taxas convencionais sucessivamente aplicáveis. Porém, como no seu requerimento inicial pediu juros a uma taxa inferior à convencionada no contrato, é apenas com base nessa taxa de 11% ao ano que, nestes autos, a ré pode ser condenada a pagar-lhe juros sobre o referido capital de 3500,67 euros, perfazendo os vencidos 664,00 euros. 2. A responsabilidade dos gerentes
Os gerentes, os administradores ou os directores das sociedades comerciais só respondem para com os credores sociais quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para satisfação dos respectivos créditos – art.º 78.º do Código das Sociedades Comerciais.
No caso em apreço, a A., ora recorrente, não alegou quaisquer factos que, a provarem-se, preenchessem aqueles requisitos cumulativos e indispensáveis para se configurar uma situação de responsabilidade das pessoas singulares aqui demandadas com a ré sociedade, e igualmente recorridos, na qualidade de gerentes desta. Ora, não tendo a A. cumprido o ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos do direito que se arroga sobre os mencionados gerentes, outra solução não restava ao Tribunal a quo senão absolver do pedido, e bem, os restantes réus, mantendo na acção apenas a ré sociedade. III – Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso em parte procedente e, em consequência: 1. Revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a ré no pagamento de juros comerciais às referidas taxas sucessivas de 9,09%; 9,05%; 9,25%; 9,83% e 10,58%. 2. Condena-se a ré a pagar à A. juros de mora à taxa de 11% ao ano sobre o capital de 3500,67 euros, desde 31-10-2004 até integral pagamento, sendo os vencidos no valor de 664,00 euros. 3. No mais confirma-se a douta sentença.
Custas a cargo da Recorrida e da Recorrente na proporção do vencido. Notifique.
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Lisboa, 16 de Outubro de 2007
João Aveiro Pereira
Rui Vouga
José Gabriel Silva